COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 11.5.2020
COM(2020) 188 final
RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO
relativo à implementação da Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho
1.Introdução
1.1.Contexto
A Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (Diretiva Direitos das Vítimas ou a Diretiva) foi adotada nos termos do artigo 82.º, n.º 2, do TFUE. Estabelece um conjunto de direitos das vítimas da criminalidade e correspondentes obrigações dos Estados-Membros. A Diretiva Direitos das Vítimas é o principal instrumento a nível da UE aplicável a todas as vítimas da criminalidade. É a pedra angular da política de direitos das vítimas da UE.
A UE adotou igualmente vários instrumentos que atendem às necessidades específicas das vítimas de determinados tipos de criminalidade (como as vítimas do terrorismo, as vítimas do tráfico de seres humanos ou as crianças vítimas de exploração sexual). Estes instrumentos complementam e baseiam-se na Diretiva Direitos das Vítimas.
A diretiva é vinculativa para todos os Estados-Membros, com exceção da Dinamarca.
A fim de facilitar a transposição correta e atempada da diretiva pelos Estados‑Membros, a Comissão publicou, em dezembro de 2013, um documento de orientação.
Em 2018, o Parlamento Europeu publicou um relatório sobre a aplicação da diretiva, com base num estudo de 2017. O Parlamento Europeu analisou também a Diretiva Direitos das Vítimas num estudo geral sobre direito processual penal na UE, publicado em 2018. Em 2019, várias partes interessadas publicaram relatórios adicionais sobre a implementação e aplicação da diretiva.
1.2.Objetivo e principais elementos da diretiva
A presente diretiva destina-se a garantir que todas as vítimas da criminalidade beneficiem de informação, apoio e proteção adequados e possam participar no processo penal. De acordo com a diretiva, as vítimas devem ser reconhecidas e tratadas com respeito, tato e profissionalismo e de forma personalizada e não discriminatória por todos os intervenientes que entrem em contacto com elas. Deve ser dada especial atenção às vítimas com necessidades específicas, tendo em vista a sua proteção contra a vitimização secundária, a retaliação e a intimidação. Essas vítimas devem também ter acesso a serviços de apoio especializados. Além disso, a diretiva exige que, no caso de a vítima ser uma criança, o superior interesse da criança deve constituir uma preocupação primordial.
A diretiva é aplicável a todas as vítimas sem discriminação, independentemente do seu estatuto de residência. É aplicável a todos os processos penais que decorram num Estado-Membro da UE, independentemente do momento e do local onde o crime foi cometido.
A diretiva confere às vítimas o direito à informação, o direito de compreender e de serem compreendidas, o direito de acesso ao apoio e à proteção em função das suas necessidades individuais, bem como um conjunto de direitos processuais.
O Tribunal de Justiça da União Europeia interpretou a diretiva por ocasião do processo Gambino e Hyka. Nesse processo, o Tribunal pronunciou-se sobre os riscos de pôr em causa os direitos das vítimas à proteção e de receber uma indemnização num prazo razoável (respetivamente, artigos 18.º e 16.º da diretiva), na sequência de audições adicionais que podem ser realizadas nos termos da legislação italiana a pedido do arguido, caso a composição do tribunal se tenha alterado. O Tribunal clarificou que a legislação nacional que permite ao requerido pedir que sejam novamente ouvidas testemunhas em tais circunstâncias é compatível com as disposições pertinentes da diretiva.
1.3.Objetivo e âmbito do relatório
Tal como estabelecido no artigo 29.º da diretiva, o presente relatório avalia em que medida os Estados-Membros tomaram as medidas necessárias para dar cumprimento à diretiva. A Diretiva Direitos das Vítimas exige não apenas a transposição para a legislação nacional. Exige também que os Estados-Membros tomem medidas não legislativas, como a criação de serviços de apoio gerais e especializados e que garantam que os profissionais e outras pessoas que entrem em contacto com as vítimas recebam formação especifica sobre os direitos e as necessidades das vítimas. A avaliação baseia-se na análise das medidas nacionais de transposição da diretiva que foram notificadas à Comissão e nos dados adicionais comunicados à Comissão por força do artigo 28.º da diretiva.
O presente relatório centra-se nas principais disposições da diretiva que estão agrupadas nos seguintes grupos: 1) Âmbito de aplicação e definições; 2) Acesso à informação; 3) Direitos processuais; 4) Acesso a serviços de apoio; 5) Justiça restaurativa; e, 6) Direito a proteção.
O relatório avalia a situação em todos os Estados-Membros vinculados pela diretiva.
2.Avaliação geral
Nos termos do artigo 27.º, os Estados-Membros tinham de transpor o disposto na diretiva para as suas ordens jurídicas nacionais até 16 de novembro de 2015. Em janeiro de 2016, a Comissão deu início a processos de infração contra 16 Estados‑Membros que não tinham comunicado as suas medidas de transposição até essa data.
Até à data de publicação do presente relatório, a maioria dos Estados-Membros não tinha transposto completamente a Diretiva Direitos das Vítimas, estando em curso processos de infração contra esses países.
3.Pontos de apreciação específicos
3.1.Âmbito de aplicação e definições (artigo 2.º)
A Diretiva Direitos das Vítimas prevê normas mínimas em matéria de direitos das vítimas. Os Estados-Membros podem e são incentivados a ir além destas normas mínimas.
O artigo 2.º da diretiva estabelece as definições de «vítima», «familiares», «criança» e «justiça restaurativa».
É particularmente importante transpor corretamente a definição de vítima (que inclui os familiares de uma pessoa falecida na sequência de um crime). Define o âmbito de aplicação dos direitos das pessoas previstos na diretiva.
Verificou-se que vários Estados-Membros não transpuseram corretamente a definição de «vítima». Alguns Estados-Membros não integraram esta definição na sua legislação nacional, enquanto outros omitiram precisar que os familiares de uma vítima falecida eram considerados como vítimas, limitando assim os direitos desses familiares.
Os «familiares» de uma vítima que não tenha falecido em consequência de um crime também têm direitos ao abrigo da diretiva, em especial o direito de apoio e proteção. A transposição incompleta desta definição foi também verificada em alguns Estados‑Membros.
A correta transposição das definições «criança» e «justiça restaurativa» é também importante, na medida em que determinam os direitos concretos das pessoas. Verificou-se que alguns Estados-Membros não tinham transposto corretamente essas definições.
3.2.Acesso à informação (artigos 3.º a 7.º)
A Diretiva Direitos das Vítimas estabelece disposições gerais sobre o direito de acesso à informação. Inclui o direito de compreender e de ser compreendido (artigo 3.º), o direito de receber informações sobre os direitos das vítimas (artigo 4.º), o direito de ser informado quando é apresentada uma denúncia e de receber informações sobre o processo (artigos 5.º e 6.º) e o direito a interpretação e a tradução (artigo 7.º).
O artigo 3.º exige que os Estados-Membros tomem medidas adequadas para assegurar uma comunicação eficaz com as vítimas. Essa comunicação deve ser feita numa linguagem simples e deve ter em conta as características pessoais da vítima, nomeadamente qualquer deficiência.
A Comissão considerou que a aplicação do direito de compreender e de ser compreendido era problemática em vários Estados-Membros. Um pequeno número de Estados-Membros não transpuseram nomeadamente a obrigação de assistir de forma proativa as vítimas quando se comunica com elas (artigo 3.º). Vários Estados‑Membros não asseguraram que a comunicação é efetuada numa linguagem simples e tendo em conta as características pessoais da vítima (artigo 3.º, n.º 2).
O artigo 4.º exige que as vítimas recebam, sem atrasos injustificados, um conjunto de informações a partir do seu primeiro contacto com as autoridades competentes. A transposição da disposição tem sido problemática para alguns Estados-Membros, em especial no que se refere ao requisito de as informações serem prestadas a partir do primeiro contacto com as autoridades competentes. Além disso, a Comissão constatou algumas questões relacionadas com a aplicação prática desta disposição. A aplicação efetiva da obrigação prevista no artigo 4.º exige que as autoridades competentes recebam formação adequada sobre como e quando informar as vítimas sobre os seus direitos.
Nos termos do artigo 5.º, as vítimas têm o direito de receber uma confirmação por escrito da receção da denúncia formal e de efetuar essa denúncia numa língua que compreendam. Foram identificadas deficiências na transposição deste artigo em vários Estados-Membros. Um Estado-Membro não transpôs o requisito que prevê a possibilidade de as vítimas receberem a assistência linguística necessária para efetuar a denúncia (artigo 5.º, n.º 2). Alguns Estados-Membros não transpuseram o requisito de tradução da confirmação por escrito da sua denúncia (artigo 5.º, n.º 3). Um reduzido número de Estados-Membros limitaram a aplicação desta disposição às vítimas de crimes específicos ou subordinaram-na a um pedido realizado pelas vítimas.
Nos termos do artigo 6.º, as vítimas têm o direito de receber informações sobre o seu caso durante o processo penal. Esta disposição visa assegurar que as vítimas possam participar no processo e ser informadas dos eventuais riscos para a sua segurança quando, por exemplo, o autor da infração for libertado ou fugir. Foram identificados problemas de conformidade num grande número de Estados-Membros. Num número reduzido desses Estados-Membros, faltava uma exigência clara de notificar as vítimas do seu direito de solicitar informações sobre a decisão de não prosseguir o processo. Dois Estados-Membros não transpuseram a exigência de prestar essas informações quando a vítima o solicitar. Num pequeno número de Estados-Membros, as vítimas não são notificadas da natureza da acusação deduzida contra o autor do crime (artigo 6.º, n.º 1). Alguns Estados-Membros não cumprem o requisito de informar as vítimas sobre o andamento do processo penal. Alguns destes Estados-Membros não o transpuseram e os outros Estados-Membros não asseguram a prestação dessas informações ao longo de todo o processo.
Dois Estados-Membros não transpuseram o artigo 6.º, n.º 3, da diretiva. As autoridades competentes desses Estados-Membros não informam a vítima sobre a fundamentação da decisão em causa ou um resumo dessa fundamentação.
A transposição da obrigação de notificação das vítimas sobre a libertação ou a evasão do autor do crime (artigo 6.º, n.º 5) suscita preocupação em vários Estados-Membros. A maioria destes Estados-Membros não transpôs a obrigação de as vítimas serem informadas «sem atrasos desnecessários» sobre esta questão. Além disso, alguns Estados-Membros não transpuseram a obrigação de informar as vítimas sobre as medidas de proteção em caso de libertação ou evasão do autor do crime.
O direito a interpretação e a tradução para as vítimas que não falam a língua do processo é definido no artigo 7.º. Este direito deve ser conferido gratuitamente às vítimas e a seu pedido.
Foram detetadas lacunas na transposição do artigo 7.º na maioria dos Estados‑Membros. Num Estado-Membro, a transposição está incompleta, uma vez que apenas prevê a interpretação durante o processo judicial (artigo 7.º, n.º 1). Constataram-se em vários Estados-Membros problemas de conformidade ligados à não transposição do artigo 7.º, n.º 2, respeitantes ao recurso à videoconferência. A exigência de fornecer às vítimas a tradução de informações essenciais para o exercício dos seus direitos não foi corretamente transposta em alguns Estados-Membros (artigo 7,º n.º 3). Estas lacunas prendem-se sobretudo com a ausência de tradução dos motivos da decisão pertinente.
Um pequeno número de Estados-Membros não transpôs o direito das vítimas a apresentar um pedido fundamentado para que um documento seja considerado essencial (artigo 7.º, n.º 5). Foram encontrados em vários Estados-Membros questões relativas à transposição do artigo 7.º, n.º 7, relativas à avaliação, pelas autoridades competentes, da necessidade de interpretação e tradução das vítimas. A maioria não transpôs este requisito. Além disso, alguns Estados-Membros não preveem a possibilidade de contestar a decisão de não fornecer a interpretação ou a tradução.
3.3.Direitos processuais (artigos 10.º, 11.º, 13.º, 16.º e 17.º)
Várias disposições da Diretiva Direitos das Vítimas relacionadas com os direitos processuais referem-se ao papel que as vítimas desempenham no sistema de justiça penal de um determinado Estado-Membro. Este papel varia consoante os Estados‑Membros. Assim, o âmbito exato dos direitos processuais das vítimas difere de um Estado-Membro para outro.
O artigo 10.º da diretiva visa assegurar que todas as vítimas tenham a oportunidade de prestar informações, pontos de vista ou elementos de prova durante todo o processo penal. As regras processuais aplicáveis são deixadas ao critério do direito nacional. Foram identificados problemas de conformidade num pequeno número de Estados-Membros. Tais problemas dizem principalmente respeito à falta de garantias necessárias para as audições das crianças vítimas (artigo 10.º, n.º 1).
O artigo 11.º estabelece os direitos das vítimas em caso de decisão de não deduzir acusação. Um pequeno número de Estados-Membros não transpôs completamente esta disposição. Por exemplo, alguns Estados-Membros não proporcionam informações suficientes para as vítimas que lhes permitam decidir se solicitam ou não o reexame de uma decisão de não deduzir acusação (artigo 11.º, n.º 3).
O artigo 13.º relativo ao acesso ao apoio judiciário foi integralmente transposto pela maioria dos Estados-Membros. Deve observar-se, contudo, que esta disposição remete para a legislação nacional no que diz respeito à determinação das condições ou regras processuais ao abrigo das quais as vítimas têm acesso a apoio judiciário. Consequentemente, esta disposição não harmoniza as condições com base nas quais as vítimas têm acesso a apoio judiciário.
O artigo 16.º da diretiva prevê um direito a uma decisão de indemnização pelo autor do crime durante o processo penal. Todos os Estados-Membros, com exceção de um, transpuseram este requisito. Os Estados-Membros são igualmente obrigados a promover medidas para incentivar os autores do crime a indemnizarem adequadamente as vítimas (artigo 16.º, n.º 2). A maioria dos Estados-Membros transpuseram este requisito.
O artigo 17.º, n.º 1, exige que os Estados-Membros atenuem as dificuldades com que as vítimas residentes num Estado-Membro diferente daquele em o crime foi cometido se veem confrontadas. Um número reduzido de Estados-Membros não transpôs este requisito.
Foram igualmente identificadas lacunas no que se refere ao facto de assegurar que a denúncia é transmitida sem demora ao Estado em que o crime foi cometido (artigo 17.º, n.º 3). Vários Estados-Membros não previram disposições para o efeito.
3.4.Acesso das vítimas aos serviços de apoio (artigos 8.º e 9.º)
O objetivo dos artigos 8.º e 9.º é o de assegurar que as vítimas tenham acesso a serviços de apoio gerais e especializados de acordo com as suas necessidades. Os serviços devem ser confidenciais, gratuitos e agir no interesse das vítimas antes, durante e, por um período adequado, após o processo penal. Os familiares têm acesso a serviços de apoio em função das suas necessidades e da gravidade dos danos sofridos.
Vários Estados-Membros não transpuseram integralmente o artigo 8.º, n.º 1, relativo ao direito de acesso a serviços gerais de apoio. Muitos Estados-Membros limitam o acesso a esses serviços às vítimas de violência doméstica ou às vítimas de tráfico de seres humanos. Na prática, porém, as vítimas de violência doméstica não recebem apoio e proteção eficazes em vários Estados-Membros. Além disso, nem todos os Estados-Membros conferem o direito a serviços de apoio aos familiares das vítimas.
Vários Estados-Membros não transpuseram a obrigação de as autoridades competentes encaminharem as vítimas para serviços de apoio (artigo 8.º, n.º 2). Nesses Estados-Membros, as vítimas ou não são encaminhadas para serviços de apoio ou são encaminhadas apenas certas categorias de vítimas (por exemplo, vítimas de violência doméstica). Foram detetados problemas de transposição semelhantes em relação ao artigo 8.º, n.º 3, que exige que os Estados-Membros estabeleçam serviços gratuitos e confidenciais de apoio especializado. Um certo número de Estados‑Membros não transpôs completamente esta disposição ou transpôs a mesma de forma incompleta. Por exemplo, alguns Estados-Membros prestam tais serviços apenas às vítimas de violência doméstica ou às crianças vítimas.
Foram identificadas em alguns Estados-Membros questões relacionadas com a transposição da obrigação de que o acesso a serviços de apoio às vítimas não esteja subordinado à apresentação de uma denúncia formal (artigo 8.º, n.º 5). Por exemplo, num Estado-Membro só as vítimas de violência doméstica têm acesso a serviços de apoio sem ter denunciado um crime à polícia.
O artigo 9.º, n.º 1, enumera os serviços mínimos que devem ser prestados pelos serviços de apoio às vítimas. Um número reduzido de Estados-Membros não transpôs esta disposição na sua legislação. Não obstante, a Comissão identificou medidas não legislativas de aplicação desta disposição.
No que se refere ao acesso a abrigos ou outro tipo de alojamento provisório adequado destinado às vítimas que necessitam de um lugar seguro e ao apoio personalizado às vítimas com necessidades específicas (artigo 9.º, n.º 3), a Comissão encontrou problemas de aplicação em vários Estados-Membros, incluindo, nomeadamente, problemas de aplicação prática, como a disponibilidade de abrigos para as vítimas de determinados tipos de crime e um número insuficiente de abrigos.
3.5.Justiça restaurativa (artigo 12.º)
Este artigo visa assegurar que, caso um Estado-Membro preveja serviços de justiça restaurativa, sejam criadas as garantias necessárias para que as vítimas possam evitar uma nova vitimização.
A diretiva não obriga os Estados-Membros a introduzir esses serviços. Vinte e quatro Estados-Membros prestam serviços de justiça restaurativa. A avaliação a seguir apresentada só é relevante para os referidos Estados-Membros.
Um grande número destes Estados-Membros não transpôs completamente uma ou mais das condições mínimas para a justiça restaurativa definidas no artigo 12.º, n.º 1. A ausência da obrigação de que a participação da vítima no processo seja baseada no seu consentimento «informado» ou a ausência da garantia que a vítima seja informada dos resultados potenciais do processo são exemplos de transposição incompleta ou incorreta.
No que se refere à obrigação de facilitar o envio dos processos aos serviços de justiça restaurativa (artigo 12.º, n.º 2), alguns Estados-Membros não estabeleceram medidas específicas.
3.6.Direito das vítimas a proteção (artigos 18.º a 24.º)
Os artigos 18.º a 24.º visam assegurar a proteção das vítimas, incluindo o reconhecimento das vítimas com necessidades de proteção específicas.
O artigo 18.º estabelece que os Estados-Membros devem assegurar a aplicação de uma vasta gama de medidas para proteger as vítimas e os seus familiares contra a vitimização secundária e repetida, a intimidação e a retaliação. Este artigo estabelece igualmente que os Estados-Membros devem proteger as vítimas e os seus familiares de danos físicos, emocionais ou psicológicos. O artigo 18.º é aplicável a todas as vítimas e a todos os seus familiares. Foram identificados problemas de conformidade em menos de metade dos Estados-Membros, principalmente devido à ausência de medidas específicas destinadas a proteger os familiares. Em alguns Estados-Membros, as medidas pertinentes não estão disponíveis para todas as vítimas ou as medidas disponíveis não incluem a proteção contra os riscos de danos emocionais ou psicológicos.
A diretiva exige que os contactos entre as vítimas e o autor do crime sejam evitados e que todas as novas instalações dos tribunais designem zonas de espera separadas para as vítimas (artigo 19.º). Foram detetadas lacunas na transposição desta disposição em mais de metade dos Estados-Membros, embora alguns Estados‑Membros cumpram este requisito com medidas práticas não legislativas.
O artigo 20.º visa evitar a vitimização secundária das vítimas durante as investigações penais. Mais de metade dos Estados-Membros limitou o âmbito de aplicação deste artigo ou não o transpôs de todo. Assim, por exemplo, vários Estados-Membros não transpuseram o requisito de que os exames médicos das vítimas sejam reduzidos ao mínimo. Em alguns Estados-Membros, a obrigação de limitar ao mínimo as inquirições está disponível apenas para vítimas específicas (crianças vítimas ou vítimas com necessidades de proteção específicas).
O artigo 21.º visa garantir o direito à proteção da vida privada das vítimas. Dois Estados-Membros não transpuseram esta disposição e menos de metade apenas a transpuseram parcialmente.
O artigo 22.º é particularmente importante, uma vez que estabelece que todas as vítimas têm direito a uma avaliação individual das suas necessidades de proteção. Tem por objetivo avaliar se as vítimas têm uma particular vulnerabilidade à vitimização secundária e repetida, à intimidação e à retaliação e a protegê-las de acordo com as suas necessidades individuais.
Em vários Estados-Membros, a obrigação de introduzir esta avaliação não é implementada ou é apenas parcialmente implementada. Esta lacuna de transposição afeta ao cumprimento geral das disposições relativas às medidas de proteção específicas previstas nos artigos 23.º e 24.º que se baseiam na avaliação individual.
Além disso, menos de metade dos Estados-Membros não transpuseram ou transpuseram apenas parcialmente o artigo 22.º, n.º 3. Esta disposição enumera as situações merecedoras de especial atenção na avaliação da vulnerabilidade das vítimas. Por exemplo, em alguns Estados-Membros, o processo de avaliação individual não tem em conta o facto de um crime ter sido cometido por motivos de preconceito ou discriminação.
Alguns outros Estados-Membros não transpuseram completamente o disposto no artigo 22.º, n.º 4, segundo o qual as crianças têm sempre necessidades específicas de proteção. Por exemplo, num desses Estados-Membros a lei limita a presunção das referidas necessidades apenas às crianças vítimas de certas categorias de infrações.
O artigo 23.º estabelece medidas de proteção específicas para as vítimas cujas necessidades de proteção especiais foram identificadas através de uma avaliação individual. Essas medidas de proteção devem ser disponibilizadas às vítimas durante as investigações penais e os processos judiciais.
Vários Estados-Membros não cumprem este requisito, uma vez que não transpuseram uma ou mais das medidas previstas ou transpuseram-nas de forma incompleta. Esta transposição incompleta decorre, por exemplo, da limitação da disponibilidade de proteção especial às crianças ou às vítimas de violência sexual. Como outro exemplo, em vários Estados-Membros as tecnologias de comunicação não são utilizadas de forma eficaz durante os processos judiciais como meio de evitar o contacto entre as vítimas e os autores do crime.
O artigo 24.º estabelece medidas de proteção especiais que devem ser disponibilizadas às crianças vítimas. Foram identificados questões e problemas de conformidade com a aplicação prática destas medidas em alguns Estados-Membros. Por exemplo, as disposições relativas ao registo de inquirições são limitadas às crianças vítimas de determinados tipos de crimes (artigo 24.º, n.º 1).
O artigo 24.º, n.º 2, exige que, se a idade de uma pessoa for incerta e existirem motivos para crer que a vítima é menor, deve presumir-se que essa pessoa é menor. Alguns Estados-Membros não transpuseram esta disposição, embora alguns garantam a sua aplicação através de medidas não legislativas. A transposição parece ser problemática noutros Estados-Membros. Por exemplo, alguns apenas aplicam esta presunção às vítimas dos crimes mais graves, como o tráfico de seres humanos ou o abuso sexual.
4.Recolha de dados
A diretiva exige que os Estados-Membros comuniquem à Comissão, até 16 de novembro de 2017 e posteriormente com uma periodicidade de 3 anos, os dados disponíveis que mostrem de que forma as vítimas tiveram acesso aos direitos previstos na presente diretiva (artigo 28.º). Os dados devem incluir, pelo menos, o número e o tipo de crimes denunciados e, na medida em que tais dados sejam conhecidos e estejam disponíveis, o número, a idade e o género das vítimas (considerando 64).
Apenas quatro Estados-Membros forneceram os dados estatísticos pertinentes até 16 de novembro de 2017. Em 15 de novembro de 2017, a Comissão enviou um questionário aos Estados-Membros, solicitando o envio das informações supramencionadas relativas ao ano de 2016, até 16 de janeiro de 2018. Vinte Estados‑Membros responderam ao questionário, mas a maioria respondeu apenas a algumas perguntas.
De acordo com as estatísticas relativas a 2016, fornecidas por 18 Estados-Membros, foi comunicado à polícia um total de 26 304 808 crimes. Os crimes mais denunciados incluem os crimes de furto e os danos materiais causados por crimes.
As estatísticas apresentadas por 18 Estados-Membros mostram que 11 120 123 pessoas denunciaram um crime em 2016. Os dados disponíveis mostram que cerca de 40 % das vítimas de crimes denunciados são mulheres. A França regista uma percentagem particularmente elevada de mulheres vítimas de crimes denunciados (62 %). Em todos os Estados-Membros que responderam ao questionário, menos de 10 % das vítimas de crimes denunciados são crianças.
5.Conclusão
A Diretiva Direitos das Vítimas de 2012 é o principal instrumento da política da UE em matéria de direitos das vítimas. Esta diretiva prevê regras ambiciosas suscetíveis de melhorar a situação das vítimas na União Europeia. Esta avaliação mostra, contudo, que ainda não se alcançou todo o potencial da diretiva. A implementação da diretiva não é satisfatória. Tal deve-se, em especial, a uma transposição incompleta e/ou incorreta.
O presente relatório levanta igualmente inúmeras preocupações quanto à aplicação prática da diretiva. Na maioria dos Estados-Membros, foram detetadas lacunas na implementação de algumas disposições fundamentais da diretiva, como o acesso à informação, os serviços de apoio e a proteção em função das necessidades individuais das vítimas. Afigura-se que as disposições relativas aos direitos processuais e à justiça restaurativa são menos problemáticas.
A Comissão está a trabalhar em estreita colaboração com os Estados-Membros para superar as dificuldades identificadas. Além disso, a Comissão promove a correta implementação da diretiva através de apoio financeiro
. Por exemplo, a Rede Europeia dos Direitos das Vítimas
, criada através de uma subvenção da UE, proporciona um fórum de peritos nacionais que procedem ao intercâmbio de boas práticas e debatem a implementação correta da diretiva.
Existem processos de infração em curso contra a maioria dos Estados-Membros por transposição incompleta. Se necessário, a Comissão dará início a novos processos de infração por transposição incorreta e/ou aplicação prática incorreta.