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Document 61987CJ0301

    Acórdão do Tribunal de 14 de Fevereiro de 1990.
    República Francesa contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Auxílios estatais - Notificação prévia - Entradas de capital, concessão de empréstimos com juros bonificados e redução de encargos sociais.
    Processo C-301/87.

    Colectânea de Jurisprudência 1990 I-00307

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:67

    RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

    apresentado no processo C-301/87 ( *1 )

    I — Matéria de facto

    1.

    Em 12 de Julho de 1983, a Comissão solicitou, por telex, informações sobre as ajudas que tinham sido concedidas à Compagnie Boussac Saint Frères SA (a seguir «CBSF») no sector da produção de papéis de higiene.

    2.

    A Comissão renovou o seu pedido por telex de 22 de Fevereiro de 1984.

    3.

    Em 22 de Março de 1984, as autoridades francesas responderam que a CBSF previa a construção de uma nova unidade de produção Peaudouce em Roanne e que não estava prevista qualquer contribuição pública especial para o investimento de 120 milhões de FF na Peaudouce, efectuado sob a direcção da Société de participation et de restructuration industrielle (a seguir «Sopari»), filial do Institut de développement industriel (a seguir «IDI»). O Estado possui 44 % das acções do IDI.

    4.

    Por telex de 12 de Julho de 1984, a Comissão solicitou às autoridades francesas uma lista de todas as intervenções do IDI em favor da CBSF desde Dezembro de 1981, tendo lembrado ao Governo francês que a Comissão pode ter de exigir a restituição de ajudas concedidas que sejam incompatíveis com o mercado comum.

    5.

    Por carta de 23 de Agosto de 1984, as autoridades francesas informaram a Comissão de que o IDI participou, em 1982, na constituição do capital da CBSF com 100,1 milhões de FF. Esta participação foi depois transferida para a Sopari. Esta entrou, no início de 1984, com 180 milhões de FF para a CBSF, sob a forma de contas correntes de accionistas, estando actualmente em curso a transferência de uma nova entrada de 200 milhões de FF, sob a mesma forma.

    6.

    Em 3 de Dezembro de 1984, a Comissão decidiu dar início ao processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE.

    7.

    Em 4 de Fevereiro de 1985, o Governo francês enviou à Comissão a sua resposta a esta interpelação, especificando as condições em que se chegou a uma solução de natureza industrial no grupo Boussac e alegando, designadamente, que as operações eram, quando muito, abrangidas pelo disposto no n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado CEE.

    8.

    Em 14 de Março de 1985, a Comissão solicitou novos esclarecimentos. Não tendo obtido resposta, renovou o pedido em 14 de Maio de 1985.

    Em 4 de Junho de 1985, as autoridades francesas forneceram novas informações. Por sua própria iniciativa, estas foram completadas e actualizadas, designadamente por cartas de 11 de Outubro de 1985, 5 de Fevereiro e 19 de Junho de 1986 e através de uma nota de 4 de Julho de 1986 enviada por carta de 21 de Julho do mesmo ano. Foram efectuadas igualmente três reuniões entre os serviços da Comissão e representantes do Governo francês em 18 de Outubro de 1985 e em 14 de Maio e 4 de Julho de 1986.

    O ministro da Indústria, Correios e Telecomunicações e Turismo, tal como o primeiro-ministro, enviaram cartas em 10 de Novembro e 8 de Dezembro de 1986, respectivamente. Este último chamou a atenção para a persistência de divergências de análise sobre a matéria de facto deste processo entre os serviços da Comissão e a administração francesa. Refere ainda que «um novo exame deveria permitir superar essas divergências». Em 20 de Janeiro de 1987, a Comissão informou o Governo francês de que decidira, em 17 de Dezembro do ano anterior, concluir rapidamente a sua análise do processo e estabelecer com ele novos contactos para esse efeito.

    9.

    Em carta de 19 de Fevereiro de 1987, o primeiro-ministro nomeou um «interlocutor da Comissão para todos os aspectos deste processo». O interlocutor enviou dois memorandos à Comissão, com datas de 24 de Março e 14 de Maio de 1987, por cartas de 27 de Março e de 21 de Maio de 1987, respectivamente.

    Na carta que acompanhava o primeiro memorando, o interlocutor esclarece: «Três novos factos parecem-me sobressair em relação à apresentação que até agora tem sido feita desta questão». Estes três elementos são:

    a)

    a importância do esforço de reestruturação efectuado, bem como das reduções de capacidade, confirmada pelos últimos dados recolhidos;

    b)

    a verificação, se as intervenções financeiras em causa forem colocadas no seu contexto real, de que os investimentos de natureza pública foram acompanhados de um esforço paralelo por parte dos investimentos privados;

    c)

    a situação actual da empresa.

    Para o interlocutor, esses três elementos têm reflexos imediatos na qualificação e na compatibilidade das intervenções em questão.

    10.

    Em 15 de Julho de 1987, a Comissão aprovou a decisão impugnada. Os dois primeiros artigos têm o seguinte conteúdo:

    «Artigo 1o

    Os auxílios, sob a forma de injecções de capital, num montante de 633,1 milhões de FF e efectuados pela Sopari, após transferência da IDI, de empréstimos a taxas de juro reduzidas, num montante de 331,8 milhões de FF, e as reduções de encargos sociais, num montante de 35 milhões de FF, atribuídos ao abrigo do plano de auxílio à indústria têxtil e de vestuário, concedidos entre 1982 e 1985 à Boussac Saint Frères, unì importante fabricante de têxteis, de vestuário e de produtos de papel, e dos quais o Governo francês informou tardiamente a Comissão por telex de 22 de Março e carta de 23 de Agosto de 1984 e, no âmbito do processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o, por cartas de 4 de Fevereiro, 4 de Junho e 11 de Outubro de 1985, 5 de Fevereiro, 19 de Junho e 21 de Julho de 1986, 27 de Março e 21 de Maio de 1987, são ilegais visto terem sido concedidos em violação do disposto no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. Além disso, estes auxílios são incompatíveis com o mercado comum, na acepção do artigo 92.o do Tratado.

    Artigo 2.o

    Dos referidos montantes concedidos, que representam um benefício económico de 685,86 milhões de FF, deve ser restituída uma quantia total de 338,56 milhões de FF.»

    11

    Através de várias decisões proferidas pelos tribunais franceses em 1981, quase todas as sociedades do grupo Boussac Saint Frères foram declaradas em situação de falência. Em 1981, o gabinete de peritos Arthur D. Little foi encarregado, pelos órgãos jurisdicionais nacionais, de efectuar uma análise aprofundada da situação da empresa. Após ter concluído que na base das dificuldades da empresa estavam deficiências de gestão, mas que os seus ramos têxtil e de artigos de higiene apresentavam um sólido potencial industrial e comercial, propôs a recuperação da empresa.

    Com base neste diagnóstico, o IDI e os principais credores privilegiados (bancos) decidiram criar a CBSF, que assumiu a exploração dos estabelecimentos têxteis e de produtos de higiene das sociedades em situação de falência. Em 1983, o IDI cedeu a sua participação no capital da CBSF à Sopari.

    12.

    A Comissão forneceu, por diversas vezes, orientações relativas à aplicação dos artigos 92.o e 93.o às aquisições de participações no capital das empresas. Assim, fê-lo designadamente nos relatórios sobre a concorrência de 1972 e 1977. Em 17 de Setembro de 1984, acrescentou orientações contidas numa comunicação [SG(84) D 11839] intitulada «Aplicação dos artigos 92.o e 93.o do Tratado CEE às participações financeiras das autoridades públicas» (publicada no Boletim CE 9-1984, p. 29). Divulgou também «orientações têxteis», dirigidas sob a forma de comunicação e de carta a todos os Estados-membros em Julho de 1981 [SEC(71) 363 final] e em 4 de Fevereiro de 1977 [SG(77) D 1198] respectivamente. Estas regras foram elaboradas pela Comissão com a ajuda de peritos nacionais.

    II — Tramitação do processo

    1.

    A petição do Governo francês deu entrada na Secretaria do Tribunal em 5 de Outubro de 1987.

    2.

    Por despacho de 16 de Março de 1988, o Tribunal admitiu a intervenção do Reino Unido em apoio dos pedidos da Comissão. As observações do Reino Unido deram entrada na Secretaria do Tribunal em 15 de Julho de 1988.

    3.

    A fase escrita do processo teve tramitação normal.

    4.

    Com base no relatório do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu dar início à fase oral sem instrução. Contudo, decidiu solicitar à Comissão a entrega das comunicações recebidas de terceiros. Esta teve lugar dentro dos prazos estabelecidos.

    III — Pedidos das partes

    1.

    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    anular a Decisão 87/585/CEE da Comissão, de 15 de Julho de 1987, relativa a auxílios concedidos pelo Governo francês a um fabricante de têxteis, de vestuário e de produtos de papel Boussac Saint Frères (JO L 352, p. 42);

    condenar a recorrida nas despesas.

    2.

    A recorrida, apoiada pela parte interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a recorrente nas despesas.

    IV — Fundamentos e argumentos das partes

    O Governo francês considera que a decisão da Comissão de 15 de Julho de 1987 é ilegal. Invoca como fundamentos do recurso de anulação a violação:

    a)

    das regras processuais do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE,

    b)

    do artigo 190.o do Tratado CEE,

    c)

    do artigo 92.o do Tratado CEE,

    d)

    do princípio geral da proporcionalidade.

    A — Violação das regras processuais do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE

    1.

    O Governo francês considera que as entradas de capital e os empréstimos de que beneficiou a CBSF não devem ser considerados auxílios estatais, não podendo, assim, ser considerados ilegais apenas pelo facto de não terem sido previamente notificados nos termos do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. Não contendo o Tratado uma definição precisa de auxílios, na acepção do artigo 92.o do Tratado CEE, o Governo baseou-se nas indicações da Comissão contidas nas suas orientações de 17 de Setembro de 1984 [SG(84) D 11839].

    2.

    Mesmo que as intervenções em causa pudessem ser consideradas auxílios, o que o Governo francês não concede, este entende ser útil salientar:

    que cumpriu a sua obrigação de informar a Comissão;

    que o n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE não impõe qualquer condição formal quando exige que a Comissão seja informada «atempadamente»;

    que a Comissão não agiu num prazo razoável, tendo assim violado o princípio geral da segurança jurídica;

    que eventuais irregularidades processuais não implicam automaticamente a ilegalidade dos auxílios públicos.

    3.

    O Governo francês alega que informou a Comissão dos auxílios públicos decididos a favor da CBSF. A resposta das autoridades francesas de 22 de Março de 1984 referia-se nomeadamente aos investimentos realizados no ramo Peaudouce. A Comissão recebeu informações em número suficiente sobre os financiamentos, a situação da empresa, o plano de reestruturação seguido e o resultado deste, que lhe permitiam apreciar a compatibilidade das intervenções financeiras com as disposições do Tratado CEE.

    A Comissão não fez caso dos elementos de informação levados ao seu conhecimento, tais como a possibilidade de derrogação prevista no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE ou os dados precisos relativos à reestruturação da empresa (endividamento, exportações, investimentos, redução das capacidades de produção). Essas informações foram transmitidas com regularidade, nomeadamente através da nota de 4 de Junho de 1985.

    4.

    As autoridades francesas salientam que os requisitos formais estabelecidos pela carta da Comissão de 2 de Outubro de 1981 [SG(81) 12740], intitulada «Notificação prévia dos projectos de auxílios estatais e análise destes pela Comissão» e enviada a todos os Estados-membros, são apenas indicativos e não vinculativos. Na falta de regulamento do Conselho, que detém a competência exclusiva, nos termos do artigo 94.o do Tratado CEE, para adoptar um regulamento de execução do artigo 93.o do Tratado CEE, cabe ao Tribunal de Justiça determinar, caso a caso, a data razoável de início do prazo para o exame preliminar do auxílio notificado.

    O Governo francês verifica que a Comissão não respeitou as prescrições resultantes designadamente dos acórdãos de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz (120/73, Recueil, p. 1471) e de 20 de Março de 1984, República Federal da Alemanha/Comissão (84/82, Recueil, p. 1451), que impõem à Comissão a obrigação de actuar rapidamente, durante a fase prèvia de exame dos auxílios instituida pelo n.o 3 do artigo 93.o, num prazo razoável avaliado em dois meses, sem o que o Estado-membro pode pôr em prática as medidas projectadas, após ter enviado um pré-aviso à Comissão. Esta apenas deu início ao processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE em 3 de Dezembro de 1984, isto é, passados oito meses sobre a data, 22 de Março de 1984, em que foi informada. Mesmo partindo do princípio de que é a carta de 23 de Agosto de 1984 que deve ser considerada ponto de partida para o processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o, não deixa de ser verdade que decorreram três meses e meio, e não dois meses, antes que se desse início ao processo do n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE. Além disso, entre a notificação de incumprimento de 3 de Dezembro de 1984 e a decisão impugnada de 15 de Julho de 1987 decorreu um período inaceitável de 31 meses. A Comissão não pode ligar a sua decisão ao envio do memorando de Maio de 1987, dado estar assente que o processo previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE foi encetado dois anos e meio antes. No acórdão de 24 de Novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, Colect., p. 4617), o Tribunal decidiu contra a Comissão numa hipótese semelhante.

    5.

    Para mais, o Governo francês observa que não pôde ter conhecimento das observações que a Comissão recebeu da parte de quatro outros Estados-membros, de seis federações e de uma empresa, pelo que os seus direitos de defesa foram violados.

    6.

    O Governo francês contesta que o incumprimento das regras previstas no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE determine «per se» a ilegalidade das intervenções em questão, tornando desnecessária qualquer análise da questão de fundo. De qualquer modo, tal ilegalidade é insuficiente para concluir pela incompatibilidade das intervenções em questão. Na verdade, o Tribunal de Justiça afirmou já, no referido acórdão de 20 de Março de 1984, que a fase preliminar de exame «visa apenas permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total com o Tratado dos projectos de auxílios que lhe são notificados» (tradução provisória). A Comissão devia, assim, proceder ao exame do fundo da questão, e mediu, aliás, a extensão das suas obrigações ao basear a sua decisão numa análise da compatibilidade material das intervenções em questão. Esse exame é tanto mais necessário quanto se torna difícil imaginar auxílios compatíveis com o mercado comum, mas ilícitos por vícios de forma.

    Além disso, a argumentação baseada exclusivamente no procedimento é insuficiente para fundamentar a decisão da Comissão no caso em apreço, dado que se torna impossível compreender por que razão a Comissão não puniu imediatamente o alegado vício de forma, tendo antes prosseguido uma longa investigação.

    De resto, o artigo 94.o do Tratado CEE prevê auxílios a que não se aplicam as regras processuais do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. As exigências processuais feitas pela Comissão vão além do exigido pela letra do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE.

    7.

    A Comissão considera auxílios as intervenções financeiras em questão. Confiar a responsabilidade desta qualificação exclusivamente ao Estado-membro seria inaceitável e faria com que tal apreciação variasse de Estado-membro para Estado-membro. A Comissão, enquanto guardiã do Tratado, deve proceder a essa apreciação.

    8.

    A Comissão considera ter fixado, através da carta de 2 de Outubro de 1981 [SG(81) 12740], regras relativas à notificação dos projectos de auxílios no interesse geral da Comunidade. Os Estados-membros devem dar-lhes cumprimento com o espírito de cooperação leal que resulta do artigo 5.o do Tratado CEE. Esta obrigação imposta aos Estados-membros constitui a contrapartida das que decorrem para a Comissão do referido acórdão de 11 de Dezembro de 1973.

    A Comissão salienta que a informação de 22 de Março de 1984 diz respeito ao ramo Peaudouce, não fazendo referência a qualquer das intervenções em questão no presente litígio. A comunicação de 23 de Agosto de 1984 é igualmente incompleta, designadamente no que respeita a dados numéricos, além de não se referir ao plano de reestruturação da CBSF. As primeiras informações (escassas, contraditórias e não quantificadas) fornecidas pelas autoridades francesas foram prestadas numa altura em que os auxílios tinham já sido parcialmente concedidos. As informações posteriormente dadas foram abundantes e pormenorizadas, mas contraditórias e incompletas, necessitando de esclarecimentos, informações suplementares, chamadas de atenção e reuniões. A Comissão considera ter analisado na sua decisão todos os aspectos da reestruturação da empresa, como o endividamento, as exportações, os investimentos e a redução das capacidades de produção, expostos pelo Governo francês e centrados nos temas das reduções de capacidade e de postos de trabalho e nos investimentos na modernização do equipamento.

    De qualquer modo, as autoridades francesas não respeitaram o efeito suspensivo previsto pelo n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. Não enviaram igualmente o «pré-aviso», na acepção do acórdão Lorenz. Por outro lado, a questão das datas de início de contagem do prazo é irrelevante, dado que a falta de notificação atempada dos projectos de auxílio, implica que o Governo francês já não pode invocar os prazos rigorosos resultantes do acórdão Lorenz.

    A Comissão considera ter agido diligentemente, sem ter deixado decorrer um período de tempo excessivo entre o início do procedimento do n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE e a decisão impugnada de 15 de Julho de 1987, tendo nomeadamente em conta a data da recepção do memorando do interlocutor especial, em Maio de 1987. Teve igualmente em conta as cartas do primeiro-ministro e do ministro da Indústria, Correios e Telecomunicações e Turismo, que solicitavam com insistência uma nova análise do processo. Não deve censurar-se a Comissão por ter demorado algum tempo a efectuar esse reexame. A Comissão conclui considerando não prejudicial o prazo decorrido entre Dezembro de 1984 e Julho de 1987, dado que o Governo francês não esperava ser esclarecido sobre um projecto de auxílios, suspenso nos termos do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE, mas sobre auxílios já concedidos.

    A Comissão alega que o acórdão de 24 de Novembro de 1987, RSV/Comissão, já citado, autoriza, contrariamente à opinião da recorrente, o entendimento de que um prazo, mesmo bastante longo, pode justificar-se, o que aconteceu no caso em apreço.

    9.

    A Comissão declarou, na decisão impugnada, que «no referido processo, apresentaram também observações quatro outros Estados-membros, seis federações e uma empresa». Alega que os direitos da defesa foram totalmente respeitados, já que as diversas comunicações recebidas de terceiros não contêm nem novas informações, desconhecidas do Governo francês, nem argumentos ou raciocínios utilizados na fundamentação da decisão impugnada. Mesmo sem as observações recebidas, a decisão não podia ter sido outra.

    10.

    A Comissão alega que os auxílios em causa foram concedidos com violação do disposto no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. Esta disposição, ao estabelecer uma proibição clara e absoluta, é imperativa e de ordem pública, determinando a ilegalidade per se dos auxílios em questão.

    A jurisprudência constante do Tribunal, designadamente a resultante dos acórdãos de 19 de Junho de 1973, Capolongo (77/72, Recueil, p. 611), de 22 de Março de 1977, Steinike-Weinlig/Comissão (78/76, Recueil, p. 595), e de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz, já citado, relativa à questão do efeito directo dos artigos 92.o e 93.o do Tratado CEE, confirma a tese da proibição que produz efeitos nas ordens jurídicas internas dos Estados-membros. Os particulares podem assim recorrer aos tribunais nacionais para que estes apreciem a compatibilidade de um auxílio existente ou de um novo auxílio instituído com violação do disposto no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE. Em consequência, tais auxílios são ilegais «per se».

    O Tribunal não pode sanar a posteriori os vícios de que esses auxílios enfermam. A Comissão atribui bastante importância ao facto de o Tribunal tirar todas as consequências da violação das regras processuais do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE e não proceder à análise das restantes acusações relativas a alegadas violações das regras materiais do n.o 3 do artigo 92.o Esta posição resultaria em importantes economias de tempo e de trabalho no plano do processo de investigação dos auxílios que relevam do n.o 2 do artigo 92.o; apresentaria sobretudo a vantagem, por um lado, de desencorajar os Estados-membros que se furtam com demasiada frequência às obrigações decorrentes do n.o 3 do artigo 93.o e, por outro, de resolver os problemas, que se colocam numa fase anterior, ligados à recuperação dos auxílios ilegais.

    11.

    A interveniente considera que as autoridades francesas não notificaram um projecto de auxílios e que apenas em 4 de Julho de 1986 declararam a assistência financeira completa concedida à CBSF. Deste modo, a Comissão não foi informada atempadamente para apresentar observações.

    12.

    O Governo do Reino Unido defende que devem ter-se em conta as indicações fornecidas pela Comissão na carta de 2 de Outubro de 1981 [SG(81) 12740], ainda que não tenham valor normativo, para apurar se um Estado-membro adoptou, em conformidade com a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 5.o do Tratado CEE, todas as medidas adequadas para garantir o cumprimento das obrigações do Tratado.

    13.

    Alega ainda que o Governo francês apenas confirmou em 23 de Agosto de 1984 a participação do IDI e da Sopari no capital da CBSF e que não pode censurar-se a Comissão por ter esperado até 3 de Dezembro de 1984 para dar início ao procedimento previsto no n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE.

    O período decorrido entre 3 de Dezembro de 1984 e 15 de Julho de 1987, data da decisão impugnada, não é apenas da responsabilidade da Comissão, que se viu confrontada, pelo menos até 4 de Julho de 1986, com dificuldades para obter as informações necessárias. Mais tarde, o Governo francês solicitou, em carta de 8 de Dezembro de 1986, um novo exame do processo e designou, em 19 de Fevereiro de 1987, um novo representante que enviou à Comissão dois longos memorandos.

    O Governo francês não podia razoavelmente pensar, com base no atraso da Comissão, que os auxílios já não encontrariam objecções por parte desta.

    14.

    O interveniente acrescenta que a Comissão não tinha, no caso em apreço, obrigação de divulgar o conteúdo das observações apresentadas por terceiros interessados, nos termos do n.o 2 do artigo 93.o do Tratado CEE.

    B — Violação do artigo 190.o do Tratado CEE

    15.

    O Governo fiancés considera insuficientemente fundamentada, à luz da jurisprudência do Tribunal, a decisão da Comissão de 15 de Julho de 1987. Designadamente, a Comissão não demonstrou na sua decisão qual o efeito real dos auxílios concedidos.

    16.

    Por um lado, a decisão da Comissão devia conter indicações suficientemente concretas sobre a natureza dos eventuais prejuízos para a concorrência e sobre como seria afectado o comércio entre os Estados-membros. Ora, a decisão impugnada contém informações inexactas relativamente à parte de mercado da empresa e às correntes de trocas.

    Deste modo, as exportações da CBSF diminuíram, em vez de aumentarem, entre 1981 e 1985, e as exportações da CBSF para os outros Estados-membros são de apenas 16 %, o que corresponde a uma quota do mercado europeu inferior a 0,5 %. Ao mesmo tempo, aumentou a penetração em França dos produtos originários da CEE. A conclusão, a que chegou a Comissão na decisão impugnada, de que as exportações têxteis para os outros Estados-membros aumentaram em 32 % no período de 1982 a 1984 não tem em conta o facto de haver que excluir as exportações da Peaudouce, que nunca beneficiou de intervenções financeiras, e atender ao aumento conjuntural da produção de têxteis de linho nos anos de 1983 e 1984.

    17.

    Por outro lado, o Governo francês, ao invocar o acórdão de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão (323/82, Recueil, p. 3809), considera que a decisão impugnada deve indicar de que modo as condições das trocas foram afectadas a ponto de a liquidação da empresa ser preferível à sua viabilização. Na decisão, a Comissão parece supor que a liquidação era preferível aos esforços de reestruturação e de financiamento, mais racionais do ponto de vista sectorial, menos prejudiciais à concorrência e mais justos para os assalariados e credores.

    18.

    Além disso, o Governo francês considera que a decisão impugnada é contraditória. De facto, tem em conta reduções de efectivos ou de capacidade, quando treze instalações transferidas para sociedades independentes foram encerradas, e não toma em consideração as reduções efectuadas na própria empresa, que resultaram de importantes reduções de capacidade. O Governo francês contesta que a CBSF tenha anunciado importantes aumentos de capacidade.

    19.

    A Comissão considera suficientemente fundamentada a sua decisão de 15 de Julho de 1987.

    No sistema dos artigos 92.o e 93.o do Tratado CEE, a Comissão é chamada a pronunciar-se sobre projectos de auxílios, o que exclui qualquer apreciação do efeito real actualizado dos auxílios na exportação da CBSF ou na parte de mercado desta, ou na afectação das trocas e da concorrência. Aceitar o argumento do Governo francês de que a Comissão tem obrigação de provar os efeitos reais de auxílios já concedidos conduziria a favorecer os Estados-membros que, violando o dever de notificação consagrado no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado CEE, concedem ilegalmente auxílios. Para a Comissão, basta fazer a prova de que a empresa beneficia de uma intervenção financeira dos poderes públicos, e de que a empresa é assim libertada de custos e encargos que normalmente deveria suportar e que os seus concorrentes, pelo contrário, suportam.

    20.

    A Comissão alega que deve ter-se em conta o período durante o qual os auxílios em questão foram concedidos, ou seja, o período de 1982 a 1984, e não o de 1981 a 1985, escolhido arbitrariamente pela recorrente. Entre 1982 e 1984, as exportações de têxteis para os outros Estados-membros aumentaram em 32 %. A CBSF exporta 16 % da sua produção têxtil para os outros Estados-membros e 9 % para países terceiros.

    21.

    Para a Comissão, o acórdão Intermills, já citado, respeita a um caso especial cujos pressupostos não se verificam no presente caso, não devendo por isso ser acolhido o argumento da falta de fundamentação, baseado nesta jurisprudência. A decisão de 15 de Julho de 1987 não reconhece a exigência de uma verdadeira reestruturação que teria eventualmente permitido considerar que os auxílios, ao facilitarem o desenvolvimento econômico da actividade têxtil, não iam afectar as trocas numa medida contrária ao interesse comum. Por outro lado, a decisão impugnada aborda a questão do eventual desaparecimento da CBSF.

    22.

    A Comissão considera que a decisão impugnada não é contraditória.

    O auxílio respeitante às instalações encerradas e àquelas em que a produção têxtil cessou pode considerar-se suprimido.

    Uma redução dos efectivos da empresa, acompanhada por uma modernização, não conduziria necessariamente à redução da capacidade de produção ou à redução desta. Por outro lado, a Comissão tomou em consideração as reduções de capacidade. Além disso, face à refutação da recorrente relativa à alegação, contida na decisão, de que a empresa tinha anunciado importantes aumentos de capacidade, pode concluir-se que o investimento em questão se realizaria sem aumento de capacidade, sendo, nesse caso, necessário explicar de que modo a manutenção de capacidade existente seria conciliável com as afirmações de reduções de capacidade a que a CBSF teria procedido no quadro da sua pretensa reestruturação.

    23.

    A parte intejveniente esclarece que as exportações francesas de produtos têxteis (com exclusão dos produtos de higiene) para os outros Estados-membros aumentaram durante o período de 1982 a 1984, passando de 456 milhões de FF para 600 milhões de FF, o que representa um crescimento de 32 % (as exportações para o Reino Unido aumentaram em 41 % durante esse período).

    Acrescenta que os auxílios não correspondem a uma verdadeira reestruturação, já que, segundo a decisão impugnada, as intervenções financeiras se destinavam apenas a modernizar as instalações de produção a fim de as manter em actividade, sem lhes introduzir qualquer alteração fundamental, e afectaram as condições das trocas.

    Por último, segundo o Governo do Reino Unido, é praticamente impossível afirmar que a produção sofreu uma efectiva diminuição interna, já que, como refere a Comissão na decisão impugnada, se torna necessário recorrer ao método segundo o qual os números correspondentes às reduções de capacidade devem ser referidos ao volume de negócios efectivo da sociedade (a preços constantes de 1982) e ter em conta a transferência de 27 instalações e de 4730 assalariados para outras empresas que continuam a produzir têxteis.

    C — Violação do artigo 92.o do Tratado CEE

    24.

    O Governo francês considera que as intervenções em questão não constituem auxílios na acepção do artigo 92.o do Tratado CEE.

    25.

    Em primeiro lugar, o Governo francês invoca o documento da Comissão de 17 de Setembro de 1984 [SG(84) D 11839], no qual esta esclarece a sua posição geral a respeito das tomadas de participação das autoridades públicas, para depois alegar que as intervenções financeiras de que beneficiou a CBSF se verificaram no contexto de uma economia de mercado, de acordo com o que seria o comportamento normal de um investidor privado nas mesmas circunstâncias.

    Os poderes públicos, o IDI e a Sopari tomaram as suas decisões na sequência de uma análise de mercado, com base num relatório de peritos independentes, em função de um plano preciso de recuperação e em ligação com bancos e investidores privados. O diagnóstico dos peritos tinha concluído pela viabilidade da empresa. Esta seria rentável num prazo razoável mediante uma reestruturação baseada na eliminação do excesso de capacidade no ramo têxtil e na conversão das actividades têxteis não rentáveis em actividades rentáveis. O programa de reestruturação foi regularmente actualizado em Novembro de 1983 e em Janeiro de 1984. Além disso, o investimento público acompanhou o privado, dado que, juntamente com os 999,9 milhões de FF afectados pelos poderes públicos, segundo a Comissão, 1401 milhões de FF foram investidos pelo sector privado. Os bons resultados da empresa demonstraram a posteriori que a decisão dos poderes públicos foi acertada.

    26.

    Em segundo lugar, o Governo francês considera errado o argumento económico da Comissão, segundo o qual a aquisição da empresa por um franco simbólico demonstrava que as intervenções públicas constituíam auxílios. Na verdade, nos termos dos acordos de tomada de posição de Novembro de 1984, os adquirentes privados fizeram, em 1985, uma entrada de capital de 400 milhões de FF. Até ao presente, o principal accionista da CBSF entrou com mais de 573 milhões de FF.

    27.

    Por último, o Governo francês considera que as intervenções em questão não correspondem aos dois critérios enunciados no n.o 1 do artigo 92.o do Tratado CEE, afectação das trocas entre os Estados-membros e da concorrência, para haver incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum.

    Quanto à afectação das trocas comerciais, a recorrente salienta que o ramo têxtil da CBSF apenas detém 0,3 % do mercado têxtil europeu, o qual representa cerca de 800 mil milhões de FF. O maior produtor europeu de têxteis, Coats Paton, detém uma quota de mercado de 2 %. As exportações da CBSF diminuíram cerca de 33 % entre 1982 e 1986, tendo o mercado francês continuade a abrir-se às importações dos outros Estados-membros. Não é correcto afirmar-se, como faz a Comissão, que as exportações aumentaram em 32 % entre 1982 e 1984, dado que este número deve ser corrigido. Por último, devem ainda ter-se em conta os anos de 1985 e 1986.

    Para o Governo francês, a concorrência não é falseada, nem ameaçada de o ser, pelas intervenções em causa, não tendo a Comissão feito prova do contrário, como lhe competia. Em primeiro lugar, se a concorrência fosse apreciada em concreto, e não em abstracto, a liquidação da empresa seria a única solução possível, na falta das intervenções em causa. Os concorrentes teriam então comprado o activo a preços extremamente baixos e o efeito de subvenção seria maior. Por outro lado, a CBSF não adoptou um comportamento anticoncorrencial, já que os seus preços de venda acompanharam uma evolução normal no sentido do aumento, de forma que não houve qualquer contribuição para a quebra de preços no mercado comum.

    Por último, o Governo francês alega que o cálculo da subvenção equivalente das intervenções em questão, ao qual procedeu a Comissão, é errado por não se terem considerado: a) as incidências fiscais; b) o remanescente dos pagamentos concordatarios; c) os subsídios de despedimento que a colectividade nacional teria de suportar em caso de falência.

    28.

    A título subsidiário, o Governo francês requer que o Tribunal analise a compatibilidade das intervenções em questão com o disposto no n.o 3 do artigo 92.o do Tratado CEE.

    O exame concreto das intervenções demonstraria que as trocas não foram afectadas, que a recuperação da empresa é inegável e que os financiamentos facilitaram o desenvolvimento e a reconversão das actividades industriais da CBSF, na acepção do n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado CEE. O programa de reestruturação aplicado permitiu:

    a eliminação do excesso de capacidade de produção têxtil através do encerramento de 30 instalações fabris, a venda de outras 27 entre 1981 e 1986 e a redução das capacidades de produção em 48,07 % para a fiação, em 2,30 % para a tecelagem, 16,29 % para o acabamento e a manutenção e em 37,69 % para a confecção;

    a redução dos efectivos em 14130 assalariados, o que representa uma diminuição de 68 %, cujo custo foi de 1443 milhões de FF;

    a conversão das actividades têxteis não rentáveis ou situadas em subsectores demasiadamente vulneráveis em actividades têxteis rentáveis e em outros tipos de actividades (designadamente no sector dos produtos de higiene);

    a racionalização da produção e a melhoria da produtividade, através da aquisição de tecnologias evoluídas.

    O plano de reestruturação foi pormenorizado, designadamente, através dos memorandos de 25 de Março e de 14 de Maio de 1987, correspondendo à definição de reestruturação dada pela Comissão. A análise quantitativa dessa reestruturação, financiada pelos sectores público e privado, devia levar à aplicação do disposto no n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado CEE, cometendo a Comissão, ao recusar aplicar esta disposição ao caso em apreço, um erro manifesto de apreciação económica.

    O Governo francês emende que as intervenções se verificaram, na acepção do n.o 3, alínea a), do artigo 92.o do Tratado CEE, em regiões em que o nível de desemprego é muito elevado em relação à média nacional ou comunitária.

    29.

    Finalmente, e relativamente ao fundamento da violação do artigo 92.o do Tratado CEE, a recorrente alega que a Comissão não pode abster-se de proceder a um exame concreto das intervenções com base nas orientações por ela própria estabelecidas e destinadas a orientar os governos dos Estados-membros e a Comissão. As intervenções são conformes com estas orientações.

    Em primeiro lugar, as condições fixadas pelas «orientações têxteis», definidas em 1971 e 1977, encontram-se reunidas. Na verdade, as intervenções financeiras em questão não tiveram como resultado a manutenção artificial de uma empresa em actividade, dado que a peritagem levada a cabo pela empresa de especialistas Arthur D. Little concluiu pela viabilidade da empresa, o que é confirmado pelos investimentos privados e pelos resultados recentes da CBSF. Além disso, o período durante o qual tiveram lugar as intervenções financeiras deve ser apreciado em função da extensão das actividades em causa; a diminuição total dos efectivos foi de 14150 entre 1981 e 1986, e o prazo de seis meses, referido nas orientações, seria irrealista dada a importância das reestruturações efectuadas. Por outro lado, os resultados de exploração denotam um progresso incontestável, e, por último, as intervenções financeiras inscreviam-se num programa de reestruturação e de rentabilização da empresa que corresponde às orientações relativas aos auxílios à indústria têxtil.

    O Governo francês alega em seguida que as condições impostas para autorizar o plano de redução dos encargos sociais foram respeitadas. A CBSF não beneficiou do plano sectorial de diminuição de encargos sociais em 1984 ou posteriormente.

    Por último, considera que os investimentos financeiros não constituem auxílios de salvamento. Não se trata de auxílios de tesouraria, pois fazem parte de um plano de reestruturação, e, ainda que assim fosse, os empréstimos foram concedidos a taxas progressivas e indexadas, representando um significativo encargo de reembolso a que se junta uma cláusula de regresso de melhor fortuna. Deste modo, a empresa deve reembolsar nos próximos anos a Sopari e os poderes públicos em 1011,8 milhões de FF.

    30.

    A Comissão afirma gozar, no dominio dos auxílios, de um poder discricionário para apreciar a compatibilidade de um regime de auxílios de Estado com as exigências do mercado comum, cujo exercício comporta apreciações de natureza econômica e social que devem ser efectuadas no quadro comunitário.

    31.

    A Comissão entende que o facto de as intervenções terem sido decididas com base num relatório de peritos é irrelevante. O mesmo se diga da melhoria da situação daempresa. Esta circunstância tende, pelo contrário, a demonstrar a existência de auxílios. Os esforços de modernização e de racionalização não constituem uma verdadeira reestruturação que possa ser considerada um contributo para o desenvolvimento econômico e que não afecta as trocas. A Comissão não analisou o programa de reestruturação. Os investimentos privados foram efectuados em 1984, após os auxílios públicos, o que não é contestado pela recorrente.

    32.

    A Comissão considera que a afectação das trocas comerciais é real.

    O «mercado relevante» para efeitos do presente processo não é da ordem dos 800 mil milhões de FF (115 mil milhões de ecus), dado que esta cifra engloba sectores nos quais a Boussac não exerce nem nunca exerceu qualquer actividade. Esses sectores representam 70 % de toda a indústria têxtil, podendo daí concluir-se que a CBSF exerce a maior parte da sua actividade num sector que representa 30 % da actividade global da indústria têxtil.

    Há que ter em conta a estrutura específica da indústria têxtil/vestuário, na qual a CBSF alega deter 0,3 % do mercado, sendo o terceiro produtor francês e o quinto da Comunidade. A maior empresa têxtil da Comunidade, a Coats Paton, detém apenas 0,8 % do mercado, e os 2 % referidos pela recorrente dizem respeito à sociedade Coats Viyella, resultante da fusão, em 1987, da Coats Paton e da Coats Viyella. Estes números podem parecer modestos, mas há que considerar que existem na Comunidade cerca de 15000 empresas com mais de 20 assalariados e com um volume de negócios médio por empresa de 7,7 milhões de ecus. A CBSF tem um volume de negócios de 437 milhões de ecus.

    Em consequência, a análise da afectação das trocas comerciais feita exclusivamente do ponto de vista da parte de mercado comunitário detida pela CBSF falsearia a realidade.

    Por último, a correcção do período, tal como foi proposta pela recorrente, não corresponde a qualquer dado real. Além disso, a procura conjuntural do linho, por exemplo, afectou todo o sector industrial em questão, e não apenas a indústria francesa, ou mesmo a CBSF.

    33.

    Para a Comissão, a concorrência foi falseada pelos auxílios em questão. A Comissão contesta a tese do Governo francês, segundo a qual a Comissão devia apreciar, caso a caso, os efeitos negativos concretos dos auxílios sobre a concorrência. Se tal prova, baseada em dados numéricos, fosse necessária, o Tribunal ter-lhe-ia feito referência no acórdão de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão (296/82 e 318/82, Recueil, p. 809), em que definiu os limites da exigência de fundamentação neste domínio. Ora, o Tribunal não o fez.

    34.

    A Comissão observa que os cálculos da sua avaliação do valor económico dos auxílios são exactos, baseando-se em dados comunicados pela recorrente nos memorandos de Março e de Maio de 1987.

    35.

    Quanto ao pedido subsidiário de exame da compatibilidade das intervenções com o n.o 3 do artigo 92.o do Tratado CEE, a Comissão, invocando o seu poder discricionário, conclui que deve ser negado provimento ao pedido.

    No que respeita à derrogação prevista no n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado CEE, não houve uma verdadeira reestruturação da empresa, ou seja, uma reorganização substancial da empresa através do ajustamento da sua dimensão, qualidade e organização a fim de aumentar, manter ou restabelecer a sua competitividade e viabilidade. Isto traduz-se em alterações em vários ou em todos os domínios de actividade da empresa, como a mão-de-obra, a gestão, o capital, a obtenção dos meios de produção, o processo de produção, os produtos, a capacidade de produção, a distribuição e os mercados. Ao invés, a modernização da empresa implica a mera adaptação dos meios de produção sem alterações fundamentais nos domínios da actividade da empresa. No seu conjunto, não se considera que as medidas adoptadas tenham contribuído para uma verdadeira reestruturação da empresa que permita desse modo a aplicação do n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado CEE. O teor da nota de 4 de Junho de 1985 não pode servir de base para a afirmação da existência de um programa de reestruturação, já que: a) a divisão entre «casos normais» e «casos difíceis» apenas é quantificada em termos de volume de negócios e de postos de trabalho; b) as reduções de postos de trabalho são quantificadas em termos de um número global correspondente a um período de três anos; c) apenas são fornecidas algumas informações sobre os investimentos efectuados que foram acompanhados de uma redução de 5%, entre 1981 e 1985, das actividades em dificuldade do grupo «e o encerramento de 25 instalações» (não especificadas). Relativamente às reduções de efectivos, a Comissão salienta que estas são menos significativas, dado que:

    o número dos efectivos era excessivo, sendo assim necessárias reduções;

    outras empresas do sector têxtil procederam a ajustamentos em massa que implicaram a supressão de mais de um milhão de postos de trabalho;

    está-se perante uma mera modernização da empresa, que conduz inevitavelmente, por razões tecnológicas, a reduções de efectivos.

    A Comissão considera, por último, que teve em conta as medidas de reconversão ou de saneamento levadas a cabo pela CBSF e que fundamentou amplamente a sua rejeição do pretenso plano de reestruturação.

    Relativamente à derrogação contida no n.o 3, alínea a), do artigo 92.o do Tratado CEE, a Comissão acrescenta não entender que as regiões referidas pela recorrente sejam regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego. Em apoio desta posição, invoca o acórdão de 14 de Outubro de 1987, República Federal da Alemanha/Comissão (248/84, Colect., p. 4013), do qual resulta que a derrogação da alínea a) é apenas aplicável às regiões em que a situação económica é extremamente desfavorável relativamente ao conjunto da Comunidade.

    36.

    A Comissão refere que as orientações gerais dirigidas a todos os Estados-membros foram elaboradas com a ajuda de peritos nacionais. Ao aprovar as orientações, sem valor normativo, a Comissão exerceu parte do seu poder discricionário. A desconformidade dos auxílios com as orientações constitui apenas mais uma prova da sua incompatibilidade com o mercado comum.

    Os auxílios em questão determinaram que a CBSF se mantivesse artificialmente em actividade sem uma verdadeira reestruturação. Tais auxílios de «salvamento», não contemplados nas orientações, afectam a concorrància sem melhorar a competitividade do sector. A viabilidade da CBSF não resulta dos investimentos do sector privado. A Comissão ponderou o problema do «curto prazo», referido nas orientações, e fundamentou a sua conclusão. As divergências de opinião, neste domínio, entre as partes são de ordem económica, não sendo invocado qualquer fundamento relativamente à legalidade da apreciação económica da Comissão.

    Por último, a Comissão acrescenta que a decisão relativa ao regime de auxílios sob a forma de redução de encargos sociais não pode ser vista separadamente da decisão da Comissão de retirar as suas objecções à aplicação de um regime francês de auxílios à indústria têxtil e do vestuário. Deste modo, os auxílios concedidos a uma determinada empresa no quadro desse regime de auxílios sectoriais devem corresponder a determinadas condições não verificadas no caso em apreço. A decisão de 15 de Julho de 1987 vem ao encontro de todos os argumentos invocados a este respeito pelo Governo francês.

    Por último, a Comissão considera que as intervenções financeiras são auxílios de salvamento. Tomou em conta a taxa de remuneração dos empréstimos, a cláusula de regresso de melhor fortuna e todos os outros dados económicos fornecidos pelo Governo francês.

    37.

    A parte interveniente considera que as intervenções financeiras em questão constituem auxílios. As dívidas da sociedade elevavam-se a 3682 milhões de FF em 1981. Era impossível esperar uma remuneração normal num prazo razoável, sob a forma de dividendos ou de mais-valias. A CBSF não estava em condições de obter os fundos necessários nos mercados de capitais. No que respeita ao relatório dos peritos independentes, com base no qual as intervenções financeiras foram decididas, o Tribunal não teve conhecimento dos elementos de referência utilizados na redacção do relatório.

    38.

    O Governo do Reino Unido considera que, durante o período em questão, a CBSF exportava 16 % da sua produção têxtil para outros Estados-membros, sendo as intervenções financeiras susceptíveis de afectar as trocas entre os Estados-membros. Os auxílios falseiam ou ameaçam falsear a concorrência, já que a parte de mercado deve ser vista em relação com o carácter fragmentário da indústria têxtil europeia. Além disso, os auxílios concedidos à CBSF, no montante de 1029,9 milhões, são substanciais em comparação com o auxílio de 20 milhões que o Reino Unido tinha em vista na aplicação do programa Cloft e ao qual renunciou depois de a Comissão ter decidido que o projecto do Reino Unido era inaceitável pelo facto de (designadamente) o montante do auxílio ameaçar falsear a concorrência.

    O interveniente acrescenta que a determinação do equivalente — subvenção do auxílio, tal como foi efectuada pela Comissão, é conforme às regras aplicáveis, conhecidas dos Estados-membros por estarem publicadas, nada permitindo concluir pela existência de erro nos cálculos da Comissão.

    39.

    Relativamente à eventual aplicação do n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado CEE, a interveniente faz sua, no essencial, a posição da Comissão.

    Quanto à derrogação prevista no n.o 3, alínea a), do artigo 92.o do Tratado CEE, o Reino Unido defende que a taxa de desemprego nas regiões em que a CBSF possui unidades de produção variava, em 1986, de 10,5 % nos Vosges a 14,85 % em Roubaix, sendo de 11,5% no conjunto da Comunidade.

    Estas taxas não são excepcionalmente elevadas em comparação com as de outras regiões da Comunidade onde estão instaladas indústrias têxteis. No final do mês de Junho de 1986, as taxas de desemprego nos condados do Reino Unido com maior concentração de empresas têxteis eram as seguintes: Grande Manchester, 15 %; Lancashire, 13,7 %; Leicestershire, 9,9 %; Irlanda do Norte, 21,5%; Tayside, 14,2%; West Yorkshire, 13,8 %.

    40.

    O Governo do Reino Unido considera que os auxilios concedidos à CBSF não satisfazem as condições definidas pela Comissão nas «orientações têxteis».

    D — Violação do princípio geral da proporcionalidade

    41.

    O Governo francês, apoiando-se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, alega que a decisão impugnada viola o princípio geral da proporcionalidade.

    42.

    Por um lado, a decisão impugnada não tem em conta os custos de reestruturação suportados pela empresa, o que determina que a decisão seja excessiva e contradiga o objectivo da reestruturação.

    43.

    Por outro lado, a decisão é desproporcionada aos objectivos da racionalização no sector têxtil comunitário. Sem a recuperação da CBSF, esta teria sido declarada falida, o que teria importantes consequências:

    para os credores privilegiados, que apenas recuperariam 38 % dos respectivos créditos, e para os credores quirografarios, que perderiam os respectivos créditos;

    para a colectividade, que perderia os seus créditos e teria de suportar os custos sociais resultantes das perdas de postos de trabalho;

    no plano social e regional, em que a taxa de desemprego seria aumentada;

    no plano sectorial, em que o mercado têxtil seria perturbado pela revenda ao desbarato de existências adquiridas a baixo preço e em que a aquisição dos activos a preços inferiores ao seu valor real conduziria à manutenção do ex^ cesso de capacidade.

    O Governo francês considera, por último, que a decisão impugnada não foi necessária para atingir o objectivo da racionalização. Este foi prosseguido através de intervenções financeiras, sendo a exigência da sua restituição desproporcionada relativamente às alegadas violações da concorrência.

    44.

    A Comissão contesta que, no caso em apreço, se trate de uma reestruturação, pelo que a decisão de 15 de Julho de 1987 não toma em consideração o custo da alegada reestruturação.

    45.

    A exigência de restituição parcial dos auxílios pagos tem em conta o efeito desta na viabilidade da CBSF, não violando o princípio geral da proporcionalidade.

    46.

    A parte interveniente considera que os factos da causa diferem dos dos processos referidos pela recorrente. A decisão impugnada exige apenas a restituição de auxílios concedidos com violação do Tratado CEE, tendo sido tomada após avisos reiteradamente feitos pela Comissão ao Governo francês. Se a Comissão não tivesse exigido a restituição dos auxílios concedidos, não teria cumprido a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 155.o do Tratado CEE.

    G. F. Mancini

    Juiz relator


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL

    14 de Fevereiro de 1990 ( *1 )

    No processo C-301/87,

    República Francesa, representada por Régis de Gouttes, director adjunto da direcção jurídica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, por Edwige Belliard, subdirectora na mesma direcção, na qualidade de agentes, e por Catherine Colonna, na qualidade de agente suplente, com domicílio escolhido na embaixada de França, 9, boulevard du Prince-Henri,

    recorrente,

    contra

    Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Jacques H. J. Bourgeois, consultor jurídico principal, e mais tarde por Antonino Abate, consultor jurídico principal, e por Thomas F. Cusak, consultor jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centro Wagner, Kirchberg,

    recorrida,

    apoiada por

    Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. J. Hay, na qualidade de agente, e por Richard Plender, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo na embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

    interveniente,

    que tem por objecto a anulação da Decisão 87/585/CEE da Comissão, de 15 de Julho de 1987, relativa a auxílios concedidos pelo Governo francês a um fabricante têxteis, de vestuário e produtos de papel Boussac Saint Frères (JO L 352, p. 42),

    O TRIBUNAL,

    constituído pelos Srs. O. Due, presidente, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler, presidentes de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, F. Grévisse, M. Diez de Velasco, juízes,

    advogado-geral : F. G. Jacobs

    secretario: J.-G. Giraud

    visto o relatório para a audiência e após a realização desta em 8 de Junho de 1989,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 4 de Outubro de 1989,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de Outubro de 1987, a República Francesa solicitou, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 173.o do Tratado CEE, a anulação da Decisão 87/585/CEE da Comissão, de 15 de Julho de 1987, relativa a auxílios concedidos pelo Governo francês a um fabricante de têxteis, de vestuário e de produtos de papel Boussac Saint Frères (JO L 352, p. 42).

    2

    Resulta dos autos que as autoridades francesas concederam, de Julho de 1982 a Agosto de 1984, contribuições financeiras a um produtor francês de têxteis, de vestuário e de produtos de papel, a Compagnie Boussac Saint Frères (a seguir «CBSF»). Esses apoios financeiros revestiram a forma de uma participação no capital feita pelo Institut de développement industriel (a seguir «IDI»), mais tarde transferida para a Société de participation et de restructuration industrielle (a seguir «Sopari»), que por sua vez efectuou novas entradas de capitais para a Compagnie Boussac Saint Frères, além de conceder empréstimos com juro bonificado e reduções de encargos sociais, ao abrigo do regime de auxílios à indústria têxtil e do vestuário.

    3

    Na sequência de repetidos pedidos da Comissão, o Governo francês informou-a, por telex de 22 de Março de 1984 e carta de 23 de Agosto de 1984, de um apoio financeiro concedido à CBSF. A Comissão apurou, após um primeiro exame, que os auxílios concedidos não lhe tinham sido previamente notificados na fase de projecto, declarando-os por isso mesmo ilícitos. Considerou igualmente que todos esses auxílios eram incompatíveis com o mercado comum, na acepção do n.o 1 do artigo 92.o do Tratado CEE, e que não satisfaziam as condições necessárias para beneficiar de uma das derrogações estabelecidas no n.o 3 do mesmo artigo.

    4

    Por carta de 3 de Dezembro de 1984, a Comissão deu início ao procedimento previsto no n.o 2, primeiro parágrafo, do artigo 93.o do Tratado CEE e notificou o Governo francês para apresentar as suas observações.

    5

    O Governo francês apresentou estas últimas em cartas de 4 de Fevereiro, 4 de Junho e 11 de Outubro de 1985, de 5 de Fevereiro, 19 de Junho e 21 de Julho de 1986, de 27 de Março e 21 de Maio de 1987, bem como no decurso de três reuniões organizadas com os representantes da Comissão, em 18 de Outubro de 1985 e em 14 de Maio e 4 de Julho de 1986.

    6

    A Comissão adoptou, em 15 de Julho de 1987, a Decisão 87/585, que é objecto do presente recurso. Esta decisão declara que as contribuições financeiras concedidas constituem auxílios incompatíveis com o mercado comum, na acepção do n.o 1 do artigo 92.o do Tratado, que esses auxílios são ilegais na medida em que foram concedidos com violação do disposto no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado, e que não podem ser considerados compatíveis com o mercado comum ao abrigo do n.o 3 do artigo 92.o do Tratado. Nos termos do artigo 2.o da decisão, parte dos auxílios deverá ser restituída, estando o Governo francês obrigado a informar a Comissão das medidas adoptadas a esse respeito. Nos considerandos da decisão, a Comissão refere, designadamente, que quatro outros Estados-membros, seis federações e uma empresa lhe apresentaram observações no quadro do processo que conduziu à referida decisão.

    7

    Para mais ampla exposição dos antecedentes do litígio, dos fundamentos e argumentos das partes, bem como da tramitação do processo, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação do Tribunal.

    8

    Os fundamentos invocados pelo Governo francês em apoio do seu recurso baseiam-se em violação das regras processuais do artigo 93.o do Tratado, insuficiente fundamentação da decisão impugnada, aplicação errada dó artigo 92.o do Tratado e violação do princípio geral da proporcionalidade.

    A — Quanto aos efeitos da^falta de notificação

    9

    Há que começar por examinar um problema levantado pela Comissão. Esta considera que, dado que o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito directo da norma clara, imperativa e de ordem pública contida no n.o 3, infine, do artigo 93.o do Tratado, a inobservância desta regra implica já, por si só, a ilegalidade dos auxílios. Essa ilegalidade torna inútil qualquer exame de fundo da questão e habilita a Comissão a ordenar o reembolso do auxílio. A Comissão retirou daqui a conclusão de que as acusações feitas pelo Governo francês, relativamente à parte da decisão impugnada na qual a Comissão declara que os auxílios em causa são incompatíveis com o artigo 92.o do Tratado, não devem ser tomadas em consideração pelo Tribunal.

    10

    O Governo francês alega que um eventual incumprimento das regras processuais estabelecidas no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado é insuficiente para viciar de ilegalidade as intervenções financeiras e para, por si só, justificar o reembolso dos auxílios. A Comissão deveria, de qualquer modo, proceder a uma análise de fundo das intervenções em causa.

    11

    E forçoso concluir que cada uma destas duas teses é susceptível de causar importantes dificuldades de aplicação. Por um lado, a da Comissão leva à admitir que auxílios compatíveis com o mercado comum podem vir a ser proibidos por irregularidades formais. Por outro lado, não é de aceitar a tese do Governo francês segundo a qual, face a um auxílio instituído ou modificado por um Estado-membro com violação do procedimento previsto no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado, a Comissão apenas dispõe dos mesmos direitos e obrigações de que dispõe quando se trata de um auxílio correctamente notificado na fase de projecto. Na verdade, tal interpretação levaria a favorecer o incumprimento pelo Estado-membro em causa do n.o 3 deste artigo, privando-o do seu efeito útil.

    12

    Face a esta argumentação, há que examinar o problema com base numa análise dos poderes e responsabilidades respectivos da Comissão e dos Estados-membros em caso de instituição ou alteração de auxílios.

    13

    Deve ter-se, antes de mais, em conta que as disposições dos artigos 92.o, 93.o e 94.o, incluídas na secção III do Tratado com a epígrafe «Os auxílios concedidos pelos estados», prevêem mecanismos que implicam que a Comissão esteja em condições de apurar, com base nos elementos de que dispõe, se as intervenções financeiras em causa constituem auxílios na acepção das mesmas disposições.

    14

    Deve em seguida notar-se que o Conselho não adoptou até agora, com base no artigo 94.o do Tratado, qualquer regulamento de execução dos artigos 92.o e 93.o do Tratado.

    15

    Deve ainda ter-se em conta a jurisprudência do Tribunal. No acórdão de 22 de Março de 1977, Steinike et Weinlig (78/76, Recueil, p. 595), foi decidido que a proibição do n.o 1 do artigo 92.o do Tratado não é absoluta nem incondicional, designadamente porque o n.o 3 da mesma disposição atribui à Comissão um amplo poder discricionário para aprovar auxílios, em derrogação à proibição geral do referido n.o 1. A apreciação, nesses casos, da compatibilidade ou incompatibilidade com o mercado comum de um auxílio estatal levanta problemas que exigem a tomada em consideração e a apreciação de factos e circunstâncias económicas complexos e susceptíveis de rápida alteração.

    16

    Por esta razão, o Tratado previu no artigo 93.o um procedimento especial que institui o exame permanente e a fiscalização dos auxílios pela Comissão. Relativamente aos novos auxílios que os Estados-membros pretendam instituir, encontra-se previsto um procedimento prévio sem o qual nenhum auxílio pode considerar-se correctamente instituído. O Tratado, ao organizar através do artigo 93.o o exame permanente e a fiscalização dos auxílios pela Comissão, pretende que o reconhecimento da eventual incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum resulte, sujeita a fiscalização do Tribunal, de um processo adequado cuja iniciativa é da competência da Comissão.

    17

    Na sua jurisprudência (ver acórdão de 9 de Outubro de 1984, Heineken, 91/83 e 127/83, Recueil, p. 3435), o Tribunal considera ainda que o objectivo da primeira parte do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado é facultar à Comissão a oportunidade de exercer, atempadamente e no interesse geral das Comunidades, a sua fiscalização sobre qualquer projecto destinado a instituir ou a alterar auxílios. O n.o 3, in fine, do artigo 93.o do Tratado constitui a salvaguarda do mecanismo de controlo instituído por esta disposição, que, por sua vez, é essencial ao funcionamento do mercado comum. A proibição de execução prevista por este artigo visa garantir que os efeitos de um regime de auxílios não se produzam antes de a Comissão ter tido um prazo razoável para examinar o projecto em pormenor e, eventualmente, dar início ao procedimento previsto no n.o 2 do mesmo artigo.

    18

    O sistema que acaba de ser analisado implica, para ser eficaz, que possam ser adoptadas medidas para contrariar qualquer violação do exposto no n.o 3 do artigo 93.o do Tratado e que tais medidas sejam, de modo a serem salvaguardados os legítimos interesses dos Estados-membros, susceptíveis de recurso. Face a este sistema, não pode ignorar-se a necessidade de instituir medidas cautelares quando as práticas de determinados Estados-membros em matéria de auxílios tenham como efeito pôr em causa o regime instituído pelos artigos 92.o e 93.o do Tratado.

    19

    Por conseguinte, a Comissão, quando verifica que um auxílio foi instituído ou alterado sem ter sido notificado, pode, após ter dado ao Estado-membro em causa a possibilidade de apresentar observações, intimá-lo, através de uma decisão provisória e enquanto aguarda o resultado do exame do auxílio, a que suspenda imediatamente o pagamento deste e que forneça à Comissão, no prazo por ela fixado, todos os documentos, informações e dados necessários à análise da compatibilidade do auxílio com o mercado comum.

    20

    A Comissão dispõe do mesmo poder de impor medidas no caso de o auxílio ter sido notificado à Comissão, tendo contudo o Estado-membro em causa, sem aguardar o final do procedimento previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 93.o do Tratado, posto em execução o auxílio, contrariando a proibição estabelecida no n.o 3 do mesmo artigo.

    21

    Quando o Estado-membro cumpre inteiramente a ordem da Comissão, esta deve analisar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum, nos termos do procedimento previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 93.o do Tratado.

    22

    Se o Estado-membro não fornecer as informações requeridas, apesar de ter sido intimado a fazê-lo pela Comissão, esta pode pôr termo ao processo e adoptar uma decisão que declara a compatibilidade ou incompatibilidade do auxílio com o mercado comum, baseando-se nos elementos de que dispõe. Essa decisão poderá eventualmente exigir a restituição do montante do auxílio já pago.

    23

    Se o Estado-membro não suspende o pagamento do auxílio, deve reconhecer-se que a Comissão, ao mesmo tempo que prossegue a análise da questão de fundo, pode dirigir-se directamente ao Tribunal para obter a declaração de violação do Tratado. Isso justifica-se, dada a urgência, na medida em que foi proferida uma decisão comunitária depois de o Estado-membro em causa ter tido a possibilidade de apresentar observações e, portanto, na sequência de um procedimento pré-contencioso contraditório como o previsto no n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 93.o do Tratado. De facto, este procedimento constitui apenas uma variante da acção por incumprimento, adaptada especialmente aos problemas específicos que os auxílios estatais apresentam para a concorrência no mercado comum.

    24

    No que respeita ao caso em apreço, é sabido que a Comissão efectuou, embora a título subsidiário, um exame da compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Esse exame pode, em consequência, ser objecto do presente litígio.

    B — Violação das regras processuais

    25

    No âmbito deste fundamento, o Governo francês começa por alegar que a Comissão violou o princípio geral da segurança jurídica ao não actuar num prazo razoável, tendo em conta as informações detalhadas comunicadas atempadamente à Comissão pelas autoridades francesas. Considera, além disso, que os direitos da defesa foram violados no caso presente, dado que a Comissão não lhe deu conhecimento das observações de terceiros interessados, apresentadas ao abrigo do n.o 2 do artigo 93.o do Tratado.

    26

    Relativamente à primeira acusação, deve antes de mais notar-se que, à luz dos autos, as autoridades francesas forneceram as primeiras informações, solicitadas repetidamente pela Comissão, depois de a maior parte dos auxílios em questão ter já sido paga. É, assim, ponto assente que a Comissão não foi informada atempadamente, nos termos do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado, para apresentar as suas observações a respeito dos projectos de auxílio a favor da CBSF. Por outro lado, as informações fornecidas à Comissão pelo Governo francês em Março de 1984 eram bastante incompletas. Deste modo, apenas em 23 de Agosto de 1984 foi confirmada de maneira incompleta a participação do\IDI, e mais tarde da Sopari, no capital da CBSF.

    27

    Neste contexto, a Comissão julgou, pois, razoável dispor de um prazo de reflexão e de investigação de três meses, a contar de 23 de Agosto de 1984, antes de enviar a notificação de incumprimento de 3 de Dezembro de 1984. Além disso, deve notar-se que parte das informações transmitidas à Comissão foi alterada e completada várias vezes pelo Governo francês. Foi apenas com as cartas de 27 de Março e 21 de Maio de 1987 que este último comunicou à Comissão os esclarecimentos necessários e as informações definitivas com base nos quais esta adoptou a sua decisão de 15 de Julho de 1987.

    28

    Embora seja certo que entre a primeira carta do Governo francês, de 22 de Março de 1984, e a notificação de incumprimento, de 3 de Dezembro de 1984, e entre esta e a decisão de 15 de Julho de 1987 decorreram períodos bastante longos, a verdade é que a Comissão apenas dispôs de todos os elementos indispensáveis para examinar a compatibilidade dos auxílios com o mercado comum a partir de 21 de Maio de 1987. Nestas circunstâncias, deve concluir-se que a Comissão não violou, através do seu comportamento, o princípio geral da segurança jurídica.

    29

    Relativamente à segunda acusação, baseada na violação dos direitos da defesa, deve notar-se que, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal (ver acórdãos de 10 de Julho de 1986, Reino da Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, e 40/85, Colect., p. 2321, e de 11 de Novembro de 1987, República Francesa/Comissão, 259/85, Colect., p. 4393), o respeito dos direitos da defesa em qualquer processo dirigido contra uma pessoa e susceptível de levar à adopção de um acto que lese os interesses desta constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação especial.

    30

    Nos referidos acórdãos, o Tribunal reconheceu que este princípio exige que ao Estado-membro em causa seja dada a possibilidade de exprimir o seu ponto de vista sobre as observações apresentadas por terceiros interessados, nos termos do n.o 2 do artigo 93.o do Tratado, e que a Comissão pretende utilizar como base da sua decisão. O Tribunal esclareceu que, na medida em que ao Estado-membro não tenha sido facultado comentar tais observações, a Comissão não as pode ter em conta na sua decisão contra esse Estado.

    31

    Para que tal violação dos direitos da defesa justifique uma anulação, é no entanto necessário que, não se verificando tal irregularidade, o processo tenha levado a um resultado diferente. A este respeito, deve notar-se que as observações em causa, apresentadas ao Tribunal a pedido deste, não contém quaisquer dados informativos novos relativamente àqueles de que a Comissão já dispunha e de que o Governo francês tinha conhecimento. Nestes termos, o facto de o Governo francês não ter tido a possibilidade de comentar as referidas observações não era de natureza a influenciar o resultado do processo administrativo. Em consequência, deve igualmente considerar-se improcedente este fundamento.

    C — Fundamentação da decisão

    32

    O Governo francês alega que a fundamentação da decisão impugnada é insuficiente, por um lado, na medida em que não contém qualquer apreciação das consequências práticas dos auxílios já pagos para a concorrência e para a afectação das trocas comerciais entre os Estados-membros e, por outro lado, na medida em que é contraditória relativamente ao encerramento das instalações de produção. O Governo francês ataca ainda a fundamentação da decisão alegando que esta se baseia numa avaliação errada da parte de mercado detida pela CBSF e das correntes de trocas comerciais entre os Estados-membros. Esta última acusação diz igualmente respeito, no essencial, à compatibilidade das contribuições financeiras com o mercado comum, pelo que será analisada ao mesmo tempo que o fundamento baseado na violação do artigo 92.o

    33

    Deve considerar-se improcedente o primeiro fundamento. Na verdade, se a Comissão tivesse de provar na sua decisão as consequências práticas dos auxílios já concedidos, isso levaria a favorecer os Estados-membros que pagam auxílios sem observarem o dever de notificação do n.o 3 do artigo 93.o do Tratado, em detrimento daqueles que notificam os auxílios na fase de projecto. Em consequência, não era necessário que a fundamentação da decisão impugnada contivesse uma apreciação actualizada dos efeitos dos auxílios instituídos e não notificados na fase do projecto.

    34

    No que respeita ao segundo fundamento, o Governo francês alega, em especial, que a decisão impugnada é contraditória na medida em que tem em conta as reduções de capacidade decorrentes do encerramento de instalações de produção que tenham sido transferidas pouco tempo antes para outras empresas, e não as teve em consideração quando as reduções de capacidade se verificaram no interior da CBSF.

    35

    Deve notar-se, a este respeito, que a decisão contém, nos considerandos, uma análise aprofundada das reduções de capacidade. Assim, a Comissão começa por salientar que, no sector têxtil e do vestuário, a produção da CBSF era muito heterogénea e diversificada e que a alteração das suas capacidades constitui apenas o afloramento de uma tendência geral. A Comissão acrescenta em seguida que, em determinados subsectores têxteis, como o dos tecidos de linho e de algodão, de grande importância para a CBSF, a procura diminuiu substancialmente, de modo que as empresas de toda a Comunidade tiveram de se adaptar a esta nova situação. A Comissão considera, por outro lado, que determinadas reduções resultam de ter sido abatido material antiquado, que datava de antes da Primeira Guerra Mundial. A Comissão observa igualmente que devem relacionar-se os números relativos às reduções de capacidade com o volume de negócios real da sociedade (a preços constantes de 1982) e que, nesse caso, a redução efectiva se revela bastante menos importante. A Comissão conclui que, tendo em conta o facto de 27 instalações de produção terem sido transferidas para outras empresas, que continuam, em parte, a produzir têxteis, é impossível falar-se de uma efectiva diminuição interna da produção. A Comissão termina sublinhando que, pouco tempo após a sua alienação, treze dessas instalações tiveram de ser encerradas, tendo cessado definitivamente a produção de têxteis.

    36

    Deve notar-se que, perante estas verificações pormenorizadas, o Governo francês não pode limitar-se a declarar que a decisão é contraditória, sem invocar outros argumentos além dos já examinados pela Comissão nos considerandos da decisão impugnada. Esta é, neste particular, suficientemente explícita e circunstanciada para permitir ao Governo francês tomar conhecimento e apreciar os fundamentos da Comissão, e ao Tribunal fiscalizar o mérito da decisão. Donde resulta dever rejeitar-se esta acusação invocada contra a fundamentação.

    D — Aplicação do artigo 92.o do Tratado

    37

    O Governo francês entende, a título principal, que as intervenções financeiras não constituem auxílios, que não afectam as trocas comerciais entre os Estados-membros e que não falseiam, nem ameaçam falsear, a concorrência ao favorecerem determinadas empresas. Subsidiariamente, o Governo francês defende que os auxílios são compatíveis com o mercado comum, com base no n.o 3, alíneas a) e c), do artigo 92.o do Tratado, e que estão de acordo com as diversas orientações e comunicações emitidas pela Comissão em 1971, 1977 e em 1984.

    38

    Em apoio da sua argumentação principal, o Governo francês começa por alegar que as entradas de capitais, os empréstimos com juro bonificado e as reduções de encargos sociais em causa não constituem auxílios, porque foram feitos à CBSF nas condições de uma economia de mercado e porque foram acompanhados por investimentos privados. Deste modo, as autoridades francesas decidiram intervir financeiramente na CBSF, juntamente com investidores privados, com base numa análise do mercado e numa avaliação da empresa que permitiram concluir pela rentabilidade desta num prazo razoável, através de uma reestruturação. Esta última consistia, designadamente, na eliminação do excesso de capacidade, na redução dos efectivos, na conversão das actividades não rentáveis ou demasiado vulneráveis em actividades rentáveis, na racionalização da produção e na melhoria da produtividade.

    39

    Para determinar se tais medidas revestem a natureza de auxílios estatais, deve aplicar-se o critério, indicado na decisão da Comissão e que o Governo francês, aliás, não contestou, baseado nas possibilidades de a empresa obter as importâncias em questão no mercado de capitais.

    40

    No caso em apreço, resulta dos autos que, por um lado, a situação financeira da sociedade em 1981 não permitia prever uma rentabilidade aceitável dos investimentos em prazo razoável, e que, por outro, a CBSF, atendendo ao seu escasso poder de autofinanciamento, não seria capaz de reunir os fundos necessários no mercado de capitais. Deve notar-se, ainda, que os primeiros investimentos privados, aliás de montante muito inferior ao das intervenções públicas, apenas foram efectuados depois de estas últimas terem lugar. As entradas de capitais efectuadas pela Sopari na CBSF, após transferência do IDI, constituem, assim, um auxílio estatal, na acepção do n.o 1 do artigo 92.o do Tratado.

    41

    Isto vale igualmente para os empréstimos com juro bonificado e para a redução dos encargos sociais, uma vez que permitiram igualmente à CBSF não ter de suportar custos que normalmente teriam onerado os recursos financeiros próprios da empresa, tendo assim impedido que as forças do mercado produzissem as suas ( consequências normais.

    42

    O Governo francês alega, ainda, que as intervenções financeiras não afectam as correntes comerciais e não falseiam, ou não ameaçam falsear, a concorrência entre Estados-membros. Deste modo, a parte de mercado detida pela CBSF é inferior a 0,5 % do mercado têxtil europeu, que representa cerca de 115 mil milhões de ecus, as exportações da CBSF sofreram uma diminuição de 33 %, não tendo aumentado entre 1982 e 1986, e os números apontados pela Comissão englobam sectores de actividade da CBSF que não beneficiaram de auxílios públicos; além disso, não têm em conta o aumento conjuntural da actividade no sector do linho nos anos de 1983 e 1984.

    43

    Deve notar-se que a decisão impugnada contém uma análise de todos estes elementos. Na verdade, a fundamentação da decisão engloba uma análise do mercado têxtil/vestuário francês. Após declarar que a indústria francesa representa nestes sectores cerca de 20 % do valor acrescentado no mercado comum e participa muito activamente no comércio intracomunitário, já que cerca de 40 % da sua produção total são exportados para outros Estados-membros, a decisão salienta que a CBSF é o terceiro produtor francês de têxteis e de vestuário, representando este sector 56 % do seu volume de negócios que, em 1986, era de 4,7 mil milhões de FF. A CBSF é o quinto produtor comunitário e participa no comércio intracomunitário através da exportação de 16o/o da sua produção têxtil para os outros Estados-membros e de 9 % para países terceiros. A Comissão afirma ainda na sua decisão que o período a tomar em consideração para apreciar a compatibilidade das intervenções financeiras com o mercado comum é aquele durante o qual os auxílios foram concedidos. Nesse período, de Julho de 1982 a finais de 1984, as exportações de têxteis para os outros Estados-membros aumentaram em 32 %, tendo mais de metade do volume de negócios da CBSF sido realizado no domínio dos têxteis/vestuário.

    44

    A Comissão, por outro lado, salienta, entre os fundamentos da decisão, que a intervenção financeira destinada a recuperar as finanças da CBSF reduziu os custos que normalmente lhe caberia suportar, em tal medida que lhe conferiu uma vantagem em relação aos concorrentes, que devem considerar-se afectados. Ao reduzir o preço que a CBSF devia normalmente pagar para garantir a sua racionalização e modernização, os auxílios em causa afectaram as trocas entre Estados-membros e falsearam, ou ameaçaram falsear, a concorrência.

    45

    Deve notar-se que as considerações da Comissão, globalmente consideradas, podem justificar a conclusão a que esta chegou relativamente à ilegalidade do auxílio. Em consequência, devem considerar-se improcedentes os fundamentos relativos à natureza do auxílio e à sua incompatibilidade com o mercado comum, incluindo os que visam a fundamentação da decisão.

    46

    O Governo francês requer, a título subsidiário, que o Tribunal analise a compatibilidade do auxílio com o mercado comum à luz do n.o 3 do artigo 92.o do Tratado. Alega que a recuperação da CBSF é inegável e que os auxílios facilitaram o desenvolvimento e a reconversão das suas actividades industriais, na acepção do n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado.

    47

    Considera, em seguida, que o auxílio à CBSF teve lugar em regiões em que existe uma grave situação de subemprego relativamente à média comunitária, na acepção do n.o 3, alínea a), do artigo 92.o do Tratado.

    48

    Por último, o Governo francês considera que os auxílios são conformes às numerosas condições estabelecidas, por um lado, nas orientações para os auxílios à indústria têxtil e de vestuário aprovadas pela Comunidade e dirigidas a todos os Estados-membros em 1971 e 1977 e, por outro, no quadro do regime francês de 1984 de auxílios à indústria têxtil e do vestuário.

    49

    Os argumentos da recorrente não podem ser aceites. Deve ter-se em conta que, no domínio do n.o 3 do artigo 92.o do Tratado, a Comissão dispõe de amplo poder de apreciação, cujo exercício envolve apreciações de ordem econòmica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário.

    50

    Nestes termos, a Comissão considerou legitimamente, sem exceder os limites do seu poder de apreciação, que os auxílios concedidos à CBSF não podiam beneficiar da derrogação estabelecida no n.o 3, alínea c), do artigo 92.o do Tratado, em favor dos auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de determinadas actividades ou de determinadas regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse comum. De facto, os auxílios diminuíram os custos da CBSF, enfraquecendo assim a competitividade de outras empresas comunitárias, ameaçando obrigá-las a retirarem-se do mercado mesmo quando tenham podido até ao presente prosseguir a sua actividade graças a uma reestruturação e a melhorias da produtividade e da qualidade financiadas com recursos próprios.

    51

    No que respeita ao argumento baseado na aplicação do n.o 3, alínea a), do artigo 92.o do Tratado, há que notar que a Comissão deve ter em conta a situação econômica das regiões em questão relativamente à situação do conjunto da Comunidade. As estatísticas fornecidas pela Comissão e pelo interveniente, que não foram contestadas pelo Governo francês, revelam que as regiões em que se situam as instalações de produção da CBSF, que beneficiaram dos auxílios, não são regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de subemprego.

    52

    A favor do argumento baseado nas orientações têxteis emitidas pela Comissão em 1971 e 1977, o Governo francês alega que as intervenções financeiras permitiram a reestruturação da CBSF, que implicou, em primeiro lugar, uma redução das capacidades de produção e dos efectivos, em segundo lugar uma conversão das actividades têxteis não rentáveis ou vulneráveis em outras actividades têxteis rentáveis e, por último, um aumento da produtividade através da utilização de tecnologias avançadas. As intervenções financeiras objecto de crítica não mantiveram assim a CBSF em actividade de modo artificial, não podendo, em consequência, ser qualificadas de auxílios de salvamento.

    53

    A Comissão considera, a este propósito, que a CBSF não sofreu qualquer reorganização de base que lhe permitisse restabelecer a sua competitividade através do ajustamento da sua dimensão e organização. A sua viabilidade não resulta de investimentos privados, de forma que as intervenções financeiras em causa constituem auxílios de salvamento, não previstos nas orientações têxteis.

    54

    Deve, a este respeito, notar-se que a decisão da Comissão salienta justificadamente, por um lado, a existência de uma diminuição geral da produção comunitária no sector da indústria têxtil e do vestuário, por efeito da concorrência de países terceiros, e, por outro lado, uma supressão de 40 %, entre 1975 e 1985, do total dos efectivos neste sector. Assim, as reduções da CBSF devem-se em parte à evolução geral do mercado num sector em que a procura sofreu uma redução considerável. Por outro lado, a CBSF, em vez de se reestruturar, limitou-se a abater equipamento antiquado, anterior à Primeira Guerra Mundial, e a modernizar tardiamente, mediante investimentos de alta tecnologia, instalações de produção a fim de as manter em actividade, sem lhes introduzir verdadeiras alterações que pudessem restabelecer uma competitividade desde há anos perdida. As intervenções financeiras em causa visaram prolongar artificialmente a actividade da CBSF quando esta se encontrava numa situação de falência. Num futuro próximo, não é de esperar que esta empresa funcione em termos viáveis sem novos auxílios, atendendo, designadamente, ao excesso de capacidade existente no sector em causa.

    55

    Para mais, é pacífico que as intervenções financeiras não conduziram, a curto prazo, a CBSF a um nível de competitividade suficiente para se conseguir impor no mercado têxtil internacional.

    56

    Os auxílios concedidos à CBSF infringem igualmente diversas condições de que dependia a aplicação, em 1984, de um regime francês de auxílios à indústria têxtil e do vestuário, sob a forma de redução de encargos sociais. Assim, no que respeita à condição de os auxílios apenas poderem ser concedidos para investimentos e apenas no caso de a empresa poder financiar com recursos próprios pelo menos 50 % do custo dos investimentos, basta referir que elementos constantes dos autos, não contestados, revelam que, até 1986, os auxílios concedidos excederam os investimentos efectuados pela CBSF no sector têxtil.

    57

    Tendo em conta as informações constantes da decisão sobre a situação da indústria têxtil e do vestuário na Comunidade e em França, sobre as trocas intracomunitárias e sobre a pretensa reestruturação da CBSF, há que concluir que a Comissão não excedeu os limites do seu poder de apreciação ao considerar que os auxílios não podiam beneficiar das derrogações previstas no n.o 3 do artigo 92.o do Tratado.

    58

    Em consequência, deve ser considerado improcedente o fundamento baseado na aplicação do artigo 92.o do Tratado.

    E — Fundamento baseado na violação do princípio geral da proporcionalidade

    59

    Segundo o Governo francês, a decisão impugnada viola o princípio geral da proporcionalidade porque, por um lado, não tem em conta os custos de reestruturação suportados pela CBSF nem o facto de que esta teria, sem recuperação, sido declarada falida com pesadas consequências para os credores e para a colectividade e, por outro, porque a recuperação solicitada seria desproporcionada em relação às violações da concorrência.

    60

    Este fundamento não procede. Na verdade, como a Comissão demonstrou na sua decisão, os auxílios concedidos não podem ser considerados como tendo servido de base a uma verdadeira reestruturação da CBSF. A empresa limitou-se a modernizar as instalações de produção, sem nelas introduzir qualquer alteração substancial, substituindo máquinas totalmente obsoletas e adaptando as técnicas e os processos de produção a uma evolução tecnológica ocorrida há anos no resto da indústria têxtil comunitária. Tendo em conta as informações contidas na decisão sobre as reduções de efectivos e de capacidade, a Comissão pôde concluir que os auxílios não eram investimentos de reestruturação e não atender na sua decisão ao custo da pretensa reestruturação.

    61

    Como a Comissão referiu na decisão, em 27 instalações de produção e 4730 pessoas transferidas para sociedades independentes, treze instalações com um efectivo de 3153 trabalhadores, ou seja, 66,66 % do número total dos postos de trabalho transferidos, foram encerradas, tendo cessado aí definitivamente a actividade têxtil. A Comissão considerou ter sido eliminado o auxílio pago para facilitar estas treze transferências. Ao exigir assim, apenas a restituição de 33 % do total dos auxílios, a Comissão respeitou o princípio da proporcionalidade.

    62

    Em consequência, este último fundamento é igualmente improcedente.

    63

    Dado que nenhum dos fundamentos invocados pelo Governo francês foi considerado procedente, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

    Quanto às despesas

    64

    Por força do n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Francesa sido vencida, há que condená-la nas despesas, incluindo as efectuadas pela parte interveniente.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A República Francesa é condenada nas despesas.

     

    Due

    Kakouris

    Schockweiler

    Koopmans

    Mancini

    Grévisse

    Diez de Velasco

    Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, a 14 de Fevereiro de 1990.

    O secretario

    J.-G. Giraud

    O presidente

    O. Due


    ( *1 ) Língua do processo: francés.

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