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Document 62016CJ0175

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 26 de julho de 2017.
    Hannele Hälvä e o. contra SOS-Lapsikylä ry.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 17.o — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Compensações complementares — Associação de proteção da infância — “Pais de aldeia de crianças” — Ausência temporária de “pais” titulares — Trabalhadores empregados como “pais” substitutos — Conceito.
    Processo C-175/16.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:617

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    26 de julho de 2017 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 17.o — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Compensações complementares — Associação de proteção da infância — “Pais de aldeia de crianças” — Ausência temporária de “pais” titulares — Trabalhadores empregados como “pais” substitutos — Conceito»

    No processo C‑175/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia), por decisão de 24 de março de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de março de 2016, no processo

    Hannele Hälvä,

    Sari Naukkarinen,

    Pirjo Paajanen,

    Satu Piik

    contra

    SOS‑Lapsikylä ry,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, E. Juhász, K. Jürimäe e C. Lycourgos (relator), juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 2 de março de 2017,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de H. Hälvä, S. Naukkarinen, P. Paajanen e S. Piik, inicialmente por P. Ahonen e, em seguida, por P. Ahonen, na qualidade de agente, assistida por T. Lehtinen, asianajaja,

    em representação da SOS‑Lapsikylä ry, inicialmente por J. Syrjänen e, em seguida, por J. Syrjänen e J. Nevala, asianajajat,

    em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

    em representação do Governo alemão, por J. Möller e T. Henze, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por I. Koskinen e M. van Beek, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de abril de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Hannele Hälvä, Sari Naukkarinen, Pirjo Paajanen e Satu Piik à sua entidade patronal, a SOS‑Lapsikylä ry, sobre a recusa por parte desta última em pagar‑lhes as compensações correspondentes às horas de trabalho suplementar, vespertino, noturno e prestado ao sábado e ao domingo nos anos de 2006 a 2009.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo 2.o da Diretiva 2003/88 dispõe:

    «Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

    1.

    Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.

    2.

    Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho.

    […]»

    4

    O artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva enuncia:

    «Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.»

    5

    O artigo 17.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

    «Respeitando os princípios gerais de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações aos artigos 3.o a 6.o, 8.o e 16.o, sempre que, em virtude das características especiais da atividade exercida, a duração do tempo de trabalho não seja medida e/ou predeterminada ou possa ser determinada pelos próprios trabalhadores e, nomeadamente, quando se trate:

    a)

    De quadros dirigentes ou de outras pessoas que tenham poder de decisão autónomo;

    b)

    De mão‑de‑obra de familiares; ou

    c)

    De trabalhadores do domínio litúrgico, das igrejas e das comunidades religiosas.»

    Direito finlandês

    6

    O artigo 2.o, n.o 1, da työaikalaki (605/1996) [Lei (n.o 605/1996) relativa ao tempo de trabalho, a seguir «lei relativa ao tempo de trabalho»] dispõe:

    «A presente lei não se aplica, sem prejuízo do disposto no artigo 15.o, n.o 3:

    […]

    3)

    a um trabalho que o trabalhador preste no domicílio ou, se for caso disso, em condições tais que não se possa considerar que cabe à entidade patronal exercer controlo sobre a gestão do tempo consagrado a esse trabalho;

    […]»

    Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial

    7

    A SOS‑Lapsikylä ry, associação que tem por objeto a proteção da infância, organiza, para as crianças que tem a seu cargo, um alojamento o mais familiar possível em sete aldeias de crianças, cada uma composta por várias casas de crianças. O pessoal das aldeias de crianças é constituído por um diretor, «pais» titulares, «pais» substitutos e outros profissionais. As casas de crianças constituem o domicílio das crianças tomadas a cargo e alojam três a seis crianças e um ou vários «pais» titulares (ou os seus substitutos, em caso de ausência dos «pais» titulares).

    8

    As recorrentes no processo principal foram contratadas pela SOS‑Lapsikylä ry na qualidade de «pais» substitutos até 2009 e, algumas delas, até 2010. Na sua qualidade de «pais» substitutos dos «pais» titulares durante as ausências destes últimos (justificadas por dias livres, por férias anuais ou por licença por doença), as recorrentes no processo principal viveram com as crianças, sendo as únicas responsáveis pela casa de crianças, assim como pela educação e guarda dos menores residentes, tendo assegurado, nomeadamente, o seu abastecimento e acompanhado as crianças no exterior.

    9

    Intentaram uma ação no Etelä‑Savon käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância da Savónia do Sul, Finlândia) destinada a constatar que o seu trabalho ao serviço da SOS‑Lapsikylä ry constituía um «trabalho» na aceção do artigo 1.o da lei relativa ao tempo de trabalho e a obter a condenação desta última no pagamento das compensações devidas pelos anos de 2006 a 2009, nos termos desta lei e da convenção coletiva do setor em causa, por horas de trabalho suplementar ou de prestações de trabalho realizadas ao fim do dia, à noite ou ao fim de semana.

    10

    Por decisão de 4 de maio de 2012, o Etelä‑Savon käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância da Savónia do Sul) julgou improcedente o pedido das recorrentes no processo principal, considerando que o seu trabalho não estava sujeito à lei relativa ao tempo de trabalho. Após a improcedência da sua ação no Etelä‑Savon käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância da Savónia do Sul), as recorrentes no processo principal interpuseram recurso da sentença deste tribunal no Itä‑Suomen hovioikeus (Tribunal de Segunda Instância da Finlândia Oriental), o qual confirmou a referida decisão por acórdão de 4 de julho de 2013. As recorrentes no processo principal recorreram deste acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

    11

    Este tribunal salienta que os representantes da entidade patronal não controlam o trabalho quotidiano dos «pais» substitutos e que a entidade patronal não lhes dá ordens relativas aos períodos de trabalho e aos tempos de descanso durante os dias úteis. Dentro dos limites impostos pelas necessidades das crianças, os «pais» substitutos podem decidir, por si próprios, a organização e o conteúdo do seu trabalho. Contudo, para cada criança é estabelecido um plano de guarda e de educação, nos termos do qual os «pais» substitutos se devem ocupar da criança e a propósito do qual elaboram um relatório. Por outro lado, os «pais» substitutos concertam‑se com os «pais» titulares sobre o funcionamento da casa de crianças que têm a seu cargo e das questões práticas que lhe estão associadas.

    12

    Segundo os contratos de trabalho das recorrentes no processo principal, o serviço anual era de 190 períodos de 24 horas, exceto para uma delas cujo serviço anual era de 170 períodos de 24 horas, dos quais há que deduzir 30 a 33 dias a título de férias anuais. Na prática, a duração dos períodos de substituição variava entre alguns dias e várias semanas.

    13

    O órgão jurisdicional de reenvio sublinha ainda que o diretor estabelece antecipadamente listas que indicam, para cada dia, a casa na qual os «pais» substitutos são chamados a trabalhar. Estes últimos acordam com os «pais» titulares a hora em que se inicia o período de substituição. As planificações diárias devem ainda ser fixadas de modo a que cada trabalhador tenha em média dois fins de semana livres por mês. Durante o período de substituição, o trabalhador tem também direito a um dia de descanso por semana. A remuneração dos «pais» substitutos é definida numa base mensal fixa, sendo certo, contudo, que se os «pais» substitutos tiverem efetuado mais de 190 períodos de 24 horas, têm direito a uma compensação complementar.

    14

    O órgão jurisdicional de reenvio é chamado a determinar se a lei relativa ao tempo de trabalho é aplicável aos «pais» substitutos, o que terá como consequência o facto de a SOS‑Lapsikylä ry ser obrigada a conceder às recorrentes no processo principal as compensações que as mesmas reclamam. Mais particularmente, há que determinar se as atividades dos «pais» substitutos estão excluídas do âmbito de aplicação desta lei por força do artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da mesma. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, segundo esta disposição, um trabalho que seja efetuado pelo trabalhador no domicílio ou, na falta deste, em condições tais que não se possa considerar que cabe à entidade patronal controlar a gestão do tempo que é consagrado a esse trabalho, não está abrangido pelas disposições relativas à organização do tempo de trabalho, com exceção do artigo 15.o, n.o 3, da lei relativa ao tempo de trabalho, irrelevante no caso em apreço.

    15

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a lei relativa ao tempo de trabalho transpõe a Diretiva 2003/88, na qual certas disposições, nomeadamente o artigo 17.o, n.o 1, autorizam o legislador nacional a derrogar, em certas condições, a regulamentação dos períodos de trabalho e de descanso estabelecidos por esta diretiva.

    16

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta ainda que a lei relativa ao tempo de trabalho rege, não apenas o tempo de trabalho, a duração legal do tempo de trabalho, a ultrapassagem de tal duração, o trabalho noturno e o trabalho por turnos, bem como os períodos de descanso e o trabalho prestado ao domingo, como também estabelece as compensações devidas por diferentes motivos, tais como as horas suplementares e o trabalho prestado ao domingo.

    17

    Embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha consciência de que a Diretiva 2003/88 não se aplica à remuneração do trabalhador, exceto em matéria de férias anuais pagas, considera, todavia, que a interpretação desta diretiva é essencial à solução do litígio nele pendente. Com efeito, o direito aos complementos salariais estabelecidos pela lei relativa ao tempo de trabalho depende da aplicabilidade ao caso em apreço da referida lei, que rege também o tempo de trabalho e de descanso.

    18

    Mais particularmente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que é, antes de mais, a derrogação contida no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 que é pertinente para interpretar a exceção prevista no artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da lei relativa ao tempo de trabalho.

    19

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, decorre do acórdão de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère (C‑428/09, EU:C:2010:612), que, quando não esteja demonstrado que, por um lado, os trabalhadores podem decidir o número das suas horas de trabalho e, por outro, não são obrigados a estar presentes no seu local de trabalho segundo horários fixos, a derrogação contida no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 não é aplicável.

    20

    O órgão jurisdicional de reenvio considera, no entanto, que os factos na origem do processo que deu lugar ao referido acórdão apresentam diferenças importantes relativamente ao processo nele pendente, nomeadamente no que diz respeito à natureza do trabalho e às condições de exercício do mesmo.

    21

    Alega, assim, que, no caso em apreço, o trabalho desempenhado pelas recorrentes no processo principal assemelha‑se, pelo seu conteúdo, ao trabalho efetuado no seio de uma família por um dos seus membros, o qual está expressamente previsto no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/88. O referido órgão jurisdicional salienta, por outro lado, que esta disposição deve ser interpretada de forma restritiva, mas que a lista de atividades nela prevista não é exaustiva. Considera, por conseguinte, que é possível que esta derrogação se aplique ao trabalho dos «pais» substitutos, embora não se trate de mão de obra familiar na aceção do artigo 17.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva.

    22

    O órgão jurisdicional de reenvio indica ainda que, no caso em apreço, as possibilidades da entidade patronal de controlar o tempo de trabalho das recorrentes no processo principal são limitadas, uma vez que tal controlo pode afetar a possibilidade dos «pais» substitutos se comportarem como verdadeiros pais e criarem uma relação de confiança com as crianças. O referido órgão jurisdicional acrescenta que tais controlos não parecem ter ocorrido. Com efeito, os «pais» substitutos decidem as suas tarefas, os seus descansos e as suas deslocações ao exterior da casa de forma autónoma, dentro dos limites impostos pelas necessidades das crianças, pelo que estas necessidades afetam, é verdade, a possibilidade destes «pais» substitutos se dedicarem aos seus assuntos pessoais e organizarem a sua vida livremente.

    23

    Nestas condições, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Deve o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88/CE […] ser interpretado no sentido de que o seu âmbito de aplicação pode abranger um trabalho prestado numa casa de crianças, tal como o acima descrito, no qual o[s] trabalhador[es] que substitu[em] o[s] «pai[s] aldeias de crianças» das crianças a cargo, durante os períodos de ausência deste[s] último[s], reside[m] com as crianças, em condições de um ambiente familiar, e [são] responsáv[eis], nessa ocasião, de modo autónomo, por prover às necessidades das crianças e da família, como [os] verdadeiro[s] pai[s] faria[m]?»

    Quanto à questão prejudicial

    24

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que pode aplicar‑se a uma atividade remunerada, tal como a que está em causa no processo principal, que consiste em tomar a cargo crianças nas condições de um ambiente familiar, em substituição da pessoa encarregada, a título principal, desta missão.

    25

    A título preliminar, há que salientar que, excetuada uma hipótese particular relativa às férias anuais pagas, referida no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, esta diretiva limita‑se a regular certos aspetos da organização do tempo de trabalho para garantir a proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, pelo que, em princípio, não é aplicável à remuneração dos trabalhadores (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras, C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 48 e jurisprudência referida).

    26

    Contudo, esta conclusão não implica que não haja que responder à questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça no presente processo.

    27

    Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 45 das suas conclusões, o litígio sobre o qual o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a decidir tem por objeto a questão de saber se a lei relativa ao tempo de trabalho se aplica aos «pais» substitutos e se as recorrentes têm, por essa razão, direito à remuneração reclamada.

    28

    É nestas condições que o órgão jurisdicional de reenvio chamou o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 que foi, segundo as explicações deste órgão jurisdicional, transposta para o direito nacional pelo artigo 2.o, n.o 1, ponto 3, da lei relativa ao tempo de trabalho.

    29

    Há que, por conseguinte, determinar se as atividades exercidas pelas recorrentes no processo principal, na sua qualidade de «pais» substitutos, podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, o qual permite aos Estados‑Membros, em certas condições, derrogar os artigos 3.o a 6.o, 8.o e 16.o desta diretiva quando a duração do tempo de trabalho, em razão das características particulares da atividade exercida, não é medida ou predeterminada ou pode ser determinada pelos próprios trabalhadores.

    30

    A este respeito, há que salientar que, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, os «pais» substitutos, assalariados da SOS‑Laspikylä ry, estão encarregados de assumir, durante a ausência dos «pais» titulares, também estes assalariados da mesma entidade patronal, a gestão quotidiana de uma casa de crianças assim como a guarda e educação das crianças que nela são acolhidas, durante períodos contínuos de 24 horas, que podem suceder‑se por vários dias, mediante o direito a um dia de descanso por semana e, em média, a dois fins de semana livres por mês.

    31

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a derrogação prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser objeto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que esta derrogação permite proteger (acórdãos de 9 de setembro de 2003, Jaeger, C‑151/02, EU:C:2003:437, n.o 89, e de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère, C‑428/09, EU:C:2010:612, n.o 40).

    32

    O Tribunal de Justiça declarou, também, que o referido artigo 17.o, n.o 1, é aplicável aos trabalhadores cujo tempo de trabalho, na sua totalidade, não é medido ou predeterminado, nem pode ser determinado pelos próprios trabalhadores devido às características particulares da atividade exercida (acórdãos de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑484/04, EU:C:2006:526, n.o 20, e de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère, C‑428/09, EU:C:2010:612, n.o 41).

    33

    A este respeito, aquando da apreciação concreta das circunstâncias do processo, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta, como salientou o advogado‑geral no n.o 68 das suas conclusões, o facto de o tempo de trabalho dos «pais» substitutos ser amplamente predeterminado pelo contrato de trabalho que o une à sua entidade patronal, dado que o número de períodos de 24 horas que deve prestar anualmente é estabelecido contratualmente. Por outro lado, este órgão jurisdicional deve igualmente ter em conta o facto de a referida entidade patronal elaborar antecipadamente listas que indicam, em intervalos regulares, os períodos de 24 horas durante os quais os «pais» substitutos estão encarregados da gestão de uma casa de crianças.

    34

    À luz destes elementos, não se pode afirmar que o tempo de trabalho dos «pais» substitutos, na sua totalidade, não é medido ou predeterminado ou que pode ser determinado pelos próprios «pais» substitutos, em razão das características particulares da atividade exercida, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    35

    Esta constatação não é posta em causa, tendo em conta os elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça, pelo facto de os «pais» substitutos terem uma certa autonomia na sua utilização do tempo durante os períodos nos quais estão encarregados da gestão de uma casa de crianças e, mais particularmente, na organização das suas tarefas quotidianas, das suas deslocações e dos seus períodos de inatividade, sem que pareça existir, na prática, um controlo por parte da sua entidade patronal.

    36

    Com efeito, em primeiro lugar, há que salientar que as dificuldades que uma entidade patronal pode encontrar, no que respeita ao controlo do exercício quotidiano das atividades dos seus empregados, não podem, de uma forma geral, ser suficientes para se considerar que o tempo de trabalho destes últimos, na sua totalidade, não é medido ou predeterminado ou pode ser determinado pelo próprio trabalhador, uma vez que a entidade patronal estabelece antecipadamente tanto o início como o fim do tempo de trabalho.

    37

    Em seguida, no caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que a entidade patronal não controla a forma como os «pais» substitutos exercem estas atividades durante os períodos de 24 horas nos quais estão encarregados da casa de crianças. Em contrapartida, a entidade patronal elabora antecipadamente listas que indicam, para cada dia, a casa na qual os «pais» substitutos são chamados a trabalhar. Estes últimos acordam com os «pais» titulares a hora em que se inicia o período de substituição. As planificações diárias devem ainda ser fixadas de modo a que cada trabalhador tenha em média dois fins de semana livres por mês. Assim, não há nada na decisão de reenvio que indique que a entidade patronal não pode controlar se, por um lado, os «pais» substitutos se encarregaram da casa de crianças no momento do dia que foi acordado com os «pais» titulares que iria começar o período de substituição e se, por outro, assumiu esta substituição até ao fim do ou dos períodos de 24 horas que lhe foram atribuídos.

    38

    Finalmente, decorre da decisão de reenvio que os «pais» substitutos são obrigados a redigir um relatório sobre a forma como aplicou o plano de guarda e de educação elaborado para cada criança. Este relatório afigura‑se, por conseguinte, um meio de controlo à disposição da entidade patronal, suscetível de ser utilizado por este último para verificar a maneira como os seus empregados exercem as suas atividades e, consequentemente, para medir o seu tempo de trabalho.

    39

    Em segundo lugar, como é descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, a faculdade que os «pais» substitutos têm de decidir, de uma certa forma, os seus períodos de inatividade, no decurso dos períodos de 24 horas durante os quais estão encarregados de uma casa de crianças, não lhes permite contudo determinar, com toda a liberdade, o número de horas de trabalho que efetuam durante os referidos períodos.

    40

    Por um lado, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, importa notar que os «pais» substitutos devem concertar‑se com os «pais» titulares sobre a forma de gestão da casa de crianças e que parece contrário à economia geral do sistema de acolhimento, instituído pelas aldeias de crianças, permitir aos «pais» substitutos alterar substancialmente os hábitos, nomeadamente no que respeita aos horários, da casa de que estão temporariamente encarregados e que foram adotados pelos «pais» titulares. O respeito por estes hábitos parece, por conseguinte, indicar que os «pais» substitutos não podem, eles próprios, determinar, com toda a liberdade, o seu horário de trabalho.

    41

    Por outro lado, há que salientar que devem ser considerados «tempo de trabalho», na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2003/88, os períodos durante os quais o trabalhador está a trabalhar, à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional (acórdão de 10 de setembro de 2015, Federación de Servicios Privados del sindicato Comisiones obreras, C‑266/14, EU:C:2015:578, n.o 25).

    42

    Assim, os períodos de inatividade que podem ocorrer durante os períodos de 24 horas nos quais os «pais» substitutos estão encarregados da casa de crianças abrangem o exercício de funções deste trabalhador e constituem tempo de trabalho quando os «pais» substitutos são obrigados a estarem fisicamente presentes no lugar determinado pela entidade patronal e a estarem à sua disposição para poderem prestar de imediato os seus serviços em caso de necessidade (v., neste sentido, acórdão de 1 de dezembro de 2005, Dellas e o., C‑14/04, EU:C:2005:728, n.o 48, e despacho de 11 de janeiro de 2007, Vorel, C‑437/05, EU:C:2007:23, n.o 28).

    43

    Sendo tais períodos de inatividade integrados no tempo de trabalho dos «pais» substitutos, a faculdade que estes últimos têm de definir quais os momentos em que estes períodos se iniciam e se concluem não equivale, portanto, à possibilidade de estes trabalhadores determinarem livremente o início e o fim do seu tempo de trabalho.

    44

    Por outro lado, e mesmo admitindo que certas fases de inatividade, durante os períodos de 24 horas nos quais os «pais» substitutos estão encarregados da casa de crianças, possam ser consideradas, não tempo de trabalho, mas tempo de descanso, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2003/88, na medida em que, como foi indicado pela SOS‑Lapsikylä ry durante a audiência de alegações sem que tenha sido contestada nesta questão, os «pais» substitutos, embora devam permanecer contactáveis a qualquer momento, são autorizados a deixar o seu lugar de trabalho quando as crianças que têm a seu cargo estejam ocupadas fora da casa, sendo que esta possibilidade de deixar o seu lugar de trabalho diz apenas respeito a uma parte do seu horário quotidiano e se afigura determinada, não pelos próprios «pais» substitutos, mas pelas horas de ausência das crianças. Assim, esta particularidade das condições de trabalho dos «pais» substitutos não pode levar à conclusão de que o seu tempo de trabalho, na sua totalidade, não é medido ou predeterminado, ou que o mesmo, na sua totalidade, é determinado pelos próprios «pais» substitutos.

    45

    Decorre do que precede que, tendo em conta os elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça, em circunstâncias como as do processo principal, nada indica que a atividade assalariada dos «pais» substitutos possa ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88. Por conseguinte, não se afigura necessário verificar, além disso, se a atividade dos «pais» substitutos é equiparável, sob outros pontos de vista, a uma das três atividades citadas, a título exemplificativo, no referido artigo e, mais particularmente, à «mão de obra familiar» prevista no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva.

    46

    Em qualquer hipótese, e como o advogado‑geral sublinhou nos pontos 72 a 80 das suas conclusões, os «pais» substitutos não podem ser considerados mão de obra familiar de forma a que os mesmos não sejam abrangidos pela exceção referida no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/88.

    47

    Com efeito, tal derrogação, que deve ser interpretada de forma restritiva, como foi sublinhado no n.o 31 do presente acórdão, visa exclusivamente o trabalho realizado num contexto em que a relação de trabalho que une a entidade patronal ao seu empregado é de natureza familiar. Neste contexto, sendo marcado por relações de confiança e de empenho particulares entre as partes, pode com efeito admitir‑se que o tempo de trabalho, na sua totalidade, não é medido ou predeterminado ou que pode ser determinado pelo membro da família empregado.

    48

    Em contrapartida, a simples circunstância de a atividade em causa se assemelhar às tarefas educativas e às relações afetivas assumidas, em princípio, pelos pais relativamente aos seus filhos não permite que a referida atividade seja abrangida pela exceção prevista no artigo 17.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/88.

    49

    À luz das considerações precedentes, há que responder à questão colocada que o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido que não é aplicável a uma atividade assalariada como a que está em causa no processo principal, que consiste em tomar a cargo crianças nas condições de um ambiente familiar, em substituição da pessoa encarregada a título principal desta missão, quando não está demonstrado que a duração do tempo de trabalho, na sua totalidade, não é medida ou predeterminada ou que pode ser determinada pelo próprio trabalhador, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    Quanto às despesas

    50

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    O artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido que não é aplicável a uma atividade assalariada como a que está em causa no processo principal, que consiste em tomar a cargo crianças nas condições de um ambiente familiar, em substituição da pessoa encarregada a título principal desta missão, quando não está demonstrado que a duração do tempo de trabalho, na sua totalidade, não é medida ou predeterminada ou que pode ser determinada pelo próprio trabalhador, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: finlandês.

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