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Document 62020CJ0568

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 7 de abril de 2022.
    J contra H Limited.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Âmbito de aplicação — Artigo 2.o, alínea a) — Conceito de “decisão” — Injunção de pagamento adotada noutro Estado‑Membro após exame sumário e contraditório de uma decisão proferida num Estado terceiro — Artigo 39.o — Força executória nos Estados‑Membros.
    Processo C-568/20.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:264

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    7 de abril de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Âmbito de aplicação — Artigo 2.o, alínea a) — Conceito de “decisão” — Injunção de pagamento adotada noutro Estado‑Membro após exame sumário e contraditório de uma decisão proferida num Estado terceiro — Artigo 39.o — Força executória nos Estados‑Membros»

    No processo C‑568/20,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), por Decisão de 23 de setembro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de novembro de 2020, no processo

    J

    contra

    H Limited,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Jääskinen, M. Safjan (relator), N. Piçarra e M. Gavalec, juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    considerando as observações apresentadas:

    em representação de J, por C. Straberger, Rechtsanwalt,

    em representação da H Limited, por S. Turic, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann e U. Bartl, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e H. Leupold, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de dezembro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, do artigo 2.o, alínea a), do artigo 39.o, do artigo 42.o, n.o 1, alínea b), e dos artigos 45.o, 46.o e 53.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J à H Limited a respeito da execução, na Áustria, de um despacho de injunção de pagamento emitido pela High Court of Justice (England Wales) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido] (a seguir «High Court») com base em duas decisões proferidas na Jordânia.

    Quadro jurídico

    3

    Os considerandos 4, 6, 26 e 34 do Regulamento n.o 1215/2012 enunciam:

    «(4)

    Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judiciária e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições destinadas a unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial e a fim de garantir o reconhecimento e a execução rápidos e simples das decisões proferidas num dado Estado‑Membro.

    […]

    (6)

    Para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões sejam determinadas por um instrumento legal da União vinculativo e diretamente aplicável.

    […]

    (26)

    A confiança mútua na administração da justiça na União justifica o princípio de que as decisões proferidas num Estado‑Membro sejam reconhecidas em todos os outros Estados‑Membros sem necessidade de qualquer procedimento específico. Além disso, o objetivo de tornar a litigância transfronteiriça menos morosa e dispendiosa justifica a supressão da declaração de executoriedade antes da execução no Estado‑Membro requerida. Assim, as decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros devem ser tratadas como se se tratasse de decisões proferidas no Estado‑Membro requerido.

    […]

    (34)

    Para assegurar a continuidade entre a Convenção [de 27 de setembro de 1968, Relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas convenções sucessivas relativas à adesão de novos Estados‑Membros a esta convenção (a seguir “Convenção de Bruxelas de 1968”)], o Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1),] e o presente regulamento, há que prever disposições transitórias. A mesma continuidade deverá ser assegurada no que diz respeito à interpretação, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, da Convenção de Bruxelas de 1968 e dos regulamentos que a substituem.»

    4

    Segundo o artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento:

    «O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (“acta jure imperii”).»

    5

    O artigo 2.o do referido regulamento prevê:

    «Para efeitos do presente regulamento entende‑se por:

    a)

    “Decisão”, qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como as decisões de fixação do montante das custas do processo pela secretaria do tribunal.

    Para efeitos do capítulo III, o termo “decisão” abrange as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, decididas por um tribunal que, por força do presente regulamento, é competente para conhecer do mérito da causa. Não abrange as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, impostas por esse tribunal sem que o requerido seja notificado para comparecer a menos que a decisão que contém a medida seja notificada ao requerido antes da execução;

    […]

    d)

    “Estado‑Membro de origem”, o Estado‑Membro em que, consoante o caso, a decisão tenha sido proferida, a transação judicial aprovada ou celebrada ou o instrumento autêntico formalmente exarado ou registado;

    e)

    “Estado‑Membro requerido”, o Estado‑Membro em que é invocado o reconhecimento da decisão ou em que é requerida a execução da decisão, da transação judicial ou do instrumento autêntico;

    f)

    “Tribunal de origem”, o tribunal que tiver proferido a decisão cujo reconhecimento é invocado ou, se for o caso, cuja execução é requerida.»

    6

    O artigo 39.o do mesmo regulamento enuncia:

    «Uma decisão proferida num Estado‑Membro que aí tenha força executória pode ser executada noutro Estado‑Membro sem que seja necessária qualquer declaração de executoriedade.»

    7

    O artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 prevê:

    «Para efeitos da execução num Estado‑Membro de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro, o requerente deve facultar às autoridades de execução competentes:

    a)

    Uma cópia da decisão que satisfaça as condições necessárias para atestar a sua autenticidade; e

    b)

    Uma certidão emitida nos termos do artigo 53.o que comprove que a decisão é executória e inclua um extrato da decisão, bem como, se for caso disso, informações relevantes sobre os custos processuais reembolsáveis e o cálculo dos juros.»

    8

    O artigo 45.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

    «A pedido de qualquer interessado, o reconhecimento de uma decisão é recusado se:

    a)

    Esse reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido;

    […]»

    9

    Nos termos do artigo 46.o do referido regulamento:

    «A pedido da pessoa contra a qual é requerida a execução, a execução de uma decisão é recusada por qualquer dos fundamentos referidos no artigo 45.o»

    10

    O artigo 52.o do mesmo regulamento prevê:

    «As decisões proferidas num Estado‑Membro não podem em caso algum ser revistas quanto ao mérito da causa no Estado‑Membro requerido.»

    11

    O artigo 53.o do Regulamento n.o 1215/2012 tem a seguinte redação:

    «A pedido de qualquer interessado, o tribunal de origem emite uma certidão utilizando o formulário que se reproduz no Anexo I.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    12

    Por Despacho de injunção de pagamento de 20 de março de 2019, a High Court condenou J, pessoa singular residente na Áustria, a pagar à H Limited, instituição bancária, o montante de 10392463 dólares dos Estados Unidos (USD) (cerca de 9200000 euros), acrescido de juros e despesas, em execução de duas decisões proferidas em 3 de maio e 20 de maio de 2013 por órgãos jurisdicionais jordanos (a seguir «decisões jordanas»). Além disso, a High Court emitiu a certidão prevista no artigo 53.o do Regulamento n.o 1215/2012.

    13

    A H Limited requereu a execução desse despacho de injunção de pagamento na circunscrição do Bezirksgericht Freistadt (Tribunal de Primeira Instância de Freistadt, Áustria) com fundamento no Regulamento n.o 1215/2012, apresentando, nomeadamente, a certidão prevista no artigo 53.o deste regulamento.

    14

    Por Despacho de 12 de abril de 2019, o Bezirksgericht Freistadt (Tribunal de Primeira Instância de Freistadt) autorizou a H Limited, com base no Despacho de 20 de março de 2019 da High Court e em aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, a proceder à execução deste último despacho com vista a cobrar uma dívida de 9249915,62 euros, acrescida dos juros e das despesas. Esse órgão jurisdicional salientou, nomeadamente, que o processo na High Court tinha respeitado o princípio do contraditório.

    15

    Foi negado provimento ao recurso interposto por J contra esse Despacho de 12 de abril de 2019 por Decisão de 22 de junho de 2020 do Landesgericht Linz (Tribunal Regional de Linz, Áustria). Após ter salientado que o Despacho de 20 de março de 2019 da High Court constituía uma decisão, na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, o tribunal de recurso sublinhou que a certidão prevista no artigo 53.o deste regulamento, apresentada pela H Limited, não levantava nenhuma dúvida que remetesse para um dos fundamentos de recusa de reconhecimento previstos no artigo 45.o do referido regulamento.

    16

    J interpôs recurso de «Revision» para o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio.

    17

    Este último órgão jurisdicional considera que o princípio da exclusão de um duplo exequatur é igualmente válido para as decisões de injunção proferidas por um tribunal de um Estado‑Membro com base num recurso que tenham por objetivo a execução de uma decisão estrangeira, uma vez que a relação jurídica subjacente à dívida reconhecida por decisão definitiva não é objeto de fiscalização quanto ao mérito. Por conseguinte, a decisão em causa no processo principal não é abrangida pelo conceito de «decisão», na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012.

    18

    Em tal caso, não está excluída a fiscalização jurisdicional das condições gerais de execução em aplicação deste regulamento. Deste modo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o Estado‑Membro de execução pode verificar os dados que figuram na certidão prevista no artigo 53.o do Regulamento n.o 1215/2012, pelo que o devedor pode invocar a falta dos requisitos para proceder à execução, por exemplo porque não há uma decisão, na aceção do artigo 2.o, alínea a), deste regulamento, ou porque o referido regulamento não é aplicável.

    19

    Todavia, esse órgão jurisdicional observa que a aplicação correta do direito da União não se impõe com tal evidência que não suscite nenhuma dúvida razoável.

    20

    Nestas condições, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem as disposições do [Regulamento n.o 1215/2012], em especial o seu artigo 2.o, alínea a), e o seu artigo 39.o, ser interpretadas no sentido de que existe igualmente uma decisão executória quando, na sequência de uma apreciação sumária no âmbito de um processo contraditório num Estado‑Membro, limitada à força de caso julgado de um acórdão proferido contra este num Estado terceiro, o devedor mencionado no título executivo é obrigado a pagar à parte vencedora no processo que decorreu no Estado terceiro a dívida reconhecida judicialmente [por decisão definitiva] no Estado terceiro, sendo que o processo no Estado‑Membro teve apenas como objeto apreciar se o direito decorrente da dívida reconhecida judicialmente pode ser invocado contra o devedor mencionado no título executivo?

    2)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão:

    Devem as disposições do Regulamento n.o 1215/2012, em especial o artigo 1.o, [o artigo] 2.o, alínea a), o artigo 39.o, o artigo 45.o, o artigo 46.o e o artigo 52.o, ser interpretadas no sentido de que a execução deve ser recusada independentemente da existência de qualquer dos fundamentos mencionados no artigo 45.o [deste regulamento], quando a decisão a examinar não seja uma decisão na aceção do artigo 2.o, alínea a), ou do artigo 39.o do mesmo regulamento, ou quando o pedido subjacente à decisão no Estado‑Membro de origem não seja abrangido pelo âmbito de aplicação [do referido regulamento]?

    3)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão e de resposta afirmativa à segunda questão:

    Devem as disposições do Regulamento n.o 1215/2012, em especial o artigo 1.o, o artigo 2.o, alínea a), o artigo 39.o, o artigo 42.o, n.o 1, alínea b), o artigo 46.o e o artigo 53.o, ser interpretadas no sentido de que, no processo relativo ao pedido de recusa da execução, o tribunal do Estado‑Membro requerido deve obrigatoriamente considerar, desde logo com base nas indicações fornecidas pelo tribunal de origem na certidão emitida nos termos do artigo 53.o [deste regulamento], que existe uma decisão executória abrangida pelo âmbito de aplicação do regulamento?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    21

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 39.o do Regulamento n.o 1215/2012 devem ser interpretados no sentido de que um despacho de injunção de pagamento adotado por um tribunal de um Estado‑Membro com fundamento em decisões definitivas proferidas num Estado terceiro constitui uma decisão e goza de força executória nos outros Estados‑Membros.

    22

    A título preliminar, há que recordar que, na medida em que, em conformidade com o considerando 34 do Regulamento n.o 1215/2012, este revoga e substitui o Regulamento n.o 44/2001, que por sua vez substituiu a Convenção de Bruxelas de 1968, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições destes últimos instrumentos jurídicos é igualmente válida para o Regulamento n.o 1215/2012 quando essas disposições possam ser qualificadas de «equivalentes» (Acórdão de 10 de março de 2022, BMA Nederland, C‑498/20, EU:C:2022:173, n.o 27 e jurisprudência referida).

    23

    Ora, é esse o caso do artigo 25.o e do artigo 27.o, ponto 1, desta convenção, bem como do artigo 32.o e do artigo 34.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, por um lado, e do artigo 2.o, alínea a), e do artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, por outro.

    24

    Como o Tribunal de Justiça salientou a respeito do artigo 32.o do Regulamento n.o 44/2001, que é a disposição equivalente ao artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, o conceito de «decisão» abrange qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, sem fazer distinção em função do conteúdo da decisão em causa (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Gothaer Allgemeine Versicherung e o., C‑456/11, EU:C:2012:719, n.o 23).

    25

    Daqui resulta que este conceito abrange igualmente um despacho de injunção de pagamento adotado por um tribunal de um Estado‑Membro com fundamento em decisões definitivas proferidas num Estado terceiro.

    26

    Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, basta que se trate de decisões judiciais que, antes de o seu reconhecimento e a sua execução serem requeridos num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de origem, tenham sido ou pudessem ser objeto, sob modalidades diversas, de uma instrução contraditória nesse Estado‑Membro de origem (v., por analogia, Acórdão de 2 de abril de 2009, Gambazzi, C‑394/07, EU:C:2009:219, n.o 23 e jurisprudência referida).

    27

    Esta interpretação ampla e autónoma é confirmada pelo sistema criado pelo Regulamento n.o 1215/2012 e pelos objetivos prosseguidos por este (v., por analogia, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Gothaer Allgemeine Versicherung e o., C‑456/11, EU:C:2012:719, n.os 26 e 28).

    28

    Em primeiro lugar, quanto aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1215/2012, o considerando 6 deste expõe o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial. Além disso, resulta dos seus considerandos 4 e 26 que este regulamento visa simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados‑Membros vinculados por este regulamento. Ora, como salientou a Comissão Europeia, uma interpretação diferente do artigo 2.o, alínea a), do referido regulamento imporia que o conceito de «decisão» fosse ligado ao seu conteúdo, o que estaria em contradição com esse objetivo.

    29

    Em segundo lugar, no que se refere ao sistema organizado pelo Regulamento n.o 1215/2012, o considerando 26 deste sublinha a importância do princípio da confiança mútua entre os tribunais dos Estados‑Membros no que respeita à execução das decisões judiciais, o que pressupõe que o conceito de «decisão» não seja interpretado de maneira restritiva.

    30

    Ora, esta confiança mútua seria posta em causa se um tribunal de um Estado‑Membro pudesse negar o caráter de «decisão» de um despacho de injunção de pagamento adotado por um tribunal de outro Estado‑Membro com fundamento em decisões definitivas proferidas num Estado terceiro.

    31

    Em última análise, uma interpretação restritiva do conceito de «decisão», na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, teria como consequência criar uma categoria de atos adotados por tribunais que, embora não figurem entre as exceções taxativamente enumeradas no artigo 45.o deste regulamento, não poderiam ser abrangidos por este conceito de «decisão» e que os tribunais dos outros Estados‑Membros não seriam, por conseguinte, obrigados a executar. A existência de uma tal categoria de atos seria incompatível com o sistema estabelecido nos artigos 39.o, 45.o e 46.o do referido regulamento, que prevê a execução de pleno direito das decisões judiciais e exclui o controlo da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de origem pelos do Estado‑Membro requerido (v., por analogia, Acórdão de 15 de novembro de 2012, Gothaer Allgemeine Versicherung e o., C‑456/11, EU:C:2012:719, n.o 31).

    32

    No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o despacho da High Court em causa no processo principal foi objeto, pelo menos, de uma instrução contraditória sumária no Estado‑Membro de origem, pelo que constitui uma decisão, na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012. Por conseguinte, tendo este sido declarado executório nesse Estado‑Membro, goza, ao abrigo do artigo 39.o deste regulamento, de força executória nos outros Estados‑Membros.

    33

    Esta conclusão não é infirmada pelo facto de, quanto ao mérito, o referido despacho ter sido adotado em execução de decisões proferidas num Estado terceiro que, enquanto tais, não são executórias nos Estados‑Membros.

    34

    Com efeito, devido à limitação do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 às questões de competência judiciária, de reconhecimento e de execução das decisões proferidas pelos tribunais dos Estados‑Membros e na falta de outras disposições do direito da União que regulem estas questões relativamente às decisões proferidas pelos tribunais dos Estados terceiros, esses mesmos Estados‑Membros continuam, em princípio, a ser livres de definir as condições e os processos que permitam aos órgãos jurisdicionais nacionais conhecer dos litígios que lhes são submetidos. Daqui resulta que certos tipos de processos e de decisões judiciais existentes num Estado‑Membro não têm necessariamente equivalência nos outros Estados‑Membros.

    35

    No que respeita, em especial, à questão de saber que efeitos podem ter, nos Estados‑Membros, decisões proferidas por tribunais de Estados terceiros, a inexistência de harmonização ao nível da União tem como consequência que os tribunais de um Estado‑Membro podem legitimamente proferir, em conformidade com o direito nacional aplicável, decisões executórias com fundamento nessas decisões, ao passo que a tomada em consideração das mesmas decisões noutros Estados‑Membros continuaria subordinada à exigência de exequatur.

    36

    Por outro lado, contrariamente ao que o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar, o Acórdão de 20 de janeiro de 1994, Owens Bank (C‑129/92, EU:C:1994:13), do qual se pode deduzir, por analogia, que os artigos 29.o a 31.o do Regulamento n.o 1215/2012 não se aplicam aos processos que têm por objeto a declaração de executoriedade das decisões proferidas em matéria civil e comercial num Estado terceiro, não implica que uma decisão adotada com fundamento numa decisão proferida num Estado terceiro, em conformidade com as regras processuais e de competência de um Estado‑Membro, não possa ser abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

    37

    Com efeito, por um lado, e à semelhança do que vale para qualquer outra decisão judicial nacional, a qualificação de um ato, como o despacho em causa no processo principal, de decisão, na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, não depende minimamente da questão de saber se o processo no termo do qual foi adotado é abrangido pelo âmbito de aplicação deste regulamento, uma vez que este não tem por objeto unificar as regras processuais dos Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Toplofikatsia Sofia e o., C‑208/20 e C‑256/20, EU:C:2021:719, n.o 36 e jurisprudência referida).

    38

    Por outro lado, e em todo o caso, o Acórdão de 20 de janeiro de 1994, Owens Bank (C‑129/92, EU:C:1994:13, n.os 14 e 18), distinguiu claramente a inaplicabilidade da Convenção de Bruxelas de 1968 aos processos que visam o reconhecimento ou a execução das decisões proferidas em matéria civil e comercial num Estado terceiro da aplicabilidade desta convenção a qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado contratante, independentemente da sua denominação.

    39

    Por conseguinte, há que declarar que nenhuma disposição do Regulamento n.o 1215/2012 nem nenhum dos objetivos prosseguidos por este regulamento obsta a que um despacho de injunção de pagamento adotado por um tribunal de um Estado‑Membro com fundamento em decisões definitivas proferidas num Estado terceiro seja abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento.

    40

    Não obstante, decorre do sistema estabelecido nos artigos 39.o, 45.o e 46.o do Regulamento n.o 1215/2012 que o facto de reconhecer a esse despacho a natureza de decisão, na aceção do artigo 2.o, alínea a), deste regulamento, não priva o devedor mencionado no título executivo do direito de se opor à execução dessa decisão invocando um dos fundamentos de recusa em conformidade com o referido artigo 45.o

    41

    Em especial, em conformidade com o artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com o seu artigo 46.o, a pedido de qualquer interessado, o reconhecimento de uma decisão é recusado se esse reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido.

    42

    No entanto, importa sublinhar que, embora os Estados‑Membros continuem, em princípio, a ser livres para, em conformidade com as suas conceções nacionais, determinar as exigências da sua ordem pública, os limites desse conceito fazem parte da interpretação do referido regulamento. Por conseguinte, embora não caiba ao Tribunal de Justiça definir o conteúdo do conceito de ordem pública de um Estado‑Membro, incumbe‑lhe, todavia, controlar os limites no quadro dos quais o juiz de um Estado‑Membro pode recorrer a este conceito para não reconhecer uma decisão de outro Estado‑Membro (v., por analogia, Acórdãos de 28 de março de 2000, Krombach, C‑7/98, EU:C:2000:164, n.os 22 e 23, e de 16 de julho de 2015, Diageo Brands, C‑681/13, EU:C:2015:471, n.o 42 e jurisprudência referida).

    43

    Além disso, ao proibir a revisão quanto ao mérito da decisão proferida noutro Estado‑Membro, o artigo 52.o do Regulamento n.o 1215/2012 proíbe o juiz do Estado‑Membro requerido de recusar o reconhecimento dessa decisão apenas com base no facto de haver uma divergência entre a regra jurídica aplicada pelo juiz do Estado de origem e a que seria aplicada pelo juiz do Estado requerido se fosse ele a decidir o litígio. Do mesmo modo, o juiz do Estado requerido não pode controlar a exatidão das apreciações de facto ou de direito levadas a cabo pelo juiz do Estado de origem (v., por analogia, Acórdãos de 28 de março de 2000, Krombach, C‑7/98, EU:C:2000:164, n.o 36, e de 16 de julho de 2015, Diageo Brands, C‑681/13, EU:C:2015:471, n.o 43 e jurisprudência referida).

    44

    Assim, para respeitar a proibição da revisão quanto ao mérito da decisão proferida noutro Estado‑Membro, um recurso à cláusula de ordem pública que figura no artigo 45.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 só é concebível na hipótese de se ter de considerar que o reconhecimento da decisão proferida noutro Estado‑Membro constitui uma violação manifesta de uma regra jurídica considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica (v., por analogia, Acórdãos de 28 de março de 2000, Krombach, C‑7/98, EU:C:2000:164, n.o 37, e de 16 de julho de 2015, Diageo Brands, C‑681/13, EU:C:2015:471, n.o 44 e jurisprudência referida).

    45

    Tal violação pode nomeadamente residir no facto de não ter sido dada ao devedor mencionado no título executivo a possibilidade de se defender efetivamente perante o órgão jurisdicional de reenvio e de contestar, no Estado‑Membro de origem, a decisão cuja execução é requerida (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2009, Gambazzi, C‑394/07, EU:C:2009:219, n.os 27, 37, 45 e 46).

    46

    Assim, no caso em apreço, se J conseguisse provar, no tribunal chamado a pronunciar‑se no Estado‑Membro requerido, que lhe foi impossível, no Estado‑Membro de origem, contestar quanto ao mérito as pretensões que deram origem às decisões jordanas objeto do despacho em causa no processo principal, esse tribunal poderia recusar a execução desse despacho devido à sua manifesta incompatibilidade com a ordem pública nacional. Compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar esta questão.

    47

    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 39.o do Regulamento n.o 1215/2012 devem ser interpretados no sentido de que um despacho de injunção de pagamento adotado por um tribunal de um Estado‑Membro com fundamento em decisões definitivas proferidas num Estado terceiro constitui uma decisão e goza de força executória nos outros Estados‑Membros se tiver sido adotado no termo de um processo contraditório no Estado‑Membro de origem e declarado executório neste. No entanto, o caráter de decisão não priva o requerido na execução do direito de pedir, em conformidade com o artigo 46.o deste regulamento, a recusa da execução por um dos motivos previstos no artigo 45.o deste.

    Quanto à segunda e terceira questões

    48

    Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda e terceira questões.

    Quanto às despesas

    49

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    O artigo 2.o, alínea a), e o artigo 39.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, devem ser interpretados no sentido de que um despacho de injunção de pagamento adotado por um tribunal de um Estado‑Membro com fundamento em decisões definitivas proferidas num Estado terceiro constitui uma decisão e goza de força executória nos outros Estados‑Membros se tiver sido adotado no termo de um processo contraditório no Estado‑Membro de origem e declarado executório neste. No entanto, o caráter de decisão não priva o requerido na execução do direito de pedir, em conformidade com o artigo 46.o deste regulamento, a recusa da execução por um dos motivos previstos no artigo 45.o deste.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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