Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62023CJ0122

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 11 de abril de 2024.
Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» Sofia pri Tsentralno upravlenie na Natsionalna agentsia za prihodite contre «Legafact» EOOD.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Varhoven administrativen sad.
Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Impostos sobre o volume de negócios — Regime especial das pequenas empresas — Volume de negócios anual — Diferença de tratamento entre sujeitos passivos — Regulamentação nacional que sujeita uma pessoa ao IVA em caso de apresentação tardia de um pedido de registo — Caráter punitivo.
Processo C-122/23.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:293

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

11 de abril de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Impostos sobre o volume de negócios — Regime especial das pequenas empresas — Volume de negócios anual — Diferença de tratamento entre sujeitos passivos — Regulamentação nacional que sujeita uma pessoa ao IVA em caso de apresentação tardia de um pedido de registo — Caráter punitivo»

No processo C‑122/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), por Decisão de 25 de janeiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de março de 2023, no processo

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» Sofia pri Tsentralno upravlenie na Natsionalna agentsia za prihodite

contra

«Legafact» EOOD,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, J. Passer e M. L. Arastey Sahún (relatora), juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo Búlgaro, por T. Mitova e R. Stoyanov, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Drambozova e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2009/162/UE do Conselho, de 22 de dezembro de 2009 (JO 2010, L 10, p. 14, a seguir «Diretiva IVA»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» Sofia pri Tsentralno upravlenie na Natsionalna agentsia za prihodite (Diretor da Direção «Recursos e Prática Fiscal e da Segurança Social» de Sófia, Agência Nacional das Receitas Públicas, Bulgária) (a seguir «Direktor») à «Legafact» EOOD, a respeito de um aviso de liquidação fiscal que declara uma dívida de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) imputável a essa empresa.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 49 da Diretiva IVA enuncia:

«No que diz respeito às pequenas empresas, importa permitir que os Estados‑Membros mantenham os seus regimes especiais em conformidade com disposições comuns e tendo em vista uma maior harmonização.»

4

O artigo 2.o desta diretiva enumera as operações que estão sujeitas a IVA.

5

O título XI da referida diretiva, intitulado «Obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos», inclui um capítulo 2, intitulado «Identificação», no qual figuram os artigos 213.o e 214.o da mesma diretiva. O capítulo 7 deste título, intitulado «Disposições diversas», inclui o artigo 273.o da Diretiva IVA.

6

Nos termos do artigo 213.o desta diretiva:

«1.   Os sujeitos passivos devem declarar o início, a alteração e a cessação da sua atividade na qualidade de sujeitos passivos.

Os Estados‑Membros devem autorizar e podem exigir que a declaração seja efetuada, segundo regras por eles determinadas, por via eletrónica.

2.   Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo do n.o 1, os sujeitos passivos ou as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que efetuem aquisições intracomunitárias de bens não sujeitas ao IVA, por força do disposto no n.o 1 do artigo 3.o, devem declarar que efetuam essas aquisições quando deixarem de estar reunidas as condições previstas no referido artigo para não as sujeitar ao imposto.»

7

O artigo 214.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual as seguintes pessoas:

a)

Os sujeitos passivos, com exceção dos referidos no n.o 2 do artigo 9.o, que efetuem, no respetivo território, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução e que não sejam entregas de bens ou prestações de serviços em relação às quais o IVA seja devido unicamente pelo destinatário em conformidade com os artigos 194.o a 197.o e 199.o;

b)

Os sujeitos passivos ou as pessoas coletivas que não sejam sujeitos passivos que efetuem aquisições intracomunitárias de bens sujeitas ao IVA, em conformidade com a alínea b) do n.o 1 do artigo 2. o, ou que tenham feito uso da opção, prevista no n.o 3 do artigo 3.o, de sujeitar ao IVA as suas aquisições intracomunitárias;

c)

Os sujeitos passivos que efetuem, no respetivo território, aquisições intracomunitárias de bens para fins das suas operações relacionadas com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 9.o que sejam efetuadas fora desse território;

d)

Os sujeitos passivos que recebam, no respetivo território, serviços pelos quais o IVA é devido por força do artigo 196.o;

e)

Os sujeitos passivos estabelecidos no respetivo território que prestem serviços no território de outro Estado‑Membro pelos quais o IVA é devido unicamente pelo destinatário por força do artigo 196.o

2.   Os Estados‑Membros podem não identificar determinados sujeitos passivos que efetuem, a título ocasional, as operações referidas no artigo 12.o»

8

O artigo 273.o da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no Capítulo 3.»

9

O título XII da Diretiva IVA, intitulado «Regimes especiais», inclui um capítulo 1, intitulado «Regime especial das pequenas empresas», no qual figuram os artigos 281.o a 292.o desta diretiva.

10

O artigo 287.o da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros que tenham aderido depois de 1 de janeiro de 1978 podem conceder uma isenção aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em moeda nacional dos seguintes montantes à taxa de conversão do dia da respetiva adesão:

[…]

17) A Bulgária concederá: 25600 euros;

[…]»

Direito búlgaro

11

Nos termos do artigo 96.o, n.o 1, da zakon za danak varhu dobavenata stoynost (Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado) (DV n.o 63, de 4 de agosto de 2006), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «ZDDS»):

«Qualquer sujeito passivo estabelecido no território búlgaro que tenha realizado um volume de negócios tributável igual ou superior a 50000 [levs búlgaros (BGN)] num período que não exceda os doze meses consecutivos anteriores ao mês em curso deve apresentar uma declaração de registo nos termos da presente Lei no prazo de sete dias a contar do termo do período fiscal durante o qual atingiu esse volume de negócios. Quando o volume de negócios for atingido durante um período não superior a dois meses consecutivos, incluindo o mês em curso, a pessoa deve apresentar a declaração no prazo de sete dias a contar da data em que o volume de negócios foi atingido.»

12

0 artigo 102.o da ZDDS dispõe o seguinte:

«1.   Quando o Serviço de Receitas constatar que uma pessoa não cumpriu no prazo estabelecido para a sua obrigação de apresentar um pedido de registo, regista‑a emitindo um aviso de registo se as condições para o registo estiverem reunidas.

2.   O aviso a que se refere o n.o 1 deve indicar a base e a data em que a obrigação de registo se constituiu.

3.   […] Para efeitos da determinação das dívidas fiscais da pessoa que não apresentou a declaração de registo dentro do prazo, apesar de a isso estar obrigada, considera‑se que esta é devedora do imposto sobre as entregas tributáveis e as aquisições intracomunitárias que efetuou, bem como sobre as prestações de serviços tributáveis de que beneficiou, pelas quais o imposto é devido pelo destinatário:

1)

[…] para o período a contar do termo do prazo em que o aviso de registo deveria ter sido emitido, se a pessoa tivesse apresentado uma declaração de registo no prazo até à data em que foi registada pelo Serviço de Receitas;

2)

[…] para o período a contar do termo do prazo em que o aviso de registo deveria ter sido emitido, se a pessoa tivesse apresentado a declaração de registo no prazo até à data em que já não existam motivos para o registo.

4.   […] Nos casos referidos no artigo 96.o, n.o 1, segundo período, para efeitos da determinação das dívidas fiscais da pessoa que não apresentou a declaração de registo dentro do prazo, apesar de a tal estar obrigada, considera‑se que esta é devedora de um imposto sobre as entregas tributáveis que tenham excedido o volume de negócios tributável de 50000 BGN desde a data em que o volume de negócios tenha sido excedido até à data em que a pessoa seja registada no Serviço de Receitas ou até à data em que já não existam motivos para o registo. É devido um imposto pela entrega tributável que exceda o volume de negócios. A pessoa é também devedora de um imposto sobre as prestações de serviços tributáveis de que beneficiou relativamente às quais o imposto é devido pelo destinatário e sobre as aquisições intracomunitárias tributáveis efetuadas durante esse período.

[…]»

13

O artigo 178.o da ZDDS prevê:

«O sujeito passivo na aceção da presente Lei que, estando obrigado a fazê‑lo, não tenha apresentado uma declaração de registo ou uma declaração de cessação de registo nos prazos fixados pela presente Lei é passível de uma coima, no caso das pessoas singulares não comerciantes, ou de uma sanção pecuniária, no caso das pessoas coletivas e dos comerciantes que exerçam a título individual, num montante compreendido entre 500 e 5000 BGN.»

14

O artigo 180.o da ZDDS tem a seguinte redação:

«1.   […] A pessoa registada que, estando obrigada a fazê‑lo, não tenha imputado o imposto nos prazos fixados pela presente Lei é passível de uma coima, no caso das pessoas singulares não comerciais, ou de uma sanção pecuniária, no caso das pessoas coletivas e dos comerciantes que exerçam a título individual, num montante que ascende ao imposto não imputado, sem que, no entanto, possa ser inferior a 500 BGN. Em caso de reincidência, o montante da coima ou da sanção pecuniária eleva‑se ao dobro do imposto não imputado, não podendo, porém, ser inferior a 1000 BGN.

2.   O n.o 1 também é aplicável quando a pessoa não tenha imputado o imposto, por não ter apresentado a declaração de registo e por não ter sido registada na aceção da presente Lei dentro do prazo.

3.   […] No caso da infração referida no n.o 1, se a pessoa registada tiver imputado o imposto nos seis meses seguintes ao fim do mês em que o imposto deveria ter sido cobrado, a coima ou, consoante o caso, a sanção pecuniária, ascende a cinco por cento do imposto, não podendo ser inferior a 200 BGN, e a 400 BGN em caso de reincidência.

4.   […] No caso da infração referida no n.o 1, se a pessoa registada tiver imputado o imposto após o termo do prazo referido no n.o 3, mas o mais tardar dentro dos dezoito meses seguintes ao fim do mês em que o imposto deveria ter sido cobrado, a coima ou, consoante o caso, a sanção pecuniária ascende a dez por cento do imposto, não podendo ser inferior a 400 BGN e a 800 BGN em caso de reincidência.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

A Legafact exerce uma atividade de consultoria de gestão. Esta sociedade não estava inicialmente registada para efeitos de IVA.

16

Em 21 de agosto de 2018, emitiu quatro faturas tendo por objeto a «remuneração nos termos do contrato de 30 de novembro de 2012», no valor total de 114708 BGN (cerca de 58600 euros), contabilizadas como «receitas de vendas de serviços».

17

Em 23 e 24 de agosto de 2018, a Legafact emitiu mais duas faturas com o mesmo objeto, no valor total de 57004 BGN (cerca de 29100 euros), que foram contabilizadas da mesma maneira.

18

Em 3 de setembro de 2018, esta sociedade apresentou uma declaração de registo obrigatório para efeitos de IVA. O Serviço de Receitas emitiu‑lhe, em 14 de setembro de 2018, um aviso de registo obrigatório, nos termos do qual foi registada para efeitos de IVA a contar de 19 de setembro de 2018.

19

O Serviço de Receitas considerou que a emissão de uma das faturas de 21 de agosto de 2018 no montante de 34202 BGN (cerca de 17500 euros) tinha excedido o limiar do volume de negócios tributável de 50000 BGN (cerca de 25600 euros) a partir do qual o registo para efeitos de IVA é obrigatório e que a entrega correspondente a essa fatura era tributável por força do artigo 102.o, n.o 4, segundo período, da ZDDS.

20

Este Serviço considerou que, em conformidade com o artigo 96.o, n.o 1, segundo período, da ZDDS, a Legafact devia ter apresentado um pedido de registo para efeitos de IVA no prazo de sete dias a contar da data em que o seu volume de negócios tributável tinha atingido esse limiar, ou seja, o mais tardar em 28 de agosto de 2018, o que não fez. Com fundamento no artigo 102.o, n.o 4, da ZDDS, o referido Serviço considerou que esta empresa era devedora do IVA sobre as entregas tributáveis que tinham excedido o volume de negócios tributável de 50000 BGN (cerca de 25600 euros) a contar da data em que esse volume de negócios foi superado e até à data em que foi registada para efeitos de IVA.

21

Por conseguinte, o Serviço de Receitas emitiu, em 27 de dezembro de 2019, um aviso de liquidação fiscal no qual declarou uma dívida da Legafact a título de IVA no montante de 24701,66 BGN (cerca de 12600 euros) de imposto e de 3218,33 BGN (cerca de 1650 euros) de juros, em relação ao período fiscal do mês de agosto de 2018, pelas entregas tributáveis efetuadas por esta sociedade a contar de 21 de agosto de 2018 até à data do seu registo para efeitos de IVA (a seguir «aviso de liquidação fiscal em causa»).

22

Tendo o aviso de liquidação fiscal em causa sido confirmado por uma Decisão do Direktor de 19 de março de 2020, a Legafact interpôs recurso desse aviso de liquidação fiscal para o Administrativen sad — Sofia grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária).

23

Em 30 de junho de 2020, no âmbito de outro processo, o Konstitutsionen sad (Tribunal Constitucional, Bulgária), chamado a pronunciar‑se sobre um pedido do Visshia advokatski savet (Conselho Superior da Ordem dos Advogados, Bulgária), declarou que o artigo 102.o, n.o 4, da ZDDS era conforme com a Constituição Búlgara. Este órgão jurisdicional considerou que esta disposição, uma vez que prevê que o IVA é devido por pessoas que não estão registadas para efeito desse imposto por uma razão que lhes é imputável, permite garantir a cobrança, em proveito do Tesouro, de um imposto que, de modo ilícito, não foi nem imputado nem cobrado. A obrigação de pagar o IVA nesse caso constitui não uma sanção ou uma pena, mas uma indemnização pelos danos causados ao Tesouro pelo comportamento ilegal de um sujeito passivo.

24

Por Decisão de 23 de setembro de 2021, o Administrativen sad — Sofia grad (Tribunal Administrativo de Sófia) anulou o aviso de liquidação fiscal em causa no processo principal, por considerar que tinha sido emitido em violação do direito material aplicável e, mais especificamente, do direito da União em matéria de IVA, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean (C‑183/14, EU:C:2015:454).

25

Não obstante o Acórdão de 30 de junho de 2020 do Konstitutsionen sad (Tribunal Constitucional), o Administrativen sad — Sofia grad (Tribunal Administrativo de Sófia) considerou que o artigo 102.o, n.o 4, da ZDDS tinha natureza punitiva nos casos de apresentação tardia de uma declaração obrigatória de registo para efeitos do IVA e que, em conformidade com o Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean (C‑183/14, EU:C:2015:454), a sanção resultante da aplicação desta disposição só podia ser aplicada na condição de respeitar o princípio da proporcionalidade. Este último órgão jurisdicional considerou que, tendo em conta que, no caso em apreço, o atraso da Legafact na apresentação da declaração de registo para efeitos de IVA era de apenas três dias e que os autos do processo principal não continham elementos que demonstrassem o caráter fraudulento do comportamento desta sociedade, a sanção que lhe tinha sido aplicada era desmedida.

26

O Direktor interpôs recurso de cassação da decisão do Administrativen sad — Sofia grad (Tribunal Administrativo de Sófia) para o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

27

Este último precisa que o artigo 102.o da ZDDS foi adotado pelo legislador búlgaro para transpor os artigos 213.o e 214.o da Diretiva IVA, que obrigam os Estados‑Membros a tomar as medidas necessárias para que, em princípio, qualquer sujeito passivo que efetue, no território respetivo, entregas de bens ou prestações de serviços que lhe confiram direito a dedução seja identificado por um número individual.

28

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 102.o, n.o 4, da ZDDS, que sujeita ao IVA uma entrega em princípio isenta quando o fornecedor não cumpriu a sua obrigação de registo para efeitos desse imposto dentro dos prazos fixados, não reveste caráter punitivo, mas deve ser considerado uma regra de direito material que prevê, nesse caso, a não aplicação da isenção para as pequenas empresas prevista pelas disposições do título XII, capítulo 1, da Diretiva IVA e a constituição de uma dívida de IVA.

29

Nestas circunstâncias, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É contrária aos princípios do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado na União Europeia uma disposição nacional que, em matéria de isenção prevista no título XII, capítulo 1, da [Diretiva IVA], estabelece uma diferença de tratamento entre os sujeitos passivos em função da rapidez com que atingem o limiar do volume de negócios a partir do qual é obrigatório o registo para efeitos de IVA?

2)

A [Diretiva IVA] opõe‑se a uma disposição nacional nos termos da qual a isenção de uma entrega ao abrigo do título XII, capítulo 1, [desta diretiva] depende do cumprimento atempado da obrigação do fornecedor de apresentar o pedido do registo para efeitos de IVA?

3)

De acordo com que critérios, decorrentes da interpretação da [Diretiva IVA], se deve determinar se a referida disposição nacional, que prevê a constituição de uma dívida fiscal em caso de apresentação extemporânea do pedido de registo obrigatório para efeitos de IVA, tem caráter sancionatório?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às primeira e segunda questões

30

Com as primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, adotada por um Estado‑Membro em aplicação do artigo 287.o desta diretiva, que faz depender o benefício da isenção de IVA prevista na referida diretiva para as pequenas empresas da condição de o sujeito passivo, cujo volume de negócios anual ou medido durante um período de dois meses consecutivos excede o montante indicado para esse Estado‑Membro nesta disposição, apresentar um pedido de registo para efeitos de IVA num prazo determinado.

31

A este respeito, importa recordar que a Diretiva IVA permite aos Estados‑Membros aplicar os seus regimes especiais em relação às pequenas empresas, como enuncia o considerando 49 desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2018, Vámos, C‑566/16, EU:C:2018:321, n.o 30).

32

No caso em apreço, como resulta da decisão de reenvio, a regulamentação nacional em causa no processo principal foi adotada em aplicação do artigo 287.o, ponto 17, da Diretiva IVA, que autoriza a República da Bulgária a conceder uma isenção de imposto aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em levs búlgaros do montante de 25600 euros.

33

Em conformidade com esta regulamentação, os sujeitos passivos têm a obrigação de apresentar uma declaração de registo para efeitos de IVA no prazo de sete dias que começa a correr, para o grupo dos sujeitos passivos que atingem o limiar de 50000 BGN de volume de negócios tributável num período de doze meses, a partir do termo do período de tributação durante o qual esse volume de negócios foi atingido e, para o grupo dos sujeitos passivos que atingem esse limiar durante um período de dois meses consecutivos, a partir da data em que o referido volume de negócios é atingido.

34

O regime especial das pequenas empresas, na aceção da Diretiva IVA, prevê simplificações administrativas destinadas a reforçar a criação, a atividade e a competitividade das pequenas empresas, bem como a manter uma relação razoável entre os encargos administrativos ligados ao controlo fiscal e as baixas receitas fiscais a cobrar (Acórdão de 9 de julho de 2020, AJPF Caraş‑Severin et DGRFP Timişoara, C‑716/18, EU:C:2020:540, n.o 40 e jurisprudência referida).

35

A este respeito, observe‑se que a Diretiva IVA confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação quanto à forma de aplicar esse regime especial.

36

Ora, uma obrigação, como a prevista pela regulamentação nacional em causa no processo principal, segundo a qual os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração de registo para efeitos de IVA, quando o seu volume de negócios anual ultrapassa o limiar previsto no artigo 287.o da Diretiva IVA para o Estado‑Membro em causa, insere‑se, em princípio, nessa margem de apreciação e permite manter uma relação razoável entre os encargos administrativos ligados ao controlo fiscal e os escassos rendimentos fiscais a cobrar.

37

Quanto ao momento em que se constitui a obrigação de apresentar uma declaração de registo para efeitos de IVA, a regulamentação nacional referida no n.o 33 do presente acórdão estabelece uma diferença de tratamento entre dois grupos de sujeitos passivos, a saber, por um lado, os que atingem o limiar em causa durante um período de doze meses e, por outro, os que o atingem durante um período de dois meses consecutivos. No caso em apreço, é facto assente que esta diferença de tratamento tem em conta, nomeadamente, as características das atividades sazonais, no âmbito das quais o limiar do volume de negócios que desencadeia a obrigação de registo é atingido mais rapidamente durante um curto período de tempo.

38

Por conseguinte, a referida diferença de tratamento, instituída pela regulamentação nacional em causa no processo principal, entre estes dois grupos de sujeitos passivos insere‑se, também ela, em princípio, na margem de apreciação que a Diretiva IVA confere aos Estados‑Membros.

39

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às primeira e segunda questões que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, adotada por um Estado‑Membro em aplicação do artigo 287.o desta diretiva, que faz depender o benefício da isenção de IVA, prevista na referida diretiva para as pequenas empresas, da condição de o sujeito passivo, cujo volume de negócios anual ou medido durante um período de dois meses consecutivos excede o montante indicado para esse Estado‑Membro nessa disposição, apresentar um pedido de registo para efeitos de IVA num prazo determinado.

Quanto à terceira questão

40

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que a violação, por um sujeito passivo, da obrigação de apresentar dentro do prazo, nos casos referidos no n.o 39 do presente acórdão, um pedido de registo para efeitos de IVA tem como consequência a constituição de uma dívida fiscal.

41

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, se, para assegurar a exata cobrança do imposto e prevenir a fraude, os Estados‑Membros podem legalmente prever, nas suas legislações nacionais respetivas, sanções adequadas que visem punir penalmente o não cumprimento da obrigação de registo dos sujeitos passivos de IVA, porém, tais sanções não devem ir além do que é necessário para atingir esses objetivos. A este respeito, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se o montante da sanção não vai além do que é necessário para alcançar os objetivos que consistem em garantir a exata cobrança do imposto e evitar a fraude tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente a quantia concretamente imposta e a eventual existência de uma fraude ou de um contorno da legislação aplicável imputáveis ao sujeito passivo cuja falta de registo é sancionada. Os mesmos princípios se aplicam às majorações, as quais, se forem sanções fiscais, não devem ser excessivas relativamente à gravidade do incumprimento, pelo sujeito passivo, das suas obrigações (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 51, 52 e jurisprudência referida).

42

Para apreciar se uma sanção é conforme com o princípio da proporcionalidade, deve ter‑se em conta, nomeadamente, a natureza e a gravidade da infração que esta sanção visa reprimir, bem como as modalidades de determinação do montante desta (Acórdão de 8 de maio de 2019, EN.SA., C‑712/17, EU:C:2019:374, n.o 40 e jurisprudência referida).

43

Cabe também recordar que, quando escolhem as sanções, os Estados‑Membros devem respeitar o princípio da efetividade que exige a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras para lutar contra as violações das normas harmonizadas em matéria de IVA e proteger os interesses financeiros da União (Acórdão de 17 de maio de 2023, Cezam, C‑418/22, EU:C:2023:418, n.o 28 e jurisprudência referida).

44

No caso em apreço, por um lado, como resulta da decisão de reenvio e dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, em caso de apresentação tardia de um pedido de registo, os sujeitos passivos cujo volume de negócios anual exceda o limiar a partir do qual a apresentação desse pedido é obrigatória são devedores, em conformidade com a regulamentação nacional em causa no processo principal, do pagamento do IVA sobre as entregas tributáveis efetuadas a partir do termo do prazo de sete dias em que o aviso de registo devia ter sido emitido até à data do seu registo pelo Serviço de Receitas.

45

Este prazo começa a correr a partir do termo do período de tributação em que o volume de negócios foi atingido.

46

A este respeito, como a Comissão Europeia, acertadamente, salientou, não se pode considerar que a disposição nacional em causa no processo principal constitui uma sanção, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 41 a 43 do presente acórdão, uma vez que tem unicamente por objeto recuperar o IVA sobre as operações efetuadas durante o período em que esse imposto teria sido faturado se o sujeito passivo tivesse cumprido, no prazo fixado, a sua obrigação de registo para efeitos de IVA.

47

Por outro lado, resulta também da decisão de reenvio e dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, no que respeita aos sujeitos passivos cujo volume de negócios medido durante um período de dois meses consecutivos excede o limiar em causa, a regulamentação nacional em causa no processo principal prevê que, em caso de desrespeito da obrigação de apresentação, no prazo de sete dias, de um pedido de registo para efeitos de IVA, esses sujeitos passivos são considerados devedores do IVA sobre as entregas tributáveis efetuadas a contar da data em que foi excedido o volume de negócios até à data em que foram registados pelo Serviço das Receitas ou até à data em que já não existam motivos para o registo.

48

Para esses sujeitos passivos, esse prazo começa a correr a partir da data em que esse volume de negócios é atingido.

49

A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar e aplicar o direito nacional, verificar se, no que respeita aos sujeitos passivos referidos no n.o 47 do presente acórdão, a regulamentação nacional em causa no processo principal prevê uma sanção, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

50

Para este efeito, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se essa regulamentação, por um lado, respeita o princípio da efetividade do combate às violações das regras harmonizadas em matéria de IVA e, por outro, cumpre as exigências de proporcionalidade, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 41 a 43 do presente acórdão.

51

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que a violação, por um sujeito passivo, da obrigação de apresentar dentro do prazo, nos casos referidos no n.o 39 do presente acórdão, um pedido de registo para efeitos de IVA tem como consequência a constituição de uma dívida fiscal, na condição de que essa regulamentação, se e desde que não se limite a recuperar o IVA sobre as operações efetuadas durante o período ao longo do qual esse imposto teria sido faturado se o sujeito passivo tivesse cumprido dentro do prazo a sua obrigação de registo para efeitos de IVA, por um lado, respeite o princípio da efetividade do combate às violações das regras harmonizadas em matéria de IVA e, por outro, cumpra as exigências de proporcionalidade, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

1)

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2009/162/UE do Conselho, de 22 de dezembro de 2009,

deve ser interpretada no sentido de que:

não se opõe a uma regulamentação nacional, adotada por um Estado‑Membro em aplicação do artigo 287.o desta diretiva, conforme alterada, que faz depender o benefício da isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), prevista na referida diretiva, conforme alterada, para as pequenas empresas, da condição de o sujeito passivo, cujo volume de negócios anual ou medido durante um período de dois meses consecutivos excede o montante indicado para esse Estado‑Membro nesta disposição, apresentar um pedido de registo para efeitos de IVA determinado.

 

2)

A Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2009/162,

deve ser interpretada no sentido de que:

não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que a violação, por um sujeito passivo, da obrigação de apresentar dentro do prazo, nos casos referidos no n.o 1 do presente dispositivo, um pedido de registo para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) tem como consequência a constituição de uma dívida fiscal, na condição de que essa regulamentação, se e desde que não se limite a recuperar o IVA sobre as operações efetuadas durante o período ao longo do qual esse imposto teria sido faturado se o sujeito passivo tivesse cumprido dentro do prazo a sua obrigação de registo para efeitos de IVA, por um lado, respeite o princípio da efetividade do combate às violações das regras harmonizadas em matéria de IVA e, por outro, cumpra as exigências de proporcionalidade, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

Top