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Document 62024CJ0202

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 29 de julho de 2024.
MA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supreme Court.
Reenvio prejudicial — Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro — Entrega de uma pessoa ao Reino Unido para efeitos de procedimento penal — Competência da autoridade judiciária de execução — Risco de violação de um direito fundamental — Artigo 49.°, n.° 1, e artigo 52.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio da legalidade dos delitos e das penas — Alteração, desfavorável para aquela pessoa, do regime da liberdade condicional.
Processo C-202/24.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:649

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de julho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro — Entrega de uma pessoa ao Reino Unido para efeitos de procedimento penal — Competência da autoridade judiciária de execução — Risco de violação de um direito fundamental — Artigo 49.o, n.o 1, e artigo 52.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Princípio da legalidade dos delitos e das penas — Alteração, desfavorável para aquela pessoa, do regime da liberdade condicional»

No processo C‑202/24 [Alchaster] ( i ),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda), por Decisão de 7 de março de 2024, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de março de 2024, no âmbito do procedimento relativo à execução de mandados de detenção emitidos contra

MA,

sendo interveniente:

Minister for Justice and Equality,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, T. von Danwitz, F. Biltgen e Z. Csehi, presidentes de secção, S. Rodin, A. Kumin, N. Jääskinen, M. L. Arastey Sahún e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: Maciej Szpunar,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de junho de 2024,

considerando as observações apresentadas:

em representação do Minister for Justice and Equality e da Irlanda, por M. Browne, Chief State Solicitor, D. Curley, S. Finnegan e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por J. Fitzgerald, SC, e A. Hanrahan, BL,

em representação de MA, por S. Brittain, BL, M. Lynam, SC, C. Mulholland, solicitor, e R. Munro, SC,

em representação do Governo Húngaro, por Z. Biró‑Tóth e M. Z. Fehér, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Fuller, na qualidade de agente, assistido por V. Ailes e J. Pobjoy, barristers, e por J. Eadie, KC,

em representação da Comissão Europeia, par H. Leupold, F. Ronkes Agerbeek e J. Vondung, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de junho de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro (JO 2021, L 149, p. 10, a seguir «ACC»), lido em conjugação com o artigo 49.o, n.o 1, e com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito da execução, na Irlanda, de quatro mandados de detenção europeus emitidos pelas autoridades judiciárias do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte contra MA para efeitos de procedimento penal.

Quadro jurídico

Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais

3

O artigo 7.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê:

«Ninguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infração, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida.»

Direito da União

Decisão‑Quadro 2002/584/JAI

4

O considerando 6 da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1) enuncia:

«O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.»

5

O artigo 1.o, n.o 1, desta decisão‑quadro dispõe:

«O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.»

Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica

6

O artigo 126.o do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7) dispõe:

«É estabelecido um período de transição ou de execução, com início na data de entrada em vigor do presente Acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.»

ACC

7

O considerando 23 do ACC tem a seguinte redação:

«CONSIDERANDO que a cooperação entre o Reino Unido e a União [Europeia] em matéria de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais e de execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e prevenção de ameaças à segurança pública, permitirá reforçar a segurança do Reino Unido e da União.»

8

O artigo 1.o do ACC prevê:

«O presente Acordo estabelece a base para uma relação global entre as Partes, num espaço de prosperidade e boa vizinhança, caracterizado por relações estreitas e pacíficas baseadas na cooperação e no respeito pela autonomia e pela soberania das Partes.»

9

O artigo 3.o, n.o 1, do ACC tem a seguinte redação:

«As Partes respeitam‑se e, de boa‑fé, assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes do presente Acordo e de qualquer acordo complementar.»

10

O artigo 522.o, n.o 1, do ACC dispõe:

«O objetivo da presente parte é estabelecer a cooperação das autoridades policiais e judiciárias entre, por um lado, os Estados‑Membros e as instituições, órgãos, organismos e agências da União e, por outro, o Reino Unido em matéria de prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais e de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.»

11

O artigo 524.o do ACC clarifica:

«1.   A cooperação prevista na presente parte baseia‑se no respeito de longa data pelas Partes e pelos Estados‑Membros pela democracia, do Estado de direito e da defesa dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas, incluindo os consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos[, adotada pela Assembleia‑Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948,], e na [CEDH], bem como na importância de aplicar internamente os direitos e liberdades consagrados nessa Convenção.

2.   Nenhuma disposição da presente parte pode ter por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos consagrados, nomeadamente, na [CEDH] e, no caso da União e dos Estados‑Membros, na [Carta].»

12

O artigo 596.o do ACC dispõe:

«O objetivo do presente capítulo é assegurar que o regime de extradição entre, por um lado, os Estados‑Membros e, por outro, o Reino Unido se baseie num mecanismo de entrega por força de um mandado de detenção nos termos do presente título.»

13

O artigo 599.o, n.o 3, do ACC tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo do artigo 600.o, do artigo 601.o, n.o 1, alíneas b) a h), e dos artigos 602.o, 603.o e 604.o, nenhum Estado recusa a execução de um mandado de detenção emitido relativamente à conduta a seguir descrita, sempre que tal conduta seja punível com pena privativa de liberdade ou uma ordem de detenção de duração máxima de pelo menos 12 meses:

a)

A conduta de uma pessoa que contribua para a prática, por um grupo de pessoas que atue com objetivos comuns, de uma ou mais infrações no domínio do terrorismo referidas nos artigos 1.o e 2.o da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, celebrada em Estrasburgo em 27 de janeiro de 1977 […]; ou

b)

O terrorismo, tal como definido no anexo 45.»

14

Os artigos 600.o e 601.o do ACC enumeram respetivamente os motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção e os outros motivos de não execução do mandado de detenção.

15

O artigo 602.o, n.os 1 e 2, do ACC dispõe:

«1.   A execução não pode ser recusada pelo facto de a infração poder ser considerada pelo Estado de execução como infração política, infração relacionada com infração política ou infração inspirada em motivos políticos.

2.   Contudo, o Reino Unido e a União, em nome de qualquer dos seus Estados‑Membros, podem, cada um, notificar o Comité Especializado da Cooperação Policial e Judiciária de que o n.o 1 apenas será aplicado em relação:

a)

Às infrações referidas nos artigos 1.o e 2.o da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo;

b)

Aos crimes de conspiração ou associação para cometer um ou mais dos crimes referidos nos artigos 1.o e 2.o da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, se esses crimes de conspiração ou associação corresponderem à descrição da conduta referida no artigo 599.o, n.o 3, do presente Acordo;

c)

Ao terrorismo, tal como definido no anexo 45 do presente Acordo.»

16

O artigo 603.o, n.os 1 e 2, do ACC prevê:

«1.   A execução não pode ser recusada pelo facto de a pessoa procurada ser nacional do Estado de execução.

2.   O Reino Unido e a União, em nome de qualquer dos Estados‑Membros podem, cada um, notificar o Comité Especializado da Cooperação Policial e Judiciária de que os seus nacionais não serão entregues ou de que a entrega só será autorizada em determinadas condições específicas. A notificação deve assentar em motivos relacionados com os princípios fundamentais ou a prática da ordem jurídica interna do Reino Unido ou do Estado em nome do qual a notificação foi efetuada. Nesse caso, a União, em nome de qualquer dos Estados‑Membros, ou o Reino Unido, podem notificar o Comité Especializado da Cooperação Policial e Judiciária, num prazo razoável a contar da receção da notificação da outra Parte, de que as autoridades judiciárias de execução do Estado‑Membro ou do Reino Unido, consoante o caso, podem recusar a entrega de nacionais seus a esse Estado, ou de que a entrega só será autorizada em determinadas condições específicas.»

17

O artigo 604.o, alínea c), do ACC dispõe:

«A execução do mandado de detenção pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita às seguintes condições:

[…]

c)

Se houver motivos substanciais para crer que existe um risco real para a defesa dos direitos fundamentais da pessoa procurada, a autoridade judiciária de execução pode exigir, se for caso disso, garantias adicionais quanto ao tratamento da pessoa procurada após a sua entrega, antes de decidir se executa o mandado de detenção.»

18

O artigo 613.o, n.o 2, do ACC clarifica:

«Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, especialmente as que digam respeito ao artigo 597.o, aos artigos 600.o a 602.o, ao artigo 604.o e ao artigo 606.o, podendo fixar um prazo para a sua receção […]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

19

Um District Judge (juiz) dos Magistrates’ Courts of Northern Ireland (Tribunal de Primeira Instância da Irlanda do Norte, Reino Unido) emitiu quatro mandados de detenção contra MA a título de infrações consideradas atos de terrorismo praticadas entre 18 e 20 de julho de 2020, sendo algumas destas infrações puníveis com pena de prisão perpétua.

20

Por Decisão de 24 de outubro de 2022, bem como através de despachos proferidos no mesmo dia e em 7 de novembro de 2022, a High Court (Tribunal Superior, Irlanda) decretou a entrega de MA ao Reino Unido e não o autorizou a interpor recurso na Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda).

21

Por Decisão de 17 de janeiro de 2023, a Supreme Court (Tribunal Supremo, Irlanda), que é o órgão jurisdicional de reenvio, autorizou MA a interpor recurso da decisão e dos despachos da High Court (Tribunal Superior).

22

MA alega, no órgão jurisdicional de reenvio, que a sua entrega ao Reino Unido é incompatível com o princípio da legalidade dos delitos e das penas.

23

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio nota que o ACC prevê um mecanismo de entrega aplicável entre o Reino Unido e os Estados‑Membros. À luz da identidade existente entre este mecanismo e o mecanismo que foi instituído pela Decisão‑Quadro 2002/584, bem como da legislação irlandesa que transpôs esta Decisão‑Quadro e o ACC, o órgão jurisdicional de reenvio considera, em aplicação desta legislação irlandesa e da referida Decisão‑Quadro, que o Reino Unido deve ser tratado como se fosse um Estado‑Membro.

24

O referido órgão jurisdicional esclarece que, em caso de entrega de MA ao Reino Unido e da sua condenação a uma pena de prisão, a eventual liberdade condicional de que MA poderá beneficiar será regulada por uma legislação do Reino Unido que foi adotada depois de terem sido cometidas as presumíveis infrações a título das quais foi constituído arguido.

25

Com efeito, o regime que permite beneficiar da liberdade condicional na Irlanda do Norte (Reino Unido) foi alterado a partir de 30 de abril de 2021. Antes desta alteração, uma pessoa condenada pela prática de determinadas infrações consideradas atos de terrorismo podia beneficiar automaticamente da liberdade condicional depois de ter cumprido metade da sua pena. Em aplicação do regime que passou a estar em vigor a partir desta data, a liberdade condicional de tal pessoa passou a ter de ser aprovada por uma autoridade especializada e só pode ocorrer depois de essa pessoa ter cumprido dois terços da sua pena.

26

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio expõe que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos afastou o argumento segundo o qual alterações retroativas introduzidas a sistemas de redução de penas ou de colocação antecipada em liberdade constituem uma violação do artigo 7.o da CEDH. Contudo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou, no Acórdão de 21 de outubro de 2013, Del Río Prada c. Espanha (CE:ECHR:2013:1021JUD004275009), que medidas adotadas durante a execução de uma pena podem afetar o âmbito desta. É assim essencial, para que o órgão jurisdicional de reenvio se pronuncie no litígio do processo, que se determine se este acórdão constitui uma alteração da anterior jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

27

Num Acórdão de 19 de abril de 2023, a Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) declarou que a aplicação do novo regime de liberdade condicional, a partir de 30 de abril de 2021, a infrações cometidas antes da sua entrada em vigor não é incompatível com o artigo 7.o da CEDH porquanto este regime só altera as modalidades de execução das penas privativas de liberdade das pessoas em causa, não aumentando a duração daquelas penas.

28

Neste contexto, à luz, nomeadamente, das garantidas oferecidas pelo sistema judicial do Reino Unido no que se refere à aplicação da CEDH, à não demonstração de que existe uma falha sistémica que deixe pressupor que existirá uma violação provável e flagrante dos direitos garantidos pela CEDH em caso de entrega de MA, bem como no que se refere à possibilidade de MA poder intentar uma ação no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o órgão jurisdicional de reenvio afastou a argumentação de MA relativa a um risco de violação do artigo 7.o da CEDH.

29

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se é possível chegar a uma conclusão semelhante no que se refere a um risco de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta.

30

Este órgão jurisdicional de reenvio salienta, a este respeito, que, uma vez que o artigo 49.o, n.o 1, da Carta corresponde ao artigo 7.o, n.o 1, da CEDH, deve em princípio ser reconhecido a estas duas disposições o mesmo âmbito, em conformidade com o disposto no artigo 52.o, n.o 3, da Carta. Pode assim considerar‑se a possibilidade de se recorrer ao raciocínio adotado relativamente ao artigo 7.o, n.o 1, da CEDH, sem proceder a verificações adicionais.

31

No entanto, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre o impacto do artigo 49.o da Carta no que respeita a uma alteração das disposições nacionais relativas à liberdade condicional.

32

Além disso, uma vez que o Estado de execução tem de entregar a pessoa procurada, há que avaliar se este Estado é competente para se pronunciar sobre uma argumentação relativa à incompatibilidade com o artigo 49.o, n.o 1, da Carta de disposições em matéria de penas que podem ser aplicadas no Estado de emissão, embora este não esteja obrigado a respeitar a Carta e o Tribunal de Justiça tenha imposto exigências elevadas no que se refere à tomada em consideração de um risco de violação dos direitos fundamentais no Estado‑Membro de emissão.

33

O órgão jurisdicional de reenvio considera, por conseguinte, que tem obrigação de perguntar ao Tribunal de Justiça quais os critérios que a autoridade judiciária de execução tem de aplicar para apreciar a eventual existência de um risco de violação do princípio da legalidade das penas em circunstâncias nas quais a entrega não está excluída pela Constituição nacional nem pela CEDH.

34

Nestas condições, a Supreme Court (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Considerando que, em conformidade com o [ACC] é solicitada a entrega de uma pessoa para efeitos de um procedimento penal pela prática de crimes terroristas e a pessoa em causa se opõe a tal entrega, alegando que a mesma constituiria uma violação do artigo 7.o da [CEDH] e do artigo 49.o, n.o 1, da [Carta], com base no facto de ter sido introduzida uma medida legislativa que altera a proporção da pena que teria de ser cumprida num estabelecimento prisional e as condições de concessão de liberdade condicional, a qual foi adotada após a data da alegada prática do crime a que diz respeito o pedido de entrega e, tendo em conta as seguintes considerações:

i)

o Estado requerente (neste caso, o Reino Unido) é parte na CEDH e dá‑lhe aplicação no seu direito interno […];

ii)

a aplicação das medidas em questão aos reclusos que já se encontram a cumprir uma pena imposta por um órgão jurisdicional foi considerada compatível com a CEDH pelos órgãos jurisdicionais do Reino Unido […];

iii)

qualquer pessoa, incluindo a pessoa em causa, caso seja entregue, continua a poder apresentar uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos;

iv)

nada indica que o Estado requerente não daria cumprimento a uma decisão do [Tribunal Europeu dos Direitos Humanos];

v)

por conseguinte, [a Supreme Court (Supremo Tribunal)] entende que não foi provado que a entrega comporta um risco real de violação do artigo 7.o da CEDH ou da Constituição [nacional];

vi)

não foi preconizado que o artigo 19.o da Carta obsta à entrega;

vii)

o artigo 49.o da Carta não se aplica ao processo de julgamento ou de determinação da pena;

viii)

não foi alegado que existem motivos para crer que existe uma diferença considerável na aplicação do artigo 7.o da CEDH e do artigo 49.o da Carta;

Tendo em conta o artigo 52.o, n.o 3, da Carta e a obrigação de confiança entre os Estados‑Membros e aqueles que estão obrigados a proceder à entrega ao abrigo de um mandado de detenção europeu em conformidade com o Acordo de Comércio e Cooperação, pode um órgão jurisdicional, cuja decisão não é suscetível de recurso, na aceção do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, concluir que a pessoa procurada não fez prova de um risco real de que a sua entrega constituiria uma violação do artigo 49.o, n.o [1], da Carta ou está esse órgão jurisdicional obrigado a realizar um exame mais aprofundado e, em caso afirmativo, qual a natureza e o âmbito desse exame?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

35

Por Despacho de 22 de abril de 2024, Alchaster (C‑202/24, EU:C:2024:343), o presidente do Tribunal de Justiça decidiu submeter o processo a tramitação acelerada, em conformidade com o disposto no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

Quanto à questão prejudicial

36

A título preliminar, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio se refere, tanto na fundamentação da decisão de reenvio como na redação da sua questão, à Decisão‑Quadro 2002/584, importa recordar que, como o advogado‑geral sublinhou no n.o 33 das suas conclusões, resulta do artigo 1.o, n.o 1, desta decisão‑quadro que o âmbito de aplicação desta se limita à execução dos mandados de detenção europeus emitidos pelos Estados‑Membros. Daqui resulta que a referida decisão‑quadro não regula a execução de mandados de detenção, como os que estão em causa no processo principal, emitidos pelo Reino Unido depois do termo da data em que terminou o período de transição, o qual, em conformidade com o disposto no artigo 126.o do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, ocorreu em 31 de dezembro de 2020.

37

Por conseguinte, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o ACC, lido em conjugação com o artigo 49.o, n.o 1, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que quando uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção emitido ao abrigo deste acordo invocar um risco de violação deste artigo 49.o, n.o 1, em caso de entrega ao Reino Unido, devido a uma alteração, desfavorável para essa pessoa, das condições de colocação em liberdade condicional, ocorrida depois de a pessoa ter presumivelmente praticado a infração que lhe é imputada, uma autoridade judiciária de execução tem de apreciar a existência desse risco antes de se pronunciar sobre a execução desse mandado de detenção, numa situação na qual essa autoridade judiciária já afastou o risco de violação do artigo 7.o da CEDH baseando‑se para tal nas garantias que, regra geral, são oferecidas pelo Reino Unido no que se refere ao cumprimento da CEDH, bem como na possibilidade de aquela mesma pessoa intentar uma ação no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

38

A este respeito, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio não se tenha referido, na sua questão, a uma disposição específica do ACC, tal circunstância não obsta contudo a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que podem ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, independentemente de este órgão jurisdicional se ter ou não referido a semelhante disposição no enunciado da questão [v., por analogia, Acórdão de 18 de abril de 2023, E. D. L. (Motivo de recusa baseado em doença),C‑699/21, EU:C:2023:295, n.o 29].

39

O artigo 1.o do ACC dispõe que este acordo estabelece a base para uma relação global entre as Partes, num espaço de prosperidade e boa vizinhança, caracterizado por relações estreitas e pacíficas baseadas na cooperação e no respeito pela autonomia e pela soberania das Partes.

40

Para este efeito, o ACC visa nomeadamente, conforme resulta do seu considerando 23, reforçar a segurança da União e do Reino Unido, permitindo a cooperação em matéria de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais e de execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e prevenção de ameaças à segurança pública.

41

É dada execução a este objetivo específico, que se integra no objetivo geral do ACC enunciado no artigo 1.o deste último (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Governor of Cloverhill Prison e o., C‑479/21 PPU, EU:C:2021:929, n.o 67) na terceira parte deste acordo, conforme indicado no artigo 522.o, n.o 1, do referido acordo.

42

No que se refere às condições gerais de aplicação desta terceira parte, o artigo 524.o, n.o 1, do ACC prevê que a cooperação prevista na referida terceira parte se baseia no respeito de longa data por parte da União, do Reino Unido e dos Estados‑Membros pela democracia, pelo Estado de direito, bem como da defesa dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas, incluindo os consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na CEDH, bem como na importância de aplicar internamente os direitos e liberdades consagrados na CEDH.

43

No âmbito desta cooperação, o título VII da mesma terceira parte tem por objetivo, nos termos do artigo 596.o do ACC, assegurar que o regime de extradição entre, por um lado, os Estados‑Membros e, por outro, o Reino Unido se baseie num mecanismo de entrega por força de um mandado de detenção nos termos deste título.

44

Os artigos 600.o e 601.o do ACC preveem os casos nos quais a execução de um mandado de detenção emitido ao abrigo deste acordo tem de ser ou pode ser recusado.

45

Além disso, os artigos 602.o e 603.o do ACC preveem as regras relativas, respetivamente, à exceção da infração política e à exceção da nacionalidade, ao passo que o artigo 604.o deste acordo define as garantias que o Estado de emissão deve fornecer em casos mais especiais.

46

Embora nenhuma disposição do ACC preveja expressamente que os Estados‑Membros estão obrigados a dar seguimento a um mandado de detenção emitido pelo Reino Unido ao abrigo deste acordo, da estrutura do título VII da terceira parte do referido acordo, e nomeadamente das funções respetivas dos artigos 600.o a 604.o do mesmo acordo, resulta, que, como o advogado‑geral sublinhou o n.o 69 das suas conclusões, um Estado‑Membro só pode recusar semelhante execução de um mandado de detenção por motivos previstos no ACC [v., por analogia, Acórdão de 14 de setembro de 2023, Sofiyska gradska prokuratura (Mandados de detenção sucessivos),C‑71/21, EU:C:2023:668, n.o 48].

47

No que se refere mais especificamente a uma situação como a que está em causa no processo principal, o artigo 599.o, n.o 3, do ACC prevê, aliás, de forma específica, que, sem prejuízo do artigo 600.o, do artigo 601.o, n.o 1, alíneas b) a h), e dos artigos 602.o, 603.o e 604.o, nenhum Estado recusa a execução de um mandado de detenção emitido nomeadamente, no âmbito da prática de atos de terrorismo, sempre que as infrações em causa sejam puníveis com pena privativa de liberdade ou uma ordem de detenção de duração máxima de pelo menos 12 meses.

48

Embora decorra do que precede que uma autoridade judiciária de execução está em princípio obrigada a dar seguimento a um mandado de detenção como os que estão em causa no processo principal, não deixa de ser certo que o artigo 524.o, n.o 2, do ACC especifica que nenhuma disposição da terceira parte deste acordo pode ter por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos conforme consagrados, nomeadamente, na CEDH e, no caso da União bem como dos seus Estados‑Membros, na Carta.

49

A obrigação de respeitar a Carta, recordada neste artigo 524.o, n.o 2, impõe‑se aos Estados‑Membros quando se pronunciam sobre a entrega de uma pessoa ao Reino Unido, uma vez que uma decisão sobre essa entrega constitui uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. As autoridades judiciárias de execução dos Estados‑Membros estão assim obrigadas a garantir, quando adotam essa decisão, o cumprimento dos direitos fundamentais reconhecidos pela Carta à pessoa objeto de um mandado de detenção emitido ao abrigo do ACC, sem que a este respeito seja pertinente a circunstância de a Carta não ser aplicável ao Reino Unido (v., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 52 e 53).

50

Entre estes direitos figuram, em especial, os que resultam do artigo 49.o, n.o 1, da Carta, o qual enuncia, nomeadamente, que não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida.

51

Por conseguinte, a existência de um risco de violação dos referidos direitos é suscetível de permitir que a autoridade judiciária de execução se abstenha, no final de um exame adequado, de dar seguimento a um mandado de detenção emitido ao abrigo do ACC [v., por analogia, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário),C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 59; de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 72, e de 21 de dezembro de 2023, GN (Motivo de recusa baseado no superior interesse da criança),C‑261/22, EU:C:2023:1017, n.o 43].

52

No que se refere às modalidades de tal exame, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Decisão‑Quadro 2002/584 que a apreciação, no âmbito de um procedimento de execução de um mandado de detenção europeu, da realidade do risco de uma violação dos direitos fundamentais garantidos nos artigos 4.o, 7.o, 24.o e 47.o da Carta tem, em princípio, de ser realizada através de um exame efetuado em duas etapas distintas que não se podem confundir, porquanto implicam que se efetue uma análise com base em critérios diferentes, e que devem ser realizadas de forma sucessiva [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 89 a 94; de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário),C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 60, 61 e 68; de 18 de abril de 2023, E. D. L. (Motivo de recusa baseado em doença),C‑699/21, EU:C:2023:295, n.o 55, e de 21 de dezembro de 2023, GN (Motivo de recusa baseado no superior interesse da criança),C‑261/22, EU:C:2023:1017, n.o 46 e jurisprudência referida].

53

Para este efeito, a autoridade judiciária de execução tem, no âmbito de uma primeira etapa, de determinar se existem elementos objetivos, fiáveis, específicos e devidamente atualizados que demonstrem que existe um risco real de violação, no Estado‑Membro de emissão, de um desses direitos fundamentais devido ou a falhas sistémicas ou generalizadas, ou devido a falhas que afetam mais especificamente um grupo objetivamente identificável de pessoas [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 89; de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 102, e de 21 de dezembro de 2023, GN (Motivo de recusa baseado no superior interesse da criança),C‑261/22, EU:C:2023:1017, n.o 47].

54

No âmbito de uma segunda etapa, a autoridade judiciária de execução tem de verificar, de forma concreta e específica, em que medida as falhas identificadas no decurso da primeira etapa do exame referido no número anterior do presente acórdão são suscetíveis de ter impacto na pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu e se, atendendo à sua situação pessoal, existem motivos sérios e comprovados para crer que essa pessoa correrá um risco real de violação dos referidos direitos fundamentais no caso de ser entregue ao Estado‑Membro de emissão [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 94; de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 106, e de 21 de dezembro de 2023, GN (Motivo de recusa baseado no superior interesse da criança),C‑261/22, EU:C:2023:1017, n.o 48].

55

Contudo, conforme o advogado‑geral sublinhou, em substância, no n.o 76 das suas conclusões, a exigência de proceder a semelhante exame em duas etapas não pode ser transposta para a apreciação, no âmbito do processo de execução de um mandado de detenção emitido ao abrigo do ACC, do risco de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta.

56

Com efeito, o sistema simplificado e eficaz de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas de terem praticado um crime criado pela Decisão‑Quadro 2002/584 baseia‑se no grau de confiança elevado que tem de existir entre os Estados‑Membros e no princípio do reconhecimento mútuo que constitui, segundo o considerando 6 desta decisão‑quadro, a «pedra angular» da cooperação judiciária entre os Estados‑Membros em matéria penal [v., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário),C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 40 e 41, e de 21 de dezembro de 2023, GN (Motivo de recusa baseado no superior interesse da criança),C‑261/22, EU:C:2023:1017, n.os 35 e 36].

57

O princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um destes Estados considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitem o direito da União e, muito em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por este direito [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 191, e Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 93].

58

Assim, quando aplicam o direito da União, os Estados‑Membros podem ser obrigados, por força deste mesmo direito, a presumir que os outros Estados‑Membros respeitam os direitos fundamentais, pelo que não lhes é possível não apenas exigir a outro Estado‑Membro um nível de proteção nacional dos direitos fundamentais mais elevado do que aquele que é assegurado pelo direito da União, como tão‑pouco, salvo em circunstâncias excecionais, verificar se esse outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso concreto, os direitos fundamentais garantidos pela União [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014EU:C:2014:2454, n.o 192, e Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 94].

59

Neste contexto, a obrigação de constatar que existem falhas como as referidas no n.o 53 do presente acórdão antes de poder verificar, de forma concreta e específica, se a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu corre um risco real de violação de um direito fundamental visa precisamente garantir que tal verificação só possa ser efetuada em situações excecionais e constitui assim a consequência da presunção do respeito dos direitos fundamentais pelo Estado‑Membro de emissão que decorre do princípio da confiança mútua (v., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.os 114 a 116).

60

O cumprimento desta obrigação permite nomeadamente garantir a repartição das responsabilidades entre o Estado‑Membro de emissão e o Estado‑Membro de execução no que respeita à preservação das exigências inerentes aos direitos fundamentais que decorre da plena aplicação dos princípios da confiança e de reconhecimento mútuos subjacentes ao funcionamento do mecanismo do Estado‑Membro de execução [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 46; de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.os 72 e 96, bem como de 21 de dezembro de 2023, GN (Motivo de recusa baseado no superior interesse da criança),C‑261/22, EU:C:2023:1017, n.o 43].

61

Ora, o princípio da confiança mútua caracteriza de forma específica as relações entre os Estados‑Membros.

62

Com efeito, este princípio assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes consigo partilham, uma série de valores comuns nos quais a União se baseia, conforme está precisado no artigo 2.o TUE [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 168].

63

Além disso, o referido princípio reveste uma importância fundamental para a União e para os seus Estados‑Membros, porquanto permite criar e manter um espaço europeu sem fronteiras internas [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 191].

64

O Tribunal de Justiça, além disso, esclareceu que a limitação a casos excecionais da possibilidade de verificar se outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso concreto, os direitos fundamentais consagrados na Carta está vinculada à natureza intrínseca da União e contribui para o equilíbrio no qual esta se baseia [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.os 193 e 194].

65

É certo que não se exclui que um acordo internacional possa instituir um nível de confiança elevado entre os Estados‑Membros e certos países terceiros.

66

Foi assim que o Tribunal de Justiça considerou que era o que sucedia no caso das relações entre os Estados‑Membros e o Reino da Noruega [v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2023, Sofiyska gradska prokuratura (Mandados de detenção sucessivos),C‑71/21, EU:C:2023:668, n.os 32 e 39].

67

Contudo, este país terceiro encontra‑se numa situação especial porque mantém relações privilegiadas com a União, as quais excedem o âmbito de uma cooperação económica e comercial, porquanto é parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, participa no Sistema Comum Europeu de Asilo, implementa e aplica o Acervo de Schengen e celebrou com a União o Acordo relativo aos Processos de Entrega entre os Estados‑Membros da União Europeia e a Islândia e a Noruega, que entrou em vigor em 1 de novembro de 2019 [v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2021, JR (Mandado de detenção — Condenação num Estado terceiro, membro do EEE), C‑488/19, EU:C:2021:206, n.o 60].

68

Além disso, o Tribunal de Justiça sublinhou, por um lado, no preâmbulo deste último acordo, que as partes contratantes exprimiram a sua confiança mútua na estrutura e no funcionamento dos respetivos sistemas jurídicos, bem como na sua capacidade de garantir um processo equitativo e, por outro, que as disposições do referido último acordo são muito semelhantes às disposições correspondentes que figuram na Decisão‑Quadro 2002/584 (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Ruska Federacija, C‑897/19 PPU, EU:C:2020:262, n.os 73 e 74).

69

A consideração evocada no n.o 66 do presente acórdão, que assenta nas relações específicas entre a União e determinados Estados‑Membros do EEE, não pode contudo ser alargada a todos os países terceiros.

70

No que se refere mais especificamente ao regime instaurado pelo ACC, importa, desde logo, constatar que este acordo não estabelece, entre a União e Reino Unido, relações tão privilegiadas como as que estão descritas na jurisprudência referida nos n.os 67 e 68 do presente acórdão. Em especial, o Reino Unido não faz parte do espaço europeu sem fronteiras internas cuja construção é permitida, nomeadamente, pelo princípio da confiança mútua.

71

Em seguida, embora resulte nomeadamente da redação do artigo 524.o, n.o 1, do ACC, mencionada no n.o 42 do presente acórdão, que a cooperação entre o Reino Unido e os Estados‑Membros se baseia no respeito de longa data da proteção das liberdades fundamentais das pessoas, esta cooperação não é apresentada como assentando na preservação da confiança mútua entre os Estados em causa que existia antes da saída do Reino Unido da União em 31 de janeiro de 2020.

72

Por último, existem diferenças substanciais entre as disposições do ACC relativas ao mecanismo de entrega instituído por este acordo e as disposições correspondentes da Decisão‑Quadro 2002/584.

73

A este respeito, há nomeadamente que sublinhar que esta decisão‑quadro não comporta exceções relativas à natureza política das infrações ou à nacionalidade da pessoa procurada que permitam derrogar a execução dos mandados de detenção europeus em situações comparáveis às referidas no artigo 602.o, n.o 2, e no artigo 603.o, n.o 2, do ACC. Ora, tais exceções ilustram os limites da confiança instaurada entre as partes deste acordo.

74

Do mesmo modo, a referida decisão‑quadro não contém uma disposição comparável ao artigo 604.o, alínea c), do ACC, que prevê explicitamente que se houver motivos substanciais para crer que existe um risco real para a defesa de um ou de vários dos direitos fundamentais da pessoa procurada, independentemente de quais sejam, a autoridade judiciária de execução pode exigir, se for caso disso, garantias adicionais quanto ao tratamento da pessoa procurada após a sua entrega, antes de decidir se executa o mandado de detenção.

75

Este artigo 604.o, alínea c), permite assim solicitar garantias adicionais para procurar dissipar dúvidas, relativas ao respeito pelos direitos fundamentais no Estado de emissão, que não podem ser afastadas ao abrigo da confiança que existe entre o Reino Unido e os Estados‑Membros, sem que a implementação deste mecanismo dependa da prévia constatação de que existem falhas sistémicas ou generalizadas ou de que existem falhas que afetam mais especificamente um grupo objetivamente identificável de pessoas.

76

É certo que o artigo 604.o, alínea c), do ACC não prevê expressamente que a autoridade judiciária de execução poderá não dar seguimento ao mandado de detenção na hipótese de não ter recebido garantias adicionais ou na hipótese de as garantias adicionais recebidas serem insuficientes para afastar os motivos que as conduziram inicialmente a pensar que existia um risco real para a proteção dos direitos fundamentais da pessoa procurada.

77

Contudo, outra interpretação desta disposição privaria o mecanismo previsto nesta de qualquer efeito útil.

78

Daqui resulta que a autoridade judiciária de execução chamada a pronunciar‑se sobre um mandado de detenção emitido ao abrigo do ACC só pode ordenar a entrega da pessoa procurada se, depois de proceder a um exame concreto e específico da situação dessa pessoa, considerar que existem motivos válidos para pensar que a proteção dos direitos fundamentais da referida pessoa corre um risco real no caso de ser entregue ao Reino Unido.

79

Por conseguinte, quando a pessoa objeto de um mandado de detenção emitido ao abrigo do ACC invocar perante essa autoridade judiciária de execução que existe um risco de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta no caso de ser entregue ao Reino Unido, a referida autoridade judiciária de execução não pode, sem violar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais consagrada no artigo 524.o, n.o 2, deste acordo, ordenar que se proceda a essa entrega sem ter determinado de forma concreta, no termo de um exame adequado, na aceção do n.o 51 do presente acórdão, se existem motivos válidos para pensar que a referida pessoa está exposta a um risco real de sofrer semelhante violação.

80

Para efeitos desta determinação, importa, em primeiro lugar, sublinhar que, embora a existência de declarações e a aceitação de tratados internacionais que garantem, em princípio, o respeito pelos direitos fundamentais não sejam suficientes, por si só, para assegurar uma proteção adequada contra o risco de violação das liberdades e dos direitos fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 57), a autoridade judiciária de execução tem, contudo, de tomar em consideração o respeito de longa data que o Reino Unido tem pela proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente conforme estão enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na CEDH, expressamente recordado no artigo 524.o, n.o 1, do ACC, bem como as disposições previstas e implementadas no direito do Reino Unido para garantir o respeito pelos direitos fundamentais enunciados na CEDH (v., por analogia, Acórdão de 19 de setembro de 2018, RO, C‑327/18 PPU, EU:C:2018:733, n.o 52).

81

No entanto, a circunstância de a autoridade judiciária de execução já ter afastado o risco de violação do artigo 7.o da CEDH, com base nas garantias que, regra geral, são oferecidas pelo Reino Unido no que se refere ao respeito pela CEDH e à possibilidade de a pessoa procurada intentar uma ação no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, não é, por si só, decisiva.

82

Com efeito, decorre do n.o 78 do presente acórdão que o artigo 524.o, n.o 2, e o artigo 604.o, alínea c), do ACC, lidos em conjugação com o artigo 49.o, n.o 1, da Carta, obrigam a autoridade judiciária de execução a examinar todos os elementos pertinentes para avaliar a situação previsível da pessoa procurada no caso de esta ser entregue ao Reino Unido, o que pressupõe, ao contrário do que sucede com o exame em duas etapas referido nos n.os 52 a 54 do presente acórdão, que se tome simultaneamente em consideração tanto as normas e as práticas que de modo geral são aplicadas neste país como, quando não sejam aplicados os princípios da confiança e do reconhecimento mútuos, as especificidades da situação individual dessa pessoa.

83

Por conseguinte, conforme o advogado‑geral sublinhou nos n.os 78 e 79 das suas conclusões, a autoridade judiciária de execução tem de proceder a uma apreciação autónoma, à luz das disposições da Carta, não se podendo limitar a tomar em consideração a jurisprudência da Supreme Court of the United Kingdom (Tribunal Supremo do Reino Unido), evocada no n.o 27 do presente acórdão, ou as garantias gerais oferecidas pelo sistema judiciário deste Estado, visadas no n.o 28 deste acórdão.

84

Neste âmbito, a eventual constatação da existência de um risco real, no caso de a pessoa em causa ser entregue ao Reino Unido, de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta tem de assentar em elementos factuais suficientes [v., por analogia, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.os 60 e 61].

85

Por conseguinte, a autoridade judiciária de execução só poderá recusar dar seguimento a um mandado de detenção, ao abrigo do artigo 524.o, n.o 2, e do artigo 604.o, alínea c), do ACC, lidos em conjugação com o artigo 49.o, n.o 1, da Carta, se dispuser, à luz da situação individual da pessoa procurada, de elementos objetivos, fiáveis, específicos e devidamente atualizados que comprovem que existem motivos válidos para pensar que existe um risco real de violação deste artigo 49.o, n.o 1 (v., por analogia, Acórdãos de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 59, e de 19 de setembro de 2018, RO, C‑327/18 PPU, EU:C:2018:733, n.o 61).

86

Em segundo lugar, em conformidade com a obrigação de assistência mútua de boa‑fé enunciada no artigo 3.o, n.o 1, do ACC, quando examina a eventual existência de um risco de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta, a autoridade judiciária de execução tem de fazer utilização plena dos instrumentos previstos neste acordo para favorecer a cooperação entre si e a autoridade judiciária de emissão.

87

A este respeito, por um lado, o artigo 613.o, n.o 2, do ACC prevê que se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, especialmente as que digam respeito ao artigo 604.o

88

Esta autoridade judiciária está assim obrigada a solicitar que com urgência lhe sejam comunicadas as informações complementares que considera serem necessárias para poder adotar uma decisão sobre a entrega da pessoa objeto de um mandado de detenção emitido ao abrigo do ACC.

89

Deste modo, uma vez que a constatação de um risco sério de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta se baseia necessariamente numa análise do direito do Estado de emissão, a autoridade judiciária de execução não pode, sob pena de violar a obrigação de assistência mútua de boa‑fé enunciada no artigo 3.o, n.o 1, do ACC, proceder a essa constatação sem ter previamente solicitado à autoridade judiciária de emissão informações sobre as normas desse direito e a forma como estas poderão ser aplicadas à situação individual da pessoa procurada.

90

Por outro lado, em conformidade com o disposto no artigo 604.o, alínea c), do ACC, incumbe à autoridade judiciária de execução solicitar que sejam concedidas garantias adicionais quando considerar que existem motivos válidos para pensar que existe um risco real de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta.

91

Por conseguinte, a autoridade judiciária de execução só poderá recusar dar seguimento a um mandado de detenção emitido ao abrigo do ACC, pelo facto de existir semelhante risco, na hipótese de a autoridade judiciária de execução ter solicitado garantias adicionais e de não ter obtido garantias suficientes para afastar o risco de violação do artigo 49.o, n.o 1, da Carta que inicialmente identificou.

92

Em terceiro lugar, no que se refere mais concretamente ao âmbito do artigo 49.o, n.o 1, da Carta, resulta da jurisprudência que o artigo 49.o da Carta comporta, pelo menos, as mesmas garantias que as que estão previstas no artigo 7.o da CEDH que têm de ser tomadas em consideração, ao abrigo do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, como limiar de proteção mínima (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 164; de 5 de dezembro de 2017, M.A.S. e M.B., C‑42/17, EU:C:2017:936, n.o 54; de 2 de fevereiro de 2021, Consob, C‑481/19, EU:C:2021:84, n.o 37, e de 10 de novembro de 2022, DELTA STROY 2003, C‑203/21, EU:C:2022:865, n.o 46 e jurisprudência referida).

93

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, ao abrigo de uma legislação do Reino Unido adotada depois de as presumíveis infrações em causa no processo principal terem sido praticadas, os autores de determinadas infrações consideradas atos de terrorismo, como as infrações de que MA é suspeito de ter praticado, só podem beneficiar de uma liberdade condicional se esta tiver sido aprovada por uma autoridade especializada e depois de terem sido cumpridos dois terços da pena, embora no anterior regime estivesse prevista a liberdade condicional automática depois de a pessoa condenada ter cumprido metade da sua pena.

94

Da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos resulta que, para efeitos da aplicação do artigo 7.o da CEDH, há que distinguir uma medida que constitui em substância uma «pena» de uma medida relativa à «execução» ou à «aplicação» da pena. Assim, quando a natureza e o objetivo de uma medida digam respeito à redução de uma pena ou a uma alteração do sistema da liberdade condicional, esta medida não faz parte integrante da «pena», na aceção deste artigo 7.o (TEDH, 21 de outubro de 2013, Del Río Prada c. Espanha, CE:ECHR:2013:1021JUD004275009, § 83).

95

Uma vez que na prática a distinção entre uma medida que constitui uma «pena» e uma medida que diga respeito à «execução» de uma pena não é sempre evidente, para se pronunciar sobre a questão de saber se uma medida tomada durante a execução de uma pena só diz respeito às modalidades de execução desta ou pelo contrário afeta o seu âmbito, há que identificar de forma casuística aquilo que a «pena» aplicada implicava efetivamente no direito interno no momento considerado ou, por outras palavras, qual era a sua natureza intrínseca (TEDH, 21 de outubro de 2013, Del Río Prada c. Espanha, CE:ECHR:2013:1021JUD004275009, §§ 85 e 90).

96

A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos confirmou recentemente que a circunstância de o alargamento do limiar de admissibilidade à liberdade condicional ocorrido depois de uma condenação ter podido conduzir a um endurecimento da situação de detenção dizia respeito à execução da pena e não à própria pena e que, por conseguinte, não se podia deduzir de tal circunstância que a pena aplicada teria sido mais pesada do que a que veio a ser aplicada pelo juiz que decretou a pena (TEDH, 31 de agosto de 2021, Devriendt c. Bélgica, CE:ECHR:2021:0831DEC003556719, § 29).

97

Por conseguinte, uma medida relativa à execução de uma pena só será incompatível com o artigo 49.o, n.o 1, da Carta se dela resultar uma alteração retroativa do âmbito da própria pena que estava prevista no dia em que a infração em causa foi praticada, conduzindo assim à condenação numa pena mais forte do que aquela que estava inicialmente prevista. Em todo o caso, se tal não suceder quando esta medida se limitar a alargar o limiar de admissibilidade da liberdade condicional, a situação poderá ser diferente, nomeadamente se a referida medida eliminar na sua substância a possibilidade de sair em liberdade condicional ou se se situar entre um conjunto de medidas que conduzem a um agravamento da natureza intrínseca da pena inicialmente prevista.

98

À luz de tudo o que precede, há que responder à questão colocada que o artigo 524.o, n.o 2, e o artigo 604.o, alínea c), do ACC, lidos em conjugação com o artigo 49.o, n.o 1, da Carta, devem ser interpretados no sentido de que uma autoridade judiciária de execução, quando uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção emitido ao abrigo deste acordo invocar um risco de violação deste artigo 49.o, n.o 1, em caso de entrega ao Reino Unido, devido a uma alteração, desfavorável para essa pessoa, das condições de colocação em liberdade condicional, ocorrida depois de a pessoa ter presumivelmente praticado a infração que lhe é imputada, tem de proceder a um exame autónomo relativo à existência desse risco antes de se pronunciar sobre a execução desse mandado de detenção, numa situação na qual essa autoridade judiciária já afastou o risco de violação do artigo 7.o da CEDH ao ter‑se baseado nas garantias oferecidas, em geral, pelo Reino Unido no que se refere ao respeito pela CEDH e na possibilidade de essa pessoa intentar uma ação no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. No termo desse exame, essa autoridade judiciária de execução só deverá recusar executar o referido mandado de detenção se, depois de ter solicitado, à autoridade judiciária de emissão, informações e garantias adicionais, dispuser de elementos objetivos, fiáveis, específicos e devidamente atualizados que comprovam que existe um risco real de alteração do próprio âmbito da pena prevista no dia em que a infração em causa foi praticada do qual resulta a aplicação de uma pena mais pesada do que a inicialmente prevista.

Quanto às despesas

99

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 524.o, n.o 2, e o artigo 604.o, alínea c), do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro, lidos em conjugação com o artigo 49.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

uma autoridade judiciária de execução, quando uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção emitido ao abrigo deste acordo invocar um risco de violação deste artigo 49.o, n.o 1, em caso de entrega ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, devido a uma alteração, desfavorável para essa pessoa, das condições de colocação em liberdade condicional, ocorrida depois de a pessoa ter presumivelmente praticado a infração que lhe é imputada, tem de proceder a um exame autónomo relativo à existência desse risco antes de se pronunciar sobre a execução desse mandado de detenção, numa situação na qual essa autoridade judiciária já afastou o risco de violação do artigo 7.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, ao ter‑se baseado nas garantias oferecidas, em geral, pelo Reino Unido no que se refere ao respeito desta convenção e na possibilidade de essa pessoa intentar uma ação no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. No termo desse exame, essa autoridade judiciária de execução só deverá recusar executar o referido mandado de detenção se, depois de ter solicitado, à autoridade judiciária de emissão, informações e garantias adicionais, dispuser de elementos objetivos, fiáveis, específicos e devidamente atualizados que comprovam que existe um risco real de alteração do próprio âmbito da pena prevista no dia em que a infração em causa foi praticada do qual resulta a aplicação de uma pena mais pesada do que a inicialmente prevista.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( i ) O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.

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