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Document 62004CJ0006
Judgment of the Court (Second Chamber) of 20 October 2005. # Commission of the European Communities v United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland. # Failure of a Member State to fufil obligations - Directive 92/43/EEC - Conservation of natural habitats - Wild fauna and flora. # Case C-6/04.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 20 de Outubro de 2005.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Incumprimento de Estado - Directiva 92/43/CEE - Conservação dos habitats naturais - Fauna e flora selvagens.
Processo C-6/04.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 20 de Outubro de 2005.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Incumprimento de Estado - Directiva 92/43/CEE - Conservação dos habitats naturais - Fauna e flora selvagens.
Processo C-6/04.
Colectânea de Jurisprudência 2005 I-09017
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:626
Processo C‑6/04
Comissão das Comunidades Europeias
contra
Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte
«Incumprimento de Estado – Directiva 92/43/CEE – Conservação dos habitats naturais – Fauna e flora selvagens»
Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 9 de Junho de 2005
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 20 de Outubro de 2005
Sumário do acórdão
1. Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Transposição por outra via que não a legislativa – Limites – Gestão de um património comum – Necessidade de transposição exacta pelos Estados‑Membros
(Artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE; Directiva 92/43 do Conselho, artigos 11.°, 12.°, n.° 4, e 14.°, n.° 2)
2. Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Zonas especiais de conservação – Obrigação de evitar a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies – Alcance
(Directiva 92/43 do Conselho, artigo 6.°, n.° 2)
3. Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Zonas especiais de conservação – Obrigações dos Estados-Membros – Avaliação das incidências de um projecto sobre um sítio – Surgimento da obrigação de proceder a uma avaliação
(Directiva 92/43 do Conselho, artigo 6.°, n.° 3)
4. Ambiente – Preservação dos habitats naturais bem como da fauna e da flora selvagens – Directiva 92/43 – Protecção das espécies – Derrogações – Interpretação em sentido estrito – Derrogações incompatíveis com a directiva – Violação das medidas de protecção das espécies constantes dos artigos 12.° e 13.° da directiva e das derrogações previstas no artigo 16.° da mesma
(Directiva 92/43 do Conselho, artigos 12.°, 13.° e 16.°)
1. Embora a transposição de uma directiva para o direito interno não exija necessariamente uma repetição formal e textual do seu conteúdo numa disposição legal expressa e específica, pode, em função do seu conteúdo, ser suficiente para tanto um contexto jurídico geral, desde que este assegure efectivamente a plena aplicação da directiva de um modo suficientemente claro e preciso. A este propósito, importa determinar, em cada caso concreto, a natureza da disposição prevista numa directiva, à qual se refere a acção por incumprimento, a fim de avaliar a extensão da obrigação da transposição que incumbe aos Estados‑Membros.
Contudo, a exactidão da transposição reveste‑se de especial importância na medida em que a gestão do património comum é atribuída, para os seus territórios, aos Estados‑Membros. Daqui resulta que, no âmbito da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, que contém regras complexas e técnicas no domínio do direito do ambiente, os Estados‑Membros estão especialmente obrigados a garantir que as respectivas legislações destinadas a assegurar a transposição dessa directiva sejam claras e precisas, incluindo naquilo que se refere às obrigações essenciais de vigilância e de fiscalização, como as que são impostas às autoridades nacionais pelos artigos 11.°, 12.°, n.° 4, e 14.°, n.° 2, da referida directiva.
(cf. n.os 21, 22, 25, 26)
2. Para aplicar o artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, que obriga os Estados‑Membros a evitarem, nas zonas especiais de protecção, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, tanto pode ser necessário adoptar medidas destinadas a evitar prejuízos e perturbações externas causados pelo Homem como medidas destinadas a neutralizar evoluções naturais susceptíveis de deteriorar o estado de conservação das espécies e dos habitats naturais nas referidas zonas.
(cf. n.os 33, 34)
3. O artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, sujeita a exigência de uma avaliação adequada das incidências de um plano ou projecto não directamente relacionados com a gestão de um sítio em zona especial de protecção à condição de haver uma probabilidade ou um risco de este último afectar o sítio em causa de modo significativo. Tendo em conta, em especial, o princípio da precaução, tal risco existe quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que o referido plano ou projecto afecta o sítio em causa de modo significativo.
(cf. n.° 54)
4. O artigo 16.° da Directiva 92/43, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, define de forma precisa as situações em que os Estados‑Membros podem derrogar as disposições relativas à protecção das espécies previstas nos artigos 12.° a 15.°, alíneas a) e b), deve ser interpretado restritivamente. Além disso, os artigos 12.°, 13.° e 16.° da mesma directiva formam um conjunto coerente de normas que pretendem assegurar a protecção das populações das espécies em causa, pelo que qualquer derrogação que seja incompatível com esta directiva viola tanto as proibições constantes dos artigos 12.° ou 13.° desta última como a regra segundo a qual as derrogações podem ser concedidas nos termos do seu artigo 16.°
(cf. n.os 111‑112)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
20 de Outubro de 2005 (*)
«Incumprimento de Estado – Directiva 92/43/CEE – Conservação dos habitats naturais – Fauna e flora selvagens»
No processo C‑6/04,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 9 de Janeiro de 2004,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. van Beek e L. Flynn, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por C. Jackson, na qualidade de agente, assistida por K. Smith, barrister,
demandado,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Schintgen, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis e J. Klučka (relator), juízes,
advogada‑geral: J. Kokott,
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,
vistos os autos e após a audiência de 26 de Maio de 2005,
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 9 de Junho de 2005,
profere o presente
Acórdão
1 Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, ao não ter transposto correctamente as exigências da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva habitats»), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva.
Quadro jurídico
Legislação comunitária
2 Nos termos do seu artigo 2.°, n.° 1, a directiva habitats tem por objecto contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado CE é aplicável.
3 Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da mesma directiva, os Estados‑Membros designam zonas especiais de protecção (a seguir «ZEP»), com vista à manutenção ou ao restabelecimento, num estado de conservação favorável, dos tipos de habitats naturais e dos das espécies de interesse comunitário. Estas zonas devem fazer parte de uma rede ecológica europeia, denominada «Natura 2000».
4 O artigo 6.° da directiva habitats tem por objecto medidas de conservação necessárias para garantir a protecção das ZEP. A vigilância do estado de conservação das espécies e habitats naturais de interesse comunitário rege‑se pelo artigo 11.° desta directiva. Os artigos 12.° e 13.° desta última referem‑se às medidas de protecção das espécies animais e vegetais. O artigo 14.° é relativo à colheita e captura de espécimes das espécies da fauna e da flora selvagens. O artigo 15.° proíbe determinados meios não selectivos de formas de captura ou abate de determinadas espécies da fauna selvagem. Quanto ao artigo 16.° da referida directiva, define as condições nas quais os Estados‑Membros podem derrogar, para fins determinados, algumas disposições desta directiva.
5 Nos termos do artigo 23.°, n.° 1, da directiva habitats, os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe darem cumprimento no prazo de dois anos a contar da sua notificação e desse facto informar imediatamente a Comissão. A referida directiva foi notificada aos Estados‑Membros em 10 de Junho de 1992.
Legislação nacional
6 As principais medidas de transposição da directiva habitats no Reino Unido, relevantes no presente caso, são as seguintes:
– O Regulamento de 1994 sobre a conservação dos habitats naturais [Conservation (Natural Habitats, &c.) Regulations 1994, a seguir «Regulations 1994»], aplicável em Inglaterra, no País de Gales e na Escócia.
– O Regulamento de 1995 sobre a conservação dos habitats naturais na Irlanda do Norte [Conservation (Natural Habitats, &c.) Regulations (Northern Ireland) 1995, a seguir «Regulations 1995»], aplicável na Irlanda do Norte.
– O Despacho de 1991 relativo à protecção da natureza (Nature Protection Ordinance 1991), alterado pelo Regulamento de 1995 sobre a protecção da natureza [Nature Protection Ordinance (Amendment) Regulations 1995, a seguir «Ordinance 1991»], aplicável no território de Gibraltar.
– A Lei de 1970 relativa à protecção das focas (Conservation of Seals Act 1970, a seguir «lei sobre as focas»).
7 A regulation 3(2) das Regulations 1994 preceitua que o Secretary of State, o Minister of Agriculture, Fisheries and Food e as entidades de protecção da natureza exercem as funções que lhes são atribuídas pela legislação em matéria de protecção da natureza de forma a garantir o cumprimento das exigências da directiva habitats.
8 A regulation 3(4) das Regulations 1994 prevê que, sem prejuízo da disposição referida do número anterior, todas as autoridades competentes tomam em consideração, no exercício das suas funções, as exigências da directiva habitats na medida em que essas exigências possam ser afectadas pelo exercício das referidas funções.
Fase pré‑contenciosa
9 Em 6 de Novembro de 2000, a Comissão enviou ao Reino Unido uma notificação para cumprir na qual alegou que determinadas disposições da directiva habitats não tinham sido correctamente transpostas para o direito interno deste Estado‑Membro.
10 As autoridades britânicas responderam a essa notificação para cumprir por ofício de 27 de Fevereiro de 2001. Reconheceram que quanto a duas questões, relativas às actividades petrolíferas e de gás desenvolvidas no mar e ao alargamento do âmbito de aplicação da directiva habitats fora das águas territoriais, a notificação para cumprir era justificada, mas contestaram a maioria das restantes acusações aí feitas.
11 Não convencida pelas explicações dadas pelo Reino Unido, a Comissão emitiu, em 18 de Julho de 2001, um parecer fundamentado no qual reiterou as suas acusações e convidou este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao referido parecer no prazo de dois meses contados da sua notificação.
12 Na resposta a esse parecer fundamentado, o Reino Unido, por ofício de 27 de Novembro de 2001, manifestou à Comissão a sua intenção de alterar a sua legislação a fim de criar uma maior segurança jurídica e maior clareza relativamente a várias questões suscitadas no parecer fundamentado, mantendo no entanto que, de forma geral, as medidas em vigor respeitam as disposições da directiva habitats (a seguir «ofício de 27 de Novembro de 2001»).
13 Por último, por ofício de 2 de Dezembro de 2003, a Comissão foi informada pelas autoridades britânicas do estado em que se encontrava o processo de aprovação das alterações da legislação nacional com vista a assegurar uma melhor transposição da directiva habitats.
14 Nestas condições, a Comissão decidiu intentar a presente acção.
Quanto à acção
Quanto à forma de transposição da directiva habitats
Argumentos das partes
15 A Comissão critica o Reino Unido por não ter transposto de forma apropriada a directiva habitats para o seu ordenamento jurídico. Entende em especial que foi sem razão que este Estado‑Membro adoptou uma disposição geral a fim de preencher eventuais lacunas das disposições especiais destinadas a assegurar essa transposição.
16 O Reino Unido sustenta que transpôs correctamente a directiva habitats ao adoptar, de forma a assegurar a respectiva transposição, legislação que contém não apenas exigências específicas, mas também obrigações gerais e procedimentos administrativos. Estas obrigações gerais devem ser lidas em conjugação com as exigências específicas dessa legislação, que completam, o que assegura uma aplicação adequada e efectiva da referida directiva.
17 As autoridades britânicas baseiam‑se, em especial, na regulation 3(2) das Regulations 1994, cujas disposições equivalentes são, para a Irlanda do Norte, a regulation 3(2) e (4) das Regulations 1995 e, para Gibraltar, a section 17A da Ordinance 1991. Com efeito, estas disposições impõem aos ministros, aos organismos de protecção da natureza e a todas as autoridades públicas competentes que exerçam as suas funções de forma a assegurar o respeito das exigências da directiva habitats.
18 A Comissão entende, pelo contrário, que as disposições gerais invocadas pelo Reino Unido não são suficientemente precisas para garantir a transposição para o direito nacional das obrigações específicas impostas pela referida directiva.
19 Com efeito, para determinar o âmbito dos seus direitos e obrigações, os particulares têm sempre de se reportar à directiva habitats, situação que não respeita as exigências de segurança jurídica nem os requisitos de especificidade, precisão e clareza exigidas pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça.
20 A Comissão acrescenta que, caso o Tribunal de Justiça entenda seguir a lógica da argumentação do Reino Unido, a referida directiva poderia provavelmente ter sido integralmente transposta por essa disposição genérica, o que seria contrário à exigência da especificidade várias vezes recordada pela jurisprudência relativa à transposição de directivas.
Apreciação do Tribunal
21 A título liminar, há que recordar que, nos termos do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, a directiva vincula o Estado‑Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios de aplicação no direito interno da directiva em causa. Contudo, segundo jurisprudência constante, embora a transposição de uma directiva para o direito interno não exija necessariamente uma repetição formal e textual do seu conteúdo numa disposição legal expressa e específica, pode, em função do seu conteúdo, ser suficiente para tanto um contexto jurídico geral, desde que este assegure efectivamente a plena aplicação da directiva de um modo suficientemente claro e preciso (v., designadamente, acórdãos de 9 de Abril de 1987, Comissão/Itália, 363/85, Colect., p. 1733, n.° 7; de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, C‑361/88, Colect., p. I‑2567, n.° 15, e de 7 de Janeiro de 2004, Comissão/Espanha, C‑58/02, Colect., p. I‑621, n.° 26).
22 A este propósito, importa determinar, em cada caso concreto, a natureza da disposição prevista numa directiva, à qual se refere a acção por incumprimento, a fim de avaliar a extensão da obrigação da transposição que incumbe aos Estados‑Membros (v. acórdão de 26 de Junho de 2003, Comissão/França, C‑233/00, Colect., p. I‑6625, n.° 77).
23 Ora, não se pode aceitar o argumento do Reino Unido de que atribuir poderes específicos aos organismos de conservação da natureza e impor‑lhes uma obrigação geral de exercer as suas funções de forma a assegurar o respeito pelas exigências desta directiva é o modo mais adequado de dar aplicação à directiva habitats.
24 Com efeito, há que recordar, em primeiro lugar, que a existência de normas nacionais só pode tornar supérflua a transposição feita através de medidas legislativas ou regulamentares específicas se essas normas garantirem efectivamente a plena aplicação da directiva pela administração nacional.
25 Em segundo lugar, há que referir que resulta do quarto e do décimo primeiro considerandos da referida directiva que os habitats e as espécies ameaçadas fazem parte do património natural da Comunidade Europeia e que as ameaças que pesam sobre eles são muitas vezes de natureza transfronteiriça, pelo que a adopção de medidas de conservação incumbe, a título de responsabilidade comum, a todos os Estados‑Membros. Consequentemente, como refere a advogada‑geral no n.° 11 das conclusões, a exactidão da transposição reveste‑se de especial importância num caso como o do presente processo, na medida em que a gestão do património comum é atribuída, para os seus territórios, aos Estados‑Membros [v., por analogia, para a Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125), acórdãos de 8 de Julho de 1987, Comissão/Itália, 262/85, Colect., p. 3073, n.° 39, e de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França, C‑38/99, Colect., p. I‑10941, n.° 53].
26 Daqui resulta que, no âmbito da directiva habitats, que contém regras complexas e técnicas no domínio do direito do ambiente, os Estados‑Membros estão especialmente obrigados a garantir que as respectivas legislações destinadas a assegurar a transposição dessa directiva sejam claras e precisas, incluindo naquilo que se refere às obrigações essenciais de vigilância e de fiscalização, como as que são impostas às autoridades nacionais pelos artigos 11.°, 12.°, n.° 4, e 14.°, n.° 2, da referida directiva.
27 Ora, resulta da análise da legislação invocada pelo Reino Unido que esta última se caracteriza por uma tal generalidade que não se consubstancia numa aplicação das disposições da directiva habitats com a precisão e a clareza necessárias para satisfazer plenamente a exigência de segurança jurídica (v., por analogia, acórdão de 17 de Setembro de 1987, Comissão/Países Baixos, 291/84, Colect., p. 3483, n.° 15) e que também não prevê um quadro legal preciso no domínio em questão, que garanta uma aplicação plena e total desta directiva e que permita igualmente uma aplicação harmonizada e eficaz das regras que impõe (v., por analogia, acórdão de 10 de Março de 2005, Comissão/Alemanha, C‑531/03, não publicado na Colectânea, n.° 19).
28 Daqui resulta que as obrigações gerais previstas na legislação do Reino Unido não asseguraram uma transposição satisfatória das disposições da directiva habitats referidas na petição da Comissão e não são portanto susceptíveis de preencher eventuais lacunas das disposições específicas destinadas a assegurar tal transposição. Consequentemente, deixa de ser necessário examinar os argumentos do Reino Unido baseados nas obrigações gerais contidas na referida legislação no momento da análise das acusações concretas da Comissão.
Quanto às acusações da Comissão
Quanto à acusação relativa à transposição incompleta do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats
29 Tendo em consideração determinadas precisões apresentadas pelo Reino Unido, a Comissão desistiu, na sua réplica e na audiência, da acusação de violação do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats, relativamente à Inglaterra, ao País de Gales, à Escócia e à Irlanda do Norte, mantendo‑a, no entanto, relativamente a Gibraltar.
30 A Comissão sustenta que o Reino Unido, ao limitar‑se a preservar os sítios designados de qualquer actividade susceptível de causar perturbações, sem ter também cuidado de evitar qualquer deterioração resultante de negligência ou de omissão, não assegurou a transposição completa do artigo 6.°, n.° 2, desta directiva em Gibraltar.
31 O Governo do Reino Unido, sem contestar efectivamente os argumentos da Comissão, entende que apenas devem ser evitadas deteriorações não naturais.
32 Para mais, alega que na Ordinance 1991 criou um regime de fiscalização completo e rigoroso. Este regime põe em prática de forma adequada a directiva habitats, em especial quando lido em conjugação com a regra geral prevista na section 17A da ordinance.
33 A este propósito, há que recordar, em primeiro lugar, que o artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva obriga os Estados‑Membros a evitarem a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies.
34 Como refere a advogada‑geral no n.º 19 das conclusões, é evidente que, para aplicar o artigo 6.º, n.º 2, da directiva habitats, tanto pode ser necessário adoptar medidas destinadas a evitar prejuízos e perturbações externas causados pelo Homem como medidas destinadas a neutralizar evoluções naturais susceptíveis de deteriorar o estado de conservação das espécies e dos habitats naturais.
35 Em segundo lugar, há que referir que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, as disposições do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats não tinham sido objecto de uma reprodução formal na legislação aplicável em Gibraltar. Com efeito, a section 17G da Ordinance 1991, que autoriza as autoridades competentes a celebrarem acordos relativos à gestão de um sítio com os seus proprietários ou possuidores, parece ser a única disposição aplicável em Gibraltar destinada a evitar eventuais deteriorações.
36 Ora, não se pode deixar de observar que esta disposição só confere às referidas autoridades uma autorização não vinculativa e que não permite evitar deteriorações, contrariamente às exigências do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats.
37 Assim, na medida em que o direito interno não contém nenhuma disposição expressa que obrigue as autoridades competentes a evitarem a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, contém um elemento de insegurança jurídica relativamente às obrigações que essas autoridades têm de respeitar.
38 Resulta do exposto que, seja como for, as disposições do artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats não foram transpostas de forma clara, precisa e completa em Gibraltar.
39 Nestas condições, há que considerar procedente a acusação relativa à transposição incompleta do artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva, na parte relativa a Gibraltar.
Quanto à acusação relativa à transposição incompleta do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats
40 A Comissão sustenta que a legislação em vigor no Reino Unido não transpõe correctamente estas disposições em três domínios específicos, a saber, para os planos e projectos de captação de água, para os planos de utilização dos solos e, relativamente a Gibraltar, para a reapreciação das licenças de construção existentes.
– Quanto aos planos e projectos de captação de água
41 Segundo a Comissão, nenhuma disposição de direito interno prevê que as autorizações de captação de água, emitidas nos termos do capítulo II, parte II, da Lei de 1991 sobre os recursos aquáticos (Water Resources Act 1991), devem respeitar a obrigação, imposta pelo artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, de tomar em consideração as incidências significativas que as captações de água podem ter nos sítios que fazem parte de uma ZEP. Disposições semelhantes também não existem na Irlanda do Norte e em Gibraltar. As captações de água, que podem afectar as ZEP de maneira significativa, não estão portanto nem totalmente abrangidas nem correctamente regulamentadas pelas medidas de transposição em vigor no Reino Unido.
42 A Comissão acrescenta, no seu ofício de 27 de Novembro de 2001, que o Reino Unido indicou que as disposições pertinentes das Regulations 1994 seriam alteradas a fim de clarificar a legislação relativa às actividades de captação de água.
43 O Reino Unido alega, pelo contrário, que implementou, em conjunto com as disposições gerais, um sistema que permite determinar com antecedência, para cada sítio, as actividades potencialmente danosas.
44 A este propósito, há que recordar que, por força do artigo 6.°, n.° 3, da directiva, os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de o afectarem de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação deste último.
45 Ora, no presente caso, não foi contestado que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, nenhuma disposição legal previa expressamente que os planos e os projectos de captação de água deviam ser objecto dessa avaliação.
46 Por outro lado, há que observar que o sistema instituído pela legislação do Reino Unido, na parte em que prevê, em substância, que todos os planos e projectos de captação de água que preencham as condições previstas no artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats são à partida considerados potencialmente danosos para o sítio em causa, não é susceptível de garantir o respeito das exigências dessa disposição.
47 Com efeito, como refere a advogada‑geral no n.° 33 das suas conclusões, embora essa avaliação prévia dos riscos potenciais se possa apoiar em factos concretos relativamente ao sítio, o mesmo não acontece relativamente aos próprios projectos, contrariamente ao que é exigido no artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, por força do qual há que proceder a uma avaliação adequada das incidências do projecto no sítio em causa. Consequentemente, o facto de se limitar a definir as actividades potencialmente danosas para cada sítio em causa pode causar o risco de determinados projectos susceptíveis de afectarem esse sítio devido às suas características específicas não serem abrangidos.
48 Também não procede o argumento do Reino Unido segundo o qual, no que se refere à Escócia, a Lei de 2003 sobre o ambiente e os serviços aquáticos (Water Environment and Water Services Act 2003) estabeleceu, no âmbito da transposição da Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água (JO L 327, p. 1), a estrutura de um novo sistema completo de captação de água que introduziu fiscalizações equivalentes às previstas no artigo 6.°, n.os 2 e 3, da directiva habitats.
49 É jurisprudência assente que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado e que as alterações posteriormente ocorridas não são tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 30 de Janeiro de 2002, Comissão/Grécia, C‑103/00, Colect., p. I‑1147, n.° 23, e de 30 de Maio de 2002, Comissão/Itália, C‑323/01, Colect., p. I‑4711, n.° 8).
50 Considerando o exposto, há que concluir que o Reino Unido não transpôs correctamente o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats, no que se refere aos planos e projectos de captação de água.
– Quanto aos planos de utilização dos solos
51 A Comissão considera que a legislação em vigor no Reino Unido não impõe claramente a obrigação de submeter os planos de utilização dos solos a uma avaliação adequada das suas incidências nas ZEP, conforme disposto no artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats.
52 Segundo a Comissão, embora os planos de utilização dos solos não autorizem por si os projectos de desenvolvimento e ainda que estes últimos tenham de ser objecto de uma licença emitida nos termos dos procedimentos habituais, influenciam consideravelmente as decisões tomadas nesta matéria. Entende portanto que esses planos devem também ser objecto de uma avaliação adequada das suas incidências no sítio em causa.
53 O Reino Unido reconhece que os planos de utilização dos solos podem ser considerados planos e projectos na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats, mas contesta que possam ter um efeito significativo nos sítios protegidos nos termos desta última. Sustenta que os referidos planos não permitem, por si só, realizar um programa determinado e que, consequentemente, só uma autorização posterior pode prejudicar esses sítios. Segundo este Estado‑Membro, basta submeter essa autorização ao procedimento que regula os planos e projectos.
54 A este propósito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já considerou que o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats sujeita a exigência de uma avaliação adequada das incidências de um plano ou projecto à condição de haver uma probabilidade ou um risco de este último afectar o sítio em causa de modo significativo. Tendo em conta, em especial, o princípio da precaução, tal risco existe quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que o referido plano ou projecto afecta o sítio em causa de modo significativo (v., neste sentido, acórdão de 7 de Setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, Colect., p. I‑7405, n.os 43 e 44).
55 Ora, como refere correctamente a Comissão, a section 54A da Lei de 1990 relativa ao ordenamento do território (Town and Country Planning Act 1990), que preceitua que os pedidos de licença de construção devem ser examinados à luz dos planos de utilização dos solos, implica necessariamente que esses planos podem influenciar consideravelmente as decisões tomadas na matéria e, consequentemente, os sítios em causa.
56 Resulta assim do exposto que, ao não submeter os planos de utilização dos solos a uma avaliação adequada das suas incidências nas ZEP, o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats não foi transposto de forma suficientemente clara e precisa para o ordenamento jurídico do Reino Unido e, consequentemente, há que considerar procedente a acção intentada pela Comissão relativamente a esta questão.
– Quanto à reapreciação das licenças de construção existentes em Gibraltar
57 A Comissão sustenta que, relativamente a Gibraltar, as autoridades competentes não cumprem as exigências do artigo 6.° n.° 3, da directiva habitats na medida em que não são obrigadas a reapreciar se as licenças de construção existentes afectam os sítios protegidos por esta última.
58 A este propósito, há que referir que, como lembra com razão a advogada‑geral no n.° 55 das conclusões, embora essa obrigação de reapreciação a posteriori se possa basear no artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats, não deixa de ser verdade que o n.° 3 desse artigo não contém nenhuma disposição que obrigue os Estados‑Membros a efectuarem essa reapreciação.
59 Pelo contrário, resulta da redacção dessa disposição que o procedimento previsto deve ser implementado antes de os Estados‑Membros darem o seu acordo para a realização de planos ou de projectos susceptíveis de afectarem o sítio em causa.
60 Daqui resulta que esta parte da acusação relativa à transposição incompleta do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats não procede.
Quanto à acusação relativa à não transposição dos artigos 11.° e 14.°, n.° 2, da directiva habitats
61 A Comissão acusa o Reino Unido de não ter transposto para o seu direito interno as obrigações de vigilância enunciadas nessas disposições. Sustenta que, enquanto as referidas obrigações não forem claramente impostas às autoridades competentes, não lhe será possível determinar se a vigilância exigida é efectivamente assegurada.
62 Para sustentar esta acusação, a Comissão invoca o ofício de 27 de Novembro de 2001, no qual o Reino Unido especificou, por um lado, que um dever de vigilância foi implicitamente imposto às autoridades competentes e, por outro, que foram introduzidas alterações às Regulations 1994, às Regulations 1995 e à Ordinance 1991, com o objectivo de reforçar a segurança jurídica através de disposições mais específicas do que as dessa legislação.
63 Segundo o Reino Unido, os artigos 11.° e 14.°, n.° 2, da directiva habitats dispõem simplesmente que os Estados‑Membros devem assegurar a vigilância, sem impor qualquer exigência específica quanto à forma de a efectuar nem quanto à forma pela qual a legislação nacional deve implementar essa vigilância. Alega ainda que a lista das actividades de vigilância efectuadas nos termos da sua legislação nacional prova que é assegurada uma vigilância eficaz no Reino Unido, nos termos dos artigos 11.° e 14.°, n.° 2, da referida directiva.
64 A Comissão replica dizendo que nunca afirmou que não tinha sido efectuada qualquer vigilância sobre o estado de conservação das espécies e dos habitats naturais no Reino Unido. Sustenta, em contrapartida, que a obrigação de vigilância não é claramente implementada neste Estado‑Membro nem claramente atribuída a uma autoridade especial deste último.
65 A este propósito, há que recordar, em primeiro lugar, como referido no n.° 26 do presente acórdão, que a obrigação de vigilância é essencial para o efeito útil da directiva habitats e que tem esta tem de ser objecto de uma transposição detalhada, clara e precisa.
66 Ora, há que concluir que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, nenhuma disposição de direito interno impunha obrigações de vigilância das espécies e dos habitats naturais às autoridades nacionais.
67 Em segundo lugar, o argumento do Reino Unido segundo o qual a lista das actividades de vigilância exercidas demonstra que é assegurada uma vigilância eficaz não procede. Com efeito, como foi já afirmado pelo Tribunal de Justiça, a conformidade de uma prática, admitindo‑a provada, com os imperativos de protecção de uma directiva não pode constituir uma razão para a não transposição dessa directiva para a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, acórdão de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, já referido, n.° 24).
68 Assim, na medida em que está demonstrado que o direito interno do Reino Unido não contém qualquer obrigação legal que imponha às autoridades nacionais que vigiem o estado de conservação das espécies e dos habitats naturais, esse direito interno comporta um elemento de insegurança jurídica. Consequentemente, não é garantido que seja efectuada uma vigilância sistemática e permanente do referido estado de conservação.
69 Daqui resulta que os artigos 11.° e 14.°, n.° 2, da directiva, não foram objecto de uma transposição completa, clara e precisa no Reino Unido.
70 Consequentemente, há que considerar procedente a acusação relativa à não transposição dos artigos 11.° e 14.°, n.° 2, da directiva habitats.
Quanto à acusação relativa à transposição incorrecta do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats
71 A Comissão alega que o Reino Unido não transpôs correctamente a obrigação de tomar as medidas necessárias para instituir um sistema de protecção rigorosa das espécies animais, através da proibição da deterioração ou da destruição dos locais de reprodução ou das áreas de repouso destas últimas. A legislação nacional utiliza o verbo «danificar» («to damage») em vez do termo «deterioration» empregue no artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da versão inglesa da directiva habitats.
72 Ora, em primeiro lugar, a Comissão alega que a utilização do verbo «to damage» implica que os efeitos de uma deterioração resultante da negligência ou da inactividade das autoridades competentes não são abrangidos. Contudo, na réplica, a Comissão reviu este argumento, reconhecendo que a referida disposição não exige que os sítios de reprodução e as áreas de repouso das espécies em causa sejam protegidas de uma deterioração devida a negligência ou a inactividade das referidas autoridades. Nestas condições, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre esta questão.
73 Em segundo lugar, a Comissão alega que, ao ter‑se limitado a erigir em infracção os actos que tenham por efeito danificar ou deteriorar os sítios de reprodução ou as áreas de repouso das espécies em causa, sem proibir a deterioração destes últimos, as medidas de transposição da directiva habitats introduzem uma condição ligada ao carácter intencional do acto danoso não prevista no artigo 12.°, n.° 1, alínea d), desta última.
74 O Reino Unido não contesta que o artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats exige a proibição das actividades que conduzam à deterioração ou à destruição dos sítios em causa. No entanto, contesta a interpretação que a Comissão faz da legislação nacional segundo a qual a transposição no Reino Unido, com excepção de Gibraltar, desta directiva se limita aos actos deliberados ou intencionais.
75 A este propósito, resulta de jurisprudência constante que, no quadro de uma acção por incumprimento proposta nos termos do artigo 226.° CE, incumbe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado, sem se poder basear em presunções (v., designadamente, acórdãos de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos, 96/81, Recueil, p. 1791, n.° 6, e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Áustria, C‑194/01, Colect., p. I‑4579, n.° 34).
76 Consequentemente, tendo o Reino Unido alegado que o seu direito interno em vigor é conforme com o artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, cabia à Comissão, para demonstrar a falta absoluta de transposição completa da directiva, fornecer ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para este apreciar a existência de tal incumprimento.
77 Ora, não decorre dos autos que a Comissão tenha fornecido elementos susceptíveis de provar que a transposição da referida directiva se limita a actos deliberados ou intencionais. Pelo contrário, verifica‑se que a infracção penal prevista no direito interno no Reino Unido, que pune os actos que danifiquem ou destruam um sítio, é uma infracção material que de nenhuma forma exige que o dano ou a destruição seja deliberado ou intencional.
78 Nestas condições, não tendo a Comissão provado que o Reino Unido, com excepção de Gibraltar, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats, há que considerar improcedente esta parte dessa acusação.
79 Relativamente a Gibraltar, basta referir que o Reino Unido reconhece que, ao proibir apenas a deterioração ou a destruição intencional dos sítios de reprodução ou as áreas de repouso em causa, a legislação aplicável em Gibraltar não cumpre as exigências do referido artigo 12.°, n.° 1, alínea d). Assim, há que considerar procedente esta parte dessa acusação.
80 Em terceiro lugar, a Comissão indica que a legislação do Reino Unido, na versão actual, só protege os sítios de reprodução e as áreas de repouso contras as actividades que tenham uma incidência directa sobre eles, não tomando em consideração os danos indirectos, nos termos exigidos no artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats.
81 Este argumento não procede. Com efeito, a Comissão não apresentou qualquer elemento susceptível de demonstrar o incumprimento do Reino Unido relativamente a este ponto.
82 Resulta do exposto que a acusação relativa à transposição incorrecta do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), da directiva habitats é parcialmente procedente.
Quanto à acusação relativa à transposição incompleta dos artigos 12.°, n.° 2, e 13.°, n.° 1, da directiva habitats
83 A Comissão considera que as medidas nacionais que visam transpor a proibição de detenção, transporte, venda ou troca dos espécimes de espécies animais e vegetais não respeitam o limite temporal fixado nesses artigos.
84 A este propósito, basta referir que o Reino Unido reconheceu, na fase escrita e na audiência, que as derrogações em vigor no seu direito interno são mais amplas que as previstas na directiva habitats e que, consequentemente, as disposições em causa não foram correctamente transpostas neste Estado‑Membro.
85 Assim, a acusação de transposição incompleta dos artigos 12.°, n.° 2, e 13.°, n.° 1, da referida directiva é procedente.
Quanto à acusação de transposição incorrecta do artigo 12.°, n.° 4, da directiva habitats
86 A Comissão considera que as medidas de transposição adoptadas pelo Reino Unido não contêm qualquer disposição que exija a implementação de um sistema de vigilância como o previsto no referido artigo 12.°, n.° 4, no que se refere às capturas e abates acidentais de determinadas espécies animais. Por não dispor de informações mais concretas, a Comissão não pode determinar se essa vigilância é efectivamente assegurada.
87 A este propósito, basta referir que o Reino Unido reconheceu, por um lado, que a legislação nacional não contém qualquer disposição tendente a instaurar tal sistema de vigilância e, por outro, no seu ofício de 27 de Novembro de 2001, que essa legislação devia ser alterada por forma a que essa vigilância possa ser expressamente implementada.
88 Em qualquer caso, não se verifica que tal medida tenha sido adoptada dentro do prazo fixado no parecer fundamentado.
89 Consequentemente, há que considerar procedente a acusação relativa à transposição incorrecta do artigo 12.°, n.° 4, da directiva habitats.
Quanto à acusação relativa à transposição incorrecta do artigo 15.° da directiva habitats
90 A Comissão acusa o Reino Unido de não ter respeitado as obrigações decorrentes do artigo 15.° da directiva habitats. Em primeiro lugar, censura este Estado‑Membro por só ter proibido métodos expressamente enumerados no anexo VI, alíneas a) e b), desta directiva, sem prever uma proibição geral de utilizar meios não selectivos. Em segundo lugar, a Comissão considera que os artigos 1.° e 10.° da lei sobre as focas se limitam a proibir a utilização de dois meios de abate das focas, ao mesmo tempo que prevêem, sob a forma de autorizações emitidas pelo Secretary of State, derrogações que parecem ultrapassar as que são autorizadas pela referida directiva.
– Quanto à inexistência de uma proibição geral de todos os meios não selectivos
91 A Comissão alega que a legislação do Reino Unido não contém qualquer proibição geral de utilização de todos os meios não selectivos susceptíveis de provocar localmente a extinção ou de perturbar gravemente a tranquilidade das populações das espécies de fauna selvagem em causa. Assim, esta legislação não permite evitar o aparecimento de métodos ainda desconhecidos de captura ou de abate não selectivos.
92 O Reino Unido sustenta que o artigo 15.° da directiva foi transposto pela regulation 41 das Regulations 1994, pela regulation 36(2) das Regulations 1995 e pela section 17V(2) da Ordinance 1991. Alega que estas disposições contêm listas de todos os meios não selectivos de captura e de abate das espécies protegidas actualmente recenseadas nesse Estado‑Membro e que essas listas são objecto de análises constantes de forma a poderem ser actualizadas se necessário.
93 A este propósito, há que recordar que, nos termos do artigo 15.° da directiva habitats, no que se refere à captura ou ao abate das espécies da fauna selvagem enumeradas no anexo V, alínea a), desta directiva, e nos casos em que, nos termos do artigo 16.°, sejam aplicadas derrogações para a recolha, captura ou abate das espécies enumeradas no anexo IV, alínea a), da mesma directiva, os Estados‑Membros proibirão todos os meios não selectivos susceptíveis de provocar localmente a extinção ou de perturbar gravemente a tranquilidade das populações de uma espécie.
94 Resulta da redacção desta mesma disposição que esta prevê uma obrigação geral de proibição da utilização de todos os meios não selectivos de captura ou de abate das espécies de fauna selvagem em causa.
95 Ora, no presente caso, não foi contestado que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, o direito interno não previa essa proibição geral.
96 Por outro lado, há que referir, como faz a advogada‑geral no n.° 89 das conclusões, que a possibilidade de actualizar uma lista de métodos proibidos é menos eficaz do que uma proibição geral. Com efeito, um atraso na actualização das referidas listas conduz inevitavelmente a lacunas na protecção, situação que a proibição prevista no artigo 15.° da directiva habitats pretende precisamente evitar. Esta interpretação é corroborada pelo facto de o direito interno não conter qualquer obrigação legal de revisão das referidas listas.
97 Nestas condições, não está de forma alguma demonstrado que todos os meios não selectivos susceptíveis de provocar localmente a extinção ou de perturbar gravemente a tranquilidade das populações das espécies protegidas são proibidos no Reino Unido.
98 Consequentemente, há que concluir que este Estado‑Membro não transpôs correctamente o artigo 15.° da directiva habitats no que se refere à proibição de todos os meios não selectivos de captura ou de abate das espécies de fauna selvagem em causa.
– Quanto à lei sobre as focas
99 A título liminar, há que precisar que a Comissão, na réplica, retirou a acusação relativa à lei sobre as focas, baseando‑se no facto de o Reino Unido se ter comprometido, na sua contestação, a adoptar alterações legislativas quanto a este ponto. Contudo, na sua tréplica, este último entende ser necessário advertir a Comissão de que aguardará pelo desfecho do presente processo para proceder a essa alteração. Foi nestas condições que a Comissão, na audiência, pretende manter esta acusação, ao que o Reino Unido não se opôs.
100 A Comissão alega que, ao proibir apenas dois métodos de abate de focas e ao permitir a emissão de autorizações em condições que excedem as derrogações previstas na directiva habitats, a lei sobre as focas não respeita o artigo 15.° dessa directiva.
101 Segundo o Reino Unido, esta interpretação da lei sobre as focas é incorrecta. Sustenta que esta lei só completa a regulation 41 das Regulations 1994, que transpõe o artigo 15.° da referida directiva, e que oferece portanto uma protecção suplementar às diferentes espécies de focas.
102 A este propósito há que recordar, em primeiro lugar, como referido no n.° 98 do presente acórdão, que a regulation 41 das Regulations 1994 não constitui uma transposição correcta do artigo 15.° da directiva habitats. Assim, não procede o argumento do Reino Unido segundo o qual a lei sobre as focas completa a regulation 41 das Regulations 1994.
103 Em segundo lugar, ainda que a lei sobre as focas completasse as Regulations 1994, esta lei podia ser interpretada no sentido de que só são proibidos os dois métodos expressamente mencionados na referida lei.
104 Nestas circunstâncias, a lei sobre as focas contém um elemento de insegurança jurídica relativamente aos métodos de abate das focas proibidos no Reino Unido e não assegura portanto a transposição correcta do artigo 15.° da directiva habitats.
105 Decorre do exposto que é procedente a acusação relativa à transposição incorrecta do artigo 15.° da directiva habitats.
Quanto à acusação relativa à transposição incorrecta do artigo 16.° da directiva habitats
106 Em primeiro lugar, a Comissão considera que todas as disposições nacionais que prevêem derrogações aos artigos 12.° a 15.°, alíneas a) e b), da directiva habitats, estando estas enumeradas designadamente na regulation 40 das Regulations 1994, na regulation 35 das Regulations 1995 e da section 17 U da Ordinance 1991, não respeitam as duas condições referidas no artigo 16.° da referida directiva. Lembra que, nos termos desta última disposição, só pode ser concedida uma derrogação desde que não exista outra solução satisfatória e que essa derrogação não prejudique a manutenção, num estado de conservação favorável, das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural.
107 A este propósito, basta observar que, por um lado, o Reino Unido reconheceu que todas as derrogações concedidas nos termos do referido artigo 16.° têm obrigatoriamente de preencher as duas condições acima referidas e que, por outro, não obstante este Estado‑Membro ter reconhecido que estas últimas não foram reproduzidas na legislação nacional, não foi efectuada nenhuma alteração tendente a obviar a este incumprimento até ao termo do prazo fixado no parecer fundamentado.
108 Consequentemente, esta parte da presente acusação é procedente.
109 Em segundo lugar, a Comissão considera que as derrogações específicas enumeradas nas regulations 40(3)(c) e 43(4) das Regulations 1994, bem como nas disposições das Regulations 1995 e na Ordinance 1991, excedem o âmbito de aplicação do artigo 16.° da directiva habitats. A este propósito, alega que as proibições aprovadas para a transposição dos seus artigos 12.°, 13.° e 16.° não são aplicáveis na medida em que o acto em causa decorre de uma actividade legal.
110 Segundo o Reino Unido, visto que transpôs as exigências dos artigos 12.° e 13.° da directiva habitats erigindo o seu desrespeito em infracção penal, há que excluir a aplicação de tal infracção aos casos em que as pessoas actuam sem dolo.
111 A este propósito, há que referir que o artigo 16.° da directiva habitats define de forma precisa as situações em que os Estados‑Membros podem derrogar o disposto nos seus artigos 12.° a 15.°, alíneas a) e b), pelo que há que interpretá‑lo restritivamente.
112 Por outro lado, como refere a advogada‑geral no n.° 113 das conclusões, os artigos 12.°, 13.° e 16.° da directiva habitats formam um conjunto coerente de normas que pretendem assegurar a protecção das populações das espécies em causa, pelo que qualquer derrogação que seja incompatível com esta directiva viola tanto as proibições constantes dos artigos 12.° ou 13.° desta última como a regra segundo a qual as derrogações podem ser concedidas nos termos do seu artigo 16.°
113 Ora, há que observar que a derrogação em causa no presente processo autoriza actos que conduzem ao abate de espécies protegidas, à deterioração ou à destruição das suas áreas de reprodução e de repouso, uma vez que esses actos, enquanto tais, são legais. Consequentemente, tal derrogação, baseada na legalidade do acto, é contrária tanto ao espírito e à finalidade da directiva habitats como à letra do seu artigo 16.°
114 Considerando o exposto, há que considerar a acção procedente quanto a este ponto.
Quanto à não aplicação da directiva habitats fora das águas territoriais do Reino Unido
115 A Comissão acusa o Reino Unido de ter limitado a aplicação das disposições que asseguram a transposição da directiva habitats na ordem jurídica interna ao território nacional e às águas territoriais desse Estado‑Membro. Sustenta que, nas suas zonas económicas exclusivas, os Estados‑Membros têm de respeitar o direito comunitário nos domínios em que exercem os seus direitos soberanos e que esta directiva se aplica portanto fora das águas territoriais. Em especial, a Comissão acusa o Reino Unido de não ter respeitado, na sua zona económica exclusiva, a obrigação de designar ZEP ao abrigo do artigo 4.° da referida directiva nem de assegurar a protecção das espécies prevista no seu artigo 12.°
116 O Reino Unido, sem contestar a justeza desta acusação, alega, por um lado, que adoptou em 2001 legislação adequada relativamente à indústria petrolífera, a saber, o Regulamento de 2001 sobre as actividades petrolíferas no mar [Offshore Petroleum Activities (Conservation of Habitats) Regulations 2001], e, por outro, que preparou legislação adequada que alarga o âmbito de aplicação das exigências da directiva habitats à zona marítima situada fora das suas águas territoriais.
117 A este propósito, como refere com razão a advogada‑geral nos n.os 131 e 132 das conclusões, as partes não contestam que o Reino Unido exerce direitos soberanos na sua zona económica exclusiva e na plataforma continental nem que a directiva habitats é assim aplicável fora das águas territoriais dos Estados‑Membros. Daqui resulta que tem de lhe ser dada aplicação na referida zona económica exclusiva.
118 Além disso, ficou demonstrado que a legislação referida pelo Reino Unido no seu ofício de 27 de Novembro de 2001, que alarga o âmbito de aplicação das medidas destinadas a transpor as exigências da directiva habitats fora das águas territoriais deste Estado‑Membro, não tinha ainda sido adoptada no fim do prazo fixado no parecer fundamentado.
119 Consequentemente, a única legislação nacional em vigor no final do referido prazo é o Regulamento de 2001 sobre as actividades petrolíferas no mar. Ora, há que concluir que este último só se refere à indústria petrolífera e não pode, por si só, assegurar a transposição da directiva habitats fora das águas territoriais do Reino Unido.
120 Nestas condições, há que considerar procedente a acção da Comissão quanto a este ponto.
121 Atendendo à integralidade das considerações que precedem, há que declarar que o Reino Unido, ao não ter adoptado, dentro do prazo fixado, todas as medidas necessárias para assegurar uma aplicação completa e correcta das exigências da directiva habitats, designadamente:
– do artigo 6.°, n.° 2, relativamente a Gibraltar,
– do artigo 6.°, n.os 3 e 4, relativamente aos planos e projectos de captação de água e aos planos de utilização dos solos,
– do artigo 11.°,
– do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), relativamente a Gibraltar,
– do artigo 12.°, n.° 2,
– do artigo 12.°, n.° 4,
– do artigo 13.°, n.° 1,
– do artigo 14.°, n.° 2,
– do artigo 15.°,
– do artigo 16.°,
– da totalidade da directiva habitats fora das suas águas territoriais,
não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva.
Quanto às despesas
122 Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido no essencial, há que condená‑lo nas despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:
1) O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, ao não ter adoptado, dentro do prazo fixado, todas as medidas necessárias para assegurar uma aplicação completa e correcta das exigências da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, designadamente:
– do artigo 6.°, n.° 2, relativamente a Gibraltar,
– do artigo 6.°, n.os 3 e 4, relativamente aos planos e projectos de captação de água e aos planos de utilização dos solos,
– do artigo 11.°,
– do artigo 12.°, n.° 1, alínea d), relativamente a Gibraltar,
– do artigo 12.°, n.° 2,
– do artigo 12.°, n.° 4,
– do artigo 13.°, n.° 1,
– do artigo 14.°, n.° 2,
– do artigo 15.°,
– do artigo 16.°,
– da totalidade da Directiva 92/43 fora das suas águas territoriais,
não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva.
2) A acção é improcedente quanto ao restante.
3) O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.
Assinaturas
* Língua do processo: inglês.