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Document 62022TJ0034

    Acórdão do Tribunal Geral (Segunda Secção alargada) de 12 de julho de 2023 (Extratos).
    Cunsorziu di i Salamaghji Corsi - Consortium des Charcutiers Corses e o. contra Comissão Europeia.
    Indicação geográfica protegida – Denominação de origem protegida – Pedidos de indicações geográficas protegidas “Jambon sec de l’Île de Beauté”, “Lonzo de l’Île de Beauté” e “Coppa de l’Île de Beauté” – Denominações de origem protegidas anteriores “Jambon sec de Corse – Prisuttu”, “Lonzo de Corse – Lonzu” e “Coppa de Corse – Coppa di Corsica” – Elegibilidade das denominações – Evocação – Artigo 7.°, n.° 1, alínea a), e artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (UE) n.° 1151/2012 – Âmbito do controlo pela Comissão do pedido de registo – Artigo 50.°, n.° 1, e artigo 52.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1151/2012 – Erro de apreciação.
    Processo T-34/22.

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2023:386

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

    12 de julho de 2023 ( *1 )

    «Indicação geográfica protegida — Denominação de origem protegida — Pedidos de indicações geográficas protegidas “Jambon sec de l’Île de Beauté”, “Lonzo de l’Île de Beauté” e “Coppa de l’Île de Beauté” — Denominações de origem protegidas anteriores “Jambon sec de Corse — Prisuttu”, “Lonzo de Corse — Lonzu” e “Coppa de Corse — Coppa di Corsica” — Elegibilidade das denominações — Evocação — Artigo 7.o, n.o 1, alínea a), e artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 — Âmbito do controlo pela Comissão do pedido de registo — Artigo 50.o, n.o 1, e artigo 52.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012 — Erro de apreciação»

    No processo T‑34/22,

    Cunsorziu di i Salamaghji Corsi — Consortium des Charcutiers Corses, com sede em Borgo (França), e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo ( 1 ), representados por T. de Haan e V. Le Meur‑Baudry, advogados,

    recorrentes,

    contra

    Comissão Europeia, representada por M. Konstantinidis, C. Perrin e B. Rechena, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada),

    composto por: A. Marcoulli, presidente, S. Frimodt Nielsen, J. Schwarcz, V. Tomljenović e R. Norkus (relator), juízes,

    secretário: L. Ramette, administrador,

    vistos os autos,

    após a audiência de 13 de janeiro de 2023,

    profere o presente

    Acórdão ( 2 )

    1

    Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, os recorrentes, Cunsorziu di i Salamaghji Corsi — O Consortium des Charcutiers Corses e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo, pedem a anulação da Decisão de Execução (UE) 2021/1879 da Comissão, de 26 de outubro de 2021, relativa ao indeferimento de três pedidos de proteção de denominações como indicações geográficas em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento e do Conselho [«Jambon sec de l’Île de Beauté» (IGP), «Lonzo de l’Île de Beauté» (IGP), «Coppa de l’Île de Beauté» (IGP)] (JO 2021, L 383, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).

    Antecedentes do litígio

    [omissis]

    4

    As denominações «Jambon sec de Corse»/«Jambon sec de Corse — Prisuttu», «Lonzo de Corse»/«Lonzo de Corse — Lonzu» e «Coppa de Corse»/«Coppa de Corse — Coppa di Corsica» foram objeto de registo como denominações de origem protegidas (a seguir «DOP») em 28 de maio de 2014, respetivamente pelos Regulamentos de Execução (UE) n.o 581/2014 da Comissão (JO 2014, L 160, p. 23) (UE) n.o 580/2014 da Comissão (JO 2014, L 160, p. 21) e (UE) n.o 582/2014 da Comissão (JO 2014, L 160, p. 25) (a seguir «regulamentos que registaram as DOP em causa»).

    5

    Em dezembro de 2015, o Consórcio apresentou sete pedidos de registo como indicações geográficas protegidas (a seguir «IGP») às autoridades nacionais francesas, em aplicação do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2012, L 343, p. 1). Os sete pedidos têm por objeto as seguintes denominações, exploradas pelos recorrentes: «Jambon sec de l’Île de Beauté», «Coppa de l’Île de Beauté», «Lonzo de l’Île de Beauté», «Saucisson sec de l’Île de Beauté», «Pancetta de l’Île de Beauté», «Figatelli de l’Île de Beauté» e «Bulagna de l’Île de Beauté».

    6

    Em 20 de abril de 2018, o Ministro da Agricultura e da Alimentação e o Ministro da Economia e das Finanças adotaram sete decretos que procederam à homologação dos sete cadernos de especificações correspondentes, com vista à sua transmissão à Comissão Europeia para aprovação.

    7

    Paralelamente, com os pedidos apresentados em 27 de junho de 2018 no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), o sindicato detentor dos cadernos de especificações das DOP «Jambon sec de Corse — Prisuttu», «Coppa de Corse — Coppa di Corsica» e «Lonzo de Corse — Lonzu» pediu a anulação dos Decretos de 20 de abril de 2018, relativos à homologação dos cadernos de especificações das denominações «Jambon sec de l’Île de Beauté», «Coppa de l’Île de Beauté» e «Lonzo de l’Île de Beauté» com vista à transmissão dos seus pedidos de registo como IGP à Comissão, com o fundamento, nomeadamente, de que o termo «Île de Beauté» imitava ou evocava o termo «Corse» e introduzia, deste modo, confusão com as denominações já registadas como DOP.

    8

    Em 17 de agosto de 2018, os sete pedidos de registo das denominações em causa como IGP foram transmitidos à Comissão. No que diz respeito aos pedidos de registo como IGP das denominações «Jambon sec de l’Île de Beauté», «Lonzo de l’Île de Beauté» e «Coppa de l’Île de Beauté», a Comissão enviou duas cartas, em 12 de fevereiro de 2019 e em 24 de novembro de 2020, às autoridades nacionais pedindo esclarecimentos, designadamente no que respeita à questão da sua eventual inelegibilidade para registo. As autoridades nacionais responderam, em substância, que consideravam que os dois grupos de produtos (ou seja, as DOP registadas e os pedidos de proteção como IGP) eram claramente diferentes no que se refere aos produtos e que as denominações lhes pareciam suficientemente distintas.

    9

    Com o Acórdão de 19 de dezembro de 2019, relativo à denominação «Jambon sec de l’Île de Beauté» (IGP), e dois Acórdãos de 13 de fevereiro de 2020, relativos, respetivamente, às denominações «Coppa de l’Île de Beauté» (IGP) e «Lonzo de l’Île de Beauté» (IGP), o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) indeferiu os três pedidos acima referidos. (v. n.o 7, supra), com o fundamento, nomeadamente, de que «a utilização de termos diferentes e a diferença das proteções conferidas por uma denominação de origem, por um lado, e por uma indicação geográfica, por outro, são suscetíveis de afastar o risco de o consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e esclarecido ter, perante a indicação geográfica contestada, diretamente em mente, como imagem de referência, a mercadoria que beneficia da denominação de origem protegida já registada [; p]or conseguinte, os recorrentes não têm motivo para sustentar que o decreto impugnado viola as disposições […] do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento [n.o 1151/2012]» (n.o 5 dos três acórdãos do Conseil d’État).

    [omissis]

    Pedidos das partes

    11

    Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    anular a decisão impugnada;

    condenar a Comissão nas despesas.

    12

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar os recorrentes nas despesas.

    Questão de direito

    [omissis]

    15

    No caso em apreço, na decisão impugnada, a Comissão salientou, em substância, que uma denominação contrária à proteção concedida pelo Regulamento n.o 1151/2012 não pode ser utilizada no comércio na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento e, por conseguinte, não pode ser registada (considerando 4). Ora, desde 28 de maio de 2014 (v. n.o 4, supra), as denominações registadas como DOP beneficiam, ao abrigo do artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012, de proteção contra, entre outros, qualquer utilização direta ou indireta destas denominações em relação a produtos que não estejam em conformidade com o respetivo caderno de especificações, bem como contra qualquer usurpação, imitação ou evocação das referidas denominações (considerando 7). Não obstante, através dos regulamentos que registaram as DOP em causa, foi concedido um período transitório que expirava em 27 de abril de 2017 a certas empresas francesas situadas na Córsega que utilizam estas denominações, mas para produtos que apresentassem características distintas das previstas no caderno de especificações, a fim de lhes permitir adaptarem‑se às exigências do caderno de especificações ou, na sua falta, de proceder a uma alteração da denominação de venda utilizada (considerando 8). As denominações «Jambon sec de l’Île de Beauté», «Lonzo de l’Île de Beauté» e «Coppa de l’Île de Beauté», utilizadas no comércio desde 2015, referem‑se à mesma área geográfica que as DOP acima referidas, a saber, a ilha da Córsega, e, além disso, é do conhecimento público que a denominação «Île de Beauté» constitui tradicionalmente uma perífrase que indica inequivocamente a Córsega para o consumidor francês (considerando 9). Por conseguinte, a partir de 18 de junho de 2014, a utilização das denominações «Jambon sec de l’Île de Beauté», «Lonzo de l’Île de Beauté» e «Coppa de l’Île de Beauté» constitui uma violação da proteção concedida às DOP «Jambon sec de Corse»/«Jambon sec de Corse — Prisuttu », «Lonzo de Corse»/«Lonzo de Corse — Lonzu», «Coppa de Corse»/«Coppa de Corse — Coppa di Corsica» pelo artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1151/2012 (considerando 10). Embora a pronúncia das DOP registadas e das IGP pedidas seja certamente diferente, o a sua sinonímia é manifesta. Consequentemente, a evocação não pode ser de modo nenhum excluída na medida em que não é necessária uma semelhança fonética para caracterizar uma evocação (considerando 20). Por conseguinte, a Comissão indeferiu os pedidos de registo das denominações «Jambon sec de l’Île de Beauté», «Lonzo de l’Île de Beauté» e «Coppa de l’Île de Beauté» como IGP, com o fundamento de que tinham sido utilizadas no comércio ou na linguagem comum, violando o artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012 e que, deste modo, não cumpriam os requisitos de elegibilidade para registo, a saber, o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012 (considerando 24).

    16

    Em apoio do seu recurso, os recorrentes invocam dois fundamentos, relativos, o primeiro, em substância, ao facto de a Comissão ter excedido as suas competências e, o segundo, a uma demonstração suficiente, pelas autoridades nacionais e pelo Conseil d’État, da conformidade dos três pedidos de registo com os artigos 7.o e 13.o do Regulamento n.o 1151/2012.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo, em substância, ao facto de a Comissão ter excedido as suas competências

    [omissis]

    Quanto à competência da Comissão

    [omissis]

    21

    A título preliminar, há que recordar que o Regulamento n.o 1151/2012 institui um sistema de partilha de competências, no sentido de que, em especial, a Comissão só pode tomar a decisão de registar uma denominação como IGP se o Estado‑Membro em causa lhe tiver apresentado um pedido para o efeito e tal pedido só pode ser feito se este Estado‑Membro tiver verificado que o mesmo se justificava. Esse sistema de partilha de competências explica‑se, designadamente, pelo facto de o registo de uma indicação geográfica protegida pressupor a verificação de que estão reunidos um certo número de condições, o que exige, em larga medida, conhecimentos aprofundados de elementos específicos do referido Estado‑Membro, que as autoridades competentes deste Estado estão em melhor posição para verificar. (v. Acórdão de 15 de abril de 2021, Hengstenberg, C‑53/20, EU:C:2021:279, n.o 37 e jurisprudência referida).

    22

    Resulta do artigo 1.o, n.o 1, do referido regulamento, lido à luz dos considerandos 20 e 39 do mesmo regulamento, que este também se destina a evitar a criação de condições de concorrência desleal. (v. Acórdão de 15 de abril de 2021, Hengstenberg, C‑53/20, EU:C:2021:279, n.o 42 e jurisprudência referida).

    23

    As disposições do Regulamento n.o 1151/2012 destinam‑se a impedir que se faça uma utilização abusiva das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas, e isto não apenas no interesse dos compradores, mas também no interesse dos produtores que envidaram esforços para garantir as qualidades esperadas dos produtos que ostentam legalmente essas indicações. (v. Acórdão de 15 de abril de 2021, Hengstenberg, C‑53/20, EU:C:2021:279, n.o 43 e jurisprudência referida).

    24

    O considerando 19 deste regulamento refere que o respeito uniforme em toda a União dos direitos de propriedade intelectual associados às denominações protegidas na União é um objetivo prioritário que pode ser alcançado mais eficazmente ao nível da União. (v. Acórdão de 15 de abril de 2021, Hengstenberg, C‑53/20, EU:C:2021:279, n.o 44 e jurisprudência referida).

    25

    Em primeiro lugar, os recorrentes contestam que o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012, lido em conjugação com o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, constitua um fundamento jurídico válido para recusar o registo de uma denominação.

    26

    A título preliminar, pode salientar‑se que resulta da carta da Comissão de 24 de novembro de 2020 que esta tinha inicialmente considerado recusar o registo das denominações pedidas não apenas com base no artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012, lido em conjugação com o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, mas também com base no artigo 6.o, n.o 3, deste regulamento.

    27

    Esta última disposição estabelece o princípio da proibição de denominações «que sejam total ou parcialmente homónimas» de uma denominação já protegida.

    28

    Interrogada a este respeito na audiência, a Comissão explicou ter renunciado a recusar os registos pedidos também com base no artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, uma vez que não deveria ser possível indeferir um pedido de registo com base numa homonímia relativa unicamente a descrições de produtos correntes, como «presunto seco».

    29

    Em seguida, há que referir, por um lado, como sublinha a Comissão, que o artigo 13.o do Regulamento n.o 1151/2012 não é relativo ao registo, mas ao âmbito da proteção das denominações registadas.

    30

    Por conseguinte, esta última disposição não pode, por si só, constituir o fundamento jurídico do indeferimento de um pedido de registo.

    31

    Por outro lado, como sustentam os recorrentes, o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012 é especificamente relativo ao «caderno de especificações do produto» da denominação objeto de um pedido de proteção como DOP ou IGP. Os recorrentes deduzem daqui que a questão da evocação não está subjacente à elegibilidade ao abrigo desta disposição.

    32

    Todavia, importa recordar que a Comissão deve apreciar, em conformidade com o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, lido à luz do seu considerando 58, na sequência de uma análise aprofundada, se as especificações que acompanham o pedido de registo contêm os elementos exigidos pelo Regulamento n.o 1151/2012 e se esses elementos não parecem enfermar de erros manifestos (Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão, T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208, n.o 67).

    33

    A elaboração do caderno de especificações constitui assim uma etapa necessária do processo de adoção de um ato da União relativo ao registo de uma denominação como IGP. (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão, T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208, n.o 35).

    34

    Ora, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012, o caderno de especificações deve incluir, nomeadamente, a denominação cuja proteção é pedida.

    35

    Como alega a Comissão, esta disposição, segundo a qual o caderno de especificações deve incluir a denominação tal como «é utilizada no comércio ou na linguagem comum», pressupõe que se verifique se essa utilização não viola a proteção contra a evocação prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1151/2012.

    36

    Com efeito, admitir o registo de uma IGP apesar de esta ser evocadora de uma DOP já registada privaria de efeito útil a proteção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1151/2012, dado que, uma vez registada como IGP, a denominação anteriormente registada como DOP já não poderia beneficiar, em relação a esta, da proteção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1151/2012.

    37

    A elaboração do caderno de especificações, etapa necessária do procedimento de registo, não pode, por isso, estar viciada de uma violação, pela denominação pedida, da proteção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1151/2012.

    38

    Por conseguinte, a Comissão, a quem compete, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, recusar o registo pedido se considerar que as condições exigidas para o registo não se encontram preenchidas, não pode ser obrigada a conceder o registo de uma denominação se considerar ilegal a sua utilização no comércio.

    39

    Assim, uma vez que a Comissão considerou que, desde 18 de junho de 2014, data em que entraram em vigor os regulamentos que registaram as DOP em causa, uma utilização das denominações pedidas para o registo como IGP constituía uma violação da proteção concedida às DOP já registadas ao abrigo do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1151/2012 contra a evocação, podia daí deduzir que essa utilização no comércio ou na linguagem comum era ilegal.

    40

    Deste modo, os recorrentes alegam sem razão que a questão da evocação não está subjacente à elegibilidade para registo nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012, e que esta disposição, lida em conjugação com o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1151/2012, não pode constituir um fundamento jurídico válido para a recusa de registo de uma denominação.

    41

    Em segundo lugar, no que respeita ao alcance do exame, pela Comissão, da conformidade da denominação com as condições enunciadas no Regulamento n.o 1151/2012, importa salientar que, nos termos do considerando 58 do Regulamento n.o 1151/2012, esta deve examinar atentamente os pedidos, a fim de se certificar de que não existem erros manifestos e de que foram tidos em conta tanto o direito da União como os interesses das partes interessadas fora do Estado‑Membro do pedido.

    42

    Para este efeito, o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012 prevê que a Comissão examina, pelos meios adequados, os pedidos de registo apresentados pelos Estados‑Membros a fim de verificar se os mesmos se justificam e se preenchem as condições exigidas nos termos do referido regulamento. Além disso, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, do referido regulamento, como foi salientado no n.o 38, supra, cabe à Comissão recusar os referidos pedidos quando considere que as condições exigidas para o registo não se encontram preenchidas.

    43

    Por outro lado, o Regulamento n.o 1151/2012 não define o que é abrangido pelo conceito de «meios adequados», deixando assim à Comissão a tarefa de apreciar quais são estes meios.

    44

    Daqui resulta que, ainda que as autoridades nacionais considerem, uma vez transmitido à Comissão um pedido de registo, que o referido pedido preenche as condições impostas pelo Regulamento n.o 1151/2012, a Comissão não está vinculada pela apreciação das referidas autoridades e dispõe, no que respeita à sua decisão de registar uma denominação como DOP ou IGP, de uma margem de apreciação autónoma, uma vez que é obrigada a verificar, em conformidade com o artigo 50.o do referido regulamento, se as condições de registo estão preenchidas.

    45

    No caso em apreço, os recorrentes sustentam que, na decisão impugnada, a Comissão se limitou a indicar que, após correspondência com as autoridades nacionais, compreendeu que estas consideravam existir uma «distintividade suficiente» (considerando 16 da decisão impugnada) entre as três denominações protegidas por uma DOP e as três denominações candidatas a uma IGP.

    46

    A este respeito, por carta de 12 de fevereiro de 2019, a Comissão informou as autoridades nacionais do seu projeto de adotar uma decisão de indeferimento dos pedidos de registo das denominações em causa como IGP e convidou‑as a apresentarem as suas observações.

    47

    Por carta de 24 de novembro de 2020, a Comissão confirmou às autoridades nacionais a sua intenção de indeferir os pedidos de registo das IGP em causa e convidou, novamente, as autoridades nacionais a apresentarem observações adicionais.

    48

    A Comissão interrogou assim as autoridades nacionais duas vezes antes de concluir que os pedidos de registo das denominações em causa não preenchiam as condições de elegibilidade para registo previstas no artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012 pelo facto de terem sido utilizadas no comércio ou na linguagem comum, violando o artigo 13.o do referido regulamento. (v. n.o 10, supra).

    49

    Contrariamente ao que sustentam os recorrentes, a Comissão não se «limitou a indicar» que as autoridades nacionais consideravam que existia uma «distintividade suficiente» entre as três denominações protegidas por uma DOP e as três denominações candidatas a uma IGP, mas, antes de adotar a decisão impugnada, convidou as autoridades nacionais, por duas vezes, a fornecerem todas as informações úteis em apoio do seu pedido de registo das IGP em questão. Na medida em que há que compreender que os recorrentes, ao sustentarem que a Comissão se limitou a indicar uma «distintividade suficiente» entre as denominações em causa, a acusam de não ter procedido a um exame suficiente da conformidade da denominação com as condições enunciadas no Regulamento n.o 1151/2012, não apresentaram nenhuma prova em apoio de tal argumento. Em particular, os recorrentes não explicaram o exame que a Comissão devia alegadamente ter efetuado.

    50

    Em terceiro lugar, quanto à margem de apreciação da Comissão, os recorrentes sustentam que resulta do Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão (T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208), que esta é «limitada ou mesmo inexistente», no que respeita à decisão de registar uma denominação como DOP ou IGP.

    51

    A este respeito, o Tribunal Geral declarou no Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão (T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208), que, antes de proceder ao registo da IGP pedida, a Comissão devia apreciar, em conformidade com o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, lido à luz do seu considerando 58, na sequência de um exame aprofundado, se, por um lado, o caderno de especificações que acompanha o pedido de registo contém os elementos exigidos pelo Regulamento n.o 1151/2012 e se esses elementos não parecem estar viciados por erros manifestos e, por outro, se a denominação preenche as condições de registo de uma IGP enunciadas no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012. O Tribunal Geral especificou que a Comissão devia efetuar esta apreciação de forma autónoma à luz dos critérios de registo de uma IGP previstos no Regulamento n.o 1151/2012 a fim de assegurar a aplicação correta deste regulamento (Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão, T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208, n.o 67).

    52

    No caso em apreço, os recorrentes remetem mais precisamente para os n.os 34, 35 e 51 do Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão (T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208). Nos referidos números, o Tribunal Geral declarou, respetivamente, primeiro, que a apreciação das condições de registo devia ser feita pelas autoridades nacionais sob a fiscalização, se for caso disso, dos órgãos jurisdicionais nacionais antes de o pedido de registo ser comunicado à Comissão (Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão, T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208, n.o 34), segundo, que daqui decorria que um pedido de registo, que inclui, nomeadamente, um caderno de especificações, constitui uma etapa necessária do procedimento de adoção de um ato da União que regista uma denominação como IGP, uma vez que a Comissão apenas dispõe de uma margem de apreciação limitada, ou mesmo inexistente, relativamente a esse ato nacional (Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão, T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208, n.o 35) e, terceiro, que a Comissão apenas dispunha de uma margem de apreciação limitada, ou mesmo inexistente, em relação às apreciações feitas pelas autoridades nacionais no que respeita à definição das modalidades de fabrico ou de acondicionamento do produto objeto do pedido de registo de uma IGP, conforme figuram no caderno de especificações e refletidas nos atos nacionais que lhe são submetidos no âmbito do pedido de registo de uma IGP (Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão, T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208, n.o 51).

    53

    Ora, há que salientar que, no caso em apreço, a Comissão não pôs em causa as apreciações expressas pelas autoridades nacionais no que respeita às menções constantes do caderno de especificações, como a definição das modalidades de fabrico ou de acondicionamento do produto objeto do pedido de registo de uma IGP, cuja elaboração constitui a primeira etapa do procedimento de registo das denominações em causa como IGP e relativamente às quais é certo que a Comissão apenas dispõe de uma margem de apreciação limitada ou mesmo inexistente. (v. n.o 52, supra). Foi no âmbito da sua análise com vista à aprovação desses pedidos, que constitui a segunda etapa desse procedimento, que a Comissão considerou, após ter devidamente interrogado as autoridades nacionais a este respeito, por duas vezes, que os pedidos de registo das denominações em causa não preenchiam as condições de elegibilidade para registo previstas no artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012 pelo facto de terem sido utilizadas no comércio ou na linguagem comum, violando o artigo 13.o do referido regulamento. (v. n.o 10, supra).

    54

    Com efeito, resulta do Regulamento n.o 1151/2012 e, em especial, do considerando 58 do referido regulamento que, numa primeira fase, em conformidade com o artigo 49.o do mesmo regulamento, as autoridades nacionais examinam os pedidos de registo de denominações como DOP ou IGP e, se considerarem que as exigências do referido regulamento são cumpridas, apresentam à Comissão um processo de pedido, e seguidamente, numa segunda fase, em conformidade com os artigos 50.o e 52.o do referido regulamento, esta última examina os pedidos e, com base nas informações de que dispõe e com base no exame que efetuou, regista as denominações ou indefere os pedidos de registo.

    55

    A remissão que os recorrentes fazem para o Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão (T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208), não é, portanto, pertinente e os recorrentes não podem, assim, deduzir desse acórdão que a Comissão dispõe apenas de uma margem de apreciação «limitada ou mesmo inexistente». A este respeito, já foi salientado que, no que respeita à decisão de registar uma denominação como DOP ou IGP à luz das condições de elegibilidade para registo previstas no artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012, lido em conjugação com o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, a Comissão dispunha de uma margem de apreciação autónoma. (v. n.o 44, supra).

    56

    Os recorrentes citam também o n.o 25 do Acórdão de 29 de janeiro de 2020, GAEC Jeanningros (C‑785/18, EU:C:2020:46), segundo o qual, tendo em conta o poder decisório que cabe às autoridades nacionais no sistema de partilha de competências, cabe exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais decidir sobre a legalidade dos atos adotados por essas autoridades, como os relativos a pedidos de registo de uma denominação, que constituem uma etapa necessária do processo de adoção de um ato da União, uma vez que as instituições da União apenas dispõem, relativamente a esses atos, de uma margem de apreciação limitada ou inexistente. Os recorrentes citam também os n.os 35 e 36 desse acórdão, segundo os quais a margem de apreciação concedida à Comissão no que respeita à aprovação de alterações menores do caderno de especificações está, em substância, como resulta do considerando 58 do Regulamento n.o 1151/2012, limitada à verificação de que o pedido contém os elementos exigidos e não está viciado por erros manifestos.

    57

    Nesse processo, tratava‑se de alterações menores do caderno de especificações. O Tribunal de Justiça indicou, no n.o 30 do Acórdão de 29 de janeiro de 2020, GAEC Jeanningros (C‑785/18, EU:C:2020:46), que esses pedidos estavam sujeitos a um procedimento simplificado, mas, no essencial, semelhante ao procedimento de registo, na medida em que instaura também um sistema de partilha de competências entre as autoridades do Estado‑Membro em causa e a Comissão no que respeita, por um lado, à verificação da conformidade do pedido de alteração com as exigências que resultam do Regulamento n.o 1151/2012 e, por outro, à aprovação desse pedido e, no n.o 31 do referido acórdão, que cabia aos órgãos jurisdicionais nacionais conhecer das irregularidades de que padeceria eventualmente um ato nacional relativamente um pedido de alteração menor do caderno de especificações.

    58

    Ora, no caso em apreço, não se tratava de alterações menores do caderno de especificações, cuja elaboração e eventuais alterações são abrangidas pela primeira etapa do procedimento de registo de uma denominação, mas da questão da aprovação ou da recusa, apenas pela Comissão, do registo das denominações em causa, que é abrangida pela segunda fase do procedimento.

    59

    Assim, resulta do n.o 25 do Acórdão de 29 de janeiro de 2020, GAEC Jeanningros (C‑785/18, EU:C:2020:46) que a «margem de apreciação limitada ou inexistente» das instituições da União diz respeito à primeira destas duas etapas, a saber, aquela em que estão reunidas as peças constitutivas do processo do pedido de registo que as autoridades nacionais eventualmente transmitirão à Comissão.

    60

    Consequentemente, não se pode deduzir do Acórdão de 29 de janeiro de 2020, GAEC Jeanningros (C‑785/18, EU:C:2020:46), contrariamente ao que alegam os recorrentes, que a Comissão tem apenas uma «margem de apreciação limitada ou inexistente», no âmbito da segunda etapa, no que respeita à sua decisão de registar uma denominação como DOP ou IGP à luz das condições de elegibilidade previstas no artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1151/2012, lido em conjugação com o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento.

    61

    Por conseguinte, os argumentos de que a Comissão excedeu as suas competências devem ser julgados improcedentes.

    Quanto ao princípio da autoridade de caso julgado

    62

    Os recorrentes consideram que a Comissão não podia, na decisão impugnada, pôr em causa o que foi definitivamente declarado no n.o 5 dos Acórdãos do Conseil d’État de 19 de dezembro de 2019 e de 13 de fevereiro de 2020, a saber, que não havia risco, para o consumidor normalmente informado e razoavelmente atento e esclarecido, de evocação entre as DOP registadas e as IGP pedidas.

    63

    A este respeito, como foi recordado no n.o 51, supra, a Comissão deve apreciar de forma autónoma se os critérios de registo de uma IGP previstos no Regulamento n.o 1151/2012 estão preenchidos para garantir a aplicação correta deste regulamento. (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2018, CRM/Comissão, T‑43/15, não publicado, EU:T:2018:208, n.o 67).

    64

    Por conseguinte, uma decisão de um órgão jurisdicional nacional transitada em julgado não pode ser invocada para pôr em causa esta apreciação.

    65

    O argumento dos recorrentes relativo à violação da autoridade de caso julgado dos Acórdãos do Conseil d’État de 19 de dezembro de 2019 e de 13 de fevereiro de 2020 deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

    66

    Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

    [omissis]

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    O Cunsorziu di i Salamaghji Corsi — Consortium des Charcutiers Corses e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo são condenados a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

     

    Marcoulli

    Frimodt Nielsen

    Schwarcz

    Tomljenović

    Norkus

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de julho de 2023.

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

    ( 1 ) A lista dos outros recorrentes é anexada apenas à versão notificada às partes.

    ( 2 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

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