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Document 62004TJ0016

Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 2 de Março de 2010.
Arcelor SA contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia.
Ambiente - Directiva 2003/87/CE - Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa - Pedido de anulação - Acto que não diz directa e individualmente respeito ao recorrente - Pedido de indemnização - Admissibilidade - Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica hierarquicamente superior que confere direitos aos particulares - Direito de propriedade - Liberdade de exercer uma actividade profissional - Proporcionalidade - Igualdade de tratamento - Liberdade de estabelecimento - Segurança jurídica.
Processo T-16/04.

Colectânea de Jurisprudência 2010 II-00211

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2010:54

Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo T‑16/04,

Arcelor SA, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo), representada inicialmente por W. Deselaers, B. Meyring e B. Schmitt‑Rady, e, em seguida, por Deselaers e Meyring, advogados,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado inicialmente por K. Bradley e M. Moore, e, em seguida, por L. Visaggio e I. Anagnostopoulou, na qualidade de agentes,

e

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por B. Hoff‑Nielsen e M. Bishop, depois por E. Karlsson e A. Westerhof Löfflerova, e, em seguida, por Westerhof Löfflerova e K. Michoel, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por

Comissão Europeia, representada por U. Wölker, na qualidade de agente,

interveniente,

que tem por objecto, por um lado, a anulação parcial da Directiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Directiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275, p. 32), e, por outro, o ressarcimento do prejuízo sofrido pela recorrente na sequência da adopção da referida directiva,

O TRIBUNAL GERAL DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi (relator), presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Abril de 2008,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

Quadro jurídico

I – Tratado CE

1. O artigo 174.° CE dispõe, nomeadamente:

«1. A política da Comunidade no domínio do ambiente contribui para a prossecução dos seguintes objectivos:

– a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente,

– a protecção da saúde das pessoas,

– a utilização prudente e racional dos recursos naturais,

– a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente.

2. A política da Comunidade no domínio do ambiente tem por objectivo atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Baseia‑se nos princípios da precaução e da acção preventiva, no princípio da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e no princípio do poluidor‑pagador.

[…]

3. Na elaboração da sua política no domínio do ambiente, a Comunidade tem em conta:

– os dados científicos e técnicos disponíveis,

– as condições do ambiente nas diversas regiões da Comunidade,

– as vantagens e os encargos que podem resultar da actuação ou da ausência de actuação,

– o desenvolvimento económico e social da Comunidade no seu conjunto e o desenvolvimento equilibrado das suas regiões.

[…]»

2. O artigo 175.°, n.° 1, CE prevê:

«1. O Conselho, deliberando nos termos do artigo 251.° [CE] e após consulta ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, estabelece as acções a empreender pela Comunidade para realizar os objectivos previstos no artigo 174.° [CE].»

II – Directiva impugnada

3. A Directiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 2003, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Directiva 96/61/CE do Conselho (JO L 275, p. 32, a seguir «directiva impugnada»), que entrou em vigor em 25 de Outubro de 2003, cria um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade Europeia (a seguir «regime de comércio de licenças»), a fim de promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa, em particular de dióxido de carbono (a seguir «CO 2 »), em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes (artigo 1.° da directiva impugnada). Tem por base as obrigações que incumbem à Comunidade por força da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e do Protocolo de Quioto. Este último foi aprovado pela Decisão 2002/358/CE do Conselho, de 25 de Abril de 2002, relativa à aprovação, em nome da Comunidade Europeia, do Protocolo de Quioto da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas e ao cumprimento conjunto dos respectivos compromissos (JO L 130, p. 1). O Protocolo de Quioto entrou em vigor em 16 de Fevereiro de 2005.

4. A Comunidade e os seus Estados‑Membros comprometeram‑se a reduzir a suas emissões antropogénicas agregadas dos gases com efeito de estufa enumerados no anexo A do Protocolo de Quioto em 8% em relação ao nível de 1990 no período de 2008 a 2012 (considerando 4 da directiva impugnada). Para este efeito, concordaram em respeitar conjuntamente os seus compromissos em matéria de redução das emissões, em conformidade com o artigo 4.° do Protocolo de Quioto, nos termos de um acordo denominado de «partilha de responsabilidades», constando o quadro relativo às contribuições de cada Estado‑Membro no anexo II da Decisão 2002/358.

5. O Protocolo de Quioto prevê três mecanismos para que os países participantes atinjam os seus objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, que consistem, em primeiro lugar, no comércio internacional das licenças de emissão, em segundo lugar, na execução conjunta de projectos de redução e, em terceiro lugar, num mecanismo para o desenvolvimento «próprio», sendo os dois últimos mecanismos igualmente designados «mecanismos de flexibilidade». Enquanto a execução conjunta de projectos de redução tem por objectivo reduzir as emissões de gases com efeito de estufa nos países que participam no Protocolo de Quioto, o mecanismo para o desenvolvimento «próprio» é relativo a projectos de redução das emissões a executar nos países em vias de desenvolvimento que não subscreveram os objectivos do Protocolo de Quioto.

6. Para dar cumprimento, na Comunidade, aos objectivos de redução previstos pelo Protocolo de Quioto e pela Decisão 2002/358, a directiva impugnada dispõe que, no âmbito do regime de comércio de licenças, as emissões de gases com efeito de estufa das instalações enumeradas no seu anexo I devem ser objecto de autorizações concedidas em conformidade com planos nacionais de atribuição (a seguir «PNA»). Se um operador conseguir reduzir as suas emissões, as licenças de emissão excedentárias podem ser vendidas a outros operadores. Inversamente, o operador de uma instalação cujas emissões são excessivas pode comprar as licenças de emissão necessárias a um operador que disponha de excedentes.

7. Nos termos do anexo I da directiva impugnada, entram no seu âmbito de aplicação, nomeadamente, certas instalações de combustão destinadas à produção de energia bem como à produção e à transformação de metais ferrosos, como as «[i]nstalações para a produção de gusa ou aço (fusão primária ou secundária), incluindo vazamento contínuo, com uma capacidade superior a 2,5 toneladas por hora».

8. A directiva impugnada prevê uma primeira fase, de 2005 a 2007 (a seguir «primeiro período de comércio»), que precede o primeiro período de compromissos previsto no Protocolo de Quioto, e depois uma segunda fase, de 2008 a 2012 (a seguir «segundo período de comércio»), que corresponde ao referido primeiro período de compromissos (artigo 11.° da directiva impugnada). No primeiro período de comércio, a directiva impugnada aplica‑se apenas a um dos gases com efeito de estufa enumerados no anexo II, concretamente, ao CO 2 , e unicamente às emissões resultantes das actividades indicadas no anexo I (artigo 2.° da directiva impugnada), entre as quais a produção e a transformação de metais ferrosos.

9. Mais concretamente, o regime de comércio de licenças baseia‑se, por um lado, na exigência de uma autorização prévia de emissão de gases com efeito de estufa (artigos 4.° a 8.° da directiva impugnada) e, por outro, na concessão de licenças de emissão que autorizam o operador titular a emitir uma certa quantidade de gases com efeito de estufa, tendo este a obrigação de restituir anualmente o número de autorizações correspondentes às emissões totais da sua instalação (artigo 12.°, n.° 3, da directiva impugnada).

10. Assim, todas as instalações referidas no anexo I da directiva impugnada devem deter uma autorização emitida pela autoridade nacional competente. Nos termos do artigo 4.° da directiva impugnada, «[o]s Estados‑Membros devem assegurar que, a partir de 1 de Janeiro de 2005, nenhuma instalação realize qualquer actividade enumerada no anexo I de que resultem emissões especificadas em relação a essa actividade, a não ser que o seu operador seja detentor de um título emitido pela autoridade competente de acordo com o disposto nos artigos 5.° e 6.°, ou que a instalação esteja temporariamente excluída do regime comunitário nos termos do artigo 27.°» da referida directiva.

11. Por outro lado, o artigo 6.°, n.° 2, da directiva impugnada prevê:

«Os títulos de emissão de gases com efeito de estufa devem incluir os seguintes elementos:

[…]

c) Requisitos de monitorização, especificando a metodologia e a frequência do exercício dessa monitorização;

d) Regras de comunicação de informações; e;

e) A obrigação de devolver licenças de emissão equivalentes ao total das emissões da instalação em cada ano civil, verificadas em conformidade com o artigo 15.° [da directiva impugnada], no prazo de quatro meses a contar do termo do ano em causa.»

12. As condições e os procedimentos segundo os quais as autoridades nacionais competentes nacionais atribuem, com base num PNA, licenças de emissão aos operadores de instalações estão previstos nos artigos 9.° a 11.° da directiva impugnada.

13. O artigo 9.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da directiva impugnada dispõe:

«Para cada período referido nos n. os  1 e 2 do artigo 11.° [da directiva impugnada,], cada Estado‑Membro deve elaborar um [PNA] estabelecendo a quantidade total de licenças de emissão que tenciona atribuir nesse período e de que modo tenciona atribui‑la. O [PNA] deve basear‑se em critérios objectivos e transparentes, incluindo os enumerados no anexo III, e ter em devida conta as observações do público. Sem prejuízo do disposto no Tratado [CE], a Comissão deve desenvolver, até 31 de Dezembro de 2003, orientações sobre a execução dos critérios enumerados no anexo III.»

14. A Comissão das Comunidades Europeias adoptou uma primeira versão das orientações acima referidas no âmbito da sua Comunicação COM (2003) 830 final, de 7 de Janeiro de 2004, que estabelece orientações destinadas aos Estados‑Membros com vista à aplicação dos critérios enumerados no anexo III da directiva impugnada e descreve as circunstâncias em que considera provada a existência de um caso de força maior. Com a sua Comunicação COM (2005) 703 final, de 22 de Dezembro de 2005, a Comissão publicou orientações adicionais relativas aos PNA do segundo período de comércio (a seguir «orientações adicionais da Comissão»).

15. Nos termos do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da directiva impugnada:

«Para o período referido no n.° 1 do artigo 11.° [da directiva impugnada], o [PNA] deve ser publicado e notificado à Comissão e aos outros Estados‑Membros até 31 de Março de 2004. Para os períodos posteriores, o [PNA] deve ser publicado e notificado à Comissão e aos outros Estados‑Membros pelo menos 18 meses antes do início do período em causa.»

16. Nos termos do artigo 9.°, n.° 3, da directiva impugnada:

«No prazo de três meses a contar da data de notificação de um [PNA] por um Estado‑Membro nos termos do n.° 1, a Comissão pode rejeitar esse [PNA] ou qualquer dos seus elementos, com base na sua incompatibilidade com os critérios enumerados no anexo III ou no artigo 10.° [da directiva impugnada]. O Estado‑Membro só pode tomar uma decisão, nos termos dos n. os  1 ou 2 do artigo 11.°° [da directiva impugnada], se as alterações propostas tiverem sido aceites pela Comissão. As decisões de rejeição da Comissão devem ser justificadas.»

17. Nos termos do artigo 10.° da directiva impugnada, os Estados‑Membros devem atribuir gratuitamente pelo menos 95% das licenças de emissão para o primeiro período de comércio e pelo menos 90% das licenças de emissão para o segundo período de comércio.

18. O artigo 11.° da directiva impugnada, relativo à atribuição e concessão de licenças de emissão, prevê:

«1. Para o período de três anos com início em 1 de Janeiro de 2005, cada Estado‑Membro deve determinar a quantidade total de licenças de emissão que atribuirá nesse período, bem como a sua atribuição aos operadores das instalações. Essa decisão deve ser tomada pelo menos três meses antes do início do período, devendo basear‑se no respectivo [PNA] elaborado nos termos do artigo 9.° e em conformidade com o artigo 10.° [da directiva impugnada], tendo em devida conta as observações do público.

2. Para o período de cinco anos com início em 1 de Janeiro de 2008, e para cada período de cinco anos subsequente, cada Estado‑Membro deve determinar a quantidade total de licenças de emissão que atribuirá nesse período e dar início ao processo de atribuição dessas licenças aos operadores das instalações. Essa decisão deve ser tomada pelo menos 12 meses antes do início do período em causa, devendo basear‑se no respectivo [PNA] elaborado nos termos do artigo 9.° e em conformidade com o artigo 10.° [da directiva i mpugnada], tendo em devida conta as observações do público.

3. As decisões tomadas por força dos n. os  1 e 2 devem observar as disposições do Tratado, nomeadamente os artigos 87.° e 88.° Ao decidirem sobre a atribuição de licenças de emissão, os Estados‑Membros devem ter em conta a necessidade de permitir o acesso de novos operadores a essas licenças.

[…]»

19. O anexo III da directiva impugnada enumera onze critérios aplicáveis aos PNA.

20. O critério n.° 1 do anexo III da directiva impugnada dispõe:

«A quantidade total de licenças de emissão a atribuir no período em causa deve ser compatível com a obrigação do Estado‑Membro de limitar as suas emissões em conformidade com a [Decisão 2002/358] e com o Protocolo de Quioto, tendo em conta, por um lado, a proporção das emissões globais que estas licenças de emissão representam em comparação com as emissões de fontes não abrangidas pela presente directiva e, por outro, as políticas energéticas nacionais, e compatível com o programa nacional para as alterações climáticas. A quantidade total de direitos de emissão a atribuir não deverá ser superior à quantidade que será provavelmente necessária para efeitos de aplicação estrita dos critérios enunciados no presente anexo. Até 2008, a quantidade deve ser consentânea com as orientações visando a consecução ou a superação do objectivo correspondente a cada Estado‑Membro, por força do disposto na [Decisão 2002/358] e no Protocolo de Quioto.»

21. O critério n.° 3 do anexo III da directiva impugnada dispõe:

«A quantidade de licenças de emissão a atribuir deve ser compatível com o potencial, incluindo o potencial tecnológico, de redução de emissões das actividades abrangidas por este regime [de comércio de licenças]. Os Estados‑Membros podem basear a sua repartição das licenças de emissão nas emissões médias de gases com efeito de estufa por produto em cada actividade e nos progressos possíveis em cada actividade.»

22. Nos termos do critério n.° 6 do anexo III da directiva impugnada, «[o] [PNA] deve incluir informações sobre os meios que permitirão aos novos operadores começarem a participar no regime [de comércio de licenças] comunitário no Estado‑Membro em questão».

23. Segundo o critério n.° 7 do anexo III da directiva impugnada, «[o] [PNA] pode incorporar medidas [de redução de emissões] tomadas numa fase precoce e deve conter informações sobre o modo como elas são tidas em consideração». Nos termos deste mesmo critério, «[o]s Estados‑Membros podem utilizar parâmetros de referência ( benchmarks ) procedentes dos documentos de referência relativos às melhores técnicas disponíveis no contexto da elaboração dos seus [PNA] de direitos de emissão; estes parâmetros podem incorporar um elemento que tenha em conta as acções [de redução de emissões] empreendidas numa fase precoce».

24. O artigo 12.°, n.° 1, da directiva impugnada prevê que as licenças de emissão podem ser transferidas entre pessoas singulares ou colectivas no interior da Comunidade ou a pessoas de países terceiros, na medida em que tenha sido celebrado um acordo entre esses países e a Comunidade, em conformidade com o artigo 25.° da directiva impugnada, e que essas licenças tenham sido reciprocamente reconhecidas pela autoridade competente de cada Estado‑Membro. Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, da directiva impugnada, até 1 de Maio de cada ano, o operador de uma instalação deve devolver à autoridade competente um número de licenças de emissão equivalente ao total das emissões dessa instalação durante o ano civil anterior para que essas licenças sejam consequentemente anuladas.

25. Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, da directiva impugnada, as licenças só são válidas para as emissões verificadas durante o período relativamente ao qual foram concedidas.

26. Em conformidade com o artigo 16.°, n.° 2, da directiva impugnada, os Estados‑Membros devem assegurar a publicação dos nomes dos operadores que não dêem cumprimento à obrigação de devolver licenças de emissão suficientes nos termos do n.° 3 do artigo 12.° da directiva impugnada. De acordo com o artigo 16, n. os  3 e 4, da directiva impugnada, os operadores que não tenham devolvido licenças de emissão suficientes para cobrir as suas emissões no ano anterior são obrigados a pagar uma multa pelas emissões excedentárias do montante igual a 40 euros no primeiro período de comércio e de 100 euros nos períodos seguintes por cada tonelada de equivalente CO 2 excedentária emitida e relativamente à qual o operador não tenha devolvido licenças. Além disso, o pagamento da multa por emissões excedentárias não dispensa o operador da obrigação de devolver uma quantidade de licenças de emissão equivalente à totalidade das suas emissões.

27. Nos termos do artigo 24.° da directiva impugnada, desde que obtenham a aprovação da Comissão nos termos do artigo 23.°, n.° 2, da referida directiva, conjugado com a Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de Junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23), os Estados‑Membros podem aplicar o regime de comércio de licenças a outras actividades, instalações e gases com efeito de estufa, tendo em conta todos os critérios pertinentes, nomeadamente as consequências para o mercado interno, as potenciais distorções da concorrência, a integridade ambiental do regime e a fiabilidade do sistema previsto de monitorização e de comunicação de informações.

28. O artigo 27.° da directiva impugnada prevê que os Estados‑Membros podem igualmente requerer à Comissão que algumas instalações sejam temporariamente excluídas do regime de comércio de licenças, requerimento a que a Comissão pode dar seguimento por decisão. Além disso, nos termos do artigo 28.° da directiva impugnada, os Estados‑Membros podem, com o consentimento da Comissão, permitir que os operadores de instalações que tenham feito um requerimento nesse sentido constituam um agrupamento de instalações que desenvolvem a mesma actividade. Por fim, em aplicação do artigo 29.° da directiva impugnada, os Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que sejam emitidas licenças de emissão adicionais para certas instalações por razões de força maior.

29. O artigo 30.° da directiva impugnada, intitulado «Revisão e evolução futura», prevê:

«[…]

2. Com base na experiência adquirida com a aplicação da presente directiva e nos progressos obtidos na monitorização das emissões de gases com efeito de estufa, e à luz da evolução do contexto internacional, a Comissão deve elaborar um relatório sobre a aplicação da presente directiva, tendo em consideração:

a) A forma e a conveniência da alteração do anexo I a fim de incluir outros sectores relevantes, nomeadamente os sectores da indústria química, do alumínio e dos transportes, bem como outras actividades e emissões de gases com efeito de estufa que não sejam as enumeradas no anexo II, com vista a aumentar a eficiência económica do regime [de comércio de licenças];

[…]»

Matéria de facto e tramitação processual

30. A Arcelor SA, recorrente, nasceu na fusão da ARBED com a Aceralia e com a Usinor em 2001. Desde a sua fusão com a Mittal em 2006, passou a chamar‑se ArcelorMittal e tornou‑se o primeiro produtor de aço a nível mundial. No entanto, quando o presente recurso foi interposto, com um volume de produção de 44 milhões de toneladas por ano, entre as quais mais de 90% produzidas na União Europeia, a recorrente representava menos de 5% da produção mundial de aço. É proprietária de 17 instalações de produção ferro fundido bruto e de aço estabelecidas na União que se encontram em França (Fos‑sur‑Mer, Florange e Dunquerque), na Bélgica (Liège e Gand), na Espanha (Gijón‑Avilés) e na Alemanha (Bremen e Eisenhüttenstadt).

31. Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de Janeiro de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

32. Na petição, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

– anular o artigo 4.°, o artigo 6.°, n.° 2, alínea e), o artigo 9.°, o artigo 12.°, n.° 3, o artigo 16.°, n. os  2 a 4, conjugado com o artigo 2.°, o anexo I e o critério n.° 1 do anexo III da directiva impugnada, na medida em que estas disposições (a seguir «disposições impugnadas») se aplicam a instalações de produção de ferro fundido bruto ou e aço incluindo vazamento contínuo, com uma capacidade superior a 2,5 toneladas por hora;

– declarar que o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia têm a obrigação de reparar os danos causados pela adopção das disposições impugnadas;

– condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

33. Na réplica, a recorrente concluiu, além disso, a título subsidiário, pedindo que o Tribunal se dignasse anular a directiva impugnada no seu todo.

34. Por requerimentos separados registados na Secretaria do Tribunal Geral em 1 e 6 de Abril de 2004, o Parlamento e o Conselho arguiram, respectivamente, uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal. A recorrente apresentou as suas observações sobre estas questões prévias em 25 de Junho de 2004.

35. Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de Maio de 2004, a Comissão pediu, nos termos do artigo 115.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, para intervir no presente processo em apoio do Parlamento e do Conselho. Por despacho de 24 de Junho de 2004, o presidente da Terceira Secção do Tribunal admitiu a intervenção. A Comissão apresentou, em conformidade com o artigo 116.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, as suas alegações de intervenção, limitadas à questão da admissibilidade, em 2 de Setembro de 2004.

36. O Parlamento e o Conselho, no âmbito das excepções de inadmissibilidade que arguiram, e a Comissão, nas suas alegações de intervenção sobre a admissibilidade, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

– julgar o recurso inadmissível;

– condenar a recorrente nas despesas.

37. Por despacho do Tribunal de 26 de Setembro de 2005, as excepções de inadmissibilidade foram juntas à questão de mérito e as despesas reservadas para final.

38. O Conselho, na contestação, o Parlamento, na tréplica, e a Comissão, nas alegações de intervenção sobre a questão de fundo, concluem ainda, a título subsidiário, pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

39. Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, convidou o Parlamento, o Conselho e a Comissão a responderem a perguntas escritas antes da audiência. O Parlamento, o Conselho e a Comissão responderam a essas perguntas nos prazos fixados.

40. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal na audiência de 15 de Abril de 2008.

41. Na audiência, ouvidas as partes, o presidente da Terceira Secção do Tribunal ordenou a suspensão do processo, nos termos do disposto no artigo 77.°, alínea a), do Regulamento de Processo, conjugado com o artigo 54.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no processo C‑127/07, o que ficou registado na acta da audiência.

42. Tendo o Tribunal de Justiça proferiu, em 16 de Dezembro de 2008, o acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o. (C‑127/07, Colect., p. I‑9895), as partes foram convidadas a apresentar as suas observações quanto aos eventuais efeitos desse acórdão no âmbito do presente processo. As partes apresentaram as suas observações nos prazos fixados e a fase oral foi encerrada.

43. Na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de Dezembro de 2009, o Tribunal decidiu reabrir a fase oral do processo e convidou as partes a pronunciarem‑se sobre as eventuais consequências a tirar desta circunstância e em particular da entrada em vigor do artigo 263.°, quarto parágrafo, do TFUE, no decurso do presente processo. Dado que as partes apresentaram as suas observações, a fase oral do processo foi encerrada.

Questão de direito

I – Quanto à admissibilidade do pedido de anulação

A – Argumentos das partes

1. Argumentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão

44. O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, consideram que o pedido de anulação parcial da directiva impugnada é inadmissível.

45. Segundo o Parlamento e o Conselho, a directiva impugnada é uma «verdadeira directiva» na acepção do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, ou seja, um acto de alcance geral que tem de ser transposto pelos Estados‑Membros para o ordenamento jurídico interno e aplicável de modo abstracto a situações objectivamente determinadas. Ora, o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE não prevê que os particulares tenham um direito de recurso directo contra tal directiva.

46. O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, consideram ainda que as disposições impugnadas não dizem nem directa nem individualmente respeito à recorrente na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

47. No que diz respeito ao critério da afectação directa, o Parlamento e o Conselho alegam, no essencial, que, ao contrário do que acontece com os regulamentos, uma «verdadeira directiva» não pode produzir directamente efeitos juridicamente vinculativos na situação jurídica de um particular, nem mesmo impor‑lhe obrigações jurídicas, antes de serem adoptadas, a nível nacional ou comunitário, medidas destinadas à sua execução ou de o prazo de transposição ter expirado. Por conseguinte, tal directiva não pode, em si mesma, dizer directamente respeito a esse particular na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Assim, uma vez que as disposições impugnadas dizem respeito, nomeadamente, à concessão de autorizações de emissão, as obrigações em matéria de monitorização e de comunicação de informações, o estabelecimento de um PNA e a concessão e a atribuição de licenças de emissão não impõem nenhuma obrigação à recorrente e não alteram a sua situação jurídica enquanto não forem transpostas por normas nacionais.

48. Por outro lado, o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, consideram que a directiva impugnada deixa uma margem de apreciação muito ampla aos Estados‑Membros quanto à sua execução através de medidas de transposição nacionais, em particular no que diz respeito à elaboração do PNA em conformidade com o seu artigo 9.°, à determinação da percentagem mínima de licenças a atribuir gratuitamente por aplicação do seu artigo 10.°, à fixação, nos termos do seu artigo 11.°, da quantidade total de licenças para o período de comércio em questão e à sua atribuição aos exploradores de instalações em conformidade com os critérios do seu anexo III.

49. O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta a tese segundo a qual a directiva impugnada impede a recorrente de beneficiar de autorizações de emissão obtidas ao abrigo da Directiva 96/61/CE do Conselho de 24 de Setembro de 1996 relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 257, p. 26). A Directiva 96/61 não passa de um instrumento de coordenação que define um quadro geral para os diplomas legislativos sectoriais e descreve, nomeadamente, as obrigações gerais dos exploradores e os requisitos de autorização (considerando 9 da Directiva 96/61). Todavia, não dá direitos de emissão e também não constitui uma base jurídica directa para a respectiva concessão. Em particular, a Directiva 96/61, em si mesma, não fixa nenhum limite de emissões (artigo 18.° da Directiva 96/61).

50. O Parlamento e o Conselho concluem das considerações precedentes que as disposições impugnadas não dizem directamente respeito à recorrente.

51. Quanto ao critério da afectação individual, o Conselho refere que a directiva impugnada se aplica de modo geral e abstracto a todos os operadores que exerçam as actividades enumeradas no anexo I da mesma directiva e a todas as grandes instalações que emitem CO 2 , incluindo as instalações de produção de gusa ou aço. Ora, a recorrente não provou que a sua situação fosse diferente da dos outros produtores de gusa ou aço. O Conselho acrescenta que, em conformidade com o critério n.° 6 do anexo III e o artigo 11.°, n.° 3, da directiva impugnada, os Estados‑Membros devem facilitar o acesso às autorizações pelos novos operadores. Além disso, a partir de 1 de Maio de 2004, a directiva impugnada passou a ser aplicável aos produtores de gusa ou aço estabelecidos nos dez Estados‑Membros que aderiram, nessa data, à União e cujas actividades são também abrangidas pelo anexo I da referida directiva.

52. O Parlamento e o Conselho consideram que nem o artigo 175.°, n.° 1, CE, enquanto base jurídica para acções da Comunidade em matéria ambiental, nem o artigo 174.° CE impõem ao legislador comunitário a obrigação de levar em conta, quando adopta medidas de alcance geral, a situação particular de certos operadores. Esta obrigação também não decorre de qualquer outra norma jurídica hierarquicamente superior, como os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento ou os direitos fundamentais. Segundo o Parlamento e o Conselho, não se pode deduzir daí que os particulares têm o direito de recurso directo para os tribunais comunitários, sob pena de esvaziar de conteúdo os requisitos impostos pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Em todo o caso, a recorrente não demonstrou que as disposições impugnadas tenham tido «consequências dramáticas» na sua situação particular ao ponto de se poder considerar que são contrárias às normas hierarquicamente superiores invocadas.

53. A este respeito, o Conselho contesta os argumentos da recorrente relativas ao prejuízo particularmente grave que lhe teria sido causado enquanto maior produtor de aço da Europa, cuja posição seria única por se encontrar em curso o seu processo de reestruturação, por ter margens de lucro limitadas e pelo facto de já ter reduzido substancialmente as suas emissões de CO 2 . Não basta que certos operadores sejam economicamente mais afectados do que os seus concorrentes por um acto para que esse acto lhes diga individualmente respeito. Segundo o Conselho, a recorrente é afectada, pela sua simples qualidade objectiva de produtor de gusa ou aço, da mesma maneira que qualquer outro operador que se encontre na mesma situação. De igual modo, a circunstância de um acto de alcance geral poder ter diferentes efeitos concretos para os diversos sujeitos de direito aos quais se aplica não é susceptível de caracterizar a recorrente em relação a todos os outros operadores em causa, uma vez que a aplicação desse acto, como a da directiva impugnada, tem lugar por efeito de uma situação objectivamente determinada.

54. Quanto à alegação da recorrente segundo a qual a directiva impugnada entrava a reestruturação do seu grupo na medida em que não permite a transferência transfronteiriça de licenças ligadas à capacidade de produção das instalações estabelecidas em diferentes Estados‑Membros, o Conselho retorquiu afirmando que a recorrente não explicou as razões pelas quais seria a única operadora afectada, tendo aliás a própria recorrente mencionado o exemplo da reestruturação em curso da sociedade Corus. De qualquer forma, a eventual possibilidade de utilizar as licenças atribuídas a instalações encerradas fica, em grande medida, ao critério discricionário dos Estados‑Membros. Assim, cerca de metade deles permitiram a transferência de licenças de uma instalação encerrada para uma instalação de substituição, apesar de, em vários casos, essas transferências só serem possíveis dentro do mesmo Estado‑Membro. O Conselho, apoiado pela Comissão, alega ainda que, no exercício do seu poder de apreciação, todos os Estados‑Membros optaram, em aplicação do artigo 11.°, n.° 3, e do critério n.° 6 do anexo III da directiva impugnada, por atribuir gratuitamente aos novos operadores licenças da reserva. Além disso, mesmo admitindo que a recorrente não estivesse em condições de transferir as licenças atribuídas a instalações que deviam estar encerradas para outras instalações do seu grupo, poderia, ainda assim, pedir a atribuição gratuita licenças aquando da ampliação da capacidade dessas outras instalações, dado que o conceito de «novo operador», na acepção do artigo 3.°, alínea h), da directiva impugnada, abrange a ampliação de uma instalação existente. Relativamente, por fim, a eventuais medidas de redução de emissões adoptadas numa fase precoce, o Conselho recorda que, em conformidade com o critério n.° 7 do anexo III da directiva impugnada, um PNA pode levar em consideração essas medidas e que, a este respeito, os Estados‑Membros dispõem de uma certa margem de manobra.

55. Segundo o Parlamento e o Conselho, a recorrente não demonstrou que se encontrava, em relação à directiva impugnada, numa situação análoga à das recorrentes nos processos no âmbito dos quais foram proferidos os acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão (11/82, Recueil, p. 207); de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão (C‑152/88, Colect., p. I‑2477, n.° 28), e de 18 de Maio de 1994, Codorníu/Conselho (C‑309/89, Colect., p. I‑1853), e os acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão (T‑480/93 e T‑483/93, Colect., p. II‑2305, n.° 67), e de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho (T‑135/96, Colect., p. II‑2335). Quanto ao argumento relativo aos contratos de fornecimento de gás a longo prazo, que a recorrente celebrou com centrais eléctricas antes da adopção da directiva impugnada, o Conselho considera que os dois requisitos cumuláveis a que os referidos acórdãos recorreram para determinar se os recorrentes eram individualmente afectados na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, ou seja, por um lado, a existência de uma norma jurídica hierarquicamente superior que obrigasse as instituições comunitárias a levar em conta a situação particular do recorrente em relação à de qualquer outra pessoa envolvida e, por outro, o facto de o acto impugnado impedir, no todo ou em parte, a execução dos contratos em causa, não se encontram preenchidos no caso em apreço. A própria recorrente afirma que o gás objecto desses contratos é fornecido tanto às suas próprias centrais eléctricas como a outras centrais. Assim, podia beneficiar das licenças atribuídas às centrais que fazem parte do seu grupo ou transferi‑las entre as suas diversas instalações de produção. Com efeito, de acordo com o Conselho, nos termos do n.° 92 das orientações da Comissão (v. n.° 14, supra ), se um gás residual de um processo de produção for utilizado como combustível por outro operador, compete aos Estados‑Membros decidir como será feita a repartição das licenças pelas duas instalações. O Estado‑Membro pode, assim, decidir atribuir licenças ao operador da instalação que fornece o gás residual, ou seja, no caso em apreço, a um produtor de gusa ou de aço, mesmo que as emissões resultantes da combustão dos referidos gases não sejam geradas pela instalação de produção de aço enquanto tal, mas pela central eléctrica. Nestas condições, a recorrente não demonstrou que a directiva impugnada a tivesse impedido de executar os contratos de fornecimento de gás em questão. De qualquer forma, o simples facto de a directiva impugnada poder, por meio das medidas nacionais de transposição, tornar mais difícil a execução desses contratos não permite demonstrar que mesma diga individualmente respeito à recorrente.

56. O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, referem que a recorrente também não demonstrou que fazia parte de uma categoria fechada de operadores. Dado que a directiva impugnada é uma medida de alcance geral aplicável a todos os operadores que exerçam as actividades definidas no seu anexo I, a recorrente só é visada na sua qualidade objectiva de produtora de gusa e aço, ao mesmo título que qualquer outro operador que se encontre na mesma situação. Assim, a eventual existência, no momento da adopção da directiva impugnada, de apenas quinze produtores de gusa ou aço não é suficiente para individualizar a recorrente. Segundo o Parlamento, mesmo o facto de a recorrente pertencer a um «grupo fechado e identificável» no momento em que a directiva impugnada foi adoptada ou ser economicamente mais afectada do que os seus concorrentes não tem por consequência individualizá‑la como um destinatário.

57. O Conselho contesta que a recorrente possa tornar‑se um «adquirente líquido de licenças» devido à sua situação particular. A este respeito, em primeiro lugar, recorda que, durante o primeiro período de comércio, os Estados‑Membros devem atribuir gratuitamente pelo menos 95% das licenças previstas no PNA contra pelo menos 90% durante o segundo período de comércio. Em segundo lugar, por força do disposto no artigo 12.°, n. os  1 e 2, da directiva impugnada, as licenças são transferíveis sem restrições, tanto dentro do mesmo grupo de empresas como para outras pessoas que se encontrem quer na Comunidade quer em países terceiros. Em terceiro lugar, o número de licenças inicialmente atribuídas é determinado, de forma discricionária, por cada Estado‑Membro tendo em conta uma série de factores e de critérios (v. n. os  47 e segs., supra ). Por último, os mecanismos de flexibilidade do Protocolo de Quioto (v. n.° 5, supra ) dão aos produtores de gusa ou aço a possibilidade de converterem créditos de emissão obtidos graças aos projectos em causa em licenças utilizáveis no âmbito do regime de comércio de licenças. Por conseguinte, a recorrente podia obter gratuitamente licenças para a totalidade das suas emissões.

58. O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta, tendo apresentado estudos nesse sentido, a tese segundo a qual os produtores de gusa ou aço se encontram numa «situação de encerramento única» («unique lock‑in situation») devido à impossibilidade técnica de a indústria siderúrgica reduzir mais as emissões de CO 2 . A este respeito, o Conselho alega, no essencial, que há possibilidades técnicas de reduzir essas emissões no sector siderúrgico, tanto a curto como a longo prazo, que a Comunidade dá um apoio financeiro significativo à investigação para esse efeito e que o regime de comércio de licenças dá aos produtores de gusa ou aço incentivos económicos para reduzirem mais as suas emissões de CO 2 .

59. Quanto à alegação da recorrente segundo a qual os produtores de gusa ou aço não têm a possibilidade de repercutir sobre os seus clientes um eventual aumento dos custos de produção resultante da necessidade de adquirir licenças de emissão, o Conselho, apoiado pela Comissão, alega que a eventual necessidade de esses produtores adquirirem licenças depende da quantidade inicial de licenças que lhes tiverem sido atribuídas com base no PNA e dos seus esforços de redução das emissões. A própria recorrente fez referência ao processo de reestruturação do seu grupo e à redução do número dos seus altos‑fornos até 2012, o que, por si só, deve provavelmente reduzir as emissões. Será particularmente assim quando, em conformidade com a declaração pública da recorrente, os seus altos‑fornos forem substituídos por fornos de arco eléctrico cujas emissões de CO 2 por tonelada de aço produzida são menores. Mesmo considerando que a recorrente deva adquirir licenças adicionais, os custos associados a essa aquisição podem ser repercutidos, pelo menos parcialmente, sobre os consumidores, devido ao considerável aumento de preços no sector do aço, que está em expansão.

60. O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, concluem de todas as considerações precedentes que a directiva impugnada não diz individualmente respeito à recorrente e que o pedido de anulação deve, por conseguinte, ser julgado inadmissível.

61. Por outro lado, o Parlamento, apoiado pela Comissão, arguiu a inadmissibilidade do pedido de anulação pelo facto de as disposições impugnadas não serem separáveis do resto da directiva impugnada, sob pena de a mesma ficar esvaziada de conteúdo. Com efeito, segundo o Parlamento, se, por exemplo, as obrigações relativas à autorização de emitir gases com efeito de estufa (artigos 4.° e 6.°) e aos PNA (artigo 9.°) fossem suprimidas, o resultado seria um acto cuja substância ficaria completamente «invertida».

62. A este respeito, o Parlamento contesta a alegação da recorrente segundo a qual o regime de comércio de licenças se manteria «substancialmente intacto» se os produtores de gusa ou aço fossem excluídos do seu âmbito de aplicação, não tendo esta questão nenhuma relação com a questão de saber se a anulação das disposições impugnadas tem por efeito modificar a substância do resto da directiva impugnada. Além disso, segundo o Parlamento e o Conselho, a tentativa tardia da recorrente, na fase da réplica e, portanto, contrária às exigências do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, de alterar os seus pedidos no sentido de o seu recurso dever passar a ser interpretado no sentido de que «inclui um pedido de anulação total da directiva [impugnada] se não for possível a sua anulação parcial» não pode proceder. Este entendimento corresponderia a uma ampliação, e não a uma redução, dos pedidos iniciais da recorrente que se destinavam a obter a «anulação parcial» da directiva impugnada. Ora, a recorrente não invocou novos elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo, na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, que pudessem justificar a dedução de novos fundamentos.

63. Por conseguinte, o Parlamento e o Conselho consideram que o pedido de anulação deve ser julgado inadmissível também por esta razão.

64. Nas suas observações sobre as consequências a tirar da entrada em vigor do artigo 263.°, quarto parágrafo do TFUE, o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, alegaram que essa circunstância não é susceptível de alterar esta apreciação, dado que o referido artigo não é aplicável no presente processo e a directiva impugnada não é um acto regulamentar na acepção dessa disposição.

2. Argumentos da recorrente

65. A recorrente alega, a título preliminar, que, de acordo com jurisprudência assente relativa ao artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, o simples facto de a medida impugnada ser uma directiva não basta para julgar um recurso de anulação inadmissível. Assim, um recurso de anulação de certas disposições de uma directiva é admissível se essas disposições disserem directa e individualmente respeito ao recorrente.

66. Relativamente ao critério da afectação directa, a recorrente sustenta que, embora as directivas exijam, em conformidade com o artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, um acto de transposição por parte dos Estados‑Membros para produzirem efeitos directos na situação jurídica dos operadores económicos, esta exigência não basta, por si só, para concluir que a mesma directiva não lhe diz directamente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Se assim fosse, as directivas nunca poderiam ser impugnadas pelos operadores, o que seria incompatível com a jurisprudência e com o direito à tutela jurisdicional efectiva. Quando uma medida comunitária, inclusivamente uma directiva, não deixa aos Estados‑Membros nenhuma margem de apreciação quanto à obrigação que deve ser imposta ao recorrente, isto é, quando a sua aplicação é puramente automática, o recorrente é directamente afectado. Com efeito, as instituições não podem, simplesmente através da escolha da forma do acto adoptado, privar esse recorrente da protecção jurisdicional prevista no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

67. No caso em apreço, as disposições impugnadas não deixam aos Estados‑Membros nenhuma margem de apreciação quanto às obrigações a impor à recorrente.

68. A este respeito, em primeiro lugar, a recorrente salienta que, em conformidade com o artigo 4.° da directiva impugnada, os Estados‑Membros devem assegurar que, a partir de 1 de Janeiro de 2005, nenhum produtor de gusa ou aço explore as suas instalações sem autorização de emissão. Os Estados‑Membros não têm nenhuma margem de apreciação a este respeito. O artigo 27.°, n.° 1, da directiva impugnada apenas cria uma possibilidade de exclusão temporária de certas instalações do regime de comércio de licenças até 31 de Dezembro de 2007, o que tem por consequência que a obrigação de obter uma autorização passou a produzir efeitos o mais tardar em 1 de Janeiro de 2008. De igual modo, a possibilidade, prevista no artigo 27.°, n.° 2, da directiva impugnada, de os Estados‑Membros acordarem uma exclusão temporária de 2005 a 2007 não lhes confere um poder de apreciação e não tem interesse prático devido às suas condições restritivas.

69. Em segundo lugar, o argumento relativo à ampla margem de apreciação dos Estados‑Membros quanto à elaboração dos PNA não tem pertinência, uma vez que a directiva impugnada distingue claramente a autorização (artigo 4.°) das licenças (artigo 9.°). A obrigação de autorizar as emissões de CO 2 tem, por si só, efeitos na situação jurídica da recorrente na medida em que invalida, em parte, as autorizações de exploração e os direitos de emissão de CO 2 atribuídos ao abrigo da Directiva 96/61 que detinha anteriormente para as suas instalações de produção. Com efeito, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da directiva impugnada, essa autorização está sujeita a exigências adicionais em matéria de monitorização e de comunicação de informações e à obrigação de restituição das licenças necessárias para cobrir as emissões de CO 2 da instalação em causa durante cada ano civil. Segundo a recorrente, os Estados‑Membros não têm nenhuma margem de apreciação quanto às obrigações que lhe são impostas a este respeito.

70. Em terceiro lugar, nos termos do artigo 9.° da directiva impugnada, conjugado com o critério n.° 1 do seu anexo III, a quantidade total de licenças concedidas no período de referência deve, por um lado, ser compatível com a obrigação do Estado‑Membro de limitar as suas emissões, em conformidade com a Decisão 2002/358 e o Protocolo de Quioto, e, por outro, não exceder a quantidade necessária à estrita aplicação dos critérios do anexo III da directiva impugnada. Daqui decorre que, quando os Estados‑Membros fixam a quantidade total de licenças a atribuir, devem respeitar, sem nenhuma margem de apreciação, um «limite máximo absoluto de licenças». Esta interpretação é corroborada pelo n.° 10 das orientações adicionais da Comissão, relativo ao critério n.° 3 do anexo III da directiva impugnada (v. n.° 14, supra ).

71. Por último, em quarto lugar, nos termos do artigo 12.°, n.° 3, e do artigo 16.° da directiva impugnada, os Estados‑Membros devem, sem que tenham qualquer poder de apreciação a este respeito, por um lado, impor a todos os operadores a obrigação de restituir, o mais tardar até 30 de Abril de cada ano, uma quantidade de licenças correspondente às suas emissões totais ao longo do ano civil anterior, e, por outro, aplicar‑lhes sanções em caso de incumprimento dessa obrigação.

72. A recorrente conclui daqui que as disposições impugnadas não deixam aos Estados‑Membros nenhuma margem de apreciação quanto às obrigações que lhe devem ser imposta e que, por conseguinte, essas disposições lhe dizem directamente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

73. A recorrente considera igualmente que as disposições impugnadas lhe dizem individualmente respeito. Por um lado, o legislador comunitário é obrigado a levar em conta as consequências graves delas decorrentes para a situação particular da recorrente e, por outro, a mesma recorrente faz parte de uma categoria fechada, constituída por um número restrito de produtores de gusa ou aço afectados pelas referidas disposições.

74. Em primeiro lugar, segundo a recorrente, a obrigação do legislador comunitário de levar em conta as consequências do acto que planeia adoptar sobre a situação de certos particulares é susceptível de os individualizar (acórdãos Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, já referido no n.° 54, supra, n.° 19; Sofrimport/Comissão, já referido no n.° 54, supra, n.° 11, e Codorníu/Conselho, já referido no n.° 54, supra, n.° 20), podendo essa obrigação ter origem numa disposição específica do Tratado CE (acórdão Antillean Rice Mills e o./Comissão, já referido no n.° 54, supra, n.° 67), ou em qualquer outra norma jurídica hierarquicamente superior (acórdão UEAPME/Conselho, já referido no n.° 54, supra, n.° 90), como o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade de tratamento e os direitos fundamentais.

75. A este respeito, a recorrente sustenta, no essencial, que, por respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, bem como pelo seu direito de propriedade e a sua liberdade de exercer uma actividade económica, o legislador comunitário devia ter levado em conta os efeitos muito graves da directiva impugnada na sua situação particular. Assim, ao deixar de incluir, contrariamente às propostas iniciais do Parlamento e da Comissão, outros sectores no anexo I da directiva impugnada – em particular os sectores concorrentes dos metais não ferrosos e dos produtos químicos – o legislador comunitário violou os princípios da igualdade de tratamento e da manutenção de uma concorrência não falseada. Violou igualmente o direito de propriedade, a liberdade de estabelecimento e a liberdade de exercer uma actividade económica da recorrente, bem como o princípio da proporcionalidade, pelo facto de não ter levado em devida conta a impossibilidade técnica e económica de os produtores de gusa ou aço reduzirem mais as emissões de CO 2 . Ao actuar deste modo, o legislador comunitário impôs um encargo desproporcionado à recorrente que põe em causa a sua existência, na medida em que a recorrente se tornaria necessariamente um «adquirente líquido de licenças» sem possibilidade de repercutir sobre os seus clientes os custos associados a essa condição. Acresce que as disposições impugnadas são desproporcionadas pelo facto de não serem acompanhadas de medidas que pelo menos atenuem as suas consequências nefastas para a recorrente, como um mecanismo de controlo dos preços das licenças ou a possibilidade de serem objecto de transferência transfronteiriça dentro do mesmo grupo de empresas. Não havendo esta possibilidade de transferência, que afecta seriamente os esforços de reestruturação da recorrente e a sua competitividade, a directiva impugnada lesa igualmente o direito de propriedade da recorrente e a sua liberdade de estabelecimento. A recorrente precisa que a restrição inadmissível da sua liberdade de estabelecimento, que resulta da inexistência de uma norma, na directiva impugnada, que permita a transferência transfronteiriça de licenças de emissão entre diferentes instalações do mesmo grupo de empresas, não pode ser relativizada pelo argumento de que a ampliação da capacidade de produção de uma instalação pode beneficiar das regras de atribuição de licenças aos «novos operadores», uma vez que este privilégio depende da escolha discricionária do Estado‑Membro de acolhimento em causa.

76. Em segundo lugar, a recorrente sustenta que faz parte de uma categoria fechada de empresas particularmente afectada pela directiva impugnada. Na União composta por quinze Estados‑Membros, apenas quinze empresas ou grupos de empresas exploravam instalações de produção de gusa ou aço, concretamente, a recorrente, a Corus, a ThyssenKrupp, a HKM, a Riva, a Luccini, a SSAB, a Voest Alpine, a Salzgitter, a Duferco, a Rauttaruukki, a Fundia, a Saint‑Gobain, a DHS e a Neue Maxhütte, a que se juntaram, a partir de 1 de Maio de 2004, cinco produtores de gusa ou aço dos dez novos Estados‑Membros, concretamente, a Ispat Polska, a Czech Steel Company, a Moravia Steel, a Dunaferr Dunai e a US Steel Košice. Todavia, o alargamento da União não pode, por si só, retirar a este grupo a sua qualidade de categoria fechada na acepção da jurisprudência, dado que esse alargamento estava previsto no artigo 2.° do Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33) antes da entrada em vigor da directiva impugnada. Além disso, a entrada no mercado de novos operadores através da instituição de novas actividades de altos‑fornos não é uma opção economicamente viável e está, por isso, excluída de facto. Com efeito, depois da entrada em vigor da directiva impugnada e tendo em conta a diminuição do número de altos ‑fornos na União desde 1975, um novo operador só pode estabelecer‑se no mercado através de uma aquisição.

77. Segundo a recorrente, a «situação de encerramento única» desse grupo de produtores, que os distingue de qualquer outra pessoa, resulta do facto de, num futuro previsível, por razões técnicas, diferentemente da situação de outros sectores económicos envolvidos, como os sectores do cimento, da electricidade, do papel e do vidro, os produtores de gusa ou aço não estarem em condições de reduzir, de modo significativo, as emissões de CO 2 em conformidade com os objectivos da directiva impugnada. Por conseguinte, os produtores pertencentes a esse grupo não podem, na realidade, escolher entre a redução das emissões e a aquisição de licenças adicionais, de modo que se tornariam necessariamente «adquirentes líquidos de licenças». No processo de produção de aço, a emissão de CO 2 é inevitável por causa da utilização do carvão como matéria‑prima e não como combustível. Assim, não há uma solução alternativa economicamente rentável para diminuir as emissões de CO 2 , por exemplo através da utilização de outro combustível, como o gás natural. O aperfeiçoamento da tecnologia dos altos‑fornos em termos de rendimento energético atingiu o seu limite teórico e implica ainda a emissão de duas toneladas de CO 2 por tonelada de aço produzido. Uma redução das emissões suplementares só seria possível através de uma evolução técnica cujo desenvolvimento levaria pelo menos 20 a 30 anos. Em contrapartida, não seria possível diminuir a produção, devendo sempre os altos‑fornos, por razões técnicas, funcionar a um nível próximo da sua capacidade máxima.

78. A recorrente salienta, tendo apresentado estudos nesse sentido, que, aproximadamente durante os próximos 25 anos, os operadores dos altos‑fornos deverão continuar a utilizar as tecnologias existentes, cuja margem de progressão é muito reduzida, tendo até agora fracassado todas as tentativas de substituição por razões técnicas e/ou económicas. Acrescenta que, contrariamente ao que alega o Conselho, as reduções das emissões que concretizou até 2002 não são o resultado de aperfeiçoamentos técnicos, antes se devendo principalmente ao encerramento de cinco altos‑fornos, ao aumento da capacidade de outras instalações e à substituição do minério da Lorena pelo minério brasileiro enquanto matéria‑prima de melhor rendimento energético. Do mesmo modo, o objectivo de redução da recorrente para o período de 2008 a 2012 devia ser alcançado, nomeadamente, por encerramentos de instalações acompanhados da transferência da produção para instalações noutros Estados‑Membros.

79. A recorrente alega, além disso, que o sector do aço é o único dos quatro sectores cobertos pelo anexo I da directiva impugnada que está sujeito à concorrência de outros sectores não abrangidos pela mesma directiva, ou seja, o dos metais não ferrosos e das matérias plásticas. Esta situação concorrencial muito desvantajosa para os produtores de gusa ou aço é ainda agravada, por um lado, por uma procura «muito concentrada», nomeadamente a da indústria automóvel, e, por outro, por uma concorrência intensa proveniente de sectores não visados pela directiva impugnada e de produtores de aço de países terceiros, como os Estados Unidos da América, não sujeitos às obrigações decorrentes do Protocolo de Quioto e que representam 65% da produção mundial. Assim, os produtores europeus de aço não estão em condições de repercutir sobre os seus clientes o aumento do custo de produção causado pela necessidade de comprar licenças de CO 2 , o que afecta ainda mais a sua rentabilidade já fraca. A este respeito, a situação concorrencial dos outros sectores visados pelo anexo I da directiva impugnada é diferente. Por exemplo, tendo em conta a previsão de um aumento substancial dos preços da electricidade, os fornecedores de energia teriam a possibilidade de repercutir sobre os seus clientes qualquer eventual aumento dos seus custos de produção e de aumentar sensivelmente a sua rentabilidade.

80. A recorrente precisa que, em contrapartida, nem sequer o recente aumento do preço do aço a coloca em condições de repercutir sobre os seus clientes o aumento dos custos de produção resultante da necessidade de adquirir licenças de emissão. Esse aumento de preços é apenas o resultado dos custos crescentes das matérias‑primas e do transporte a nível mundial. Ora, à escala mundial, os produtores europeus de gusa ou aço são confrontados com uma forte concorrência por parte dos produtores de países terceiros que, quer, como os estados Unidos da América, a Commonwealth da Austrália e a República da Turquia, não ratificaram o Protocolo de Quioto, quer, como a República da Índia, a República Popular da China e a República Federativa do Brasil, ratificaram o Protocolo de Quioto mas não estão obrigados, numa primeira fase, a reduzir as suas emissões de CO 2 (anexo B do Protocolo de Quioto) ou têm apenas a obrigação, por força do Protocolo de Quioto, de manter o nível actual de emissões, como é o caso da Federação da Rússia e da Ucrânia. Assim, os produtores europeus de gusa ou aço são os únicos a incorrer em custos de produção adicionais devido à aplicação do Protocolo de Quioto, estando simultaneamente expostos a uma pressão concorrencial cada vez mais vigorosa pelas importações de aço de países terceiros cuja importância depende do nível de preços no mercado europeu. A recorrente acrescenta que, tendo em conta o custo actual da licença de emissão de 26 euros por tonelada de CO 2 emitida, a produção de uma tonelada de aço, que implica a emissão de cerca de duas toneladas de CO 2 , ocasiona um custo adicional de 52 euros, ao passo que o preço do transporte global de uma tonelada de aço não ultrapassa, normalmente, 20 euros. A recorrente acrescenta que se supõe que, diferentemente dos produtores de gusa ou aço, os fornecedores de energia, nomeadamente os estabelecidos na Alemanha e no Reino Unido, incluem nos preços da electricidade o valor das licenças de emissão obtidas gratuitamente para daí retirarem lucros excepcionais.

81. A recorrente conclui das considerações precedentes que os produtores de gusa ou aço estabelecidos na União se encontram numa «situação de encerramento única» que os distingue de qualquer outra pessoa. Esta situação é agravada pelo facto de a directiva impugnada não prever nem um limite máximo nem um mecanismo de controlo dos preços das licenças de emissão. De acordo com estudos recentes, os produtores de gusa ou aço são assim confrontados com um preço da licença correspondente à emissão de uma tonelada de CO 2 situado entre 20 e 60 euros e até mesmo mais, quando um preço de 20 euros já eliminaria o lucro bruto no sector do aço.

82. Em terceiro lugar, a recorrente considera que, sendo de longe a maior produtora de gusa e de aço da Europa – com uma produção de 40 milhões de toneladas de aço, seguida da Thyssen‑Krupp (17 milhões) e da Corus (16 milhões) –, é afectada de modo particularmente grave pela directiva impugnada. Através da utilização da sua tecnologia muito avançada de altos‑fornos, a recorrente já diminuiu as suas emissões de gases com efeito de estufa, incluindo de CO 2 , numa proporção muito maior do que os 8% previstos pelo Protocolo de Quioto, que é de 19% em números absolutos e de 24% em números relativos (por tonelada de aço produzida) desde 1990 e não pode, pelas razões técnicas acima evocadas nos n. os  77 e 78, continuar a reduzir, de modo significativo, as emissões de CO 2 . Além disso, em 2002, a recorrente obteve, pela exploração dos seus altos‑fornos, um lucro bruto de 16 euros e um lucro líquido de 4 euros por tonelada de CO 2 emitida. Daqui decorre que, mesmo ao preço mais baixo, segundo a estimativa actual, de 20 euros a licença de emissão, o que corresponde a um custo adicional de 40 euros por tonelada de aço, a produção deixaria de ser rentável para a recorrente a tal ponto que deixaria de ser possível, para ela, continuar a explorar as suas instalações na Europa.

83. Em quarto lugar, a recorrente é a única produtora europeia de gusa e de aço confrontada a um problema específico criado pela directiva impugnada devido à reestruturação em curso do seu grupo, que se destina a melhorar a sua competitividade. Esta reestruturação, que teve início com a concentração de 2001 (v. n.° 30, supra ), ou seja, antes da adopção da directiva impugnada, destinava‑se a proceder ao encerramento de instalações ou à redução das capacidades de produção menos rentáveis num Estado‑Membro e ao correspondente aumento das capacidades de produção das instalações mais rentáveis estabelecidas noutros Estados‑Membros. Esta situação é específica da recorrente e distingue‑a de todos os outros produtores de gusa ou aço cujas instalações se encontram num só Estado‑Membro. A única excepção é a Corus, que tem instalações no Reino Unido e nos Países Baixos, mas que já optimizou a sua produção. Ora, a directiva impugnada compromete gravemente essa reestruturação pelo facto de não impor aos Estados‑Membros a obrigação de permitir a transferência transfronteiriça das licenças de uma instalação que devia ser encerrada para outras instalações estabelecidas noutros Estados‑Membros. Assim, os Governos belga e alemão já tornaram público que, em caso de encerramento, a recorrente perderia as suas licenças para as instalações localizadas na Valónia (Bélgica) e em Bremen (Alemanha), de modo que não está em condições de transferir essas licenças para as suas instalações localizadas em Espanha ou em França, onde tinha previsto um aumento correspondente das capacidades de produção. De igual modo, o PNA alemão e o artigo 10.°, n.° 1, primeiro período, do projecto de lei alemã sobre a atribuição de licenças durante o primeiro período de comércio prevêem a anulação das licenças em caso de encerramento de instalações, salvo se o operador puser uma nova instalação a funcionar na Alemanha (e não noutro Estado‑Membro). No mesmo sentido, o PNA francês prevê que os operadores podem conservar as licenças de uma instalação encerrada unicamente se a actividade for transferida para outra instalação localizada no território francês. Assim, a recorrente vê‑se obrigada a actuar em contradição com o seu objectivo de reestruturação e de melhoria da sua competitividade. Terá de comprar licenças de emissão adicionais para cobrir as capacidades de produção inicialmente destinadas a serem encerradas e transferidas para instalações localizadas noutros Estados‑Membros e continuar a explorar instalações menos rentáveis com o único objectivo de não perder as licenças já obtidas.

84. A recorrente acrescenta que também é a única operadora de todos os sectores abrangidos pelo anexo I da directiva impugnada confrontada com o problema da transferência transfronteiriça de capacidades de produção entre instalações localizadas em diferentes Estados‑Membros. Este problema não afecta os sectores do cimento, do vidro, da energia e do papel, cujas instalações estão implantadas, ao contrário das instalações de produção de aço, quer perto dos clientes quer em zonas que têm matéria‑prima em quantidades suficientes. Por conseguinte, para os produtores desses sectores, o encerramento de uma instalação num Estado‑Membro e a transferência da produção para outro Estado‑Membro não é uma opção plausível.

85. Todavia, à luz da liberdade de estabelecimento, não há nenhuma justificação para deixar ao critério discricionário dos Estados‑Membros a questão de saber em que medida transferências transfronteiriças de capacidades de produção são possíveis. Isto é tanto mais verdade quanto há incentivos económicos e políticos importantes para os Estados‑Membros não permitirem essa transferência de capacidades de produção, incluindo a das licenças de emissão a elas associadas. Por um lado, do ponto de vista do Estado‑Membro que tenha inicialmente concedido essas licenças, não há nenhum interesse em facilitar essa transferência e a suportar a perda, no seu território, tanto das capacidades de produção em causa e dos empregos a elas associadas como das licenças já atribuídas. Por outro lado, o Estado‑Membro de destino dessa transferência, em particular quando esse Estado é de pequena dimensão, não tem necessariamente interesse em atribuir licenças ao novo operador, tendo em conta o risco de ultrapassar o seu limite máximo nacional de licenças e, por conseguinte, de violar as suas obrigações de redução por força da Decisão 2002/358 e do Protocolo de Quioto. Como resulta do n.° 5 do anexo 4 das orientações adicionais da Comissão (v. n.° 14, supra ), estas reticências são confirmadas pelo facto de a maioria dos Estados‑Membros não permitirem a transferência transfronteiriça de licenças. Nessas orientações, a própria Comissão chamou a atenção para esta problemática, tendo salientado que, durante o primeiro período de comércio, os Estados‑Membros adoptaram um grande número de normas relativas às reservas para os novos operadores, aos encerramentos e às transferências, o que contribui para uma grande complexidade e para a falta de transparência no mercado interno e pode levar a distorções da concorrência. Concluiu daqui que era necessário pensar em criar uma reserva comunitária e em harmonizar as normas administrativas aplicáveis aos novos operadores, aos encerramentos e às transferências transfronteiriças no mercado interno (anexo 7 das orientações adicionais da Comissão). A recorrente invoca igualmente um estudo segundo o qual, no regime de comércio de licenças, tendo em conta o interesse dos Estados‑Membros em continuar a receber os impostos e em conservar os empregos correspondentes às instalações localizadas no seu território, é racional, actualmente, para eles, ou retirar as licenças às instalações encerradas, ou, pelo menos, fazer depender a manutenção dessas licenças da abertura de uma nova instalação no seu território para evitar que o operador deixe o país. Ora, poderia resultar deste cenário uma concorrência regulamentar economicamente ineficaz e politicamente indesejável entre os Estados‑Membros de modo a reter e a atrair os investimentos. Por estas razões, este estudo conclui pela necessidade de harmonizar, a nível comunitário, as normas que permitem que as instalações conservem as suas licenças mesmo em caso de encerramento. Por conseguinte, segundo a recorrente, o efeito útil da liberdade de estabelecimento só pode ser salvaguardado com a intervenção do próprio legislador comunitário.

86. Em quinto lugar, a recorrente considera que é particularmente afectada pela directiva impugnada devido aos contratos a longo prazo que a vinculam há muito a centrais eléctricas que, em parte, não pertencem ao seu grupo, e que têm por objecto o fornecimento de gás de altos‑fornos que contém monóxido de carbono, CO 2 e azoto para produção de electricidade. A recorrente questiona se, à luz do artigo 3.°, alíneas b) e e), da directiva impugnada, as licenças de emissão em causa devem ser‑lhe atribuídas a ela ou à central eléctrica. No caso de essas licenças deverem ser atribuídas à central eléctrica, a situação da recorrente ainda se agravaria mais, uma vez que deveria, eventualmente, adquirir as licenças necessárias no mercado ou, em caso de cassação do fornecimento à central eléctrica, queimar os seus gases de altos‑fornos sem, porém, dispor do número correspondente de licenças. Daí decorreria uma grande desvantagem do ponto de vista da concorrência para a recorrente em relação aos seus concorrentes que utilizam as suas próprias centrais eléctricas.

87. Em sexto lugar, por último, a recorrente refere que, devido ao facto de ser particularmente afectada pela disposições impugnadas, foi associada de perto ao processo legislativo, nomeadamente tendo participado em várias reuniões com representantes da Comissão, do Parlamento e do Conselho. Neste contexto, num primeiro tempo, um certo número de objecções expressas pela recorrente foram levadas em conta, tendo acabado por ser rejeitadas sem qualquer fundamentação.

88. Tendo em conta as considerações precedentes, a recorrente conclui que demonstrou a existência de uma série de elementos específicos que a caracterizam em relação a qualquer outra pessoa, o que faz com que o seu pedido de anulação seja admissível para efeitos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

89. No que diz respeito à inadmissibilidade invocada pelo Parlamento relativamente ao pedido de anulação parcial da directiva impugnada, a recorrente salienta que não pede a supressão completa das disposições impugnadas, mas apenas a sua inaplicabilidade relativamente às instalações de produção de ferro fundido bruto ou de aço. Assim, este pedido não implica nenhuma modificação do regime de comércio de licenças em relação aos outros sectores abrangidos pelo anexo I da directiva impugnada. Com efeito, o âmbito de aplicação da directiva impugnada pode ser quer alargado a outros sectores, como já foi proposto para os sectores dos metais não ferrosos e dos produtos químicos, quer restringido, sem que isso prejudique o funcionamento ou a essência do regime de comércio de licenças. Assim, a anulação parcial pedida tem por única consequência a supressão da parte – distinta e claramente definida – do anexo I da directiva impugnada que se refere às instalações de produção de ferro fundido bruto ou de aço.

90. Segundo a recorrente, mesmo admitindo que as disposições impugnadas não possam ser separadas da directiva impugnada considerada no seu todo, o pedido de anulação não deixa de ser admissível. Com efeito, se a anulação parcial fosse impossível, ter‑se‑ia de interpretar o pedido no sentido de ter por objecto a totalidade da directiva impugnada. Este entendimento decorre da necessidade de interpretar os pedidos tendo em conta o respectivo contexto e os objectivos da petição inicial, que pretende pôr termo à violação de direitos fundamentais da recorrente. Se o Tribunal não subscrever o entendimento acima preconizado no n.° 89, a recorrente pede, a título subsidiário, a anulação total da directiva impugnada, o que é ainda possível depois de ter entrado a petição inicial.

91. A recorrente conclui de todas as considerações precedentes que o pedido de anulação é admissível.

92. Nas suas observações sobre as consequências a tirar da entrada em vigor do artigo 263.°, quarto parágrafo, do TFUE, a recorrente alega, no essencial, por um lado, que esta disposição é aplicável no presente processo, e, por outro, que a directiva impugnada, pelo seu conteúdo constitui um acto regulamentar na acepção da mesma disposição pelo facto de as disposições contestadas não permitirem nenhuma margem de apreciação aos Estados‑Membros quanto à sua aplicação, dispensando deste modo a recorrente da demonstração da sua afectação individual pela referida directiva.

B – Apreciação do Tribunal Geral

93. Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

94. Resulta de uma jurisprudência constante que o simples facto de esta disposição do Tratado não reconhecer expressamente a admissibilidade dos recursos de anulação interpostos por um particular contra uma directiva na acepção do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE não basta para julgar tal recurso inadmissível. Com efeito, as instituições comunitárias não podem excluir a protecção jurisdicional que o Tratado confere aos particulares através da simples escolha da forma do acto em causa, mesmo que se trate de uma directiva (despachos do Tribunal Geral de 10 de Setembro de 2002, Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, T‑223/01, Colect., p. II‑3259, n.° 28; de 30 de Abril de 2003, Villiger Söhne/Conselho, T‑154/02, Colect., p. II‑1921, n.° 39; de 6 de Setembro de 2004, SNF/Comissão, T‑213/02, Colect., p. II‑3047, n.° 54, e de 25 de Abril de 2006, Kreuzer Medien/Parlamento e Conselho, T‑310/03, não publicado na Colectânea, n. os  40 e 41). De igual modo, o simples facto de as disposições impugnadas fazerem parte de um acto de alcance geral que é uma verdadeira directiva, e não uma decisão, na acepção do artigo 249, quarto parágrafo, CE, adoptada sob a forma de directiva, não basta, por si só, para excluir a possibilidade de essas disposições poderem dizer directa e individualmente respeito a um particular (v., neste sentido, despacho Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, já referido, n.° 30, e de 6 de Maio de 2003, Vannieuwenhuyze‑Morin/Parlamento e Conselho, T‑321/02, Colect., p. II‑1997, n.° 21).

95. No caso em apreço, não se pode deixar de concluir que a directiva impugnada, tanto pelo sua forma como pelo seu conteúdo, é um acto de alcance geral aplicável a situações objectivamente determinadas que produz efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas definidas de modo geral e abstracto, ou seja, todos os operadores de instalações que exerçam uma das actividades enumeradas no anexo I da directiva impugnada, incluindo a de produção de gusa ou aço de que a recorrente faz parte.

96. Todavia, não está excluído que, em determinadas circunstâncias, as disposições de tal acto de alcance geral possam dizer directa e individualmente respeito a alguns desses operadores (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C‑358/89, Colect., p. I‑2501, n.° 13; Codorníu/Conselho, já referido no n.° 54, supra, n.° 19, e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 36).

97. Por outro lado, resulta de jurisprudência assente que o requisito segundo o qual o acto recorrido deve dizer directamente respeito a uma pessoa singular ou colectiva, previsto no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, exige que esse acto produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe nenhum poder de apreciação aos respectivos destinatários encarregados da sua implementação, sendo esta de carácter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de normas intermédias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2004, Front national/Parlamento, C‑486/01 P, Colect., p. I‑6289, n.° 34, e de 22 de Março de 2007, Regione Siciliana/Comissão, C‑15/06 P, Colect., p. I‑2591, n.° 31).

98. O Tribunal considera oportuno verificar, a título principal, se as disposições impugnadas dizem individualmente respeito à recorrente. Só a título subsidiário o Tribunal verificará, igualmente, se for caso disso, se essas disposições lhe dizem directamente respeito.

99. Como resulta de jurisprudência assente, uma pessoa singular ou colectiva diferente do destinatário de um acto só pode alegar que este lhe diz individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, se o acto em causa a afectar em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas ou em razão de uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por isso, a individualiza de modo análogo ao do destinatário do acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, pp. 279, 284; Unión de Pequeños Agricultores/Con selho, já referido no n.° 93, supra, n.° 36, e de 1 de Abril de 2004, Comissão/Jégo‑Quéré, C‑263/02 P, Colect., p. I‑3425, n.° 45).

100. Face ao exposto, há que verificar se as obrigações eventualmente resultantes das disposições impugnadas são susceptíveis de individualizar a recorrente de modo análogo ao do respectivo destinatário. A este respeito, recorde‑se que a recorrente pede a anulação, em primeiro lugar, do artigo 4.° da directiva impugnada que impõe a necessidade de deter uma autorização de emissão, em segundo lugar, do seu artigo 6.°, n.° 2, alínea e), e do seu artigo 12.°, n.° 3, que prevêem a obrigação de restituição das licenças correspondentes às emissões totais da instalação do ano civil anterior, em terceiro lugar, do seu artigo 9.°, conjugado com o critério n.° 1 do seu anexo III, relativo ao estabelecimento dos PNA e à alegada obrigação dos Estados‑Membros de concederem aos operadores de instalações uma quantidade máxima de licenças de emissão e, em quarto lugar, do seu artigo 16.°, n. os  2 a 4, relativo às sanções em caso de não cumprimento da obrigação de restituição, na medida em que todas estas disposições são aplicáveis, por força do disposto no artigo 2.° da directiva impugnada, conjugado com o seu anexo I, aos produtores de gusa ou aço.

101. Para sustentar a sua alegação segundo a qual as disposições impugnadas lhe dizem individualmente respeito, a recorrente afirma, em primeiro lugar, no essencial, que o legislador comunitário estava obrigado, nos termos de diversas normas jurídicas hierarquicamente superiores, incluindo os seus direitos fundamentais, a levar em conta a situação específica dos produtores de gusa ou aço estabelecidos no mercado interno, em particular a sua (acórdãos Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, já referido no n.° 54, supra, n.° 19; Sofrimport/Comissão, já referido no n.° 54, supra, n.° 11, e UEAPME/Conselho, já referido no n.° 54, supra, n.° 90).

102. A este respeito, refira‑se que não há nenhuma disposição expressa e específica, seja hierarquicamente superior ou de direito derivado, que obrigasse o legislador comunitário, no processo de adopção da directiva impugnada, a levar especificamente em conta a situação dos produtores de gusa ou aço, ou a da recorrente, em relação à dos operadores dos outros sectores industriais enumerados no anexo I da referida directiva (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 17 de Janeiro de 2002, Rica Foods/Comissão, T‑47/00, Colect., p. II‑113, n. os  41 e 42; v., igualmente, despachos do Tribunal Geral de 6 de Maio de 2003, DOW AgroSciences/Parlamento e Conselho, T‑45/02, Colect., p. II‑1973, n.° 47; de 25 de Maio de 2004, Schmoldt e o./Comissão, T‑264/03, Colect., p. II‑1515, n.° 117, e de 16 de Fevereiro de 2005, Fost Plus/Comissão, T‑142/03, Colect., p. II‑589, n. os  61 a 65). Assim, nomeadamente o artigo 174.° CE e o artigo 175.°, n.° 1, CE, enquanto bases jurídicas para a actividade regulamentar da Comunidade em matéria de ambiente, não prevêem essa obrigação. Além disso, salvo a referência aos seus direitos fundamentais e a certos princípios gerais de direito que a protegem, a recorrente não invoca nenhuma norma jurídica hierarquicamente superior em concreto que a vise especificamente ou, pelo menos, vise os produtores de gusa e de aço, susceptível de criar tal obrigação a seu favor.

103. Ora, embora seja verdade que, aquando da adopção de um acto de alcance geral, as instituições comunitárias estão obrigadas a respeitar as normas jurídicas hierarquicamente superiores, incluindo os direitos fundamentais, a alegação segundo a qual tal acto viola essas normas ou esses direitos não basta, por si só, para julgar admissível o recurso interposto por um particular, sob pena de esvaziar de conteúdo os requisitos previstos no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, se essa alegada violação não for susceptível de o individualizar de modo análogo ao de um destinatário (v., no que diz respeito ao direito de propriedade, despacho do Tribunal Geral de 28 de Novembro de 2005, EEB e o./Comissão, T‑94/04, Colect., p. II‑4919, n. os  53 a 55; v. igualmente, neste sentido, despacho do Tribunal Geral de 29 de Junho de 2006, Nürburgring/Parlamento e Conselho, T‑311/03, não publicado na Colectânea, n. os  65 e 66). Neste contexto, a recorrente não pode invocar validamente o acórdão Codorníu, já referido no n.° 54 (n. os  20 a 22), no âmbito do qual a admissibilidade do recurso do regulamento impugnado decorria apenas do carácter individualizador, à luz das disposições impugnadas, da denominação em causa com base na qual a parte recorrente era, havia muito tempo, a único titular de um direito de marca.

104. Em todo o caso, a recorrente não demonstrou que as disposições impugnadas, em particular a obrigação de autorização de emissão por força do disposto no artigo 4.° da directiva impugnada, a obrigação de restituição por força do disposto no seu artigo 12.°, n.° 3, conjugado com o seu artigo 6, n.° 2, alínea e), bem como as sanções previstas no artigo 16.°, n. os  2 a 4, da referida directiva tenham violado os seus direitos fundamentais e lhe tenham causado um prejuízo grave susceptível de a individualizar como a um destinatário em relação a todos os outros operadores abrangidos por essas disposições (v., neste sentido, despacho Nürburgring/Parlamento e Conselho, já referido no n.° 100, supra, n.° 66). Com efeito, essas disposições aplicam‑se, de forma geral e abstracta, a todos os operadores referidos no anexo I da directiva impugnada e a situações objectivamente determinadas. Por conseguinte, são susceptíveis de afectar as posições jurídicas de todos esses operadores da mesma maneira.

105. Consequentemente, os argumentos da recorrente relativos à obrigação do legislador comunitário de respeitar determinados princípios gerais de direito e os direitos fundamentais não permitem concluir que as disposições impugnadas digam individualmente respeito à recorrente, e, portanto, não é necessário verificar se, a este respeito, essas disposições lhe dizem directamente respeito.

106. Em segundo lugar, no que diz respeito ao argumento da recorrente segundo o qual faz parte de uma categoria fechada de operadores particularmente afectada pelas disposições impugnadas, por um lado, há que recordar que a possibilidade de se determinar, no momento da adopção da medida impugnada, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a quem uma medida se aplica não implica de maneira nenhuma que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, desde que se conclua que essa aplicação se faz em virtude de uma situação objectiva de direito ou de facto definida pelo acto em causa (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 2008, Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão, C‑503/07 P, Colect., p. I‑2217, n.° 70 e jurisprudência aí referida). Por outro lado, o facto de certos operadores serem economicamente mais afectados do que outros por um acto de alcance geral não basta para os individualizar em relação a esses outros operadores quando esse acto seja aplicável a situações objectivamente determinadas (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1997, Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, C‑409/96 P, Colect., p. I‑7531, n.° 37; despachos do Tribunal Geral de 11 de Setembro de 2007, Fels‑Werke e o./Comissão, T-28/07, não publicado na Colectânea, n.° 60 e jurisprudência aí referida, e de 10 de Maio de 2004, Bundesverband der Nahrungsmittel‑ und Speiseresteverwertung e Kloh/Parlamento e Conselho, T‑391/02, Colect., p. II‑1447, n.° 53 e jurisprudência aí referida).

107. Ora, não se pode deixar de referir que a recorrente é afectada pelas disposições impugnadas, principalmente quanto à sua capacidade objectiva na qualidade de, por um lado, operadora de instalações que produz emissões de gases com efeito de estufa e, por outro, produtora de gusa e de aço, da mesma forma que quaisquer outros operadores ou produtores de gusa ou aço cuja actividade seja abrangida pelo anexo I da directiva impugnada. Assim, embora a recorrente fizesse parte, quando entrou em vigor a directiva impugnada, de um grupo de apenas quinze produtores de gusa ou aço que operavam no mercado interno, esta simples circunstância não basta para a individualizar de modo análogo ao do destinatário em relação a todos os outros operadores que exercem actividades na acepção do anexo I da directiva impugnada, incluindo os produtores de gusa ou aço desse mesmo grupo.

108. Além disso, mesmo admitindo que os produtores de gusa ou aço constituam um grupo de operadores particularmente afectado, podem todos vir a ser alvo das mesmas consequências jurídicas e factuais que a recorrente em função de uma situação objectivamente determinada, que consiste na inclusão da sua actividade no anexo I da directiva impugnada. Assim, a alegada impossibilidade técnica e económica de esses produtores, ao contrário dos operadores de outros sectores industriais, reduzirem mais as suas emissões de gases com efeito de estufa e repercutirem sobre os seus clientes os custos adicionais incorridos aquando da compra de licenças de emissão afecta o sector da produção de gusa ou aço no seu todo e de maneira idêntica. De igual modo, na sequência da execução do regime de comércio de licenças, esses produtores são todos expostos da mesma forma às evoluções do mercado de troca e do mercado de produtos em causa, incluindo à concorrência proveniente doutros sectores industriais ou de produtores de gusa ou aço de países terceiros.

109. Neste contexto, também não há que acolher a tese da recorrente segundo a qual os produtores de gusa ou aço estabelecidos no mercado interno constituem um círculo fechado de operadores, cuja composição já não é susceptível de mudar. A este respeito, o Parlamento e o Conselho fazem acertadamente referência ao aumento do número de produtores de gusa ou aço abrangidos pelo âmbito de aplicação da directiva impugnada na sequência do alargamento da União a partir de 2004, bem como à possibilidade de outros Estado europeus, que também eles têm um sector siderúrgico, aderirem à União no futuro. Além disso, a recorrente não demonstrou que, na altura em que entrou em vigor a directiva impugnada, os referidos produtores de gusa ou aço tivessem características particulares susceptíveis de os distinguir de quaisquer outros produtores ou novos operadores, por exemplo por serem titulares de direitos anteriores específicos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2008, Comissão/Infront WM, C‑125/06 P, Colect., p. I‑1451, n. os  71 a 77). Com efeito, mesmo admitindo que esses produtores fossem titulares de direitos de emissão concedidos ao abrigo da Directiva 96/61 (v. n.° 48, supra ), esses supostos direitos, longe de serem específicos, ou mesmo próprios da recorrente e só dela, beneficiaram, da mesma forma, todos os operadores que exercem actividades enumeradas no anexo I da referida directiva. Por último, o simples facto de, segundo a recorrente, só ser possível entrar no mercado pertinente através da aquisição de um produtor já estabelecido nesse mercado não impede que a identidade desse produtor ou do novo operador que o adquire mude e que altere, assim, a composição do grupo de produtores em causa.

110. Daqui decorre que os efeitos jurídicos das disposições impugnadas, ou seja, das obrigações de autorizar as emissões e de restituir as licenças, das sanções em caso de incumprimento dessas obrigações e da suposta limitação das licenças nos termos do artigo 9.° da directiva impugnada, afectam a actividade económica e a posição jurídica dos operadores abrangidos pelo anexo I da directiva impugnada, incluindo os do sector da produção de gusa ou aço, da mesma maneira e em função de uma situação objectivamente determinada. Essas disposições não são susceptíveis, assim, de caracterizar a situação factual e jurídica da recorrente em relação a esses outros operadores e, portanto, de a individualizar de modo análogo ao de um destinatário, de modo que não é necessário verificar se lhe dizem directamente respeito.

111. Em terceiro lugar, no que diz respeito ao argumento relativo à grande dimensão da recorrente, ao seu volume anual de produção e à sua incapacidade económica e/ou tecnológica individual para reduzir mais as suas emissões de CO 2 , há que referir que a recorrente não explica as razões pelas quais os produtores de gusa ou aço concorrentes não se encontram expostos a problemas de adaptação e a dificuldades análogas em função da sua dimensão, do seu volume de produção e dos seus esforços de redução das emissões. Com efeito, um operador de menor dimensão e com uma produção de gusa ou aço menor do que a da recorrente disporá necessariamente de uma menor quantidade de licenças, de modo que, proporcionalmente, as suas dificuldades económicas e/ou tecnológicas para reduzir as suas emissões deviam ser comparáveis às da recorrente. Ora, em conformidade com o anexo I da directiva impugnada, as obrigações decorrentes das disposições impugnadas aplicam‑se, de modo uniforme e geral, a todos os operadores de instalações cuja produção ultrapasse o limite nelas indicado, sem distinção quanto à respectiva dimensão. Por outro lado, o alcance dessas obrigações varia apenas consoante a quantidade de emissão de gases com efeito de estufa que, salvo prova em contrário, é susceptível de aumentar em função da dimensão e da capacidade de produção da instalação em causa, de modo que todos os operadores em causa se encontram numa situação comparável (v., neste sentido, acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42, supra, n.° 34). Assim, a recorrente não pode validamente alegar que é especificamente afectada, o que seria susceptível de a individualizar como a um destinatário, de modo que não é necessário verificar se, a este respeito, é directamente afectada.

112. Em quarto lugar, a recorrente não fez prova bastante de que a sua alegada «situação de encerramento única», nomeadamente devido à reestruturação do seu grupo, era susceptível de a individualizar em relação a quaisquer outros operadores. Com efeito, mesmo admitindo que a recorrente seja a única produtora de gusa e de aço estabelecida no mercado comum em processo de reestruturação, não foi provado que não haja outros produtores doutros sectores abrangidos pelo anexo I da directiva impugnada alvo de consequências análogas na sequência da aplicação da referida directiva pelo facto de terem procedido ou renunciado a processo similares. A este respeito, as alegações da recorrente segundo as quais as empresas dos outros sectores abrangidos pelo anexo I da directiva impugnada não são susceptíveis de exposição às mesmas dificuldades que ela são demasiado vagas e hipotéticas para excluir que outros produtores sejam afectados de modo similar, como os do sector energético que, na sequência da respectiva liberalização a nível comunitário, foram objecto de uma reestruturação transfronteiriça significativa.

113. De qualquer forma, a recorrente não provou que o facto de ser afectada por força dessa «situação de encerramento única» seja especificamente imputável aos efeitos jurídicos das disposições impugnadas enquanto tais de forma a que essas disposições lhe dissessem directamente respeito. De acordo com as próprias afirmações da recorrente, esta situação resulta, no essencial, em primeiro lugar, da alegada escassez de licenças de emissão atribuídas gratuitamente pelas autoridades estatais, que transformam a recorrente numa «adquirente líquida de licenças», em segundo lugar, do eventual aumento e/ou do nível elevado do preço das licenças disponíveis no mercado de troca e, em terceiro lugar, da impossibilidade de a recorrente transferir, no mercado interno, as licenças atribuídas a instalações que devem ser encerradas para outras instalações cuja capacidade de produção tenciona ampliar.

114. De igual modo, admitindo que a alegada reestruturação seja uma característica particular da recorrente, não se pode deixar de concluir que a suposta «situação de encerramento única», decorrente dos elementos acima mencionados no n.° 109, não é imputável nem à obrigação de deter uma autorização de emissão por força do disposto no artigo 4.° da directiva impugnada nem à obrigação de restituição por força do disposto no seu artigo 12.°, n.° 3, conjugado com o seu artigo 6.°, n.° 2, alínea e), nem às sanções previstas no artigo 16.°, n. os  2 a 4, da referida directiva, antes constituindo, a verificar‑se a referida situação, a consequência da execução, pelos Estados‑Membros, dos seus PNA e das legislações pertinentes. Ora, esses Estados dispõem, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 1, e o artigo 11.°, n.° 1, da directiva impugnada, de uma ampla margem de apreciação tanto no que diz respeito à atribuição dos contingentes de licenças aos diversos sectores industriais como à concessão e revogação das licenças aos operadores individuais, incluindo em caso de encerramento de uma instalação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 7 de Novembro de 2007, Alemanha/Comissão, T‑374/04, Colect., p. II‑4431, n. os  102 a 106).

115. Com efeito, o artigo 4.° da directiva impugnada apenas sujeita quaisquer operadores que emitam gases com efeito de estufa à obrigação de obter uma autorização de emissão, sem especificar as condições e as modalidades de atribuição dessas licenças, nem da sua revogação, tal como previstas em alguns Estados‑Membros, sendo certo que a recorrente alega que isso está na origem das suas dificuldades de reestruturação. Este entendimento é aplicável por analogia à obrigação de restituição prevista no artigo 12.°, n.° 3, da directiva impugnada, conjugado com o seu artigo 6.°, n.° 2, alínea e), e às sanções previstas no artigo 16.°, n. os  2 a 4, da referida directiva, não tendo a recorrente explicado as razões pelas quais considerava que essas disposições tinham uma qualquer relação com as referidas dificuldades. Nestas circunstâncias, um eventual prejuízo sofrido pela recorrente devido ao aumento dos custos de aquisição de licenças e/ou a uma eventual perda de licenças, ainda que substancial e mais pesada do que para outros operadores, na sequência do encerramento de uma das suas instalações e da revogação das licenças correspondentes pelas autoridades estatais, não pode ser imputada às obrigações decorrentes dessas disposições de modo a que possa servir de fundamento ao facto de a recorrente ser directamente afectada na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

116. Por último, na medida em que a recorrente contesta igualmente o artigo 9.° da directiva impugnada, conjugado com o critério n.° 1 do seu anexo III, pelo facto de prever a imposição aos Estados‑Membros de um «limite máximo absoluto de licenças», basta salientar que, ainda que este argumento tivesse fundamento, esse limite não teria por efeito afectar directamente a recorrente, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, uma vez que não permitiria identificar, nem sequer aproximadamente, o número de licenças que deveriam ser atribuídas pelas autoridades estatais aos diversos sectores industriais e ainda menos aos operadores individuais. Esta constatação é confirmada pelo facto de, na pendência da instância, a recorrente não ter sido capaz de precisar ou de antecipar, à luz da directiva impugnada e da Decisão 2002/358, nem a quantidade de licenças que os Estados‑Membros lhe atribuirão gratuitamente para as suas instalações de produção estabelecidas no mercado interno nem a medida do eventual encargo que deveria suportar no casos de essas licenças serem insuficientes.

117. Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que as disposições impugnadas lhe dizem directa e individualmente respeito devido à sua suposta «situação de encerramento única» resultante, nomeadamente, da reestruturação transfronteiriça do seu grupo.

118. Em quinto lugar, no que diz respeito aos contratos de fornecimento de gás a longo prazo que a recorrente alega ter celebrado com várias centrais eléctricas antes da entrada em vigor da directiva impugnada, também não são susceptíveis de a individualizar em relação às disposições impugnadas. Com efeito, essas disposições regulam, de modo geral e abstracto, as obrigações dos operadores sujeitos ao regime de comércio de licenças, sem precisarem as condições e modalidades da concessão ou da revogação pelos Estados‑Membros das licenças de emissão (v. n. os  109 a 113, supra ). De qualquer forma, eventuais obstáculos à execução desses contratos de fornecimento de gás só podem resultar das normas nacionais que regulam a concessão das licenças, de modo que, a este respeito, também não assiste razão à recorrente quando sustenta que foi directamente afectada. Por outro lado, como afirma o Conselho, a própria recorrente alega que esses contratos de fornecimento de gás foram celebrados, pelo menos em parte, com centrais eléctricas que pertencem ao seu próprio grupo de empresas. Assim, na medida em que a actividade dessas centrais eléctricas seja abrangida pelo âmbito de aplicação do anexo I da directiva impugnada na parte em que ultrapasse o volume de produção aí previsto, a recorrente disporá necessariamente, com base nos PNA e nas normas nacionais aplicáveis, de licenças de emissão para a combustão dos gases em causa. Por último, não obstante o facto de a produção de energia constituir, em princípio, uma actividade coberta pelo anexo I da directiva impugnada, a recorrente não esclareceu em que medida esses contratos de fornecimento de gás a vinculavam a centrais eléctricas terceiras nem referiu se estas últimas podiam obter licenças de emissão por sua própria conta ou precisavam delas pelo facto de estarem incluídas nesse anexo, nem explicou em que condições a eventual insuficiência de licenças para elas podia afectar a execução dos referidos contratos. Nestas circunstâncias, há que concluir que a recorrente não demonstrou que as disposições impugnadas lhe dizem directa e individualmente respeito pelo facto de os contratos de fornecimento de gás a longo prazo em causa terem sido afectados.

119. Em sexto lugar, no que diz respeito ao argumento da recorrente, muito pouco pormenorizado, segundo o qual participou no processo decisório que levou à adopção da directiva impugnada, recorde‑se que o facto de uma pessoa participar, de uma forma ou de outra, no processo que conduz à adopção de um acto comunitário só é susceptível de individualizar essa pessoa relativamente ao acto em questão quando a regulamentação comunitária aplicável lhe confere certas garantias processuais. Ora, salvo disposição expressa em contrário, nem o processo de elaboração de actos de alcance geral nem a natureza desses mesmos actos exigem, por força dos princípios gerais do direito comunitário, como o direito de audiência, a participação das pessoas afectadas, dado que os interesses das mesmas se consideram representados pelas instâncias políticas competentes para adoptar esses actos. Por conseguinte, na falta de direitos processuais expressamente garantidos, é contrário à letra e ao espírito do artigo 230.° CE permitir a qualquer particular, pelo facto de ter participado na preparação de um acto de natureza legislativa, interpor seguidamente recurso de tal acto (v., neste sentido, despacho do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2005, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03, Colect., p. II‑5839, n. os  72 a 73 e jurisprudência aí referida).

120. No caso em apreço, não se pode deixar de referir que, por um lado, o processo de elaboração e de adopção da directiva impugnada, nos termos do artigo 175.°, n.° 1, CE e do artigo 251.° CE, era um processo decisório que implicava a participação conjunta do Conselho e do Parlamento, enquanto legislador comunitário, destinado à adopção de uma medida de alcance geral, não estando prevista, neste contexto, qualquer intervenção por parte dos operadores, e que, por outro, a recorrente não alegou nem provou que tinha direitos processuais susceptíveis de lhe conferirem legitimidade na acepção da jurisprudência acima referida no n.° 116.

121. Daqui decorre que a suposta participação da recorrente no processo decisório que levou à adopção da directiva impugnada não é susceptível de a individualizar na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, não sendo necessário, a este respeito, analisar se foi directamente afectada.

122. Face ao exposto, as disposições impugnadas não dizem nem individual nem directamente respeito à recorrente, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, e o seu pedido de anulação deve ser julgado inadmissível, não sendo necessário verificar se as disposições impugnadas são separáveis da directiva impugnada no seu todo.

123. De resto, esta solução não é colocada em causa pelo artigo 263.°, quarto parágrafo, do TFUE. Com efeito, como foi observado no n.° 114, supra, os Estados‑Membros dispõem de uma vasta margem de apreciação para aplicar a directiva impugnada. Assim, contrariamente ao que alega a recorrente, a directiva não pode, de qualquer modo, ser considerada um acto regulamentar que não contém medidas de execução na acepção do artigo 263.°, quarto parágrafo, do TFUE.

II – Quanto à admissibilidade do pedido de indemnização

A – Argumentos das partes

124. O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, alegam que o pedido de indemnização também é inadmissível.

125. O pedido da recorrente não preenche os requisitos impostos pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo na medida em que, por um lado, o prejuízo alegado não é iminente, nem certo, nem está suficientemente identificado, e, por outro, não há um nexo de causalidade directo entre a directiva impugnada e esse prejuízo. O Parlamento acrescenta que a recorrente não demonstrou, de acordo com as regras do ónus da prova, que a escolha do legislador comunitário viola grave e manifestamente as normas jurídicas hierarquicamente superiores invocadas, como o princípio da igualdade de tratamento. Assim, não provou que os sectores da química e do alumínio ocupam o mesmo segmento de mercado que o sector da gusa e do aço e que esses sectores produzem emissões directas de CO 2 de uma importância tal que deviam ter sido incluídos, desde o início, na directiva impugnada.

126. Quanto à existência de um prejuízo, o Conselho alega que a directiva impugnada, embora estivesse já em vigor, ainda não tinha tido, quando a petição inicial deu entrada, quaisquer efeitos directos na actividade económica da recorrente, e que eventuais efeitos futuros não podiam ser considerados iminentes. Além disso, a recorrente não fez prova de um prejuízo certo, o que é impossível, nesta fase, por várias razões. A este respeito, o Parlamento e o Conselho sustentam, nomeadamente, que a suposta situação de «adquirente líquido de licenças» da recorrente é apenas hipotética e não uma consequência directa, necessária e certa da directiva impugnada.

127. Segundo o Conselho, a questão de saber se a recorrente se tornará um «adquirente líquido de licenças» depende de uma série de factores desconhecidos e não demonstrados no caso em apreço, como a quantidade total de licenças inicialmente atribuídas pelas autoridades nacionais em conformidade com os PNA e os custos da redução de emissões em relação ao preço das licenças no mercado de troca. A quantidade total de licenças atribuídas depende, por sua vez, de vários factores, como o objectivo de redução do Estado‑Membro, a sua eventual intenção de comprar no mercado mundial das unidades de emissão previstas pelo Protocolo de Quioto, bem como a sua decisão quanto às modalidades de repartição da redução necessária das emissões entre os diferentes sectores industriais. O Conselho alega, além disso, que, quando as licenças atribuídas se revelarem insuficientes, o impacto da directiva impugnada dependerá, atendendo ao respectivo custo de investimento, da escolha do operador entre, por um lado, a aquisição de licenças adicionais para cobrir as suas emissões de CO 2 e, por outro, a adopção de medidas de redução das emissões.

128. A inexistência de um prejuízo certo é corroborada pelo facto de a directiva impugnada prever expressamente, nos critérios n. os  3 e 7 do seu anexo III, que a quantidade de licenças deve ser coerente com o potencial, inclusivamente tecnológico, das actividades dos operadores, e que o PNA pode levar em consideração as medidas adoptadas numa fase precoce, como as reduções das emissões de CO 2 que a recorrente afirma ter levado a cabo desde 1990. Por outro lado, o Conselho recorda que a recorrente pode proceder à transferência transfronteiriça das licenças não utilizadas entre instalações dentro do seu grupo, constituindo esta possibilidade a própria base do regime de comércio de licenças.

129. O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, referem que a recorrente não conseguiu demonstrar que terá de suportar custos adicionais ligados à aplicação da directiva impugnada, como os custos com os trabalhadores responsáveis pela monitorização das emissões de CO 2 e com a realização de relatórios, uma vez que estas obrigações já se impõem nos termos da Directiva 96/61. O Conselho alega que os argumentos da recorrente quanto aos custos ligados à contratação de mais trabalhadores e à perda de lucros futuros são demasiado vagos e imprecisos para permitirem fazer prova de um prejuízo futuro. De igual modo, a eventual perda de quotas de mercado ou de lucros não é certa e depende de factores desconhecidos e independentes da directiva impugnada, por exemplo a evolução dos preços da gusa e do aço e dos produtos concorrentes.

130. Segundo o Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, a recorrente também não demonstrou a existência de um nexo de causalidade entre a directiva impugnada e o suposto prejuízo futuro que poderá vir a sofrer. Tendo em conta a margem de apreciação reservada aos Estados‑Membros, a directiva impugnada não poderia, enquanto tal, causar directamente um qualquer prejuízo à recorrente, uma vez que um prejuízo só poderia resultar das normas nacionais de transposição e, em particular, da atribuição das licenças de emissão.

131. A recorrente considera que o seu pedido de indemnização está em conformidade com os requisitos impostos pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo e que, portanto, é admissível.

B – Apreciação do Tribunal Geral

132. Recorde‑se que, por força do disposto no artigo 21.°, primeiro parágrafo, conjugado com o artigo 53.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, e no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal pronunciar‑se sobre a acção ou o recurso, se for o caso, sem outras informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção ou um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseiam resultem, pelo menos sumariamente mas de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Mais especificamente, para preencher estes requisitos, a petição destinada a obter a reparação de danos alegadamente causados por uma instituição comunitária deve conter elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante censura à instituição, as razões pelas quais considera existir um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido, bem como a natureza e a extensão desse prejuízo (acórdãos do Tribunal Geral de 3 de Fevereiro de 2005, Chiquita Brands e o./Comissão, T‑19/01, Colect., p. II‑315, n. os  64 e 65; de 10 de Maio de 2006, Galileo International Technology e o./Comissão, T‑279/03, Colect., p. II‑1291, n. os  36 e 37; de 13 de Dezembro de 2006, Abad Pérez e o./Conselho e Comissão, T‑304/01, Colect., p. II‑4857, n.° 44, e É.R. e o./Conselho e Comissão, T‑138/03, Colect., p. II‑4923, n.° 34; despacho do Tribunal Geral de 27 de Maio de 2004, Andolfi/Comissão, T‑379/02, não publicado na Colectânea, n. os  41 e 42).

133. O Tribunal considera que a petição preenche estes requisitos de forma e que os argumentos do Parlamento e do Conselho a este respeito, cuja maior parte é relativa à apreciação do mérito e não à da admissibilidade do pedido de indemnização, não devem ser acolhidos. Com efeito, na petição, a recorrente invocou elementos suficientes para permitir identificar o comportamento imputado ao legislador comunitário, as razões pelas quais considera que há um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo que alega ter sofrido, bem como a natureza e a eventual extensão desse prejuízo, tendo este elementos, aliás, permitido ao Parlamento e ao Conselho defenderem‑se utilmente a este respeito, invocando argumentos destinados a demonstrar, na realidade, que o pedido de indemnização deve improceder.

134. Relativamente ao comportamento alegadamente ilegal do Parlamento e de Conselho, não se pode deixar de referir que a recorrente invocou, de acordo com as exigências da jurisprudência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98, Colect., p. I‑5291, n. os  39 e segs., e de 12 de Julho de 2005, Comissão/CEVA e Pfizer, C‑198/03 P, Colect., p. I‑6357, n. os  61 e segs.), argumentos circunstanciados destinados a fazer prova de uma violação suficientemente caracterizada de várias normas – incluindo normas jurídicas hierarquicamente superiores – que têm por objecto conferir direitos aos particulares, como o princípio da igualdade de tratamento e a liberdade de estabelecimento.

135. No que diz respeito ao prejuízo, há que começar por referir que, tendo em conta as circunstâncias no momento em que a petição deu entrada, esse prejuízo tinha necessariamente de ser futuro uma vez que a directiva impugnada estava ainda a ser transposta para os ordenamentos jurídicos nacionais e que os Estados‑Membros tinham apenas começado a preparar os seus PNA e as suas legislações para o primeiro período de comércio. Além disso, tendo em conta a margem de apreciação dos Estados‑Membros quanto à execução do regime de comércio de licenças nos seus territórios em aplicação dos seus PNA (v. n.° 113, supra ), a recorrente não podia ter especificado a extensão exacta desse prejuízo futuro quando interpôs o presente recurso. Ora, nestas circunstâncias especiais, a que a recorrente fez referência, não é indispensável especificar, na petição, enquanto requisito de admissibilidade, a exacta extensão do prejuízo, e menos ainda cifrar o montante da indemnização pedida, sendo certo que, de qualquer forma, é possível fazê‑lo até à fase da réplica, desde que a parte demandante invoque estas circunstâncias e indique elementos que permitam apreciar a natureza e a extensão do prejuízo, ficando assim a parte demandada em condições de se defender (v., neste sentido, despachos do Tribunal Geral Andolfi/Comissão, já referido no n.° 128, supra, n. os  48 e 49 e jurisprudência aí referida, e de 22 de Julho de 2005, Polyelectrolyte Producers Group/Conselho e Comissão, T‑376/04, Colect., p. II‑3007, n.° 55).

136. Em seguida, há que salientar que a recorrente invocou elementos suficientes para caracterizar o seu prejuízo futuro, incluindo a sua natureza, a sua extensão e as suas diversas componentes, para preencher os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Com efeito, na petição, em primeiro lugar, a recorrente fez referência ao dano resultante dos custos adicionais originados pela contratação de trabalhadores para exercer as actividades de monitorização e de comunicação de informações nos termos dos artigos 14.° e 15.° da directiva impugnada. Além disso, nas suas observações sobre as excepções de inadmissibilidade, a recorrente fez uma previsão concreta desses custos adicionais. Em segundo lugar, a recorrente alegou um prejuízo tanto material como moral resultante da perda de quotas de mercado e da lesão da sua reputação em matéria ambiental causado pelo facto de os sectores concorrentes dos metais não ferrosos e dos produtos químicos não terem sido incluídos no âmbito de aplicação da directiva impugnada. Em terceiro lugar, a recorrente invocou, tendo juntado estimativas cifradas (v. n. os  78 e 79, supra ), um prejuízo decorrente da sua situação de «adquirente líquida de licenças» e do previsível aumento dos custos dessas licenças que seria susceptível de anular a sua margem de lucro bruta. Em quarto lugar, a recorrente pediu uma indemnização pelos lucros cessantes resultantes do facto de lhe ser impossível executar a sua estratégia de reestruturação transfronteiriça. Consequentemente, os requisitos mínimos relativos à identificação do prejuízo encontram‑se preenchidos no caso em apreço.

137. No que por último diz respeito ao nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o prejuízo, a recorrente alegou de modo suficientemente preciso, em conformidade com a lógica do seu entendimento, que o Estado‑Membro não dispunha de margem de apreciação quanto à transposição para o direito nacional das disposições impugnadas e das obrigações delas decorrentes para os operadores e que, portanto, qualquer eventual prejuízo que sofresse seria imputável ao comportamento supostamente ilegal do legislador comunitário. A este respeito, não podem ser acolhidos os argumentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão segundo os quais a recorrente devia ter «demonstrado» ou «provado» esse nexo de causalidade para que o pedido fosse admissível, uma vez que tal apreciação faz parte da análise do mérito do referido pedido e não da sua admissibilidade.

138. Face ao exposto, as excepções de inadmissibilidade arguidas pelo Parlamento e pelo Conselho não devem ser acolhidas na parte em que se referem ao pedido de indemnização.

III – Quanto ao mérito do pedido de indemnização

A – Quanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual da Comunidade

139. Resulta de uma jurisprudência constante que a responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, depende da verificação de uma série de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre este comportamento e o prejuízo alegado [v. acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2006, Agraz e o./Comissão, C‑243/05 P, Colect., p. I‑10833, n.° 26 e jurisprudência aí referida; acórdãos do Tribunal Geral de 16 de Novembro de 2006, Masdar (UK)/Comissão, T‑333/03, Colect., p. II‑4377, n.° 59, Abad Pérez e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 128, supra, n.° 97, É.R. e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 128, supra, n.° 99, e de 12 de Setembro de 2007, Nikolaou/Comissão, T‑259/03, não publicado na Colectânea, n.° 37].

140. Tendo em conta que estes requisitos são cumulativos, basta que um deles não se encontre preenchido, para que o pedido improceda na íntegra (v., neste sentido, acórdãos Abad Pérez e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 128, supra, n.° 99, e É.R. e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 128, supra, n.° 101 e jurisprudência aí referida).

141. No que diz respeito ao primeiro desses requisitos, exige‑se a prova de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido no n.° 130, supra, n.° 42). Relativamente à exigência de que a violação seja suficientemente caracterizada, o critério decisivo que permite que se considere que se encontra satisfeita é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Só quando essa instituição dispuser de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, é que a simples infracção ao direito comunitário pode ser suficiente para demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 54; acórdãos do Tribunal Geral de 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.° 134; Abad Pérez e o./Conselho, já referido no n.° 128, supra, n.° 98, e Comissão e É.R. e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 128, supra, n.° 100).

142. Há que começar por apreciar o mérito dos fundamentos de ilegalidade invocados pela recorrente à luz dos critérios acima enunciados no n.° 137.

143. A este respeito, no contexto do presente processo, há que especificar que uma eventual violação suficientemente caracterizada das normas jurídicas em causa deve ter por base uma violação manifesta e grave dos limites do amplo poder de apreciação de que o legislador comunitário dispõe no exercício das suas competências em matéria ambiental ao abrigo dos artigos 174.° CE e 175.° CE (v., neste sentido e por analogia, por um lado, acórdãos do Tribunal Geral de 1 de Dezembro de 1999, Boehringer/Conselho e Comissão, T‑125/96 e T‑152/96, Colect., p. II‑3427, n.° 74, e de 10 de Fevereiro de 2004, Afrikanische Frucht‑Compagnie/Conselho e Comissão, T‑64/01 e T‑65/01, Colect., p. II‑521, n.° 101 e jurisprudência aí referida, e, por outro, acórdãos do Tribunal Geral de 11 de Setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99, Colect., p. II‑3305, n.° 166, e de 26 de Novembro de 2002, Artegodan/Comissão, T‑74/00, T‑76/00, T‑83/00 a T‑85/00, T‑132/00, T‑137/00 e T‑141/00, Colect., p. II‑4945, n.° 201). Com efeito, o exercício desse poder discricionário implica, por um lado, a necessidade de o legislador comunitário antecipar e avaliar evoluções em matéria ecológica, científica, técnica e económica de natureza complexa e incerta, e, por outro, a necessidade de o mesmo legislador ponderar e optar entre os diversos objectivos, princípios e interesses referidos no artigo 174.° CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1998, Safety Hi‑Tech, C‑284/95, Colect., p. I‑4301, n. os  36 e 37; de 15 de Dezembro de 2005, Grécia/Comissão, C‑86/03, Colect., p. I‑10979, n.° 88, e Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 108, supra, n. os  57 a 59; v., igualmente, por analogia, acórdão Chiquita Brands e o./Comissão, já referido no n.° 128, supra, n.° 228). Isto traduziu‑se, na directiva impugnada, na fixação de uma série de objectivos e de sub‑objectivos parcialmente contraditórios (v., neste sentido, acórdãos Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42, supra, n. os  28 a 33, e Alemanha/Comissão, já referido no n.° 111, supra, n. os  121 a 125 e 136 a 139).

144. Por conseguinte, há que verificar se a suposta violação das normas jurídicas invocadas pela recorrente consiste numa violação manifesta e grave dos limites da ampla margem de apreciação de que o legislador comunitário dispunha na adopção da directiva impugnada.

145. Atendendo ao facto de a argumentação da recorrente em apoio dos dois fundamentos de ilegalidade se confunde, há que proceder à sua análise em conjunto.

B – Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito de propriedade, da liberdade de exercer uma actividade económica e do princípio da proporcionalidade

1. Argumentos das partes

146. A recorrente sustenta que as disposições impugnadas violam o seu direito de propriedade e a sua liberdade de exercer uma actividade económica, que são direito fundamentais garantidos pelo ordenamento jurídico comunitário, como é confirmado pelos artigos 16.° e 17.° da Carta dos Direito Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1). Com efeito, medidas obrigatórias que sujeitam a «utilização da propriedade» a certas condições são susceptíveis de restringir o exercício do direito de propriedade e, quando essas medidas privam um particular desse exercício, violam o núcleo desse direito.

147. A recorrente considera que as disposições impugnadas lesam de forma desproporcionada o núcleo do seu direito de propriedade e da sua liberdade de exercer uma actividade económica ao obrigá‑la a explorar as suas instalações em condições economicamente não viáveis. Por um lado, essas disposições têm por consequência transformar a recorrente num «adquirente líquido de licenças» (v. n. os  73 e 75, supra ), dado que, apesar dos esforços que desenvolveu no passado e ao contrário dos operadores de outros sectores, é tecnicamente impossível para ela reduzir mais, num futuro próximo, as suas emissões de CO 2 (v. n. os  75 e 76, supra ). Por outro lado, tendo em conta as condições específicas da concorrência no sector siderúrgico (v. n.° 77, supra ), a recorrente já não pode repercutir o aumento dos seus custos de produção sobre os seus clientes (v. n.° 78, supra ). Por conseguinte, a sua produção dá prejuízo e a recorrente tem de continuar a explorar instalações não rentáveis e ineficientes no mercado interno, ou então encerrá‑las e transferi‑las para países que não imponham obrigações de redução de emissões por força do Protocolo de Quioto.

148. Na réplica, a recorrente esclarece que a directiva impugnada provoca uma distorção da concorrência a três títulos. Em primeiro lugar, enquanto a indústria comunitária está sujeita a obrigações de redução das emissões de CO 2 que aumentam os custos de produção, os custos de produção nos países terceiros mantiveram‑se inalterados, tendo mesmo eventualmente baixado por causa de projectos inscritos no âmbito do mecanismo de desenvolvimento «limpo» previsto no Protocolo de Quioto (v. n.° 5, supra ). Em segundo lugar, no mercado interno, o aumento dos custos de produção varia em função das divergências entre os objectivos nacionais de redução de emissões e entre as políticas nacionais de atribuição de licenças. Em terceiro lugar, só a produção de certos produtos, entre os quais o aço, é abrangida pelo regime de comércio de licenças. Ora, segundo a recorrente, todos os produtos deviam ser tratados da mesma maneira, proporcionalmente à quantidade de CO 2 emitida e tendo em conta tanto o processo de produção como o ciclo de vida do produto em causa.

149. A recorrente considera que a directiva impugnada não é apta a incentivar os operadores de instalações a reduzirem as suas emissões. Por um lado, não encoraja a inovação técnica, na medida em que prevê que as instalações novas obtenham licenças em função das suas necessidades efectivas, o que incita os produtores a continuar a explorar instalações não rentáveis. Por outro lado, a directiva impugnada não recompensa as reduções das emissões, incluindo os esforços de redução consideráveis que têm vindo a ser desenvolvidos no sector siderúrgico europeu. Pelo contrário, o encerramento de uma instalação ineficaz leva à perda das licenças concedidas, uma vez que essas licenças não podem ser transferidas para instalações localizadas noutro Estado‑Membro (v. n. os  81 a 83, supra ). Os produtores de gusa ou aço são dissuadidos, assim, de reduzir as suas emissões ou de transferir a sua produção para instalações mais eficazes e, portanto, mais benéficas para o ambiente. Tendo em conta esta violação grave do seu direito de propriedade, da sua liberdade de exercer uma actividade económica e da sua liberdade de estabelecimento, a recorrente duvida, além disso, de que o objectivo da directiva impugnada de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e de proteger o ambiente possa ser alcançado. No que diz respeito ao sector siderúrgico, devido à exploração contínua de instalações ineficazes e à transferência da produção de aço para países terceiros, é provável que, de um ponto de vista global, não se possa concretizar nenhuma redução das emissões.

150. Segundo a recorrente, resulta destas considerações, que demonstram a violação do seu direito de propriedade, da sua liberdade de exercer uma actividade económica e da sua liberdade de estabelecimento, que as disposições impugnadas violam igualmente o princípio da proporcionalidade. Nos termos deste princípio, a legalidade dos actos e das medidas comunitárias depende da circunstância de esses actos e medidas serem adequados e necessários à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa. De igual modo, o artigo 5.°, terceiro parágrafo, CE exige que a acção da Comunidade não exceda o necessário para atingir os objectivos do Tratado CE. Além disso, quando for possível escolher entre várias medidas adequadas, há que optar pela menos restritiva e os encargos impostos não devem ser desproporcionados em relação aos objectivos prosseguidos. Todavia, a inclusão das instalações de produção de ferro fundido bruto ou de aço no anexo I da directiva impugnada foi, desde o início, inapropriada à realização dos objectivos de redução das emissões e de protecção do ambiente prosseguidos pela directiva impugnada e as disposições impugnadas impõem um encargo pesado e desproporcionado à recorrente, pondo em perigo a sua própria existência (v. n. os  143 a 145, supra ).

151. O Parlamento e o Conselho contestam que a directiva impugnada afecte, de modo desproporcionado, o direito de propriedade e a liberdade de exercer uma actividade económica da recorrente. Mesmo admitindo que as obrigações que para a recorrente resultam da directiva impugnada constituam restrições a este respeito, não se pode considerar que essas obrigações lesam de forma desproporcionada e intolerável os seus direitos à luz do objectivo de interesse geral prosseguido pela directiva impugnada e pelo regime de comércio de licenças, ou seja, a protecção do ambiente.

152. Assim sendo, o primeiro e o segundo fundamentos devem ser julgados improcedentes.

2. Apreciação do Tribunal Geral

153. Refira‑se, a título preliminar, que, embora o direito de propriedade e o livre exercício de uma actividade económica façam parte dos princípios gerais de direito comunitário, estes princípios não são, no entanto, prerrogativas absolutas, antes devendo ser levados em consideração tendo em conta a sua função social. Por conseguinte, podem ser feitas restrições ao direito de propriedade e ao livre exercício de uma actividade profissional, desde que essas restrições correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, à luz do objectivo que se pretende alcançar, uma intervenção desproporcionada e intolerável que viole o núcleo dos direito garantidos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2005, Alessandrini e o./Comissão, C‑295/03 P, Colect., p. I‑5673, n.° 86 e jurisprudência aí referida, e acórdão Chiquita Brands e o./Comissão, já referido no n.° 128, supra, n.° 220).

154. No que mais especificamente diz respeito à suposta violação do direito de propriedade, refira‑se que, com excepção da alegação muito genérica segundo a qual as disposições impugnadas têm por consequência ter colocado a recorrente numa situação em que deixou de estar em condições de explorar de modo rentável as suas instalações de produção de aço localizadas dentro do mercado interno, a recorrente não explicou em que medida o seu direito de propriedade relativo a determinados bens corpóreos ou incorpóreos que fazem parte dos seus meios de produção foi efectivamente atingido, ou mesmo esvaziado de conteúdo, pela aplicação ou pela transposição para o direito nacional das referidas disposições. A recorrente também não indicou quais das suas instalações de produção teriam sido particularmente afectadas pelas disposições impugnadas e por que razões considerava que essa lesão se tinha verificado tendo em conta a situação individual de cada uma dessas instalações no território em que se localizam e à luz do PNA pertinente. A este respeito, a recorrente limitou‑se a alegar, de forma vaga, que não podia encerrar determinadas instalações ineficazes e não rentáveis para não perder as licenças de emissão que lhes tinham sido atribuídas, sem ter explicado em que medida essa falta de eficácia e de rentabilidade e as dificuldades económicas daí decorrentes eram especificamente imputáveis à aplicação das disposições impugnadas enquanto tais. Ora, segundo as suas próprias afirmações, essas dificuldades económicas existiam muito antes da operação de concentração de 2001 (v. n.° 30, supra ) e foram uma das razões de ordem económica que a justificaram.

155. Por outro lado, quanto à suposta violação do direito de propriedade e da liberdade de exercer uma actividade económica no seu todo, a recorrente não conseguiu, nem nos seus articulados nem na audiência, explicar de modo plausível e através da apresentação de provas concretas de que modo e em que medida se podia tornar, devido à aplicação da directiva impugnada, um «adquirente líquido de licenças» de emissão cujos custos não podia repercutir sobre os seus clientes. Com efeito, a recorrente não alegou que, no primeiro período de comércio, que terminou em 2007, tinha sido obrigada a adquirir licenças de emissão adicionais por causa de uma eventual insuficiência de licenças numa das suas instalações de produção estabelecidas no mercado interno. Pelo contrário, na audiência, em resposta a uma pergunta do Tribunal, a recorrente reconheceu ter vendido, em 2006, licenças excedentárias no mercado de troca e ter tido um lucro de 101 milhões de euros, o que ficou a constar da acta da audiência. Assim, parece estar excluído que, consideradas no seu todo, as disposições impugnadas tenham necessariamente consequências financeiras negativas que lesem o direito de propriedade da recorrente e a sua liberdade de exercer uma actividade económica.

156. Além disso, há que referir que a recorrente não alegou, no âmbito do seu pedido de indemnização, que algumas das suas instalações de produção localizadas no mercado interno tinham sofrido prejuízos devido à aplicação das disposições impugnadas e não apresentou números concretos relativamente à evolução do carácter lucrativo dessas instalações desde que o regime de comércio de licenças está operacional. A recorrente também não apresentou detalhes, por um lado, sobre a forma como cada uma dessas instalações se tinha adaptado aos diferentes objectivos de redução de emissões nos Estados‑Membros em causa, sendo certo que alguns deles, como o Reino de Espanha, têm até a possibilidade de aumentar as emissões em conformidade com a Decisão 2002/358 e o plano da partilha de responsabilidades, e, por outro, sobre a questão de saber se o contingente de licenças de emissão que podia esperar obter para essas instalações com base nos diversos PNA era suficiente ou não. Por último, mesmo admitindo que os diversos PNA e objectivos nacionais de redução pudessem lesar os direito da recorrente, esta não alegou nem provou que essa lesão era imputável às disposições impugnadas enquanto tais, e não à legislação interna que os Estados‑Membros adoptaram no exercício da sua margem de manobra na transposição da directiva impugnada nos termos do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE.

157. No que diz respeito ao argumento da recorrente segundo o qual os produtores de aço são incapazes, por razões técnicas e económicas, de reduzir mais as suas emissões de CO 2 , basta referir que o critério n.° 3 do anexo III da directiva impugnada obriga os Estados‑Membros, para efeitos da determinação da quantidade de licenças de emissão a atribuir, a levar em conta o potencial, incluindo o potencial tecnológico, de redução das emissões produzidas pelas actividades abrangidas pelo regime de comércio de licenças (v., neste sentido, conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42, supra, n.° 57). Daqui decorre que, na atribuição das licenças aos diversos sectores industriais e aos operadores de instalações desses sectores, os Estados‑Membros devem levar em consideração o potencial de redução de todos esses sectores e operadores, incluindo o do sector siderúrgico e dos produtores de gusa ou aço. Além disso, de acordo com o critério n.° 7 do anexo III da directiva impugnada, «[o] [PNA] pode incorporar medidas [de redução de emissões] tomadas numa fase precoce», de modo que os Estados‑Membros têm, pelo menos, a faculdade de levar em conta os esforços de redução já levados a cabo, no sector, pelos operadores em causa. Por conseguinte, o facto de, eventualmente, essa capacidade de redução pelo Estado‑Membro, no âmbito da sua legislação de execução da directiva impugnada, não ter sido levada em conta não pode ser imputado às disposições impugnadas.

158. Nestas circunstâncias, parece estar excluído que as disposições impugnadas violem o direito de propriedade da recorrente e a sua liberdade de exercer uma actividade profissional, ou mesmo que essa alegada violação possa causar‑lhe prejuízo. Assim, há que concluir que a recorrente não demonstrou que tenha tido lugar uma violação suficientemente caracterizada nem uma restrição desproporcionada desses direitos pelas disposições impugnadas, nem que essa suposta violação possa ser a causa de um prejuízo por ela sofrido.

159. Além disso, na medida em que a recorrente invoca a violação do princípio da proporcionalidade enquanto fundamento de ilegalidade autónomo, decorre já das considerações acima esgrimidas nos n. os  150 a 154 que a mesma recorrente não fez prova do encargo pesado e desproporcionado que alega ter sofrido. De igual modo, sem que seja necessário apreciar o mérito das alegações relativas às diversas imperfeições do regime de comércio de licenças (v. n. os  145 e 146, supra ), o argumento principal da recorrente segundo o qual a participação dos produtores de aço, enquanto produtores que, comprovadamente, mais CO 2 emitem, é desadequada ou inapropriada à prossecução do objectivo principal da directiva impugnada, que é o de proteger o ambiente através da redução das emissões de gases com efeito de estufa, deve ser julgado improcedente por carecer manifestamente de fundamento. Por fim, de qualquer forma, a recorrente não demonstrou que o regime de comércio de licenças enquanto tal seja manifestamente inadequado para alcançar o objectivo de redução das emissões de CO 2 nem que o legislador comunitário tenha, assim, manifesta e gravemente violado os limites do seu amplo poder de apreciação.

160. Consequentemente, improcedem os fundamentos de ilegalidade relativos à violação suficientemente caracterizada do direito de propriedade, da liberdade de exercer uma actividade económica e do princípio da proporcionalidade.

C – Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada do princípio da igualdade de tratamento

1. Argumentos das partes

161. A recorrente sustenta que as disposições impugnadas violam o princípio da igualdade de tratamento.

162. Por um lado, os sectores concorrentes dos metais não ferrosos e dos produtos químicos são excluídos do âmbito de aplicação da directiva impugnada sem nenhuma justificação objectiva, quando produzem emissões de CO 2 comparáveis ou mesmo maiores que as do sector siderúrgico. A este respeito, a recorrente contesta que a inclusão do sector dos produtos químicos, que tem um número elevado de instalações, no regime de comércio de licenças levasse a uma sobrecarga administrativa considerável. A necessidade de um esforço administrativo acrescido não pode justificar, enquanto tal, uma distorção grave da concorrência como a que existe no caso em apreço. Acresce que, em conformidade com a proposta inicial, seria necessário incluir, pelo menos, as grandes instalações de fabrico de produtos químicos de base com emissões substanciais. Quanto à exclusão do sector dos metais não ferrosos, como o alumínio (considerando 15 da directiva impugnada), o Parlamento e o Conselho nem sequer apresentaram uma justificação para esta desigualdade de tratamento. Por último, nenhuma outra medida foi imposta a esses sectores concorrentes para atenuar as distorções de concorrência acima referidas. Por outro lado, o facto de tratar da mesma maneira, sem justificação objectiva, o sector siderúrgico e os outros sectores cobertos pelo anexo I da directiva impugnada viola o princípio da igualdade de tratamento, uma vez que esses sectores se encontram em situações diferentes. Com efeito, a «situação de encerramento única» dos produtores de gusa ou aço (v. n. os  74 e segs., supra ) distingue‑os dos outros sectores e coloca‑os numa posição de «perdedor natural» entre todos os participantes no regime de comércio de licenças.

163. Na réplica, a recorrente esclareceu que os sectores dos metais não ferrosos e dos produtos químicos são comparáveis ao sector siderúrgico, e que, como é corroborado pela prática da Comissão em matéria de concentrações, há relações de concorrência entre esses diferentes sectores. Assim, os grandes construtores da indústria automóvel cada vez mais estão a substituir o aço pelo alumínio para as «peças externas», como o motor, o capot e as portas. Além disso, no mercado das bebidas sem álcool, as latas de aço estão a ser cada vez mais substituídas por latas de alumínio e por garrafas de plástico. Por outro lado, o simples facto de a quantidade total de emissões de CO 2 do sector siderúrgico ser superior à dos sectores do alumínio e do plástico não basta, por si só, para distinguir esses sectores, dado que outros sectores com um nível de emissões menor do que o dos produtos químicos, como o sector do vidro, dos produtos cerâmicos e dos materiais de construção, bem como o sector do papel e da tipografia também são abrangidos pelo anexo I da directiva impugnada. Com efeito, foi devido à comparabilidade desses sectores que o Parlamento propôs a inclusão das «instalações para a produção e o tratamento do alumínio» e da «indústria química» na directiva impugnada. Por fim, o facto de o sector do alumínio ser indirectamente afectado pela directiva impugnada devido ao aumento do preço da electricidade não basta para o distinguir do sector do aço, que sofre as mesmas consequências.

164. Segundo a recorrente, o artigo 24.° da directiva impugnada não pode ser invocado neste contexto. A inclusão unilateral, por força desta disposição, de outras actividades e instalações no regime de comércio de licenças não passa de uma faculdade, não sendo uma obrigação para os Estados‑Membros, e está sujeita à aprovação da Comissão em função de vários critérios. De qualquer forma, uma eventual inclusão, incerta, pelos Estados‑Membros, de sectores concorrentes do sector siderúrgico só teria sido possível a partir de 2008 e não poderia, portanto, sanar a violação do princípio da igualdade de tratamento durante o primeiro período de comércio. Por último, não há uma justificação objectiva para esta desigualdade de tratamento, dado que as disposições impugnadas não são necessárias nem proporcionadas em relação ao objectivo prosseguido de protecção do ambiente.

165. Na audiência e nas suas observações sobre as consequências do acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42, a recorrente reiterou e completou os seus argumentos relativamente à violação do princípio da igualdade de tratamento.

166. O Parlamento, o Conselho e a Comissão concluem pela improcedência do presente fundamento, tanto mais quanto o Tribunal de Justiça decidiu expressamente nesse sentido no acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42.

2. Apreciação do Tribunal Geral

167. Recorde‑se, a título preliminar, que o presente fundamento de ilegalidade, relativo à violação suficientemente caracterizada do princípio da igualdade de tratamento, se subdivide em duas partes, sendo a primeira relativa ao tratamento desigual de situações comparáveis e a segunda ao suposto tratamento igual de situações diferentes.

168. Quanto à primeira parte do presente fundamento, há que fazer referência aos n. os  25 e seguintes do acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42, nos quais o Tribunal de Justiça se pronunciou do seguinte modo:

«Quanto ao tratamento diferenciado de situações comparáveis

25 A violação do princípio da igualdade de tratamento através de um tratamento diferenciado pressupõe que as situações em causa sejam comparáveis no que respeita a todos os elementos que as caracterizam.

26 Os elementos que caracterizam situações diferentes e, portanto, o seu carácter comparável devem ser determinados e apreciados à luz do objecto e do objectivo do acto comunitário que institui a distinção em causa. Além disso, devem ser tidos em consideração os princípios e objectivos do domínio do qual releva o acto em questão (v., neste sentido, acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 27 de Outubro de 1971, Rheinmühlen Düsseldorf, 6/71, Recueil, p. 823, n.° 14, Colect., p. 305; de 19 de Outubro de 1977, Ruckdeschel e o., 117/76 e 16/77, Recueil, p. 1753, n.° 8, Colect., p. 619; de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, Colect., p. I‑4973, n.° 74, e de 10 de Março de 1998, T. Port, C‑364/95 e C‑365/95, Colect., p. I‑1023, n.° 83).

27 No caso em apreço, há que apreciar a validade da [directiva impugnada] no que diz respeito à inclusão do sector siderúrgico no seu âmbito de aplicação e à exclusão desse mesmo âmbito do sector químico e do sector dos metais não ferrosos, sectores aos quais pertencem […], respectivamente, os sectores do plástico e do alumínio.

28 De acordo com o se u artigo 1.°, a [directiva impugnada] tem por objecto […] um regime de comércio de licenças de emissão na Comunidade. Conforme resulta dos pontos 4.2 e 4.3 do Livro Verde [de 8 de Março de 2000, sobre a transacção de direitos de emissão de gases com efeito de estufa na União Europeia], a Comunidade pretendeu introduzir, por via dessa directiva, esse regime ao nível das empresas, cobrindo, portanto, as actividades económicas.

29 De acordo com o seu quinto considerando, a [directiva impugnada] tem por objectivo instituir esse regime a fim de contribuir para o cumprimento dos compromissos da Comunidade e dos seus Estados‑Membros ao abrigo do protocolo de Quioto, que visa reduzir as emissões de gases com efeito de estufa na atmosfera para um nível que evite uma interferência antropogénica perigosa no sistema climático e cujo objectivo último consiste na protecção do ambiente.

30 A política da Comunidade no domínio do ambiente, no qual se integra o acto legislativo em causa no processo principal e que tem a protecção do ambiente como um dos seus objectivos principais, visa, segundo o artigo 174.°, n.° 2, CE, atingir um nível de protecção elevado e baseia‑se, designadamente, nos princípios da precaução, da acção preventiva e do poluidor‑pagador (v. acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 64, e de 1 de Abril de 2008, Parlamento/Comissão, C‑14/06 e C‑295/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 75 e a jurisprudência aí indicada).

[…]

34 Resulta do exposto que, à luz do objecto da [directiva impugnada], dos seus objectivos referidos no n.° 29 do presente acórdão e dos princípios em que se baseia a política da Comunidade no domínio do ambiente, as diferentes fontes de emissão de gases com efeito de estufa que se integrem numa actividade económica se encontram, em princípio, numa situação comparável, dado que toda e qualquer emissão de gases com efeito de estufa é susceptível de contribuir para uma perturbação perigosa do sistema climático e que todo e qualquer sector da economia emissor desses gases pode contribuir para o funcionamento do regime de comércio de licenças de emissão.

35 Importa ainda frisar, por um lado, que o vigésimo quinto considerando da [directiva impugnada] enuncia que, a fim de se obterem importantes reduções das emissões, deverão ser aplicadas políticas e medidas que abranjam todos os sectores económicos da União Europeia e, por outro, que o artigo 30.° da [directiva impugnada] prevê a obrigação de realizar uma revisão com vista a incluir outros sectores no seu âmbito de aplicação.

36 Resulta do exposto que, no que diz respeito à comparabilidade dos sectores em questão para efeitos da [directiva impugnada], a eventual existência de uma relação de concorrência entre esses sectores não pode constituir um critério determinante […]

37 [… T]ambém não é essencial para apreciar a comparabilidade desses sectores a quantidade de CO 2 emitida por cada um deles, atentos, nomeadamente, os objectivos da [directiva impugnada] e o funcionamento do regime de comércio de licenças de emissão, conforme descritos nos n. os  31 a 33 do presente acórdão.

38 Por conseguinte, para efeitos do exame da validade da [directiva impugnada] à luz do princípio da igualdade de tratamento, os sectores da siderurgia, da química e dos metais não ferrosos encontram‑se numa situação comparável, embora sejam tratados de modo diferente.

Quanto à desvantagem resultante de um tratamento diferenciado de situações comparáveis

39 [… P]ara que se possa imputar ao legislador comunitário uma violação do princípio da igualdade de tratamento, é necessário que tenha tratado de modo diferente situações comparáveis, causando uma desvantagem para certas pessoas em relação a outras (v. acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 13 de Julho de 1962, Klöckner‑Werke e Hoesch/Alta Autoridade, 17/61 e 20/61, Recueil, p. 615, em especial p. 652, Colect. 1962‑1964, p. 131; de 15 de Janeiro de 1985, Finsider/Comissão, 250/83, Recueil, p. 131, n.° 8, e de 22 de Maio de 2003, Connect Austria, C‑462/99, Colect., p. I‑5197, n.° 115).

[…]

42 A subordinação de certos sectores […] ao regime comunitário de comércio de licenças de emissão implica, para cada operador abrangido, por um lado, a obrigação de ser detentor de um título de emissão de gases com efeito de estufa e, por outro, a obrigação de restituir uma quantidade de licenças de emissão correspondente às emissões totais das suas instalações durante um período determinado, sob pena de sanções pecuniárias. Se as emissões de uma instalação ultrapassam as quantidades conferidas, no quadro de um plano nacional de atribuição de licenças de emissão, ao operador em causa, este terá de adquirir licenças de emissão suplementares através do recurso ao regime de comércio de licenças de emissão.

43 Em contrapartida, ao nível comunitário não existem obrigações jurídicas análogas, destinadas a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, para os operadores de instalações não abrangidas pelo anexo I da [directiva impugnada]. Por conseguinte, a inclusão de uma actividade económica no âmbito de aplicação da [directiva impugnada] cria, para os operadores abrangidos, uma desvantagem em relação aos operadores que exercem actividades não incluídas nesse âmbito de aplicação.

44 Mesmo supondo que […] a subordinação a esse regime não implica necessária e sistematicamente consequências económicas desfavoráveis, a existência de uma desvantagem não pode, só por esse motivo, ser negada, uma vez que a desvantagem a considerar à luz do princípio da igualdade de tratamento também pode ser susceptível de influir na situação jurídica da pessoa afectada por uma desigualdade de tratamento.

45 Por outro lado […], a desvantagem dos operadores de instalações dos sectores sujeitos à [directiva impugnada] não pode ser compensada por medidas nacionais não determinadas pelo direito comunitário.

Quanto à justificação da desigualdade de tratamento

46 O princípio da igualdade de tratamento não é, porém, violado se a desigualdade de tratamento entre o sector siderúrgico, por um lado, e os sectores químico e dos metais ferrosos, por outro, for justificada.

47 Uma desigualdade de tratamento é justificada quando seja baseada num critério objectivo e razoável, isto é, quando esteja relacionada com um objectivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e seja proporcionada em relação ao objectivo prosseguido pelo tratamento em questão (v., neste sentido, acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 5 de Julho de 1977, Bela‑Mühle Bergmann, 114/76, Recueil, p. 1211, n.° 7, Colect., p. 451; de 15 de Julho de 1982, Edeka Zentrale, 245/81, Recueil, p. 2745, n. os  11 e 13; de 10 de Março de 1998, Alemanha/Conselho, C‑122/95, Colect., p. I‑973, n. os  68 e 71, e de 23 de Março de 2006, Unitymark e North Sea Fishermen’s Organisation, C‑535/03, Colect., p. I‑2689, n. os  53, 63, 68 e 71).

48 Uma vez que está aqui em causa um acto legislativo comunitário, incumbe ao legislador comunitário demonstrar a existência de critérios objectivos apresentados como justificação e submeter ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por este, da existência dos referidos critérios (v., neste sentido, acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 19 de Outubro de 1977, Moulins e Huileries de Pont‑à‑Mousson e Providence agricole da Champagne, 124/76 e 20/77, Recueil, p. 1795, n.° 22, Colect., p. 625, e de 10 de Março de 1998, Alemanha/Conselho, já referido, n.° 71).

[…]

57 O Tribunal de Justiça reconheceu ao legislador comunitário, no exercício das competências que lhe são conferidas, um amplo poder de apreciação quando a sua acção implique escolhas de natureza política, económica e social e quando seja chamado a efectuar apreciações e avaliações complexas (v. acórdão de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.° 80). Além disso, quando é chamado a reestruturar ou a criar um sistema complexo, é‑lhe permitido recorrer a uma abordagem por etapas (v., neste sentido, acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 29 de Fevereiro de 1984, Rewe‑Zentrale, 37/83, Recueil, p. 1229, n.° 20; de 18 de Abril de 1991, Assurances du crédit/Conselho e Comissão, C‑63/89, Colect., p. I‑1799, n.° 11, e de 13 de Maio de 1997, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑233/94, Colect., p. I‑2405, n.° 43) e actuar, nomeadamente, em função da experiência adquirida.

58 Todavia, mesmo na presença desse poder, o legislador comunitário deve basear a sua escolha em critérios objectivos e adequados à finalidade prosseguida pela legislação em causa (v., neste sentido, acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 15 de Setembro de 1982, Kind/CEE, 106/81, Recueil, p. 2885, n. os  22 e 23, e Sermide, já referido, n.° 28), tendo em conta todos os elementos factuais e os dados técnicos e científicos disponíveis no momento da adopção do acto em questão (v., neste sentido, acórdão [do Tribunal de Justiça] de 14 de Julho de 1998, Safety Hi‑Tech, C‑284/95, Colect., p. I‑4301, n.° 51).

59 No exercício do seu poder de apreciação, o legislador comunitário deve, além do objectivo principal de protecção do ambiente, ter plenamente em conta os interesses em presença (v., a respeito de medidas no domínio agrícola, acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 10 de Março de 2005, Tempelman e van Schaijk, C‑96/03 e C‑97/03, Colect., p. I‑1895, n.° 48, e de 12 de Janeiro de 2006, Agrarproduktion Staebelow, C‑504/04, Colect., p. I‑679, n.° 37). No âmbito do exame dos condicionalismos ligados a diferentes medidas possíveis, deve ter‑se em conta que, embora a importância dos objectivos prosseguidos seja susceptível de justificar consequências económicas negativas, inclusivamente consideráveis, para determinados operadores (v., neste sentido, acórdãos [do Tribunal de Justiça] de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n. os  15 a 17, e de 15 de Dezembro de 2005, Grécia/Comissão, C‑86/03, Colect., p. I‑10979, n.° 96), o exercício do poder de apreciação do legislador comunitário não pode conduzir a resultados manifestamente menos adequados do que os decorrentes de outras medidas igualmente apropriadas para a prossecução desses objectivos.

60 No caso em apreço, é pacífico que, por um lado, o regime de comércio de licenças de emissão introduzido pela [directiva impugnada] é um regime novo e complexo cuja implementação e funcionamento poderiam ter sido perturbados pelo envolvimento de um número demasiado elevado de participantes e que, por outro, a delimitação inicial do âmbito de aplicação da [directiva impugnada] foi ditada pelo objectivo de abarcar uma massa crítica de participantes necessária para a instauração desse regime.

61 Tendo em conta a novidade e a complexidade do referido regime, a delimitação inicial do âmbito de aplicação da [directiva impugnada] e a abordagem gradual adoptada, que se baseia, nomeadamente, na experiência adquirida na primeira fase da sua aplicação, no intuito de não perturbar a implementação desse regime, inscrevem‑se na margem de apreciação de que dispunha o legislador comunitário.

62 A este respeito, cumpre observar que, embora o referido legislador pudesse legitimamente basear‑se nessa abordagem gradual para instituir o regime de comércio de licenças de emissão, está obrigado, nomeadamente à luz dos objectivos da [directiva impugnada] e da política comunitária no domínio do ambiente, a proceder à revisão das medidas instauradas, em especial no que se refere aos sectores abrangidos pela [directiva impugnada], em intervalos razoáveis, conforme está, aliás, previsto no artigo 30.° desta directiva.

63 Todavia […], a margem de apreciação de que o legislador comunitário dispunha para seguir uma abordagem gradual não o podia dispensar de recorrer, para efeitos da determinação dos sectores que considerava aptos a ser incluídos desde o início no âmbito de aplicação da [directiva impugnada], a critérios objectivos baseados em dados técnicos e científicos disponíveis no momento da adopção desta.

64 No que se refere, em primeiro lugar, ao sector químico, resulta da génese da [directiva impugnada] que este sector abrange um número particularmente elevado de instalações, concretamente cerca de 34 000, não só em função das emissões que produzem mas também em função do número de instalações actualmente incluídas no âmbito de aplicação da [directiva impugnada], que é de cerca de 10 000.

65 A inclusão desse sector no âmbito de aplicação da [directiva impugnada] teria, por conseguinte, dificultado a gestão e agravado os encargos administrativos do regime de comércio de licenças de emissão, pelo que não podia ser excluída a eventualidade de uma perturbação do funcionamento desse regime quando da sua aplicação, por efeito da referida inclusão. Acresce que o legislador comunitário pôde considerar que as vantagens da exclusão da totalidade do sector na fase inicial de aplicação do regime de comércio de licenças de emissão primavam sobre as vantagens da sua não inclusão, para efeitos da realização do objectivo da [directiva impugnada]. Resulta do exposto que o legislador comunitário fez prova bastante de que se baseou em critérios objectivos para excluir do âmbito de aplicação da [directiva impugnada], na primeira fase de aplicação do regime de comércio de licenças de emissão, o sector químico na sua totalidade.

66 O argumento […] segundo o qual a inclusão no âmbito de aplicação da [directiva impugnada] das empresas do referido sector que emitissem uma quantidade de CO 2 superior a um determinado limiar não teria colocado problemas no plano administrativo não põe em causa a apreciação que precede.

[…]

69 Face às considerações que precedem e tendo em conta a abordagem gradual em que se baseia a [directiva impugnada], o tratamento diferenciado do sector químico em relação ao sector da siderurgia pode ser considerado justificado na primeira fase de aplicação do regime de comércio de licenças de emissão.

70 No atinente, em segundo lugar, ao sector dos metais não ferrosos […], o legislador comunitário [baseou‑se,] para elaborar e adoptar a [directiva impugnada], [no facto de], em 1990, as emissões directas desse sector [terem ascendido] a 16,2 milhões de toneladas de CO 2, ao passo que o sector siderúrgico emitiu 174,8 milhões de toneladas deste gás.

71 Tendo em conta a sua intenção de delimitar o âmbito de aplicação da [directiva impugnada] de modo a não perturbar a exequibilidade administrativa do regime de comércio de licenças de emissão na sua fase inicial, em razão do envolvimento de um número demasiado elevado de participantes, o legislador comunitário não estava obrigado a recorrer exclusivamente ao meio consistente em introduzir, para cada sector da economia emissor de CO 2 , um limiar de emissão, com vista a realizar o objectivo prosseguido. Assim, em circunstâncias como as que presidiram à adopção da [directiva impugnada], o legislador podia, quando da introdução desse regime, delimitar validamente o âmbito dessa directiva por via de uma abordagem sectorial, sem exceder os limites do poder de apreciação de que dispunha.

72 A diferença do nível de emissões directas entre os dois sectores em causa é de tal forma substancial que o tratamento diferenciado desses sectores pode, na primeira fase de aplicação do regime de comércio de licenças de emissão e atenta a abordagem gradual em que se baseia a [directiva impugnada], ser considerado justificado, sem que exista a necessidade de o legislador comunitário tomar em consideração as emissões indirectas imputáveis aos diferentes sectores.

73 Por conseguinte, há que concluir que o legislador comunitário não violou o princípio da igualdade de tratamento, submetendo a um tratamento diferenciado situações comparáveis, ao excluir do âmbito de aplicação da [directiva impugnada] o sector químico e o sector dos metais não ferrosos.»

169. Uma vez que a fundamentação do acórdão do Tribunal de Justiça acima referido dá uma resposta completa à primeira parte do presente fundamento de ilegalidade, relativa à falta de justificação do tratamento desigual entre o sector siderúrgico e os sectores dos metais não ferrosos e dos produtos químicos, há que julgá‑la improcedente.

170. Quanto à segunda parte do presente fundamento, relativa à falta de justificação do tratamento igual do sector siderúrgico e dos outros sectores referidos no anexo I da directiva impugnada, quando, ao contrário desses outros sectores, o sector siderúrgico é um «perdedor natural» que se encontra numa «situação de encerramento única», basta referir que, do ponto de vista do objectivo geral de protecção do ambiente através da redução das emissões de gases com efeito de estufa e do princípio do poluidor‑pagador, todos esses sectores se encontram numa situação comparável (v., neste sentido e por analogia, acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42, supra, n. os  29 a 38). Além disso, resulta dos n. os  109 a 113 do presente acórdão que a recorrente não demonstrou que o sector siderúrgico se encontre numa situação específica que o distinga de todos os outros sectores cobertos pelo anexo I da directiva impugnada (v. igualmente, neste sentido, conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referidas no n.° 153, n.° 57).

171. Por conseguinte, o fundamento de ilegalidade relativo à violação suficientemente caracterizada do princípio da igualdade de tratamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

D – Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada da liberdade de estabelecimento

1. Argumentos das partes

172. A recorrente sustenta que as disposições impugnadas violam gravemente a sua liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43.°, primeiro parágrafo, CE.

173. A proibição de restringir a liberdade de estabelecimento não se aplica só às medidas estatais, vinculando igualmente, enquanto princípio jurídico, a Comunidade. Com efeito, os artigos 39.° CE e 43.° CE destinam‑se a implementar o princípio fundamental consagrado no artigo 3.°, n.° 1, alínea c), CE por força do qual, para efeitos do disposto no artigo 2.° CE, a acção da Comunidade implica abolição, entre os Estados‑Membros, dos obstáculos à livre circulação de pessoas e de serviços. Além disso, também as instituições comunitárias estão obrigadas a respeitar a liberdade das trocas, princípio fundamental do mercado comum, de que decorre a liberdade de estabelecimento. A recorrente salienta que o artigo 43.° CE garante que as empresas podem escolher livremente, de acordo com critérios económicos, a localização da sua produção no mercado comum. De igual modo, essa liberdade fundamental proíbe que se criem obstáculos no Estado‑Membro de origem destinados a impedir as deslocalizações das empresas para outro Estado‑Membro, sob pena de os direitos garantidos pelo artigo 43.° CE ficarem esvaziados de conteúdo.

174. Ora, as disposições impugnadas lesam o direito da recorrente de transferir a sua produção de uma instalação menos rentável num Estado‑Membro para uma instalação mais rentável noutro Estado‑Membro pelo facto de não garantirem a transferência concomitante das licenças atribuídas à capacidade de produção que deve ser encerrada e transferida (v. n. os  145 e segs., supra ). Assim, não havendo uma justificação objectiva a este respeito, a recorrente deveria continuar a explorar capacidades de produção menos rentáveis com o único objectivo de não perder essas licenças. Esta restrição da sua liberdade de estabelecimento é desproporcionada tendo em conta o carácter inadequado da directiva impugnada para alcançar o objectivo de protecção do ambiente prosseguido (v. n.° 145, supra ) e a importância fundamental do exercício da liberdade de estabelecimento para a plena realização do mercado interno.

175. O Parlamento e o Conselho concluem pela improcedência do presente fundamento.

2. Apreciação do Tribunal Geral

176. Com o presente fundamento, a recorrente alega, no essencial, que, à luz da liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 43.° CE, conjugado com o artigo 3.°, n.° 1, alínea c), CE, o amplo poder de apreciação do legislador comunitário no âmbito dos artigos 174.° CE e 175.° CE (v. n.° 139, supra ) é de tal forma delimitado que o mesmo legislador incorreu em ilegalidade ao renunciar a regular ele próprio, no âmbito da directiva impugnad a que foi adoptada ao abrigo do artigo 175.°, n.° 1, CE, a problemática da livre transferência transfronteiriça das licenças de emissão dentro de um grupo de empresas e ao ter reservado aos Estados‑Membros, na transposição da referida directiva, uma ampla margem de manobra que deu lugar à adopção de normas nacionais divergentes que podem criar entraves ilegais à liberdade de estabelecimento.

177. A este respeito, saliente‑se que resulta de jurisprudência assente que as instituições comunitárias devem respeitar, da mesma forma que os Estados‑Membros, as liberdades fundamentais, como a liberdade de estabelecimento, que servem para alcançar um dos objectivos essenciais da Comunidade, designadamente o da realização do mercado interno, consagrado no artigo 3.°, n.° 1, alínea c), CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1984, Rewe‑Zentrale, 37/83, Recueil, p. 1229, n.° 18).

178. Todavia, não decorre desta obrigação geral que o legislador comunitário esteja obrigado a regular a matéria em causa de tal forma que a legislação comunitária, em particular quando assume a forma de uma directiva na acepção do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, dê uma solução exaustiva e definitiva a certos problemas que se levantam na perspectiva da realização do mercado interno ou proceda a uma harmonização completa das legislações nacionais de modo a afastar quaisquer entraves concebíveis às trocas intracomunitárias. Quando o legislador comunitário é chamado a reestruturar ou a criar um sistema complexo, como o regime de comércio de licenças, pode optar por agir por etapas (v., neste sentido, acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o., já referido no n.° 42, supra, n.° 57) e por proceder a uma harmonização progressiva das legislações nacionais em causa, já que a execução de tais medidas é geralmente difícil, pois pressupõe que as instituições comunitárias competentes elaborem, a partir de disposições nacionais diversas e complexas, regras comuns, conformes aos objectivos definidos pelo Tratado CE e que reúnam o acordo de uma maioria qualificada de membros do Conselho [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Rewe‑Zentrale, já referido no n.° 173, supra, n.° 20; de 18 de Abril de 1991, Assurances du crédit/Conselho e Comissão, C‑63/89, Colect., p. I‑1799, n.° 11; de 13 de Maio de 1997, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑233/94, Colect., p. I‑2405, n.° 43; de 17 de Junho de 1999, Socridis, C‑166/98, Colect., p. I‑3791, n.° 26, e de 13 de Julho de 2006, Sam Mc Cauley Chemists (Blackpool) e Sadja, C‑221/05, Colect., p. I‑6869, n.° 26]. É igualmente o que acontece em relação à regulamentação comunitária em matéria de protecção do ambiente por força dos artigos 174.° CE e 175.° CE.

179. Recorde‑se, além disso, que, por um lado, por força do disposto no artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, a directiva só vincula o Estado‑Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios, o que implica, logicamente, uma necessária margem de apreciação desse Estado na definição das medidas de transposição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, Colect., p. I‑271, n.° 67), e que, por outro, o considerando 30 da directiva impugnada se refere ao princípio da subsidiariedade, consagrado no artigo 5.°, segundo parágrafo, CE. Por força do referido princípio, nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção prevista não possam ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário. Ora, decorre dos artigos 174.° CE a 176.° CE que, em matéria de protecção do ambiente, as competências da Comunidade e dos Estados‑Membros são partilhadas. Assim, a regulamentação comunitária neste domínio não pretende instituir uma harmonização completa e o artigo 176.° CE prevê a possibilidade de os Estados‑Membros adoptarem medidas de protecção reforçadas, apenas sujeitas à condição de serem compatíveis com o Tratado CE e de serem notificadas à Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2005, Deponiezweckverband Eiterköpfe, C‑6/03, Colect., p. I‑2753, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

180. Em conformidade com estes princípios, a directiva impugnada não prevê a harmonização completa, a nível comunitário, das condições subjacentes ao estabelecimento e ao funcionamento do regime de comércio de licenças. Com efeito, desde que respeitem as regras do Tratado CE, os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação quanto à implementação desse sistema, nomeadamente no âmbito da elaboração dos seus PNA e das suas decisões autónomas de concessão de licenças de emissão nos termos do artigo 9.°, n.° 1, e do artigo 11.°, n.° 1, da directiva impugnada (acórdão Alemanha/Comissão, já referido no n.° 111, supra, n. os  102 a 106). Por conseguinte, o simples facto de o legislador comunitário ter deixado em aberto uma questão particular que faz parte do âmbito de aplicação da directiva impugnada e do de uma liberdade fundamental, de modo que compete aos Estados‑Membros regular essa questão no exercício da sua margem de apreciação, é certo, em conformidade com as normas jurídicas comunitárias hierarquicamente superiores, não justifica, em si mesmo, a qualificação dessa omissão como contrária às regras do Tratado CE [v., neste sentido, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Países Baixos/Parlamento e Conselho (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2001, C‑377/98, Colect., pp. I‑7079, I‑7084), n. os  87 e 88)]. Isto é tanto mais verdade quanto os Estados‑Membros estão obrigados, por força do seu dever de cooperação leal, previsto no artigo 10.° CE, a garantir o efeito útil das directivas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2005, Yonemoto, C‑40/04, Colect., p. I‑7755, n.° 58), o que também implica que devem interpretar o direito interno à luz dos objectivos e dos princípios subjacentes à directiva em causa (v., no que diz respeito ao princípio da interpretação à luz de uma directiva, acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007, Kofoed, C‑321/05, Colect., p. I‑5795, n.° 45).

181. Por outro lado, tanto o legislador comunitário, quando adopta uma directiva, como os Estados‑Membros, quando a transpõem para o direito nacional, estão obrigados a garantir que os princípios gerais de direito comunitário são respeitados. Assim, resulta de uma jurisprudência constante que as exigências que decorrem da protecção dos princípios gerais reconhecidos no ordenamento jurídico comunitário, entre os quais os direitos fundamentais, também vinculam os Estados‑Membros aquando da implementação das regulamentações comunitárias e que, por conseguinte, estes são obrigados a, na medida do possível, aplicar estas regulamentações em condições que respeitem as referidas exigências (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, Colect., p. I‑5769, n.° 105 e jurisprudência aí referida; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2003, Lindqvist, C‑101/01, Colect., p. I‑12971, n. os  84 a 87).

182. O Tribunal considera que estes princípios são aplicáveis por analogia às liberdades fundamentais do Tratado CE. Com efeito, a directiva impugnada, em particular o seu artigo 9.°, n.° 1, e o seu artigo 11.°, n.° 1, deixa margem de apreciação aos Estados‑Membros, e esta é, em princípio, suficientemente ampla para lhes permitir aplicar as regras da referida directiva num sentido conforme às exigências decorrentes da protecção dos direitos fundamentais e das liberdades fundamentais do Tratado CE. Além disso, uma vez que a implementação da directiva impugnada está sujeita à fiscalização dos tribunais nacionais, incumbe a esses tribunais submeter à apreciação do Tribunal de Justiça uma questão prejudicial, nas condições previstas no artigo 234.° CE, caso se deparem com dificuldades relativamente à interpretação ou à validade dessa directiva (v., neste sentido e por analogia, acórdão Parlamento/Conselho, já referido no n.° 177, supra, n. os  104 e 106).

183. Consequentemente, incumbe às autoridades e aos tribunais dos Estados‑Membros não só interpretar o seu direito nacional em conformidade com a directiva impugnada mas também procurar não lhe dar uma interpretação que possa entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pelo ordenamento jurídico comunitário, com os outros princípios gerais de direito comunitário ou com as liberdades fundamentais do Tratado CE, como a liberdade de estabelecimento (v., neste sentido e por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça Lindqvist, já referido no n.° 177, supra, n.° 87; de 26 de Junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., C‑305/05, Colect., p. I‑5305, n.° 28, e Promusicae, já referido no n.° 175, supra, n.° 68).

184. Resulta das considerações precedentes que não se pode acusar o legislador comunitário de não ter resolvido de modo exaustivo e definitivo, através de uma directiva, uma determinada problemática a que se aplica a liberdade de estabelecimento quando essa directiva reserva aos Estados uma margem de apreciação que lhes permite respeitar plenamente as regras do Tratado CE e os princípios gerais de direito comunitário.

185. No caso em apreço, o Tribunal considera oportuno verificar, à luz das considerações anteriores, se a directiva impugnada pode ser interpretada e transposta pelos Estados‑Membros em conformidade com a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43.° CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2003, Österreichischer Rundfunk e o., C‑465/00, C‑138/01 e C‑139/01, Colect., p. I‑4989, n. os  68 e 91, e de 29 de Abril de 2004, Orfanopoulos, C‑482/01 e C‑493/01, Colect., p. I‑5257, n. os  109 e 110).

186. Como alega a recorrente, a directiva impugnada não prevê uma regra específica que ofereça aos operadores de instalações sujeitos ao regime de comércio de licenças a possibilidade de transferir o contingente de licenças atribuído a uma instalação, na sequência do respectivo encerramento, para outra instalação estabelecida noutro Estado‑Membro e pertencente ao mesmo grupo de empresas.

187. Todavia, resulta do artigo 12.°, n.° 1, conjugado com o artigo 3.°, alínea a) e g), da directiva impugnada, que «[o]s Estados‑Membros devem assegurar a possibilidade de transferência de licenças de emissão entre […] [p]essoas [singulares ou colectivas] no interior da Comunidade». Além disso, o artigo 12.°, n.° 2, da directiva impugnada exige que «[o]s Estados‑Membros assegur[em] o reconhecimento das licenças de emissão concedidas pela autoridade competente dos outros Estados‑Membros para efeitos do cumprimento dos deveres [de restituição de licenças não utilizadas] dos operadores nos termos do n.° 3» do mesmo artigo. Daqui decorre que, por um lado, em conformidade com o objectivo referido no considerando 5 da directiva impugnada, que menciona a criação de um «mercado europeu de licenças de emissão de gases com efeito de estufa que seja eficiente», o mercado de troca criado pela directiva impugnada tem uma dimensão comunitária e que, por outro, esse mercado se baseia no princípio da livre transferência transfronteiriça das licenças de emissão entre pessoas singulares e colectivas.

188. Com efeito, se não houvesse uma livre transferência transfronteiriça de licenças de emissão na acepção do artigo 12.°, n. os  2 e 3, conjugado com o artigo 3.°, alínea a), da directiva impugnada, a eficácia e os resultados do regime de comércio de licenças na acepção do artigo 1.° da directiva impugnada seriam significativamente abalados. É por esta razão que o artigo 12.°, n.° 2, da directiva impugnada impõe aos Estados‑Membros a obrigação geral de «se assegurarem» de que essa liberdade seja efectiva no âmbito da legislação nacional pertinente. Inversamente, não se pode deixar de referir que a directiva impugnada não prevê quaisquer restrições quanto à transferência transfronteiriça de licenças entre pessoas colectivas de um mesmo grupo de empresas, independentemente da localização da sua sede económica e/ou social dentro do mercado interno. À luz das referidas disposições da directiva impugnada, não se pode concluir, portanto, que esta comporte uma restrição ilegal das liberdades fundamentais do Tratado CE, incluindo a liberdade de estabelecimento, ou que incentive os Estados‑Membros e desrespeitar essas liberdades.

189. Pelo contrário, como a própria recorrente alega nos seus articulados, a problemática que levantou tem origem nas legislações, em parte divergentes, adoptadas pelos Estados‑Membros para efeitos da transposição da directiva impugnada, sem que isso possa ser imputado a uma das suas disposições, nem mesmo às disposições impugnadas. A este respeito, recorde‑se que os Estados‑Membros têm a obrigação, no âmbito da liberdade que lhes é deixada pelo artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, de escolher as formas e os meios mais adequados para garantir o efeito útil das directivas (acórdão Yonemoto, já referido no n.° 176, supra, n.° 58) e de aplicar o seu direito nacional em conformidade com essas directivas e com as liberdades fundamentais do Tratado CE, como a liberdade de estabelecimento (v., neste sentido e por analogia, acórdãos Lindqvist, já referido no n.° 177, supra, n.° 87, e Promusicae, já referido no n.° 175, supra, n.° 68).

190. Assim sendo, sem que seja necessário tomar posição sobre a questão de saber se as legislações nacionais pertinentes, que estão na origem da impossibilidade de a recorrente transferir livremente contingentes de licenças entre as suas instalações localizadas em diferentes Estados‑Membros, são ou não conformes à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43.° CE, há que concluir que tal restrição a essa liberdade não pode ser imputada à directiva impugnada pelo simples facto de esta não proibir expressamente essa prática dos Estados‑Membros. Por maioria de razão, o legislador comunitário não pode ser considerado responsável pela violação, a este respeito, de forma manifesta e grave, dos limites do seu poder de apreciação nos termos do artigo 174.° CE, conjugado com o artigo 43.° CE.

191. Nestas condições, não há que apreciar o mérito dos argumentos invocados pelas partes quanto à eventual possibilidade de a recorrente beneficiar das regras nacionais que prevêem que os novos operadores têm o direito de aceder gratuitamente às licenças da reserva. Com efeito, embora o artigo 11.°, n.° 3, conjugado com o critério n.° 6 da directiva impugnada, exija que os Estados‑Membros levem em consideração a necessidade de dar aos novos operadores acesso às licenças, a criação, enquanto tal, de tal reserva não foi prevista pela directiva impugnada. Assim, a eventual insuficiência desse acesso para compensar as perdas de licenças ligadas ao encerramento de uma instalação também não pode ser imputada ao legislador comunitário.

192. Por conseguinte, o fundamento de ilegalidade relativo à violação suficientemente caracterizada da liberdade de estabelecimento improcede.

E – Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada do princípio da segurança jurídica

1. Argumentos das partes

193. A recorrente sustenta que as disposições impugnadas violam o princípio da segurança jurídica. A legislação comunitária, incluindo as directivas, deve ser certa, clara e precisa, e a sua aplicação deve ser previsível para os respectivos sujeitos para que estes possam tomar conhecimento, sem ambiguidades, dos seus direitos e obrigações e agir em conformidade. Estas exigências impõem‑se com especial rigor quando está em causa uma regulamentação susceptível de acarretar consequências financeiras.

194. Segundo a recorrente, as disposições impugnadas violam o princípio da segurança jurídica por duas razões. Por um lado, uma vez que a directiva impugnada não prevê um limite máximo ou um mecanismo de controlo dos preços das licenças, a recorrente, enquanto «adquirente líquida de licenças» devido à sua incapacidade de reduzir as emissões de CO 2 , é obrigada a adquirir licenças a «preços completamente imprevisíveis», avaliados entre 20 e 60 euros por licença (v. n. os  78 e segs., supra ). Por outro lado, a directiva impugnada não contém normas que garantam a transferência das licenças inicialmente concedidas a uma instalação que deva ser encerrada para uma instalação do mesmo grupo estabelecida noutro Estado‑Membro. Ora, os Estados‑Membros têm todo o interesse em anular as licenças atribuídas a instalações destinadas a serem encerradas, dado que esses encerramentos lhes permitem reduzir mais as suas emissões de CO 2 para atingir o seu objectivo de redução nos termos da Decisão 2002/358. A insegurança jurídica daqui resultante impede a recorrente de planificar as suas operações a longo prazo e de progredir na sua estratégia de reestruturação que consiste em transferir a produção para as suas instalações mais rentáveis. Tendo em conta que esta estratégia de reestruturação foi a razão de ser da operação de concentração de 2001 (v. n.° 30, supra ), a directiva impugnada viola igualmente o princípio da protecção da confiança legítima. Na réplica, a recorrente esclarece que qualquer planificação a longo prazo dos seus investimentos e dos seus projectos económicos se tornou impossível, nomeadamente devido às variações a que se encontram sujeitos os objectivos e as medidas de redução das emissões dos diferentes Estados‑Membros. Esta incerteza é corroborada pelo aumento substancial do preço das licenças de CO 2 . Assim, entre de Fevereiro de 2005 e Março de 2006, o preço das licenças de CO 2 aumentou cerca de 6 euros, tendo atingido um preço superior a 26 euros. Por outro lado, a futura concessão das licenças de emissão, em particular para o segundo período de comércio e para os períodos subsequentes, não é previsível.

195. O Parlamento e o Conselho concluem que o presente fundamento deve improceder.

2. Apreciação do Tribunal Geral

196. Com o presente fundamento a recorrente alega, no essencial, que as disposições impugnadas não são suficientemente claras e precisas, na medida em que implicam um encargo financeiro considerável para ela, o que a impede de planificar as suas decisões económicas. A este respeito, o legislador comunitário devia ter previsto, por um lado, um limite máximo ou um mecanismo de controlo para o preço das licenças de emissão e, por outro, uma regra específica que garantisse a transferência transfronteiriça das licenças entre diferentes instalações do mesmo grupo de empresas.

197. Na medida em que a recorrente reitera, no âmbito da segunda parte do presente fundamento, a sua argumentação relativa à suposta violação da liberdade de estabelecimento, resulta das considerações acima desenvolvidas nos n. os  172 a 188 que essa argumentação também não pode ser acolhida no que diz respeito à suposta violação suficientemente caracterizada do princípio da segurança jurídica. Assim, a segunda parte do presente fundamento improcede.

198. No que diz respeito à primeira parte do presente fundamento, há que recordar, em primeiro lugar, a jurisprudência segundo a qual o princípio da segurança jurídica impõe, nomeadamente, que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em particular quando podem trazer consequências desfavoráveis para os indivíduos e as empresas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, Colect., p. I‑4983, n.° 80 e jurisprudência aí referida).

199. A este respeito, há que referir, em seguida, que a directiva impugnada não contém nenhuma disposição que regule a dimensão das consequências financeiras que podem decorrer tanto da eventual insuficiência de licenças de emissão atribuídas a uma instalação como do preço dessas licenças, sendo este preço exclusivamente determinado pelas forças do mercado criado na sequência da instituição do regime de comércio de licenças que, nos termos do disposto no artigo 1.° da directiva impugnada, se destina a «promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes». Ora, tendo em conta as considerações que constam dos n. os  174 a 180, supra , o legislador comunitário não estava obrigado a adoptar disposições específicas a este respeito nem a restringir, assim, a margem de apreciação dos Estados‑Membros quanto à transposição da directiva impugnada.

200. Pelo contrário, uma regulamentação comunitária do preço das licenças poderia pôr em causa o objectivo principal da directiva impugnada, que é o da redução das emissões de gases com efeito de estufa por meio de um regime de comércio de licenças economicamente eficiente, no âmbito do qual o custo das emissões e dos investimentos realizados para efeitos da respectiva redução é essencialmente determinado pelos mecanismos do mercado (considerando 5 da directiva impugnada). Daqui decorre que, em caso de insuficiência de licenças, o incentivo aos operadores para reduzirem ou não as suas emissões de gases com efeito de estufa depende de uma decisão económica complexa que é tomada atendendo, nomeadamente, por um lado, aos preços das licenças de emissão disponíveis no mercado de troca e, por outro, aos custos de eventuais medidas de redução das emissões que podem ter por objectivo quer baixar a produção, quer o investimento em meios de produção mais eficazes em termos de rendimento energético (considerando 20 da directiva impugnada; v. igualmente, neste sentido, acórdão Alemanha/Comissão, já referido no n.° 111, supra, n. os  132 e segs.).

201. No âmbito deste sistema, o aumento do custo das emissões e, portanto, do preço das licenças, que depende de uma série de parâmetros económicos, não pode ser previamente regulamentado pelo legislador comunitário, sob pena de reduzir, ou mesmo de eliminar, os incentivos económicos que estão na base do seu funcionamento e de perturbar, assim, a eficiência regime de comércio de licenças. Além disso, a criação desse sistema, incluindo as suas premissas económicas, para garantir o respeito das obrigações decorrentes do Protocolo de Quioto é abrangida pela margem de apreciação de que dispõe o legislador comunitário ao abrigo do disposto no artigo 174.° CE (v. n.° 139, supra ) e corresponde, em si mesmo, a uma opção legítima e adequada do legislador, cujo bem‑fundado, enquanto tal, não foi contestado pela recorrente.

202. Por outro lado, foi com base nessa opção legítima que o legislador comunitário fez assentar o regime de comércio de licenças na premissa segundo a qual, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 1, e o artigo 11.°, n.° 1, da directiva impugnada, compete aos Estados‑Membros decidir, com base nos seus PNA e no exercício da margem de apreciação que lhes é reservada a este respeito, da quantidade total de licenças a atribuir e da atribuição individual das mesmas licenças às instalações estabelecidas nos seus territórios (v., neste sentido, acórdão Alemanha/Comissão, já referido no n.° 111, supra, n. os  102 a 106). Acresce que esta decisão só está sujeita a uma fiscalização prévia limitada da Comissão, nos termos do artigo 9.°, n.° 3, da directiva impugnada, à luz, nomeadamente, dos critérios contidos no seu anexo III (despacho do Tribunal Geral de 30 de Abril de 2007, EnBW Energie Baden‑Württemberg/Comissão, T‑387/04, Colect., p. II‑1195, n. os  104 e segs.). Assim, as variações a que se encontram sujeitos os objectivos e as medidas de redução das emissões dos diversos Estados‑Membros, que são o resultado das suas obrigações por força do Protocolo de Quioto, tais como são reflectidas no plano de partilha de responsabilidades previsto na Decisão 2002/358, e, portanto, a incerteza quanto à importância da quantidade total e das quantidades individuais de licenças a atribuir aos diversos sectores industriais e aos operadores com base nos diferentes PNA, não são imputáveis às disposições impugnadas enquanto tais.

203. Por último, a recorrente não pôs especificamente em causa a clareza e a precisão das outras disposições impugnadas para demonstrar que não estava em condições de fazer prova inequívoca dos seus direitos e obrigações delas decorrentes. Com efeito, a necessidade de deter uma autorização de emissão nos termos do artigo 4.° da directiva impugnada, a obrigação de restituição na acepção do seu artigo 6.°, n.° 2, alínea e), conjugado com o seu artigo 12.°, n.° 3, bem como as sanções previstas no artigo 16.°, n. os  2 a 4, da referida directiva são disposições suficientemente claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, cujo alcance efectivo depende apenas da quantidade de licenças gratuitas disponibilizadas aos operadores ou do preço das licenças disponíveis no mercado de troca. Ora, no que diz respeito a este último aspecto, há que recordar que a falta de previsibilidade da evolução do mercado de troca é um elemento inerente e indissociável do mecanismo económico que caracteriza o regime de comércio de licenças, que está sujeito às regras clássicas da oferta e da procura que caracterizam um mercado livre e concorrencial em conformidade com os princípios consagrados no artigo 1.°, conjugado com o considerando 7 da directiva impugnada, bem como no artigo 2.° e no artigo 3.°, n.° 1, alíneas c) e g), CE. Este aspecto não pode, portanto, ser qualificado como contrário ao princípio da segurança jurídica, sob pena de serem postas em causa as próprias bases económicas do regime de comércio de licenças tais como instituídas pela directiva impugnada em conformidade com as regras do Tratado CE.

204. Nestas condições, o facto de a directiva impugnada não conter nenhuma regra específica que estabeleça um limite máximo ou um mecanismo de controlo dos preços das licenças não pode ser qualificado como uma violação grave e manifesta dos limites do poder discricionário do legislador comunitário.

205. Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

206. Face ao exposto a recorrente não demonstrou que, ao adoptar a directiva impugnada, o legislador comunitário cometeu uma ilegalidade, ou mesmo uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objectivo conferir‑lhe direitos. Daqui decorre que o pedido de indemnização deve ser julgado improcedente sem que seja necessário tomar posição sobre os outros requisitos da responsabilidade extracontratual da Comunidade nem sobre a excepção de inadmissibilidade arguida pelo Conselho relativamente a determinados anexos da réplica.

Quanto às despesas

207. Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a recorrente foi vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido do Parlamento e do Conselho.

208. Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, a Comissão, que interveio em apoio do Parlamento e de Conselho, suportará as suas próprias despesas.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) A Arcelor SA é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.

3) A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.

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