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Document 62023CC0121

Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 11 de julho de 2024.


ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:615

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 11 de julho de 2024 (1)

Processo C121/23 P

Swissgrid AG

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Mercado interno de eletricidade — Regulamento (UE) 2017/2195 — Artigo 1.°, n.os 6 e 7 — Operadores de redes de transporte (ORT) de eletricidade — Participação nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação — Plataforma europeia TERRE — Carta da Comissão Europeia que recusa a participação de um ORT de eletricidade que opera na Suíça e exige a sua exclusão — Recurso de anulação — Artigo 263.° TFUE — Ato suscetível de recurso — Afetação direta — Poder discricionário — Inexistência de direito individual à autorização — Direito a um tratamento diligente e imparcial do processo e a uma tomada de posição fundamentada — Direito de ser ouvido — Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito à ação judicial»






I.      Introdução

1.        O presente processo dará ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer os contornos do conceito de «ato suscetível de recurso» ou de «ato recorrível» e, se for caso disso, as suas ligações com o conceito de «afetação direta», na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

2.        Este processo tem por objeto uma situação na qual a regulamentação da União com base na qual foi adotado o ato controvertido, a saber, o Regulamento (UE) 2017/2195 (2), reserva ao seu autor, isto é, à Comissão Europeia, um amplo poder de apreciação, ou mesmo um poder discricionário relativo à adoção de uma autorização. Assim, caso a Comissão não tenha competência vinculada para este efeito, pelo contrário, os operadores económicos em causa não podem invocar um direito individual para obter esta autorização. Ora, nessa situação, justifica‑se considerar que um ato que recusa essa autorização não pode ser impugnado por esses operadores pelo facto de não visar «produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar [os seus] interesses, alterando de forma caracterizada [a sua] situação jurídica» (3), ou, por outras palavras, pelo facto de que este ato não é juridicamente vinculativo e, portanto, não é lesivo dos seus interesses?

3.        Esta é precisamente a abordagem que o Tribunal Geral da União Europeia adotou no seu Despacho de 21 de dezembro de 2022, Swissgrid/Comissão (T‑127/21, não publicado, a seguir, «despacho recorrido» EU:T:2022:868), impugnado pela recorrente Swissgrid AG no âmbito do presente recurso. Com este despacho, o Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso da recorrente pedindo a anulação da decisão alegadamente constante de uma carta assinada por uma diretora da Direção‑Geral da Energia (a seguir, «DG “Energia”») da Comissão (a seguir, «carta controvertida»). Nesta carta, a diretora recusou a autorização, em aplicação do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195, da participação da Suíça, incluindo da recorrente, nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação, nomeadamente na plataforma Trans European Replacement Reserves Exchange (plataforma europeia de trocas transfronteiriças de reservas de reposição, a seguir, «plataforma TERRE»).

4.        Ora, como exporei no âmbito das presentes conclusões, equiparar uma falta de competência vinculada a uma inexistência de ato recorrível parece equivaler a uma denegação de justiça. Este facto é tanto mais verdadeiro quanto, no presente caso, a carta controvertida responde a um pedido de autorização apresentado pela recorrente, na sequência da adoção de pareceres favoráveis, quer dos operadores de redes de transporte (a seguir, «ORT») de eletricidade que participam na plataforma TERRE, quer da Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (a seguir «ACER»). Com efeito, nem a existência de um poder discricionário da Comissão nem a inexistência de um direito individual para obter um determinado comportamento da sua parte podem enquanto tais excluir os seus atos da fiscalização da legalidade do juiz da União nos termos do artigo 263.° TFUE. Pelo contrário, este juiz deve ter a possibilidade de fiscalização se, ao adotar a posição expressa na carta controvertida, a Comissão se cingiu aos limites do poder de apreciação que lhe é conferido pela regulamentação em causa e tinha, assim, o direito de o exercer como exposto nessa carta.

II.    Quadro jurídico: Regulamento 2017/2195

5.        O artigo 1.° do Regulamento 2017/2195, sob a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação», dispõe, nomeadamente:

«1.      O presente regulamento estabelece orientações pormenorizadas sobre equilíbrio do sistema elétrico, incluindo o estabelecimento de princípios comuns para a contratação e a liquidação de reservas de contenção da frequência, reservas de restabelecimento da frequência e reservas de reposição, assim como uma metodologia comum para ativação de reservas de restabelecimento da frequência e de reservas de reposição.

2.      O presente regulamento aplica‑se aos operadores de redes de transporte (ORT), aos operadores de redes de distribuição (ORD), incluindo redes de distribuição fechadas, às entidades reguladoras, à Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia […], à Rede Europeia dos Operadores das Redes de Transporte de Eletricidade (“REORT‑E”), aos terceiros a quem tenham sido delegadas ou cometidas responsabilidades e aos outros participantes no mercado.

[...]

6.      As plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação poderão ser abertas aos ORT que operam na Suíça, desde que a legislação nacional suíça aplique as principais disposições da legislação que rege o mercado da eletricidade da União e exista um acordo intergovernamental de cooperação no domínio da eletricidade entre a União e a Suíça, ou se, da exclusão da Suíça, pudessem resultar fluxos físicos de energia nãoprogramados através da Suíça que pudessem comprometer a segurança do sistema na região.

7.      Sob reserva das condições estabelecidas no n.° 6, a Comissão decide, com base num parecer da Agência e dos ORT em conformidade com o estabelecido no artigo 4.°, n.° 3, sobre a participação da Suíça nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação. Os direitos e responsabilidades dos ORT suíços devem ser coerentes com os direitos e responsabilidades dos ORT que operam na União, de modo a possibilitar o bom funcionamento do mercado de regulação ao nível da União e a colocar todas as partes interessadas em igualdade de circunstâncias.»

III. Antecedentes do litígio

6.        Os antecedentes do litígio, conforme expostos nos n.os 2 a 10 do despacho recorrido, podem resumir‑se como se segue.

7.        A recorrente é uma sociedade anónima de direito suíço, que constitui o único ORT de eletricidade na Suíça e participa na Rede Europeia dos ORT de Eletricidade (European Network of Transmission System Operators for Electricity, a seguir «REORT‑E»).

8.        Alguns ORT de eletricidade, entre os quais a recorrente, conceberam a plataforma TERRE, na qual esta já participou (4), mas, efetivamente, sem ter obtido previamente a autorização da Comissão para este efeito.

9.        Em 7 de setembro de 2017, o conjunto dos ORT de eletricidade, reunido no âmbito da REORT‑E, emitiu um parecer favorável à autorização da participação da Suíça nas plataformas europeias de regulação, em aplicação do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195, pelo facto de se encontrar preenchido o segundo requisito previsto no artigo 1.°, n.° 6, do mesmo regulamento.

10.      Em 10 de abril de 2018, a ACER também emitiu um parecer sobre a participação da Suíça nas plataformas europeias de regulação, em aplicação do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195. Neste parecer, a ACER sublinhou que, de um modo geral, estava de acordo com a apreciação dos ORT de eletricidade quanto à eficácia decorrente de uma participação plena da Suíça nessas plataformas (5). Além disso, salientou que é importante que a Suíça cumpra integralmente o Regulamento 2017/2195, e as disposições relacionadas, para que os ORT de eletricidade na União Europeia e na Suíça estejam em pé de igualdade.

11.      Em 31 de julho de 2020, o diretor‑geral adjunto da DG «Energia» da Comissão enviou uma carta à REORT‑E, bem como à recorrente, na qual manifestou a sua surpresa quanto à intenção de os ORT de eletricidade incluírem a recorrente na plataforma TERRE enquanto membro de pleno direito e salientou que a ligação e o equilíbrio dos mercados integram um quadro completo de direitos e obrigações juridicamente vinculativas ao qual a Suíça ainda não deu o seu acordo. Por conseguinte, os operadores e ORT de eletricidade suíços não tinham, em princípio, o direito de participar nessa plataforma. Além disso, recordou que a Comissão não tinha aberto nenhuma exceção para a Suíça ao abrigo do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195.

12.      Em 29 de setembro de 2020, a recorrente respondeu à Comissão invocando que a sua participação plena nas plataformas europeias de regulação era indispensável por razões de segurança do sistema elétrico. Alegou, em substância, que a sua consideração no processo de cálculo da capacidade da União e a sua inclusão na análise da segurança operacional eram insuficientes. Além disso, remeteu para os fundamentos constantes do parecer da REORT‑E de 7 de setembro de 2017, bem como do da ACER de 10 de abril de 2018.

13.      Em 5 de novembro de 2020, a REORT‑E respondeu à Comissão. Nesta resposta, sublinhando que a decisão relativa à participação da Suíça nas plataformas europeias de regulação cabia à Comissão, em aplicação do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195, os ORT de eletricidade recordaram que tinham emitido, bem como a ACER, um parecer favorável a essa participação.

14.      Em 8 de dezembro de 2020, a recorrente enviou uma carta à Comissão na qual referia que os ORT de eletricidade da União, bem como a ACER, tinham emitido um parecer favorável à sua participação na plataforma TERRE e pediu‑lhe que autorizasse a referida participação, em aplicação do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195.

15.      Na carta controvertida de 17 de dezembro de 2020, dirigida à REORT‑E em resposta à sua carta de 5 de novembro de 2020, a diretora da DG «Energia» da Comissão salientou, primeiro, que a participação da recorrente no projeto de plataforma TERRE não estava em conformidade com o direito da União aplicável, a saber, o artigo 1.°, n.os 6 e 7, do Regulamento 2017/2195. Segundo, referiu que o parecer da ACER sublinhava a importância de a Suíça cumprir integralmente o Regulamento 2017/2195 e as disposições relacionadas. Terceiro, a diretora referiu que determinadas medidas eram suficientes para responder aos riscos decorrentes dos fluxos físicos de eletricidade imprevistos e, por conseguinte, que a participação da Suíça nas plataformas europeias de regulação não era necessária. A este respeito, alegou que o fundamento da segurança operacional residia, por um lado, no (re)cálculo das capacidades e, por outro, na coordenação da segurança operacional a nível regional, que já incluíam a Suíça. Quarto, a diretora concluiu que a Comissão não tinha razões para adotar uma decisão que autorizasse a Suíça a participar nas plataformas europeias de regulação, nomeadamente na plataforma TERRE. Quinto, pediu aos ORT de eletricidade que excluíssem a recorrente da plataforma TERRE, o mais tardar até 1 de março de 2021. Foi enviada à recorrente uma cópia desta carta por correio eletrónico.

16.      Numa Resolução de 4 de outubro de 2023, o Parlamento Europeu realçou que, nomeadamente, no setor da eletricidade, a estabilidade da rede e a segurança do aprovisionamento e do trânsito dependem de uma cooperação estreita entre a União e a Suíça e declara‑se preocupado com o facto de a exclusão do setor energético suíço implicar riscos para a zona síncrona da Europa continental. Segundo o Parlamento, até à celebração de um acordo‑quadro entre a União e a Suíça, são necessárias soluções técnicas a nível dos ORT e a inclusão da Suíça nos cálculos da capacidade da União, para reduzir os maiores riscos para a estabilidade da rede regional e a segurança do aprovisionamento (6).

IV.    Tramitação processual no Tribunal Geral e despacho recorrido

17.      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de fevereiro de 2021, a recorrente interpôs recurso ao abrigo do artigo 263.° TFUE destinado a anular a decisão alegadamente constante da carta controvertida.

18.      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de maio de 2021, a Comissão deduziu uma exceção de inadmissibilidade invocando que a carta controvertida não constituía um ato recorrível, na aceção do artigo 263.° TFUE, uma vez que a mesma não produzia efeitos jurídicos vinculativos, por se tratar de uma troca de correspondência informal entre os representantes dos ORT de eletricidade e a DG «Energia» a nível dos seus serviços. Além disso, a recorrente não demonstrou a sua legitimidade, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, dado que a carta controvertida não lhe dizia diretamente respeito.

19.      Com o despacho recorrido, o Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso da recorrente, uma vez que a carta controvertida não era um ato suscetível de recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.° TFUE.

20.      A este respeito, o Tribunal Geral considera que o contexto jurídico no qual se insere a carta controvertida impede que seja qualificada de «ato destinado a produzir efeitos jurídicos vinculativos em relação à recorrente», na aceção da jurisprudência (7). Segundo o Tribunal Geral, o artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195 não confere à recorrente o direito de solicitar e obter da Comissão que autorize a Suíça e, por conseguinte, os ORT de eletricidade aí estabelecidos a participar nas plataformas europeias de regulação, designadamente na plataforma TERRE. O Tribunal Geral considera que decorre da redação desta disposição que a Comissão continua a ter o direito de recusar essa participação, mesmo na eventualidade de se encontrarem preenchidos os requisitos do artigo 1.°, n.° 6, deste regulamento, que justificam tal autorização. Em substância, salienta que, se o cumprimento dos dois requisitos previstos no artigo 1.°, n.° 6, do referido regulamento permite à Comissão adotar uma posição sobre a questão de saber se é necessário autorizar a referida participação, esta disposição não lhe impõe nenhuma obrigação nesse sentido. Além disso, outra interpretação privaria de efeito útil o artigo 1.°, n.° 7, segundo período, do mesmo regulamento (8).

21.      O Tribunal Geral concluiu que a adoção de uma decisão que autorize a Suíça e, por conseguinte, os ORT de eletricidade aí estabelecidos a participar nas plataformas europeias de regulação apenas depende da escolha da Comissão, que dispõe, a este respeito, de um poder discricionário. Segundo o Tribunal Geral, a recorrente, na qualidade de ORT de eletricidade suíça, não dispõe assim de um direito individual de solicitar e obter da Comissão a adoção de uma decisão que autorize a participação da Suíça e, consequentemente, dos ORT de eletricidade aí estabelecidos nas plataformas europeias de regulação. Assim, a «carta [controvertida] não pode [...] constituir uma decisão suscetível de produzir efeitos jurídicos em relação à recorrente, de modo a alterar a sua situação jurídica [...], dado que não afeta o direito individual que enquadraria o poder de decisão da Comissão, que, no caso concreto, é discricionário» (9).

V.      Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

22.      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de fevereiro de 2023, a recorrente interpôs o presente recurso.

23.      Com o presente recurso, a recorrente conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        julgar o recurso de anulação admissível;

–        remeter o processo ao Tribunal Geral para decisão sobre o mérito do recurso em primeira instância, e

–        reservar para final a decisão quanto às despesas no presente recurso.

24.      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso e

–        condenar a recorrente nas despesas.

25.      Foram ouvidas as observações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal de Justiça na audiência de 8 de maio de 2024.

VI.    Apreciação

A.      Considerações preliminares

26.      Com os primeiro e segundo fundamentos, a recorrente põe em causa a apreciação do Tribunal Geral segundo a qual a carta controvertida não produz efeitos jurídicos a seu respeito, de modo que altere a sua situação jurídica, pelo facto de não afetar o direito individual que enquadraria o poder discricionário da Comissão nos termos do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195.

27.      Proponho que estes dois fundamentos sejam abordados em conjunto.

28.      Num primeiro momento, analisarei a questão de saber se a carta controvertida preenche os critérios do conceito de «ato recorrível» tendo em conta, nomeadamente, a sua substância e a intenção do seu autor (Secção B).

29.      Num segundo momento, verificarei o impacto na qualificação de «ato recorrível» dessa carta, de um poder de apreciação ou discricionário da Comissão, nos termos do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195, relativo à concessão de uma autorização e, inversamente, da eventual falta de competência vinculada a este respeito ou do direito individual da recorrente a obter essa autorização (Secção C).

30.      Num terceiro momento, a título exaustivo, atendendo ao segundo fundamento, analisarei o âmbito e os limites desse poder de apreciação ou discricionário em resposta ao argumento da recorrente de que, no presente caso, dispõe de um direito individual a que correspondia uma obrigação da Comissão de lhe conceder essa autorização. Neste contexto, responderei também ao terceiro fundamento em que se invoca que, a este respeito, o Tribunal Geral não fundamentou de forma suficiente o despacho recorrido (Secção D).

B.      Critérios jurisprudenciais que regem o conceito de «ato recorrível» e o conteúdo da carta controvertida

31.      Para determinar se a carta controvertida constitui um ato recorrível, há que recordar a jurisprudência que reconheceu que qualquer ato, seja qual for a sua forma, que vise produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de maneira caracterizada a sua situação jurídica, pode ser objeto de um recurso jurisdicional. Para apreciar a questão de saber se um ato produz esses efeitos e pode, por conseguinte, ser objeto de um recurso, o mesmo deve ser apreciado à luz de critérios objetivos e do seu conteúdo. A este respeito, é necessário, como é reconhecido pelo Tribunal Geral (10), também ter em conta o contexto da sua adoção, os poderes da instituição que dele é autora (11) e, ainda, a intenção prosseguida por esta última (12).

32.      Em contrapartida, escapa à fiscalização jurisdicional prevista no artigo 263.° TFUE qualquer ato que não produza efeitos jurídicos vinculativos, como os atos preparatórios e os atos de pura execução, as meras recomendações e os pareceres, assim, como, em princípio, as instruções internas (13).

33.      O facto de a carta controvertida não revestir a forma de uma decisão formal da Comissão, mas a de uma simples carta assinada por uma diretora da DG «Energia», não tem, assim, impacto na sua qualificação de «ato recorrível» (14). Se assim não fosse, a Comissão poderia subtrair‑se à fiscalização do juiz da União preterindo requisitos formais que regem a adoção do ato controvertido, que são necessários pelo seu conteúdo efetivo, nomeadamente a competência do serviço atuante, a designação correta deste ato como «decisão» ou ainda a sua notificação formal ao destinatário (15).

34.      Quanto à substância da carta controvertida, nomeadamente ao seu conteúdo e à sua redação, incluindo a intenção do seu autor que dela decorre, o Tribunal Geral refere o facto de esta carta, primeiro, recordar que a participação da recorrente na plataforma TERRE não é possível sem a Comissão autorizar previamente a Suíça a participar nesta plataforma, em aplicação do artigo 1.°, n.os 6 e 7, do Regulamento 2017/2195, segundo, sublinhar que os requisitos dessa participação não parecem atualmente preenchidos e, terceiro, solicitar aos ORT de eletricidade a exclusão da recorrente da referida plataforma, o mais tardar até 1 de março de 2021 (16).

35.      Esta terceira consideração indica por si só que a Comissão previa a atribuição de consequências jurídicas à carta controvertida suscetíveis de lesar a recorrente. Todavia, o Tribunal Geral não o tem em consideração na sequência da sua análise. Com efeito, não apreciando sequer o alcance das considerações expostas na carta controvertida ou a intenção prosseguida pelo seu autor, limita‑se a pronunciar‑se em seguida quanto ao «contexto jurídico» em que se insere esta carta, que, na sua opinião, impede que seja qualificada de «ato destinado a produzir efeitos jurídicos vinculativos em relação à recorrente» (17).

36.      Considero que esta abordagem padece de um erro de direito, nomeadamente porque não tem em consideração o facto de o conteúdo da carta controvertida lesar manifestamente a recorrente. Por um lado, a recusa de autorizar a recorrente, enquanto ORT de eletricidade suíço e membro da REORT‑E, a participar plenamente na plataforma TERRE, à semelhança dos ORT de eletricidade da União, afeta ainda mais os seus interesses, uma vez que tinha participado nesta plataforma, mesmo não sendo membro de pleno e não podendo invocar um direito individual para esse feito (18). Por outro lado, nessa carta, a Comissão considerou ilegal a atual participação da recorrente na plataforma TERRE e solicitou aos ORT de eletricidade da União, utilizando uma linguagem imperativa em negrito, para esse efeito (19), que o excluíssem até 1 de março de 2021, o mais tardar. Além disso, mencionou aí a possibilidade de ações de indemnização decorrentes da requerida exclusão da recorrente da plataforma TERRE (20). Ora, a recusa de adotar uma decisão de autorização, conjugada com o pedido de fazer cessar a participação da recorrente nessa plataforma, suscetível de dar origem a ações de indemnização, visa necessariamente produzir efeitos de direito que afetam os interesses da recorrente alterando de maneira caracterizada a sua situação jurídica. Por conseguinte, não pode ser privada do direito, ao abrigo do artigo 263.° TFUE e do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), de contestar a procedência destas recusas e instaurar um processo nas jurisdições da União.

37.      No entanto, o Tribunal Geral nem sequer examinou estes aspetos determinantes para a apreciação da existência de um ato recorrível, o que leva a que o seu raciocínio exposto nos n.os 23 a 29 do despacho recorrido padeça de um erro de direito.

C.      Poder discricionário e inexistência de um direito individual

38.      Além disso, considero que o Tribunal Geral não tinha o direito de fazer referência à existência de um poder discricionário da Comissão e, por conseguinte, à inexistência de um direito individual de obter uma autorização para participar na plataforma TERRE, para deduzir que a carta controvertida não podia produzir efeitos juridicamente vinculativos em relação à recorrente nem alterar a sua situação jurídica.

39.      Parece evidente que, uma vez que a regulamentação em causa não prevê uma competência vinculada, mas um poder de apreciação ou discricionário da administração, isso exclui desde logo, em princípio, a existência de um direito individual a solicitar um determinado comportamento da sua parte, a saber, no presente caso, a autorização da Suíça e da recorrente a participar, nomeadamente, na plataforma TERRE. Esta consideração não desvirtua o alcance exato de um eventual poder discricionário conferido à Comissão nos termos do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195 que analisarei nos n.os 51 a 58 das presentes conclusões.

40.      Daqui decorre que o raciocínio exposto nos n.os 24 a 29 do despacho recorrido limita‑se a enunciar uma evidência jurídica recorrente a respeito de uma situação na qual um particular pretende obter, da parte de uma autoridade que dispõe de um poder de apreciação ou discricionário, uma resposta ou a tomada de uma medida a seu favor (21). Em contrapartida, daí não decorre que a tomada de posição definitiva dessa autoridade que se recusa a usar esse poder no sentido pretendido pelo particular não é suscetível de recurso perante o juiz da União dado que, na falta de um direito individual para este efeito, essa tomada de posição não o afeta. Assim, em matéria de concorrência, ainda que um denunciante, nomeadamente um concorrente que prove ter um interesse legítimo, não possa exigir à Comissão a adoção de uma decisão no sentido que solicitou, tem direito, no entanto, a um exame diligente e imparcial da sua denúncia e a uma resposta definitiva fundamentada pela Comissão, resposta que é suscetível de recurso (22).

41.      Do mesmo modo, ao proceder desta forma, o Tribunal Geral menosprezou o estatuto processual da recorrente, enquanto único ORT suíço, no âmbito do procedimento instaurado ao abrigo do artigo 1.°, n.os 6 e 7, do Regulamento 2017/2195. Este procedimento visa especificamente obter o reconhecimento da participação da Suíça e dos ORT suíços nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação através de uma decisão da Comissão com base num parecer emitido pela ACER e por todos os ORT da União. Assim, no presente caso, este procedimento foi desencadeado ao abrigo dos pareceres da ACER e dos referidos ORT favoráveis à inclusão da recorrente na plataforma TERRE, seguidos de um pedido desta no mesmo sentido, em observância do segundo requisito do n.° 6 do artigo 1.° deste regulamento (23).

42.      Atendendo a este objetivo do procedimento ao abrigo do artigo 1.°, n.os 6 e 7, do Regulamento 2017/2195 e a esta situação, a recorrente podia assim invocar, à semelhança de um denunciante em direito da concorrência, o direito a que a Comissão trate o seu processo, designadamente o seu pedido de autorização, de uma forma diligente e imparcial e fundamente devidamente a resposta definitiva a esse pedido, a fim de lhe permitir contestar a respetiva procedência (24). No presente caso, o respeito destas exigências processuais era tanto mais necessário quanto o poder de apreciação, ou mesmo discricionário, de que a Comissão dispunha para efeitos da concessão dessa autorização (25). Ora, a qualificação da carta controvertida de «ato não suscetível de recurso» permitiria à Comissão escapar a uma fiscalização jurisdicional a este respeito (26).

43.      No despacho recorrido, o Tribunal Geral ignorou estas exigências processuais que, no entanto, a Comissão pretendia manifestamente satisfazer com a carta controvertida, o que também é confirmado pelo facto de ter enviado uma cópia à recorrente. Com efeito, a Comissão expôs na mesma a sua posição definitiva tanto sobre os pareceres dos ORT e da ACER como sobre este pedido ao pôr termo ao procedimento ao abrigo do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195.

44.      Daí resulta que a existência enquanto tal de um poder discricionário da Comissão, por força do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195, não é suscetível de privar a carta controvertida de efeitos juridicamente vinculativos em relação à recorrente, conforme referido no n.° 36 das presentes conclusões. O facto, sublinhado pelo Tribunal Geral, de esta disposição não «exigir» à Comissão que autorize a participação da Suíça nas plataformas europeias de regulação se estiverem preenchidos os requisitos do artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento 2017/2195 (27), mas reservar‑lhe uma «escolha» para esse efeito (28), não exclui que a carta controvertida altera a sua situação jurídica. O Tribunal Geral também não pode justificar a sua abordagem pela constatação de que outra interpretação privaria de efeito útil o artigo 1.°, n.° 7, segundo período, do mesmo regulamento (29). Isto é tanto menos possível quanto a análise do âmbito e das consequências do exercício do alegado poder discricionário da Comissão é abrangida na apreciação do mérito e não da admissibilidade do recurso (30).

45.      Por conseguinte, a consideração exposta no n.° 23 do despacho recorrido, segundo a qual o contexto jurídico em que se insere a carta controvertida não permite que esta seja qualificada de «ato destinado a produzir efeitos jurídicos vinculativos em relação à recorrente», padece de um erro de direito. O mesmo se aplica à conclusão do n.° 29 deste despacho, segundo a qual, em substância, esta carta não pode constituir uma decisão suscetível de produzir efeitos jurídicos em relação àquela, como alterar a sua situação jurídica, uma vez que não afeta um direito individual, o que enquadraria o poder de decisão discricionário da Comissão.

46.      Padece também de um erro de direito a consideração enunciada no n.° 28 do despacho recorrido, segundo a qual o artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195 não confere nenhum direito à recorrente para instaurar o procedimento aí previsto ou a ser associada ao mesmo, seja de que maneira for, nomeadamente a título do exercício de um direito de ser ouvido. Segundo jurisprudência constante, o direito de ser ouvido aplica‑se a qualquer processo que possa ter como resultado um ato lesivo, como a recusa de autorizar a participação da recorrente na plataforma TERRE ou a sua exclusão desta plataforma, e o seu respeito impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (31). A recorrente dispõe, assim, dessa garantia processual e do direito de obter uma fiscalização jurisdicional do seu respeito pela Comissão (32). De qualquer modo, é facto assente que, no presente caso, o procedimento ao abrigo desta disposição já estava em curso quando a recorrente apresentou o seu pedido e já se encontravam preenchidos dois dos critérios formais para a Comissão adotar uma decisão por força da referida disposição, isto é, os pareceres favoráveis dos ORT de eletricidade associados na REORT‑E e na ACER, de modo que não pode ser privada do seu direito de ser ouvida neste âmbito.

47.      Por outro lado, a alteração caracterizada da situação jurídica da recorrente daí resultante é suficiente para reconhecer a sua afetação direta, na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, conforme interpretado pela jurisprudência assente (33). Com efeito, a este respeito, devem estar reunidos dois critérios cumulativos, a saber, que a medida contestada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos seus destinatários, que estão encarregados pela sua execução (34).

48.      Contrariamente ao que afirma a Comissão, é o que acontece no presente caso. Com efeito, a carta controvertida não só recusa a autorização da participação da Suíça e da recorrente na plataforma TERRE mas também exige a sua exclusão da mesma o mais tardar até 1 de março de 2021 (35), sem, no entanto, dar um poder de apreciação a este respeito aos ORT de eletricidade destinatários. Daqui resulta que as considerações do Tribunal Geral, conforme expostas a título exaustivo no n.° 30 do despacho recorrido, também ignoram o critério da afetação direta.

49.      Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento e anular o despacho recorrido.

50.      Não obstante as considerações precedentes serem suficientes para efeitos da anulação do despacho recorrido, proponho responder também ao segundo fundamento, na parte em que visa contestar o âmbito do poder discricionário da Comissão e invocar a existência de um direito da recorrente a obter a sua autorização para participar, nomeadamente, na plataforma TERRE. Com efeito, esta resposta que é mais relativa ao mérito do que à admissibilidade do recurso pode ser útil à decisão definitiva do litígio na sequência de uma eventual remessa do processo ao Tribunal Geral.

D.      Âmbito do poder discricionário que exclui a existência de um direito individual à obtenção de uma autorização

51.      Com o seu segundo fundamento, a recorrente alega essencialmente que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir que o artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento 2017/2195 não lhe confere nenhum direito individual a solicitar e a obter da Comissão a adoção de uma decisão que autorize a participação da Suíça e, por conseguinte, dos ORT aí estabelecidos nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação (36). Em substância, a recorrente considera que, uma vez que se verifica o cumprimento do critério formal da existência de pareceres favoráveis dos ORT e da ACER nos termos desta disposição e que, segundo esses pareceres, está preenchido o segundo requisito previsto no artigo 1.°, n.° 7, do mesmo regulamento, a Comissão era obrigada a adotar uma decisão nesse mesmo sentido.

52.      A este respeito, importa referir que o artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento 2017/2195 prevê apenas a possibilidade («poderão») de as plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação serem abertas aos ORT que operam na Suíça. Esta abertura é possível sob reserva de dois requisitos alternativos, a saber, por um lado, desde que a legislação suíça aplique as principais disposições pertinentes da legislação relativa ao mercado da eletricidade da União e que exista um acordo intergovernamental de cooperação no domínio da eletricidade entre a União e a Suíça, e, por outro, se, da exclusão da Suíça, pudessem resultar fluxos físicos de energia não programados através da Suíça que pudessem comprometer a segurança do sistema na região.

53.      Por força do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195, a Comissão dispõe do poder exclusivo de adotar uma decisão («a Comissão decide») que autorize a Suíça e os ORT que aí operem a participar nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação. Além disso, o exercício deste poder de decisão depende, por um lado, da reunião de dois requisitos materiais alternativos previstos no n.° 6 do mesmo artigo, conforme referido no número precedente, e, por outro, de um requisito formal, isto é, a existência de um parecer emitido pela ACER e por todos os ORT, sem que se especifique se esse parecer deve ser positivo ou negativo («com base num parecer» (37)).

54.      Estas considerações são suficientes para rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual, se a ACER e os ORT da União emitirem um parecer positivo quanto à questão de saber se se encontra preenchido um dos requisitos previstos no artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento 2017/2195, a Comissão é obrigada a adotar uma decisão que autorize a participação da Suíça e dos ORT que aí operam nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação. O mesmo se aplica ao seu argumento de que a utilização da forma passiva («est décidée par la Commission» ou «shall be decided by the Commission»), no primeiro período do artigo 1.°, n.° 7, deste regulamento, lhe exige a adoção dessa decisão. Isto é tanto mais verdade quanto outras versões linguísticas utilizam a forma ativa a este respeito (38).

55.      Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu corretamente, em substância, no n.° 26 do despacho recorrido, que o facto de estar preenchido um dos requisitos previstos no artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento 2017/2195 «apenas permite que a Comissão adote uma posição sobre a questão de saber se essa participação deve ser autorizada, mas não lhe exige que a autorize». Com efeito, se nenhum desses dois requisitos estiver preenchido, a Comissão não pode adotar uma decisão de autorização. Em contrapartida, pode fazê‑lo desde que um desses requisitos se encontre preenchido.

56.      No entanto, a este respeito, o segundo período do artigo 1.°, n.° 7, do Regulamento 2017/2195, sobre o qual o Tribunal Geral se pronuncia no n.° 27 do despacho recorrido, é irrelevante. Este segundo período limita‑se a determinar as consequências jurídicas de uma decisão de autorização, quando esta for tomada ao abrigo do primeiro período desta disposição, o que não acontece no presente caso, e não diz respeito, assim, aos requisitos prévios para a sua adoção. Com efeito, apenas depois de ter autorizado a participação dos ORT suíços é que os respetivos direitos e responsabilidades devem ser «coerentes com os direitos e responsabilidades dos ORT que operam na União, de modo a possibilitar o bom funcionamento do mercado de regulação ao nível da União e a colocar todas as partes interessadas em igualdade de circunstâncias» (39). Esta exigência revela‑se tanto mais necessária quanto a decisão de autorização se baseia no segundo dos requisitos previstos no artigo 1.°, n.° 6, do mesmo regulamento, situação na qual não é garantido que a Suíça aplique, como prevê o primeiro destes requisitos, as principais disposições da legislação que rege o mercado da eletricidade da União. Em contrapartida, na falta dessa autorização e, portanto, da participação dos ORT suíços, por definição, os seus direitos e as suas responsabilidades não podem ser os mesmos dos ORT da União, nem «possibilitar o bom funcionamento do mercado de regulação ao nível da União» (40).

57.      Por último, os conceitos indeterminados contidos no segundo requisito nos termos do artigo 1.°, n.° 6, do Regulamento 2017/2195, bem como a sua redação aberta, indicam que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação relativo à questão de saber se este requisito se encontra preenchido. Com efeito, este exige uma dupla análise contrafactual complexa da sua parte para determinar se, por um lado, da exclusão da Suíça são suscetíveis de resultar «fluxos físicos […] não‑programados através da Suíça» e, por outro lado, se esses fluxos podem «comprometer a segurança do sistema da região». Esta consideração confirma que, atendendo ao seu poder de decisão exclusivo ao abrigo desta disposição, a Comissão não pode ser obrigada a adotar uma decisão de autorização pelo simples facto de a ACER e os ORT terem emitido um parecer positivo. Isto é tanto menos verdade quanto, como no caso concreto, o parecer positivo da ACER se baseia na única consideração de que a participação da Suíça seria uma solução eficaz para reduzir os congestionamentos e aumentar a segurança operacional (41).

58.      Por conseguinte, o Tribunal Geral tem efetivamente o direito de considerar que a Comissão dispunha de um amplo poder de apreciação, até mesmo de um poder discricionário, por força do artigo 1.°, n.os 6 e 7, do Regulamento 2017/2195, que excluía a existência de um direito individual da recorrente a obter uma decisão de autorização. Do mesmo modo, esta apreciação resulta de forma suficientemente clara e compreensível dos n.os 24 a 29 do despacho recorrido, pelo que ao Tribunal Geral não pode ser imputada uma fundamentação insuficiente da sua decisão a este respeito (terceiro fundamento).

59.      Por conseguinte, o segundo fundamento não pode ser acolhido. Não é menos verdade que, à luz do que ficou exposto nos n.os 31 a 49 das presentes conclusões, esta apreciação do Tribunal Geral não é suscetível de fundamentar a sua conclusão de que a carta controvertida não produzia efeitos jurídicos vinculativos em relação à recorrente e que esta carta constituía, assim, um ato não suscetível de recurso.

VII. Conclusão

60.      Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedente o primeiro fundamento do presente recurso, anule o despacho recorrido, remeta o processo ao Tribunal Geral em conformidade com o artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e reserve para final a decisão quanto às despesas.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento da Comissão, de 23 de novembro de 2017, que estabelece orientações relativas ao equilíbrio do sistema elétrico (JO 2017, L 312, p. 6).


3      Esta é a fórmula utilizada na jurisprudência constante, designadamente nos Acórdãos de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.° 29); de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão (C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.° 51), e de 20 de dezembro de 2017, Trioplast Industrier/Commission (C‑364/16 P, não publicado, EU:C:2017:1008, n.° 28).


4      V. n.° 3 das presentes conclusões.


5      Mais precisamente, a ACER pronunciou‑se a este respeito da seguinte forma: «[A] participação da Suíça nas plataformas europeias para troca de produtos normalizados de energia de regulação poderia ser uma solução eficaz para lutar contra eventuais problemas de congestionamento da rede suíça e aumentar a eficácia do cálculo e da atribuição de capacidade interzonal suíça, bem como a segurança da exploração global na região.»


6      V. n.os 39 e 40 da Resolução do Parlamento Europeu, de 4 de outubro de 2023, sobre as relações UE‑Suíça [2023/2042(INI)] (JO 2024, C/2024/1183).


7      V. n.os 19 a 23 do despacho recorrido que fazem referência, nomeadamente, ao Acórdão de 15 de julho de 2021, FBF (C‑911/19, EU:C:2021:599, n.° 36).


8      V. n.os 24 a 28 do despacho recorrido.


9      V. n.° 29 do despacho recorrido.


10      V. n.° 20, in fine, do despacho recorrido.


11      V., neste sentido, Acórdãos de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.os 36 e 37); de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento (C‑650/18, EU:C:2021:426, n.os 37 e 38), bem como de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.os 62 e 63). V. também as minhas conclusões nos processos apensos BEI/ClientEarth e Comissão/BEI (C‑212/21 P e C‑223/21 P, EU:C:2022:1003, n.° 47), bem como no processo Nemea Bank/BCE (C‑181/22 P, EU:C:2023:935, n.° 47).


12      V., nomeadamente, Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão (C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.° 52).


13      Acórdão de 22 de abril de 2021, thyssenkrupp Electrical Steel e thyssenkrupp Electrical Steel Ugo/Commissão (C‑572/18 P, EU:C:2021:317, n.° 47 e jurisprudência referida).


14      V., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.os 44 e 59 e jurisprudência referida), e de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão (C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.° 47); Despacho de 22 de janeiro de 2010, Makhteshim‑Agan Holding e o./Comissão (C‑69/09 P, não publicado, EU:C:2010:37, n.° 38).


15      V., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.os 44 e 45), que diz respeito a uma mera carta dos serviços da Direção‑Geral da Concorrência da Comissão que arquiva uma denúncia em matéria de auxílios de Estado.


16      V. n.° 21 do despacho recorrido.


17      V. n.° 23 do despacho recorrido.


18      V. n.os 38 a 45 das presentes conclusões.


19      A passagem pertinente constante da página 3 da carta controvertida tem a seguinte redação (destacada no original): «The Commission thus asks TSOs to reestablish a situation which is compliant with the conditions for participation in EU platforms in the Electricity Balancing Regulation and exclude Swissgrid from the TERRE platform as of 1 March 2021 at the latest.»


20      A passagem pertinente exposta na primeira página da carta controvertida tem a seguinte redação: «This may become relevant in relation to possible damage claims resulting from the required exclusion of Swissgrid from the TERRE platform.»


21      Quanto à situação de denunciantes em direito da concorrência ou de auxílios de Estado que solicitam à Comissão que faça uso dos seus poderes de instrução e dos seus poderes de decisão, v., nomeadamente, Acórdãos de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão (C‑322/09 P, EU:C:2010:701); de 19 de janeiro de 2017, Comissão/Total e Elf Aquitaine (C‑351/15 P, EU:C:2017:27); de 20 de dezembro de 2017, Trioplast Industrier/Comissão (C‑364/16 P, não publicado, EU:C:2017:1008), e de 20 de abril de 2023, Amazon.com e o./Comissão (C‑815/21 P, EU:C:2023:308).


22      V., nomeadamente, Acórdão de 30 de junho de 2022, Fakro/Comissão (C‑149/21 P, não publicado, EU:C:2022:517, n.os 42 a 50 e jurisprudência referida).


23      V. também n.o 52 e seguintes das presentes conclusões.


24      V., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 18 de novembro de 2010, NDSHT/Comissão (C‑322/09 P, EU:C:2010:701, n.os 45 e segs.), e de 19 de janeiro de 2017, Comissão/Total e Elf Aquitaine (C‑351/15 P, EU:C:2017:27, n.os 35 a 38).


25      V. jurisprudência constante desde o Acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438, n.° 14); v., nomeadamente, Acórdão de 4 de maio de 2023, BCE/Crédit lyonnais (C‑389/21 P, EU:C:2023:368, n.° 57 e jurisprudência referida: «quando uma instituição dispõe de um amplo poder de apreciação, reveste uma importância fundamental o respeito das garantias processuais, das quais faz parte a obrigação de esta examinar, cuidadosa e imparcialmente, todos os elementos pertinentes da situação em causa»). Esta jurisprudência deu origem ao artigo 41.°, n.° 1, e ao artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta; v. Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), anotação ao artigo 41.° — Direito a uma boa administração.


26      V., a este respeito, os terceiro e quarto fundamentos da petição inicial em primeira instância.


27      V. n.os 26 e 27 do despacho recorrido.


28      V. n.° 29 do despacho recorrido.


29      V. n.° 27, in fine, do despacho recorrido.


30      V., também, n.os 56 a 58 das presentes conclusões.


31      V., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2012, M. (C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 85 e 86), e de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ (C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.° 67). V., também, artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta.


32      V., a este respeito, terceiro fundamento da petição inicial em primeira instância.


33      Acórdãos de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656,n.° 38), e de 4 de dezembro de 2019, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (C‑342/18 P, não publicado, EU:C:2019:1043, n.° 35).


34      Acórdãos de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.os 65 e 66), e de 4 de dezembro de 2019, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão (C‑342/18 P, não publicado, EU:C:2019:1043, n.° 37).


35      V. n.° 36 das presentes conclusões.


36      V. n.os 28 e 29 do despacho recorrido.


37      As restantes versões linguísticas devem ser entendidas da mesma forma; v., por exemplo, a versão em língua alemã («auf der Grundlage einer Stellungnahme»), ou a versão em língua inglesa («based on an opinion»).


38      V., nomeadamente, a versão em língua alemã («entscheidet die Kommission»), a versão em língua dinamarquesa («træffer Kommissionen») e a versão em língua neerlandesa («neemt de Commissie»).


39      As versões em língua alemã e em língua inglesa expressam esta consequência jurídica de uma forma ainda mais clara: «Im Interesse eines reibungslos funktionierenden Regelreservemarkts auf Unionsebene und gleicher Wettbewerbsbedingungen für alle Interessenträger entsprechen die Rechte und Pflichten der schweizerischen ÜNB dabei den Rechten und Pflichten der in der Union tätigen ÜNB»; «The rights and responsibilities of Swiss TSOs shall be consistent with the rights and responsibilities of TSOs operating in the Union, allowing for a smooth functioning of balancing market at Union level and a levelplaying field for all stakeholders». (O sublinhado é meu.)


40      Esta consideração não prejudica a questão de saber se a recorrente se comprometeu voluntariamente perante os outros ORT a respeitar as regras pertinentes da União, como afirmou na audiência.


41      V. n.° 10 das presentes conclusões e página 1 da carta controvertida.

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