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Document 62023CC0023

    Conclusões da advogada-geral Ćapeta apresentadas em 30 de maio de 2024.


    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:444

    Edição provisória

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    TAMARA ĆAPETA

    apresentadas em 30 de maio de 2024 (1)

    Processo C23/23

    Comissão Europeia

    contra

    República de Malta

    (Incumprimento de Estado — Diretiva 2009/147/CE — Conservação de aves selvagens — Captura de indivíduos vivos — Regime derrogatório que permite a captura de fringilídeos — Artigo 9.°, n.° 1, alínea b) — Derrogação para fins de investigação — Exigências — Fundamentação clara e suficiente — Inexistência de uma alternativa satisfatória)






    I.      Introdução

    1.        O falcão não é a única ave pela qual Malta é famosa (2). De facto, durante séculos, Malta teve uma tradição de captura de fringilídeos selvagens que sobrevoavam o seu território durante a migração (3).

    2.        Na União Europeia, os fringilídeos selvagens são protegidos pela Diretiva Aves (4). Inspirando‑se na frase imortal de Sam Spade, em The Maltese Falcon [O Falcão de Malta], «não me importo de estar metido numa quantidade razoável de sarilhos», durante as negociações de adesão, a República de Malta aceitou adaptar os seus costumes às exigências da Diretiva Aves até 2008 (5).

    3.        Assim, em 2009, Malta proibiu a captura de fringilídeos. Contudo, em 2014, decidiu utilizar a derrogação prevista no artigo 9.°, 1, alínea c), da Diretiva Aves para permitir a captura de sete espécies de fringilídeos selvagens como atividade recreativa (6).

    4.        No seu Acórdão de 21 de junho de 2018, Comissão/Malta (7), o Tribunal de Justiça considerou que esse regime para fins recreativos não respeitava as condições dessa derrogação. É especialmente relevante para a presente petição inicial o facto de o Tribunal de Justiça ter considerado que a falta de conhecimentos sobre a proveniência das populações de referência das aves que sobrevoam Malta na migração impedia a satisfação do critério da «pequena quantidade» estabelecido na derrogação para fins recreativos prevista na Diretiva Aves (a seguir «lacuna de conhecimentos») (8).

    5.        Na sequência desse acórdão, Malta revogou o regime derrogatório para fins recreativos.

    6.        Em outubro de 2020, Malta adotou o «Projeto Fringilídeos» (9). Este projeto prevê a captura de indivíduos vivos das mesmas sete espécies de fringilídeos, como previsto na legislação que permitia a captura para fins recreativos, mas a captura proposta pelo Projeto Fringilídeos é concebida como parte de um pretenso projeto de investigação. A nova legislação que institui o enquadramento do Projeto Fringilídeos baseia‑se numa outra derrogação da Diretiva Aves, a qual, nos termos do seu artigo 9.°, n.° 1, alínea b), pode ser invocada para «fins de investigação».

    7.        A Comissão Europeia considera que o Projeto Fringilídeos é apenas uma «cobertura» para permitir a continuação das mesmas atividades recreativas de captura de fringilídeos, que o Tribunal de Justiça, no Acórdão Comissão/Malta, considerou contrárias à Diretiva Aves. Consequentemente, a Comissão deu início a um procedimento de infração, com base no artigo 258.° TFUE, o qual deu origem à presente ação (10).

    II.    Quadro jurídico

    A.      Direito da UE

    8.        A Diretiva Aves é, em conjunto com a Diretiva Habitats (11), o instrumento da União que tem como objetivo a conservação da biodiversidade (12).

    9.        Como decorre dos considerandos 3 e 5 da Diretiva Aves, a preservação da diversidade de espécies de aves não é apenas um objetivo ambiental em si mesmo, mas é igualmente entendida como um elemento necessário à realização dos objetivos da União nos domínios do desenvolvimento sustentável e da melhoria das condições de vida.

    10.      Não obstante determinadas diferenças no regime aplicável às espécies de aves enumeradas nos anexos I a III da Diretiva Aves, o artigo 1.°, n.° 1, desta esclarece que a sua finalidade é a conservação de «todas as espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem no território europeu dos Estados‑Membros ao qual é aplicável o Tratado» (13). Para esse efeito, a Diretiva Aves regulamenta «a proteção, a gestão e o controlo dessas espécies e regula a sua exploração».

    11.      O artigo 5.° da Diretiva Aves prevê a proibição, nomeadamente, de matar ou capturar intencionalmente aves, qualquer que seja o método utilizado, e de perturbar intencionalmente aves.

    12.      O artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva Aves acrescenta:

    «No que diz respeito à caça, à captura ou ao abate de aves no âmbito da presente diretiva, os Estados‑Membros proíbem o recurso a todos os meios, instalações ou métodos de captura ou de abate em grande escala ou não seletivos, ou que possam conduzir localmente ao desaparecimento de uma espécie, e particularmente das enumeradas no ponto a) do anexo IV».

    13.      O anexo IV, ponto a), quarto travessão, refere as redes e as armadilhas entre os meios e métodos de captura proibidos, e decorre do Acórdão Comissão/Malta  que as armadilhas de rede, cuja utilização está prevista no «Projeto Fringilídeos», são abrangidas por essa disposição (14).

    14.      Ainda que a Diretiva Aves proíba, em princípio, a captura de aves, o Tribunal de Justiça considerou que, em determinadas condições, a caça ou captura de aves selvagens praticada para fins de lazer é suscetível de constituir uma «exploração judiciosa» autorizada por essa diretiva (15). Tal parece estar em consonância com o artigo 2.° da referida diretiva, que permite que os Estados‑Membros tenham em conta as exigências económicas e de recreio quando tomem as medidas necessárias para a conservação de aves.

    15.      No entanto, como confirmou igualmente o Tribunal de Justiça (16), a manutenção de atividades tradicionais não constitui uma derrogação autónoma do regime de proteção estabelecido na Diretiva Aves. Pelo contrário, qualquer derrogação apenas pode ser autorizada se tal estiver previsto na própria Diretiva Aves e nas condições aí fixadas.

    16.      A este respeito, o artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva Aves tem a seguinte redação:

    «Os Estados‑Membros podem derrogar os artigos 5.° a 8.°, se não existir outra solução satisfatória, com os fundamentos seguintes:

    [...]

    b)      Para fins de investigação e de ensino, de repovoamento, de reintrodução e ainda para a criação associada a estas ações;

    c)      Para permitir, em condições estritamente controladas e de um modo seletivo, a captura, a detenção ou qualquer outra exploração judiciosa de certas aves, em pequenas quantidades».

    B.      Direito maltês

    17.      A República de Malta instituiu o Projeto Fringilídeos em 2020. A legislação pertinente foi adotada com base nas «Regras relativas às aves selvagens» (17), que é o ato legislativo que transpõe a Diretiva Aves para o direito maltês.

    18.      A regra 9 das Regras Relativas às Aves Selvagens transpõe o artigo 9.° da Diretiva Aves, fixa as condições de apreciação das derrogações e estabelece um procedimento de decisão específico que envolve o Comité ORNIS de Malta, cuja função é regulada pela regra 10 das Regras Relativas às Aves Selvagens.

    19.      O Projeto Fringilídeos foi instituído pelas Regras‑quadro 2020 (18) e aplicado, nesse ano, com base na Declaração 2020 (19). O quadro de base foi alterado em 2021 pelas Regras‑quadro 2021 (20), que foram aplicadas, nesse ano, pela Declaração 2021 (21) e, no ano seguinte, pela Declaração 2022 (22).

    20.      As regras pertinentes «estabelecem um quadro que permite, em condições estritamente controladas e de um modo seletivo, uma derrogação para fins de investigação para determinar a população de referência em Malta [de sete espécies de fringilídeos], com base no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), [da Diretiva Aves]» (23). As Regras‑quadro 2020 explicavam ainda, na regra 1, alínea 2), que o projeto «tem como finalidade específica recolher informação científica suficiente para permitir a Malta introduzir um regime derrogatório nos termos do artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva Aves, que respeite o critério da «pequena quantidade», tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça no [Acórdão Comissão/Malta]».

    21.      No âmbito do Projeto Fringilídeos, esses dados seriam recolhidos através da captura de aves pertencentes às sete espécies de fringilídeos abrangidas pelo projeto, com recurso a armadilhas de rede com malhas de dimensões não inferiores a 18mm por 18mm. A conceção do estudo visa obter a saturação de dados quando a amostra atingir 60 a 70 recuperações de anilhas por cada uma das sete espécies de fringilídeos.

    22.      A captura deve ser levada a cabo por pessoas titulares de uma licença especial, designadas responsáveis pela recolha de dados. A licença especial pode ser atribuída a uma pessoa que possua uma licença geral de captura de indivíduos vivos, apresente uma planta da zona com a localização das suas armadilhas de rede aprovadas e frequente um curso obrigatório sobre os objetivos da investigação.

    23.      Após capturar a ave, o responsável pela recolha de dados verifica se a ave capturada está anilhada e, se assim for, introduz a informação constante da anilha num formulário de recolha (o que é designado «controlar»). O formulário deve ser devolvido à Wild Birds Regulation Unit (Unidade de Regulação das Aves Selvagens; a seguir «WBRU») de Malta. Desde a adoção das Regras‑quadro 2021, está previsto que a captura de qualquer exemplar por um responsável pela recolha de dados deve ser imediatamente reportada à entidade reguladora (que, no período de referência, já era a WBRU), incluindo dos exemplares que não estejam anilhados. Após «controlar» a ave, o titular da licença deve libertá‑la imediatamente na natureza.

    24.      O quadro regulatório pertinente previa também a possibilidade de participação no projeto de pessoas titulares da licença especial de anilhagem, cuja função seria colocar a anilha com dados relevantes nas aves capturadas. Contudo, as organizações com atividade em matéria de anilhagem de aves em Malta, a EURING e a BirdLife Malta, recusaram‑se a participar no Projeto Fringilídeos, invocando razões éticas (24), e incitaram os anilhadores a não participar nesse projeto. Uma vez que os anilhadores de aves do sistema nacional de anilhagem não participam no projeto, como foi explicado na audiência, Malta lançou um concurso à escala europeia para anilhadores de aves antes de cada época de investigação. Contudo, nenhum anilhador de aves se candidatou. Por este motivo, o Projeto Fringilídeos consistiu exclusivamente em capturar e controlar aves que já estavam anilhadas.

    25.      O Projeto Fringilídeos acima descrito foi executado de 2020 a 2022. Em cada ano, entre 20 de outubro e 20 de dezembro, as declarações de execução deram início aos períodos de investigação durante os quais era permitida a captura de aves.

    III. Procedimento précontencioso

    26.      Em 3 de dezembro de 2020, a Comissão enviou a Malta uma notificação para cumprir. Considerava que o Projeto Fringilídeos era incompatível com os artigos 5.o e 8.°, n.° 1, da Diretiva Aves e não encontrava justificação na derrogação prevista no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da referida diretiva. A Comissão considerou que Malta não demonstrara que o Projeto Fringilídeos prosseguia, verdadeiramente, um objetivo de investigação, que a legislação maltesa não continha fundamentação quanto à existência de outra solução satisfatória e que Malta não demonstrara a inexistência de outra solução satisfatória.

    27.      Malta respondeu em 3 de fevereiro de 2021, alegando que o Projeto Fringilídeos era justificado pelo artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves. Alegava que o novo regime derrogatório prosseguia objetivos de investigação. Em especial, a referida investigação visa suprir a falta de dados detetada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Comissão/Malta.

    28.      Em 9 de junho de 2021, a Comissão emitiu um parecer fundamentado com as mesmas acusações que constavam da notificação para cumprir. Uma vez que Malta já referira que iria abrir uma nova época de captura no outono de 2021, o parecer fundamentado estabeleceu um prazo de resposta curto de um mês. O pedido de prorrogação desse prazo, apresentado por Malta, foi indeferido.

    29.      Malta respondeu a esse parecer fundamentado em 15 de julho de 2021, mantendo a sua posição de que o regime em causa respeitava o Direito da UE.

    30.      Após debates e reuniões entre os serviços da Comissão e as autoridades maltesas, em 14 de outubro de 2021, o Ministro do Ambiente de Malta revogou as Regras‑quadro 2020 «sem prejuízo da validade de qualquer ato ou omissão praticados no seu âmbito».

    31.      Em 19 de outubro de 2021, o referido ministro deu continuidade ao Projeto Fringilídeos adotando as Regras‑quadro 2021 (25).

    32.      A Comissão considera que as Regras‑quadro 2020 e as Regras‑quadro 2021, bem como as Declarações que deram início aos períodos de investigação em 2022, 2021 e 2022, constituem condutas da mesma natureza, pelo que considera que constituem, conjuntamente, uma única medida.

    IV.    Processo no Tribunal de Justiça

    33.      Na sua petição inicial, apresentada em 20 de janeiro de 2023, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça declare que, ao adotar o Projeto Fringilídeos e, portanto, ao permitir a captura de indivíduos vivos de sete espécies de fringilídeos selvagens em questão, Malta não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5.° e 8.°, n.° 1, da Diretiva Aves, lidos em conjugação com o artigo 9.°, n.° 1, da mesma.

    34.      Na sua contestação, apresentada em 21 de abril de 2023, Malta pede que o Tribunal de Justiça declare a presente ação inadmissível ou, em alternativa, a julgue improcedente.

    35.      A Comissão e Malta apresentaram também réplica e tréplica, em 19 de junho de 2023 e em 24 de julho de 2023, respetivamente.

    36.      Foi realizada uma audiência em 7 de março de 2024, na qual a Comissão e Malta apresentaram alegações orais.

    V.      Análise

    37.      Antes de apreciar o mérito da causa, pronunciar‑me‑ei sobre a sua admissibilidade.

    A.      Quanto à admissibilidade

    38.      Malta alega que a presente ação é inadmissível na medida em que se baseia num parecer fundamentado que deu imediatamente origem a uma alteração substancial do quadro jurídico nacional, que a petição inicial equipara e confunde com o quadro anterior. Consequentemente, o âmbito da presente ação não é claro e viola os direitos de defesa de Malta.

    39.      A Comissão responde que o parecer fundamentado de 9 de junho de 2021 era relativo ao Projeto Fringilídeos de Malta, que, nessa data, era constituído pelas Regras‑quadro 2020 e pela Declaração 2020. A petição visava o mesmo projeto, que, nessa altura, foi continuado pelas Regras‑quadro 2021 e pelas Declarações 2021 e 2022. Na opinião da Comissão, estas medidas constituem condutas «da mesma natureza» (26).

    40.      A Comissão alega que as características essenciais do Projeto Fringilídeos inicial, que, de acordo com o parecer fundamentado, não respeitavam o artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves, se mantinham no regime vigente quando a Comissão apresentou a petição inicial. Essas características essenciais são as seguintes: o projeto prossegue o mesmo alegado objetivo de investigação de recolha de informação (27), que diz respeito às mesmas sete espécies de fringilídeos (28); o projeto prevê as mesmas condições de licenciamento, incluindo a atribuição de licenças não a cientistas profissionais, mas a qualquer pessoa com uma licença geral de captura que possua o mesmo tipo de armadilhas de rede e tenha frequentado o mesmo curso (29); além disso, o âmbito de aplicação do regime derrogatório abrange o mesmo período de 64 dias no outono (30).

    41.      Contrariamente aos argumentos de Malta de que as Regras‑quadro 2021 sanaram as objeções da Comissão suscitadas na ação por incumprimento, a Comissão considera que as novidades introduzidas pelas Regras‑quadro 2021 e pelas decisões de execução são insignificantes. A introdução da entidade reguladora responsável pela investigação não teve qualquer impacto significativo, uma vez que esse papel é desempenhado pela «Unidade de Regulação das Aves Selvagens» (WBRU) (31), o que já acontecia no âmbito das Regras‑quadro anteriores. As Regras‑quadro 2021 atribuíram licenças com base em pedidos que foram apresentados no âmbito das Regras‑quadro 2020 precedentes; as Declarações (2020, 2021 e 2022) são quase idênticas.

    42.      Na minha opinião, a exceção de inadmissibilidade suscitada por Malta deve ser julgada improcedente.

    43.      De facto, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o objeto de uma ação intentada nos termos do artigo 258.° TFUE está circunscrito pelo procedimento administrativo previsto nesse artigo e, em consequência, o parecer fundamentado da Comissão e a petição inicial apresentada no Tribunal de Justiça devem basear‑se em acusações idênticas (32).

    44.      Ao mesmo tempo, o Tribunal de Justiça reconhece que tal requisito não pode, contudo, ir ao ponto de impor que, em todos os casos, as disposições nacionais referidas no parecer fundamentado e na petição inicial sejam completamente idênticas. Quando se tenha verificado uma alteração legislativa entre a fase pré‑contenciosa e a fase judicial do processo, basta que o sistema aplicado pela legislação impugnada no decurso do procedimento pré‑contencioso tenha, no essencial, sido mantido pelas novas medidas adotadas pelo Estado‑Membro posteriormente ao parecer fundamentado, ainda que a nova legislação não tenha sido formalmente impugnada na fase pré‑contenciosa (33).

    45.      De facto, concordo que, se, por cada alteração não substancial da legislação em apreciação, os Estados‑Membros pudessem fazer com que se tornasse necessário retomar o procedimento desde o início, a ação por incumprimento perderia a sua eficácia. Por isso, a mera alteração da legislação não pode ser um motivo para considerar automaticamente que uma ação intentada no Tribunal de Justiça é inadmissível. No entanto, como afirma Malta, daqui não pode resultar que o Estado demandado fique privado da possibilidade de se defender de modo eficaz.

    46.      A este respeito, concordo com a posição da Comissão segundo a qual a nova versão da legislação nacional que reformou o Projeto Fringilídeos não introduziu uma alteração substancial nos elementos identificados pela Comissão (34).

    47.      Além disso, as alegações da Comissão quanto aos motivos pelos quais o Projeto Fringilídeos não satisfaz os requisitos previstos no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves eram inteligíveis para Malta. Este Estado‑Membro teve oportunidade de explicar se e de que modo a nova legislação resolvia de forma diferente as falhas invocadas pela Comissão e de explicar ao Tribunal de Justiça por que razão considerava que essa legislação cumpria as condições previstas no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves. Consequentemente, os direitos de defesa de Malta foram respeitados.

    48.      Por conseguinte, na minha opinião, a presente ação é admissível.

    B.      Quanto ao mérito

    49.      No presente processo, a Comissão alega que Malta não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5.° e 8.° da Diretiva Aves e que a violação destas disposições não pode basear‑se na derrogação para fins de investigação prevista no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves.

    50.      Malta baseou, desde o início e literalmente, a sua legislação no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves. A decisão de se basear numa derrogação não pode ser entendida senão no sentido de que Malta reconhece que, se não fosse abrangida pelo âmbito de aplicação de uma derrogação, a atividade prevista na sua legislação seria contrária à Diretiva Aves.

    51.      A questão central do presente processo é, por isso, a de saber se Malta cumpriu as condições exigidas para a derrogação para fins de investigação prevista na Diretiva Aves (35).

    52.      A este respeito, a Comissão baseia‑se em três fundamentos principais. Primeiro, o de que Malta não demonstrou que o Projeto Fringilídeos prosseguia, verdadeiramente, um objetivo de investigação. Segundo, o de que Malta não fundamentou a inexistência de outra solução satisfatória e, terceiro, o de que Malta não demonstrou a inexistência de outra solução satisfatória.

    53.      A questão mais importante e inédita suscitada pelo presente processo diz respeito ao primeiro fundamento — o Projeto Fringilídeos de Malta é um verdadeiro projeto de investigação ou, como alega a Comissão, é apenas uma cobertura para manter as atividades que violam a Diretiva Aves? Começarei por abordar esta questão, no ponto 1. A minha conclusão é a de que o projeto de investigação em causa, tanto no que respeita à sua conceção como à sua execução, tem defeitos que devem levar o Tribunal de Justiça a concluir que, na verdade, não se trata de um verdadeiro projeto de investigação. Por este motivo, considero que os segundo e terceiro fundamentos da Comissão são apenas subsidiários. Abordá‑los‑ei, conjuntamente, no ponto 2.

    1.      Não demonstração de que o Projeto Fringilídeos prossegue um objetivo de investigação

    54.      Como pode o Tribunal de Justiça decidir se um projeto apresentado pelo legislador de um Estado-Membro como projeto de investigação é, de facto, adotado para fins de investigação, ou se o Estado-Membro apenas invoca a derrogação para fins de investigação para permitir atividades que, de outro modo, seriam ilegais?

    55.      A resposta lógica seria que, se um projeto cumpre todas as condições impostas pela Diretiva Aves para invocar essa derrogação, o Tribunal de Justiça deve concluir que esse projeto é adotado para fins de investigação.

    56.      Contudo, essa proposta é mais difícil do que parece. Embora a Diretiva Aves permita uma derrogação para fins de investigação do que, de outro modo, seria considerado captura e perturbação proibidas de aves selvagens, não contém nenhuma indicação sobre o significado da expressão «para fins de investigação», constante do artigo 9.°, n.° 1, alínea b), dessa diretiva.

    57.      A sua diretiva homóloga, a Diretiva Habitats, que contém uma derrogação para fins de investigação praticamente com a mesma redação, a qual permite que se abdique da proteção que esse ato estabelece para fins de conservação de animais e plantas abrangidos por essa diretiva (36), também não fornece nenhuma explicação.

    58.      Na determinação do significado do conceito de «investigação», há que ir buscar inspiração à Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa (Berna), na qual a União Europeia é parte (37). O artigo 9.° dessa convenção prevê derrogações para fins de investigação em termos semelhantes aos das Diretivas Aves e Habitats. No que respeita ao significado de tais derrogações, a Comissão Permanente da Convenção de Berna considerou que «a investigação é uma atividade intelectual com o objetivo de obter novas descobertas científicas de forma metódica, sistemática e testável» (38).

    59.      Esta descrição permite tirar conclusões acerca de alguns elementos do conceito de «investigação», quer substantivas quer processuais. A dimensão substantiva de um projeto de investigação é o seu objetivo; responde à questão de saber que conjunto de conhecimentos o projeto visa aumentar e explica por que razão essa questão deve ser colocada em primeiro lugar. A dimensão processual diz respeito aos métodos científicos que utiliza; ou seja, de que modo o resultado pretendido será alcançado.

    60.      Assim, proponho que, para efeitos do presente processo, e sem que seja necessário dar uma definição mais completa de «investigação», o Tribunal de Justiça estabeleça que um projeto de investigação deve ter um objetivo expresso numa questão de investigação e ser concebido de modo a permitir responder a essa questão. Estes elementos de um conceito de investigação, relativamente ao qual, além disso, ambas as partes concordam que implica uma «investigação científica», não foram objeto de contestação (39).

    61.      Quando confrontado com uma questão semelhante à que o Tribunal de Justiça tem em análise no presente processo, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), num processo respeitante ao projeto japonês de caça à baleia na Antártida (40), considerou igualmente que não era necessário fornecer uma definição abrangente de «investigação». Este órgão jurisdicional explicou, contudo, que «para responder objetivamente à questão de saber se um programa tem como finalidade a investigação científica, há que analisar não as intenções dos representantes do governo em causa, mas o caráter razoável da conceção e da execução do programa para alcançar os objetivos de investigação anunciados» (41).

    62.      Proponho que o Tribunal de Justiça adote um método semelhante e aprecie o caráter razoável da conceção e da execução do Projeto Fringilídeos relativamente aos objetivos de investigação anunciados desse projeto.

    63.      A Comissão suscitou a questão quer dos objetivos de investigação anunciados quer da conceção e da execução do Projeto Fringilídeos. Abordarei, em seguida, esses aspetos.

    a)      Questão de investigação e respetivo objetivo

    64.      A questão de investigação do Projeto Fringilídeos é: «de onde vêm os fringilídeos que sobrevoam Malta durante a migração pós‑nupcial (outono)?» (42)

    65.      A Comissão alega que o objetivo dessa questão de investigação não é um objetivo de conservação. Malta procura responder a essa questão apenas para (re)introduzir a derrogação para fins recreativos.

    66.      Na opinião da Comissão, a derrogação prevista no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves apenas pode ser invocada para investigações que tenham um objetivo de conservação.

    67.      Malta confirmou que a necessidade de responder à questão de investigação do Projeto Fringilídeos foi, de facto, reconhecida depois de o Tribunal de Justiça ter assinalado a lacuna de conhecimentos, no seu Acórdão Comissão/Malta. Contudo, alega que colmatar a lacuna de conhecimentos que impede Malta de introduzir uma derrogação para fins recreativos pode ser o objetivo de um projeto de investigação ao abrigo do artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves.

    68.      Além disso, Malta explica que o Projeto Fringilídeos tem igualmente um objetivo de conservação mais amplo. Alega que saber de onde vêm os fringilídeos que sobrevoam Malta pode ajudar este país a delinear a sua política de conservação. Em especial, os dados gerados pelo Projeto Fringilídeos possibilitariam a identificação de rotas migratórias relevantes e, assim, ajudariam a orientar os esforços de conservação dos habitats e a planear o ordenamento do território de modo a proteger locais de escala e rotas essenciais.

    69.      Na minha opinião, a posição da Comissão de que o objetivo de um projeto de investigação ao abrigo do artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves deve ser unicamente um objetivo de conservação não pode ser aceite. Uma investigação que exija a derrogação da proteção das aves pode servir qualquer interesse legítimo de investigação. A este respeito, na medida em que a captura recreativa de aves é considerada uma exploração judiciosa permitida da derrogação para fins recreativos, desde que apenas uma pequena quantidade de aves seja capturada, a recolha de dados para a introdução de tal derrogação não pode ser contestada com o fundamento de que tem um objetivo ilegítimo.

    70.      A investigação para a promoção dos objetivos de conservação é incentivada por uma outra disposição da Diretiva Aves. O artigo 10.° desta diretiva dispõe que «[o]s Estados‑Membros incentivam as investigações e os trabalhos necessários para fins da proteção, da gestão e da exploração populacional de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.°». É um argumento a favor da minha posição de que o artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves deve ser interpretado no sentido de que também permite a investigação para fins legítimos distintos da conservação.

    71.      Ao mesmo tempo, considero que, ainda que não necessite de ter como objetivo a melhoria dos métodos de conservação, uma investigação ao abrigo de uma disposição derrogatória não pode ter por efeito impedir ou dificultar a realização dos objetivos de conservação para manter o bom estado de conservação de uma espécie.

    72.      Voltando às circunstâncias do presente processo, as Regras‑quadro 2020 definiam o objetivo do Projeto Fringilídeos de forma diferente das Regras‑quadro 2021. A referência expressa à derrogação para fins recreativos, que constava das Regras‑quadro 2020, foi suprimida nas Regras‑quadro 2021 (43). Contudo, na audiência, Malta esclareceu que a eventual introdução da derrogação para fins recreativos ainda é um dos objetivos das Regras‑quadro 2021, apesar de a sua redação ter sido alterada.

    73.      A questão de investigação a que o Projeto Fringilídeos pretende responder afigura‑se adequada para colmatar a lacuna de conhecimentos constatada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Comissão/Malta em relação à derrogação para fins recreativos.

    74.      Inversamente, embora, de acordo com Malta, o Projeto Fringilídeos tenha objetivos de conservação mais amplos, este Estado não explicou, a não ser em termos muito genéricos, que objetivos de conservação o projeto pretende abordar. É, por isso, difícil estabelecer a ligação entre a questão de investigação sobre a proveniência das aves que sobrevoam Malta no outono e eventuais objetivos de conservação.

    75.      No entanto, dando a Malta o benefício da dúvida, prosseguirei a minha análise no pressuposto de que o Projeto Fringilídeos também prossegue um objetivo de conservação mais amplo. Na apreciação do caráter razoável da conceção de um projeto, é necessário tomar em consideração os seus objetivos. Por conseguinte, apreciarei a questão de saber se a conceção do projeto pode ser justificada à luz de ambos os objetivos anunciados.

    b)      Conceção e execução da investigação

    76.      Como foi explicado, a conceção de um projeto e o modo como é executado devem ter um caráter razoável (44). Tal significa que a perturbação das aves, em princípio proibida pela Diretiva Aves, tem de ser justificada pelos objetivos do projeto (45).

    77.      Distinguirei as questões da conceção e da execução da investigação do Projeto Fringilídeos tratando, por um lado, dos aspetos contestados pela Comissão que me parecem partes razoáveis da conceção desse projeto e, por outro, dos aspetos que não considero razoáveis.

    1)      Elementos aceitáveis da conceção do Projeto Fringilídeos

    78.      A Comissão alega que a utilização de armadilhas de rede não é justificada e que o número de locais com armadilhas é excessivo e não está claramente relacionado com a questão abordada. Além disso, dada a pequena quantidade de indivíduos anilhados capturados em Malta, a recolha de dados apenas das aves anilhadas não permite responder à questão de investigação num prazo razoável. A Comissão alega que, com esta conceção da investigação, levaria cerca de 70 anos a recolher a quantidade de anilhas necessária.

    79.      Na minha opinião, Malta apresentou argumentos convincentes contra esses elementos suscitados pela Comissão como sendo defeitos de conceção do projeto. Primeiro, tanto as armadilhas de rede como as redes de malha fina são, em princípio, proibidas pelo anexo IV da Diretiva Aves e só podem ser utilizadas ao abrigo de uma das derrogações. Por isso, se as aves tiverem de ser capturadas, e esse parece ser o único método científico atualmente disponível para interpretar os dados das anilhas dos fringilídeos anilhados, a utilização de armadilhas de rede permite uma captura de aves mais seletiva do que as redes de malha fina. Uma vez que o Projeto Fringilídeos visa sete estirpes específicas de fringilídeos, essa escolha afigura‑se justificada.

    80.      Segundo, posso concordar que o grande número de aves capturadas com armadilha na vasta área do país não é necessariamente um defeito do projeto. Assim sendo, a conceção aumenta as hipóteses de capturar as aves com anilha e recolher a informação necessária mais rapidamente. No entanto, um dos argumentos apresentados por Malta a este respeito não pode ser aceite. Malta salientou que, ao contrário de um projeto recreativo anterior, a captura de uma grande quantidade de aves não é um problema, uma vez que estas são libertadas ilesas para a natureza. Contudo, não se pode considerar que o facto de os fringilídeos serem libertados depois de serem capturados justifica, por si só, a conceção do projeto. Há que não esquecer que, nos termos da Diretiva Aves, a captura e a perturbação de aves também estão proibidas, e não só a sua detenção ou abate.

    81.      Terceiro, na medida em que a saturação é fixada em 60 a 70 anilhas recolhidas por espécie de fringilídeos, que permite concluir que são recolhidos dados suficientes para tirar conclusões fiáveis, não considero que o Tribunal de Justiça esteja suficientemente informado para decidir sobre esse aspeto. O mesmo se aplica quanto às previsões relativas ao eventual termo do projeto.

    2)      Erros inaceitáveis na conceção e na execução da investigação

    82.      Como já propus, na análise da questão de saber se um projeto é um verdadeiro projeto de investigação, o Tribunal de Justiça deve focar‑se no seu caráter razoável. A apreciação do caráter razoável de um projeto de investigação exige que se pondere a perturbação dos fringilídeos selvagens requerida pelo projeto, que é proibida pela Diretiva Aves, e o objetivo científico do mesmo. Quanto mais importante for o objetivo do projeto, mais fácil é justificar a captura e a perturbação. Quanto menos importante for a finalidade, mais difícil será justificar o projeto, o que pode levar à conclusão de que a captura e a perturbação das aves não devem ser permitidas.

    83.      O exercício de ponderação deve tomar igualmente em consideração que o projeto em causa envolve animais vivos (46). Deve ter‑se presente que, de acordo com o artigo 13.° TFUE, a proteção do bem‑estar dos animais constitui um objetivo de interesse geral reconhecido pela União Europeia (47). O Tribunal de Justiça já reconheceu expressamente a sua importância no que respeita à Diretiva Aves (48).

    84.      Quanto ao caráter razoável do Projeto Fringilídeos, a Comissão assinala os seguintes erros na conceção do projeto. Primeiro, não existe um método de recolha de dados abrangente que possa justificar o custo de perturbar as aves, e o projeto centra‑se, erradamente, no registo de indivíduos que já estão anilhados. Segundo, os responsáveis pela recolha de dados que participam no projeto não têm formação adequada e têm uma situação de conflito de interesses que deveria impedir a sua participação no projeto.

    i)      Projeto focado apenas em indivíduos já anilhados

    85.      Em relação ao primeiro argumento, baseando as suas alegações nas conclusões dos relatórios da BirdLife Malta e da EURING, a Comissão começa por afirmar que o facto de o projeto estar focado na proveniência dos fringilídeos é errado. De acordo com os referidos relatórios, «[p]ara promover uma melhor conservação e gestão dos fringilídeos que passam o inverno em Malta, e para proporcionar uma base para a monitorização da eficácia das medidas de conservação futuras, é importante compreender a sua distribuição, quantidade e rotatividade, bem como a sua origem migratória». A ênfase inicial de um projeto credível não deve ser colocada na origem das populações, devendo o projeto calcular primeiro a dimensão, a composição e a rotatividade das populações de fringilídeos que existem em Malta durante a época não reprodutiva. Esta componente pode ser constituída por pesquisas empíricas que forneçam informações básicas sobre as afluências sazonais e a utilização de habitats, identificando as áreas e os habitats mais importantes e aos quais deve ser dada a maior prioridade de conservação no que respeita a essas espécies.» (49)

    86.      Esse argumento não foi refutado por Malta. De facto, se for considerada apenas no contexto do seu objetivo de permitir a (re)introdução de uma derrogação para fins recreativos, colmatando a lacuna de conhecimentos reconhecida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Comissão/Malta, a recolha de dados sobre a proveniência de aves pode afigurar‑se um foco adequado para o projeto. Contudo, concentrar‑se apenas nesse tipo de informação, em especial quando faltam outros dados relevantes que não podem ser recolhidos pelo Projeto Fringilídeos, não pode justificar a perturbação de aves à luz de um objetivo de conservação mais amplo.

    87.      O segundo erro altamente problemático na conceção do projeto é que a captura de aves é permitida unicamente para interpretar e registar dados dos indivíduos capturados que já estejam anilhados. Como alega a Comissão, tal não é científica ou eticamente justificado. Quando as aves são capturadas durante operações de anilhagem, todos os dados científicos adequados devem ser recolhidos para garantir que a utilização científica dos dados possa ser otimizada. A recolha de dados não apenas da anilha, mas também dados complementares sobre cada ave capturada, como a idade e o sexo, o peso, o estado das penas, a medida das asas e outros dados semelhantes, juntamente com a anilhagem de todos os indivíduos capturados, pode, de facto, justificar as ações que, de outro modo, seriam proibidas pela Diretiva Aves. Para tal, é necessária a participação de anilhadores formados e qualificados.

    88.      A este respeito, cabe recordar que, na sua conceção original de acordo com a legislação relevante, o Projeto Fringilídeos previa, de facto, não só a recolha de dados de aves já anilhadas, mas também a anilhagem de todas as aves capturadas. Para a execução dessa parte do projeto, previa‑se a possibilidade de conceder uma autorização especial de participação no projeto a anilhadores de aves que possuíssem uma licença para o efeito. Contudo, devido à falta de confiança do organismo relevante em matéria de anilhagem — a EURING, em relação ao projeto proposto, os anilhadores de aves com atividade em Malta recusaram‑se a participar no projeto (50). De facto, de acordo com este Estado‑Membro, o concurso lançado à escala europeia para anilhadores de aves não foi bem-sucedido. Por este motivo, nos três anos em análise, o projeto foi executado apenas para recolha de dados de aves já anilhadas.

    89.      A captura de aves em larga escala, como previsto pelo Projeto Fringilídeos, apenas para recolha dos dados de aves anilhadas não pode, na minha opinião, justificar o projeto, independentemente de o seu objetivo ser apenas permitir a (re)introdução da derrogação para fins recreativos ou de o projeto prosseguir, efetivamente, objetivos de conservação mais amplos. Em ambos os cenários, a perturbação das aves numa escala tão alargada é desproporcionada em relação ao benefício científico do projeto (51).

    90.      A não participação de anilhadores de aves no Projeto Fringilídeos poderia eventualmente ter sido evitada se o legislador tivesse abdicado de parte da conceção do projeto. Uma das questões controversas que levaram os anilhadores a recusar‑se a participar no Projeto Fringilídeos foi a utilização de negaças vivas. Tal não parece, contudo, necessário para permitir a captura dos fringilídeos com armadilhas de rede. É igualmente eficaz utilizar os chamarizes pré‑gravados (52). Uma vez que tal alteração na conceção do projeto poderia reforçar o seu caráter razoável, porque as aves poderiam ser anilhadas paralelamente ao registo das informações existentes nas anilhas, e sem diminuir a eficácia do método de captura, há que perguntar se esta parte da conceção do projeto não tem um objetivo distinto do objetivo da investigação. Esta parte da conceção permite perpetuar atividades recreativas de armadilhagem de fringilídeos nas quais eram, tradicionalmente, utilizadas negaças vivas (53).

    ii)    Responsáveis pela recolha de dados e ciência cidadã

    91.      Esta questão leva‑me ao argumento seguinte suscitado pela Comissão, relativo ao caráter inadequado da participação no projeto de pessoas que participaram no projeto anterior ao abrigo da derrogação para fins recreativos.

    92.      A principal resposta que Malta dá a essas alegações é a ciência cidadã. Malta afirma que a ciência cidadã é uma ideia fortemente apoiada pela Comissão, e que está surpreendida com a posição da Comissão no presente processo (54). Acrescenta que é adequado incluir titulares da licença de captura de indivíduos vivos adquirida como parte de uma derrogação para fins de captura recreativa, uma vez que essas pessoas sabem como utilizar armadilhas de rede. Por último, Malta insiste no facto de só os caçadores que recebem formação poderem adquirir a licença especial que os qualifica para participarem no Projeto Fringilídeos.

    93.      A ciência cidadã é, de facto, uma ideia apoiada pela União Europeia (55). Contudo, a ideia de incluir cidadãos em projetos científicos não consiste em conceber projetos para efeitos de participação de cidadãos, mas sim em incluir cidadãos em projetos de investigação que sejam, em si mesmos, justificados por algum objetivo científico relevante. A participação de cidadãos deve ser facultada a todos os indivíduos que desejem participar no projeto e não deve ser discriminatória, ainda que possam ser impostas algumas condições de participação.

    94.      O Projeto Fringilídeos, pelo contrário, está concebido de tal modo que apenas as pessoas que possuam a licença geral de captura de indivíduos vivos, que já não é emitida mas é detida apenas por antigos participantes do projeto ao abrigo da derrogação para fins recreativos, podem candidatar‑se à licença especial para participar no Projeto Fringilídeos(56). Tal foi confirmado por Malta na audiência. Contudo, este Estado‑Membro não apresentou uma explicação razoável para o facto de o projeto, já que tem por base a ideia da ciência cidadã, não ser aberto a todos os cidadãos que nele desejem participar. Um dos argumentos apresentados é o de que as pessoas que possuem uma licença geral de captura de indivíduos vivos sabem como utilizar armadilhas de rede. No entanto, nenhum elemento permite explicar por que razão outros cidadãos não conseguiriam aprender a utilizar essas armadilhas de rede para efeitos do projeto.

    95.      A formação obrigatória para se obter o direito à autorização especial parece orientada apenas para a informação dos potenciais participantes sobre a conceção jurídica do projeto, incluindo — não menos importante — a obrigação de libertar imediatamente as aves capturadas. Pelos dados apresentados ao Tribunal de Justiça, não se afigura que a formação em questão crie quaisquer competências necessárias para a recolha de dados, por exemplo, sobre como utilizar adequadamente armadilhas de rede ou como distinguir sete espécies de fringilídeos umas das outras e de outras aves (57). Tal formação não parece, de facto, suficiente para permitir a qualquer cidadão interessado participar no projeto.

    96.      Os outros projetos alegadamente comparáveis com o Projeto Fringilídeos, que Malta referiu na sua contestação por envolverem cidadãos na investigação de aves, não envolviam cidadãos em quaisquer ações invasivas em relação às aves. Pelo contrário, esses projetos diziam sobretudo respeito à observação e à comunicação dos dados observados (58). Além disso, como explica a EURING, os cidadãos que participam nos projetos de anilhagem recebem formação séria, que dura, frequentemente, um ano, e participam no projeto conjuntamente com os anilhadores profissionais (59).

    97.      Posso concordar com Malta quanto ao facto de a inclusão de pessoas que participaram anteriormente na anilhagem recreativa de fringilídeos não representar, em si mesmo, um problema, podendo até ter uma componente educativa, tanto mais que a detenção das aves é proibida no âmbito do projeto.

    98.      Contudo, tal não explica por que razão apenas essas pessoas são convidadas a participar nas oportunidades de ciência cidadã do Projeto Fringilídeos. Tal não está em consonância com o conceito de ciência cidadã. É antes um indício de que o projeto foi, de facto, concebido e executado com a finalidade de permitir que esse grupo específico de cidadãos prosseguisse as suas atividades recreativas de captura de fringilídeos.

    99.      Malta salientou que o projeto prevê a monitorização da sua execução e cumprimento, o que deve impossibilitar os responsáveis pela recolha de dados de deter as aves capturadas. Além disso, os números relativos aos dois últimos anos da execução do projeto mostram a eficácia da monitorização da execução na prática. A este respeito, Malta forneceu bastantes dados relativos aos esforços significativos para melhorar o cumprimento da sua legislação. Por exemplo, para 2021, durante a abertura dos «períodos de investigação», e tendo em conta que tinham sido emitidas 2 904 licenças especiais nos termos da presente derrogação, estabeleceu‑se uma exigência legal de 50 agentes durante o período autorizado e estes agentes realizaram, no total, 3 111 controlos imprevistos, que identificaram 122 ilegalidades (60).

    100. Tal pode, de facto, ter levado à diminuição dos casos em que as aves capturadas não são libertadas. Contudo, como salientou a Comissão na audiência, é estranho que um verdadeiro projeto de investigação requeira essa mobilização constante e considerável de recursos policiais.

    101. Por último, não só a conceção do Projeto Fringilídeos é difícil de defender na perspetiva da ciência cidadã, como esse projeto também não está envolvido na cooperação com outros projetos de investigação. Contudo, seria de esperar que um projeto que depende de dados de outros países e que pode contribuir para outros projetos relacionados com o movimento das aves previsse a cooperação com projetos semelhantes a nível nacional e internacional (61).

    102. Em conclusão, concordo com a posição da Comissão segundo a qual os elementos de prova apresentados não permitem demonstrar o caráter autêntico e razoável da conceção e da execução do Projeto Fringilídeos relativamente aos objetivos de investigação nele anunciados. Por essa razão, o referido projeto não pode ser justificado ao abrigo da derrogação para fins de investigação, prevista no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves.

    2.      Inexistência de outra solução satisfatória e dever de fundamentação

    103. A Comissão alega que Malta não explicou por que razão não é possível responder à questão de investigação por outros métodos, nem o explicou claramente na legislação que introduz a derrogação.

    104. Malta responde que as referências aos relatórios para os quais remetem as declarações de execução das Regras‑quadro 2020 e 2021 explicam, de forma suficientemente clara, por que razão não existe uma alternativa adequada ao Projeto Fringilídeos.

    105. Em primeiro lugar, seja qual for o motivo da derrogação permitida ao abrigo do artigo 9.° da Diretiva Aves, esta disposição contém, no seu n.° 1, a condição segundo a qual essa derrogação só pode ser utilizada «se não existir outra solução satisfatória».

    106. Já expliquei por que razão considero que a conceção e a execução do Projeto Fringilídeos não são razoáveis para alcançar os seus objetivos de investigação. Por isso, considero que este não é adotado para fins de investigação. Por conseguinte, a questão da alternativa não se coloca.

    107. Se, todavia, o Tribunal de Justiça concluir que o Projeto Fringilídeos foi adotado para fins de investigação, considero que, como alega a Comissão, Malta não explicou claramente por que razão as duas alternativas referidas são insuficientes.

    108. A finalidade do Projeto Fringilídeos é determinar de onde são provenientes os fringilídeos que sobrevoam Malta. Para tal, o projeto propõe a utilização dos métodos que são proibidos pela Diretiva Aves — a captura das aves e a utilização de armadilhas de rede. Para que o Projeto Fringilídeos seja justificado com base no artigo 9.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Aves, é, portanto, necessário que Malta demonstre que não estão disponíveis outros métodos que não sejam contrários a essa diretiva, ou que impliquem uma derrogação, mas sejam menos intrusivos.

    109. A primeira alternativa que a Comissão referiu prende‑se com a participação de ornitólogos especializados. A Comissão não explicou claramente de que modo estes devem participar. Certamente, devem participar na conceção do projeto, na análise dos dados recolhidos, nas conclusões a tirar dessa análise e, por último, na publicação dos resultados do projeto (62).

    110. Contudo, o problema da não participação de ornitólogos na conceção do Projeto Fringilídeos, que a Comissão realçou, manifestou‑se na fase da recolha dos dados das anilhas e da recolha de informação adicional das aves capturadas.

    111. A este respeito, parece‑me que Malta não pode alegar que a alternativa mais satisfatória não seria os ornitólogos participarem no projeto, uma vez que, inicialmente, este previa a participação de anilhadores de aves na fase da recolha de dados. Contudo, depois de a sua tentativa de envolver ornitólogos ter falhado, Malta ignorou esse aspeto inicial da conceção do projeto e prosseguiu com a sua execução sem a participação dos ornitólogos. Uma primeira alternativa existia, obviamente, mas foi negligenciada por Malta.

    112. A segunda alternativa referida seria a modelação em larga escala. Embora Malta aduza várias razões pelas quais essa opção é menos eficaz do que o projeto baseado na recolha de dados das anilhas, não alega que tal método é incapaz de responder à questão de investigação e, portanto, de colmatar a lacuna de conhecimentos em questão. Uma vez que a modelação em larga escala é um método de investigação que não é intrusivo, pelo que não é contrário à Diretiva Aves, rejeitar esse método requer uma explicação mais aprofundada.

    113. Considero que Malta não explicou claramente por que razão outros métodos disponíveis não são adequados para colmatar a lacuna de conhecimentos, cuja identificação motivou o desenvolvimento do Projeto Fringilídeos. Por conseguinte, a fundamentação constante da legislação de execução (Declarações) não cumpre o critério da segurança jurídica estabelecido na jurisprudência, (63) que exige uma fundamentação clara e suficiente que explique de que modo as condições previstas no artigo 9.° são satisfeitas, incluindo por que razão a autoridade que introduz a medida derrogatória acredita que não existe outra alternativa satisfatória (64).

    114. As Regras‑quadro 2020 e 2021 não preveem qualquer fundamentação quanto a uma alternativa disponível. As três declarações de execução, que deram início ao período de investigação para 2020, 2021 e 2022, contêm, efetivamente, alguma fundamentação. Enquanto as declarações de 2020 referem apenas implicitamente os estudos que serviram de base para a conceção do projeto, as declarações seguintes referem mais explicitamente esses estudos em notas de rodapé. Contudo, nem esses estudos nem os argumentos apresentados durante o processo no Tribunal de Justiça respondem claramente à questão de saber por que razão os outros métodos tiveram de ser rejeitados. Não se alega que estes não são adequados, mas apenas que são menos eficazes.

    115. Assim, a Comissão demonstrou, de forma suficiente, que Malta não fundamentou a inexistência de outra solução satisfatória e não demonstrou a inexistência de outra solução satisfatória.

    116. Face ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça declare que Malta não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5.° e 8.°, n.° 1, da Diretiva Aves, lidos em conjugação com o artigo 9.°, n.° 1, da mesma diretiva.

    VI.    Quanto às despesas

    117. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República de Malta nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condenar a República de Malta nas despesas.

    VII. Conclusão

    118. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça:

    –        Declare que, ao ter adotado um regime derrogatório que permite a captura de indivíduos vivos de sete espécies de fringilídeos selvagens (tentilhão‑comum Fringilla coelebs, pintaroxo‑comum Carduelis cannabina, pintassilgo Carduelis carduelis, verdilhão Carduelis chloris, bico‑grossudo Coccothraustes coccothraustes, chamariz Serinus serinus e lugre Carduelis spinus), a República de Malta não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.° e do artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens, lidos em conjugação com o artigo 9.°, n.° 1, da mesma diretiva;

    –        Condene a República de Malta a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.


    1      Língua original: inglês.


    2      Huston, J., The Maltese Falcon, Warner Bros, 1941. V., quanto aos factos históricos associados a essa história, Falzon, M‑A., Birds of Passage, Hunting and Conservation in Malta (Nova Iorque, Oxford: Berghahn Books, 2020), p. 26.


    3      Tanto quanto sei, a captura de fringilídeos era praticada em Malta para utilizar essas aves como negaças vivas para caçar e capturar outras aves. As aves eram também presas em gaiolas e utilizadas para criação ou como animais de estimação, ou pelo prazer de escutar os seus dotes vocais. V., a este respeito, Falzon, M‑A., Birds of Passage, Hunting and Conservation in Malta, op. cit., pp. 14‑15; 51; 55‑56.


    4      Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7), que revogou a Diretiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO 1979, L 103, p. 1) (a seguir «Diretiva Aves»).


    5      O Tratado de Adesão previa um período de transição durante o qual Malta devia cessar gradualmente as atividades de captura de aves proibidas pela Diretiva Aves. V. Tratado entre o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República Checa, a República da Estónia, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Hungria, a República de Malta, a República da Polónia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca relativo à adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca (JO 2003, L 236, p. 17, p. 870).


    6      As sete espécies de fringilídeos selvagens em causa são as seguintes: o tentilhão‑comum Fringilla coelebs, o pintaroxo‑comum Carduelis cannabina, o pintassilgo Carduelis carduelis, o verdilhão Carduelis chloris, o bico‑grossudo Coccothraustes coccothraustes, o chamariz Serinus serinus e o lugre Carduelis spinus.


    7      Acórdão de 21 de junho de 2018, Comissão/Malta (C‑557/15, EU:C:2018:477; a seguir «Acórdão Comissão/Malta»).


    8      V. Acórdão Comissão/Malta, n.os 62 a 76. Outras razões pelas quais o Tribunal de Justiça considerou que a derrogação para fins recreativos não satisfazia as condições previstas no artigo 9.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva Aves eram que o método de captura com armadilhas de rede não era seletivo, que a captura com armadilhas era realizada de forma muito intensiva e que a derrogação não era levada a cabo em condições estritamente controladas (V., Comissão/Malta, n.os 71, 79, 81, 84, e 97).


    9      O Projeto Fringilídeos baseia‑se na legislação explicada na secção II das presentes conclusões.


    10      Na audiência, a Comissão explicou que decidiu intentar a presente ação com base no artigo 258.° TFUE, e não com base no artigo 260.°, n.° 2, TFUE, porque a legislação que introduz o Projeto Fringilídeos é alegadamente justificada por uma outra disposição da Diretiva Aves. Assim, ainda que, de acordo com a Comissão, a nova legislação mantenha o regime anterior, o facto de se basear num fundamento de derrogação diferente levou a que fosse desencadeado um novo procedimento de infração.


    11      Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), recentemente alterada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013, que adapta determinadas diretivas no domínio do ambiente, devido à adesão da República da Croácia (JO 2013, L 158, p. 193) (a seguir «Diretiva Habitats»).


    12      V., quanto à importância da biodiversidade, as considerações introdutórias das Conclusões que apresentei no processo Comissão/Irlanda  (Proteção de zonas especiais de conservação) (C‑444/21, EU:C:2023:90, n.os 1 a 3).


    13      [Sublinhado por mim]. Deve sublinhar‑se que o anexo I da Diretiva Aves elenca as aves que, de acordo com o seu artigo 4.°, são objeto de medidas de conservação especial de modo a garantir a sua sobrevivência. O anexo II elenca as espécies que podem ser objeto de atos de caça no âmbito da legislação nacional e o anexo III elenca as espécies que podem ser comercializadas em condições específicas. Os fringilídeos, que são objeto do «Projeto Fringilídeos», não estão elencados em nenhum dos anexos da Diretiva Aves. Contudo, estão igualmente sujeitos a medidas de conservação especial com base no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva Aves, que impõe medidas semelhantes para «as espécies migratórias não referidas no anexo I e cuja ocorrência seja regular».


    14      V., neste sentido, n.os 79, 81 e 84 do Acórdão Comissão/Malta.


    15      V., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2021, One Voice e Ligue pour la protection des oiseaux (C‑900/19, EU:C:2021:211, n.° 33 e jurisprudência referida; a seguir «Acórdão One Voice»).


    16      V., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 1987, Comissão/Bélgica (247/85, EU:C:1987:339), n.° 8; de 28 de fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha (C‑57/89, EU:C:1991:89), n.° 22; de 23 de abril de 2020, Comissão/Finlândia (Caça de primavera de eideres‑edredão machos) (C‑217/19, EU:C:2020:291), n.° 85, e Acórdão One Voice, n.° 35.


    17      Legal Notice 79 (Decreto‑Lei 79), de 29 março de 2006, que contém as Regras sobre a conservação das aves selvagens (anexo I da petição inicial).


    18      Legal Notice 399 (Decreto‑Lei 399), de 27 de outubro de 2020.


    19      Legal Notice 400 (Decreto‑Lei 400), de 2020, relativo a uma declaração sobre uma derrogação que permite um período de investigação para 2020.


    20      Legal Notice 394 (Decreto‑Lei 394), de 2021.


    21      Legal Notice 395 (Decreto‑Lei 395), de 2021, relativo a uma declaração sobre uma derrogação que permite um período de investigação científica para 2021.


    22      Legal Notice 257 (Decreto‑Lei 257), de 2022, relativo a uma declaração sobre uma derrogação que permite um período de investigação científica para 2022.


    23      Tal está previsto na regra 1, alínea 2), das Regras‑quadro 2020 e das Regras‑quadro 2021. Contudo, a redação «em condições estritamente controladas e de um modo seletivo» foi inserida pelas Regras‑quadro 2021.


    24      V., a este respeito, regra 2, alínea c), da Declaração 2021, que explica que os anilhadores de aves do sistema nacional de anilhagem não podem utilizar chamarizes vivos para efeitos de anilhagem e controlo, e são eticamente contra essa utilização.


    25      Com a Declaração 2021, adotada no mesmo dia que as Regras‑quadro 2021, Malta deu início a um novo período de investigação, de 20 de outubro de 2021 a 20 de dezembro de 2021. Um período de investigação idêntico, de 20 de outubro de 2022 a 20 de dezembro de 2022, foi iniciado com a Declaração 2022.


    26      Acórdão de 22 de março de 1983, Comissão/França (42/82, EU:C:1983:88, n.° 20).


    27      V. regra 1, alínea 2), das Regras‑quadro 2020 e das Regras‑quadro 2021.


    28      V. definição de «espécies relevantes» constante da Regra 2, alínea 2), das Regras‑quadro 2020 e das Regras‑quadro 2021.


    29      V. regras 5 a 7 das Regras‑quadro 2020 e regras 10 a 12 das Regras‑quadro 2021.


    30      V. regra 4 das Regras‑quadro 2020 e regra 8 das Regras‑quadro 2021.


    31      V. regra 23 das Regras‑quadro 2021.


    32      V., nesse sentido, Acórdãos de 17 de novembro de 1992, Comissão/Grécia (C‑105/91, EU:C:1992:441, n.° 12 e jurisprudência referida), e de 4 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha  (C‑211/13, EU:C:2014:2148, n.° 23 e jurisprudência referida).


    33      V., nesse sentido, Acórdãos de 17 de novembro de 1992, Comissão/Grécia (C‑105/91, EU:C:1992:441, n.° 13 e jurisprudência referida); de 9 de setembro de 2004, Comissão/Grécia (C‑417/02, EU:C:2004:503, n.° 17), e de 4 de setembro de 2014, Comissão/Alemanha (C‑211/13, EU:C:2014:2148, n.° 24 e jurisprudência referida).


    34      V. n.° 40 das presentes conclusões.


    35      V., nesse sentido, Acórdão One Voice, n.° 29 e jurisprudência referida.


    36      V. artigo 16.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva Habitats. A pequena diferença é a utilização do singular na versão em língua inglesa da Diretiva Habitats. Não creio que seja uma diferença importante ou intencional. Além disso, a versão em língua francesa tanto da Diretiva Habitats como da Diretiva Aves utiliza o plural, e é minha convicção que o plural é mais adequado para referir tanto a investigação como a educação.


    37      A advogada‑geral J. Kokott considerou que o artigo 9.° da Diretiva Aves transpôs o artigo 9.° da Convenção Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, assinada em Berna, em 19 de setembro de 1979 (JO 1982, L 38, p. 3) (a seguir «Convenção de Berna»), da qual a União Europeia é parte [Decisão 82/72/CEE do Conselho, de 3 de dezembro de 1981,  respeitante à conclusão da Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa (JO 1982, L 38, p. 1)], razão pela qual essa convenção deve ser tida em conta na interpretação da Diretiva Aves. V. Conclusões que apresentou nos processos apensos Föreningen Skydda Skogen (C‑473/19 e C‑474/19, EU:C:2020:699, n.° 73).


    38      Comissão Permanente, Provisions on Exceptions in accordance with Article 9 of the Bern Convention, T‑PVS/Inf (2011) 23, n.° 3.5.5, p. 19 disponível em https://rm.coe.int/0900001680746b62 (última consulta em 29 de fevereiro de 2024).


    39      Com base em Day, R. e Gastel, B. «How to Write and Publish a Scientific Paper», 9.ª Ed., Cambridge University Press, 2022, Malta apresentou os seguintes elementos como partes constitutivas de um projeto de investigação: tal projeto deve formular uma questão de investigação, optar por uma conceção de investigação, prever os métodos de recolha e de análise de dados e, por último, interpretar e relatar os resultados. Malta sustenta que o Projeto Fringilídeos contém todos esses elementos. A Comissão não contesta a definição de investigação científica adotada por Malta. Contudo, alega que o Projeto Fringilídeos não corresponde a essa definição.


    40      Acórdão de 31 de março de 2014 do Tribunal Internacional de Justiça, Caça à baleia na Antártida (Austrália/Japão: Nova Zelândia como interveniente), Acórdão, TIJ, Coletânea de 2014, p. 226, pp. 258.


    41      Ibidem, n.° 97 do acórdão.


    42      Esta questão, enquanto fundamento do Projeto Fringilídeos, é referida no documento «Projeto de investigação dos fringilídeos: âmbito e metodologia», Unidade de Regulação das Aves Selvagens, que parece ser um relatório de peritos criado antes da instituição do Projeto Fringilídeos, p. 4. O documento apresentado ao Tribunal de Justiça (como anexo B.2 da contestação) refere que foi adotado em maio de 2020, mas só foi publicado em março de 2023 numa versão atualizada. Nas suas observações, Malta confirmou que esta é, de facto, a questão de investigação do Projeto Fringilídeos.


    43      A regra 2, n.° 1, das Regras‑quadro 2020 refere expressamente a recolha de dados para a futura introdução da derrogação para fins recreativos como um objetivo do Projeto Fringilídeos. A regra 2, n.° 1, das Regras‑quadro 2021 já não refere expressamente esse objetivo.


    44      V. n.os 60 e 61 das presentes conclusões.


    45      V., quanto à necessidade de proporcionalidade de qualquer medida baseada no artigo 9.° da Diretiva Aves, Acórdão de 10 de setembro de 2009, Comissão/Malta (C‑76/08, EU:C:2009:535, n.° 57), e Acórdão One Voice, n.° 61 e jurisprudência referida.


    46      V., a este respeito, procedimentos e considerações éticas a incluir nos projetos propostos no quadro do Programa Horizonte 2020, em: https://ec.europa.eu/research/participants/docs/h2020‑funding‑guide/cross‑cutting‑issues/ethics_en.htm.


    47      V., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o. (C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.° 63), e de 29 de fevereiro de 2024, cdVet Naturprodukte (C‑13/23, EU:C:2024:175, n.° 49). A este respeito, a União Europeia adotou a Diretiva 2010/63/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de setembro de 2010, relativa à proteção dos animais utilizados para fins científicos (JO 2010, L 276, p. 33).


    48      Acórdão One Voice, n.os 39 e 65.


    49      EURING, Parecer para a Comissão Europeia sobre Recolha de Dados para Promover a Conservação e a Gestão das Populações de Fringilídeos Maltesas (Anexo A.21 da petição inicial), p. 12.


    50      V., a este respeito, ata da reunião do Comité Ornis de Malta de quarta‑feira, dia 26 de agosto de 2020 (anexo A.20 da petição inicial), n.° 5.29, p. 13.


    51      De acordo com os dados de que o Tribunal de Justiça dispõe, em 2020, foram recolhidas apenas 10 anilhas [relatório da Unidade de Regulação das Aves Selvagens «sobre o resultado da derrogação para fins de investigação, no outono de 2020, para determinar a população de referência maltesa das sete espécies de fringilídeos», de março de 2021 (Anexo A.11 da petição inicial), n.° 5.2.] e, em 2021, foram recolhidas 22 [relatório da Unidade de Regulação das Aves Selvagens «sobre o resultado da derrogação para fins de investigação, no outono de 2021, para determinar a população de referência maltesa das sete espécies de fringilídeos», de março de 2022 (anexo B.27 da contestação), n.° 5.2].


    52      De facto, o Comité Ornis de Malta, na sua reunião, votou a favor de acrescentar os chamarizes de aves à eventual utilização de negaças vivas pelos caçadores. Um representante da BirdLife Malta votou contra devido à utilização continuada de negaças vivas. V., a este respeito, ata da reunião do Comité Ornis de Malta de quarta‑feira, dia 26 de agosto de 2020 (nota 50 das presentes conclusões), n.os 5.14, 5.26 e 5.30. Na audiência, Malta não explicou por que razão tal alteração não tinha sido introduzida, tendo apenas repetido que a utilização de chamarizes de aves foi acrescentada como possibilidade adicional à utilização de negaças vivas.


    53      V., a este respeito, ata da reunião do Comité Ornis de Malta de quarta‑feira, dia 26 de agosto de 2020 (nota 50 das presentes conclusões) n.° 5.14.


    54      A este respeito, Malta refere o Livro Verde sobre Ciência Cidadã, de 2013, disponível em http://socientize.eu/sites/default/files/Green %20Paper %20on %20Citizen %20Science %202013.pdf; Recomendação (UE) 2024/736 da Comissão, de 1 de março de 2024, relativa a um código de boas práticas em matéria de participação dos cidadãos na valorização dos conhecimentos (JO 2024, L, 5 de março de 2024).


    55      A Comissão Europeia financia a iniciativa ciência cidadã da União no âmbito do seu projeto Horizonte 2020, explicado em: https://eu‑citizen.science/. O sítio elenca 328 projetos que têm envolvido o público na investigação através de atividades de ciência cidadã.


    56      Regras 5.3, alínea a), das Regras‑quadro 2020 e regras 10.5 alínea a), das Regras‑quadro 2021. V., igualmente, relatório da Unidade de Regulação das Aves Selvagens «sobre o resultado da derrogação para fins de investigação, no outono de 2020, para determinar a população de referência maltesa das sete espécies de fringilídeos», de março de 2021 (Anexo A.11 da petição inicial), n.° 4.1; e relatório da Unidade de Regulação das Aves Selvagens «sobre o resultado da derrogação para fins de investigação, no outono de 2021, para determinar a população de referência maltesa das sete espécies de fringilídeos», de março de 2022 (anexo B.27 da contestação), n.° 4.1.


    57      Na falta de mais informações pormenorizadas sobre a formação, tal pode ser concluído do exemplo de teste que os candidatos à licença têm de passar, que foi incluída nos documentos apresentados ao Tribunal de Justiça como anexo B.3 da contestação.


    58      Malta referiu o eBird, o Christmas Bird Count e o Breeding Bird Survey, que, como reconheceu nas suas observações, se centram na observação e na monitorização não invasivas.


    59      V., por exemplo, British Trust for Ornithology e Bird Banding Laboratory, nos EUA.


    60      Esses dados foram confirmados pela carta do comissário de polícia. V. anexo B. 28 da contestação.


    61      V., no mesmo sentido, Acórdão de 31 de março de 2014 do Tribunal Internacional de Justiça, Caça à baleia na Antártida (Austrália/Japão: Nova Zelândia como interveniente), Acórdão, TIJ, Coletânea de 2014, p. 226, n.os 220‑222.


    62      A Comissão Permanente da Convenção de Berna explicou que, quer seja organizada por instituições públicas quer por instituições privadas, ou mesmo por particulares, a investigação tem de ser realizada pelo «investigador […] com uma base sólida de formação correspondente» e deve «destinar‑se a ter um efeito público». Comissão Permanente, Provisions on Exceptions in accordance with Article 9 of the Bern Convention, T‑PVS/Inf (2011) 23, p. 20 disponível em https://rm.coe.int/0900001680746b62 (última consulta em 29 de fevereiro de 2024).


    63      Acórdãos de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o. (C‑60/05, EU:C:2006:378, n.° 34 e jurisprudência referida); Acórdão Comissão/Malta, n.° 47, e Acórdão One Voice, n.° 28.


    64      V., por exemplo, Acórdão de 11 de novembro de 2010, Comissão/Itália (C‑164/09, não publicado, EU:C:2010:672), n.° 26; Acórdão Comissão/Malta, n.° 50, e Acórdão One voice, n.° 31.

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