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Document 62022CJ0771

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 29 de julho de 2024.
Bundesarbeitskammer e o. contra HDI Global SE e MS Amlin Insurance SE.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bezirksgericht für Handelssachen Wien e pelo Nederlandstalige Ondernemingsrechtbank Brussel.
Reenvio prejudicial – Diretiva (UE) 2015/2302 – Viagens organizadas e serviços de viagem conexos – Artigo 12.° – Direito de rescisão de um contrato de viagem organizada – Direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada – Circunstâncias inevitáveis e excecionais – Pandemia de COVID‑19 – Artigo 17.° – Insolvência do organizador de viagens – Garantias de reembolso de todos os pagamentos efetuados – Elevado nível de defesa do consumidor – Princípio da igualdade de tratamento.
Processos apensos C-771/22 e C-45/23.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:644

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de julho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva (UE) 2015/2302 — Viagens organizadas e serviços de viagem conexos — Artigo 12.o — Direito de rescisão de um contrato de viagem organizada — Direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada — Circunstâncias inevitáveis e excecionais — Pandemia de COVID‑19 — Artigo 17.o — Insolvência do organizador de viagens — Garantias de reembolso de todos os pagamentos efetuados — Elevado nível de defesa do consumidor — Princípio da igualdade de tratamento»

Nos processos apensos C‑771/22 e C‑45/23,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal de Comércio de Primeira Instância de Viena, Áustria) (C‑771/22) e pelo Nederlandstalige Ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica) (C‑45/23), por Decisões de 17 de outubro de 2022 e de 19 de janeiro de 2023, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 19 de dezembro de 2022 e em 31 de janeiro de 2023, nos processos

Bundesarbeitskammer

contra

HDI Global SE (C‑771/22),

e

A,

B,

C,

D

contra

MS Amlin Insurance SE (C‑45/23),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da segunda secção, F. Biltgen, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de dezembro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Bundesarbeitskammer, por S. Schumacher, Rechtsanwalt,

em representação da HDI Global SE, por A. Gütlbauer, M. Pichlmair e S. Sighartsleitner, Rechtsanwälte,

em representação de A, B, C e D, por E. Loubris e J. Vanermen, advocaten,

em representação da MS Amlin Insurance SE, por J. Van Bellinghen, advocaat,

em representação do Governo Belga, por S. Baeyens, P. Cottin e C. Pochet, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Dinamarquês, por J. F. Kronborg e C. Maertens, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Helénico, por Z. Chatzipavlou, K. Georgiadis, C. Kokkosi, K. Konsta e A. Magrippi, na qualidade de agentes,

em representação do Parlamento Europeu, por M. Menegatti e I. Terwinghe, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por N. Brzezinski e S. Emmerechts, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann, I. Rubene e F. van Schaik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 7 de março de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 17.o da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho (JO 2015, L 326, p. 1).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, respetivamente, a Bundesarbeitskammer (Câmara Federal do Trabalho, Áustria), que se sub‑roga nos direitos de um viajante, à HDI Global SE, a seguradora do organizador de viagens desse viajante (C‑771/22), e A, B, C e D, quatro outros viajantes, à MS Amlin Insurance SE, a seguradora do organizador de viagens desses quatro outros viajantes (C‑45/23), a respeito da recusa de essas seguradoras reembolsarem esses viajantes na sequência da insolvência desses organizadores de viagens.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 90/314/CEE

3

O artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO 1990, L 158, p. 59), previa:

«Se o consumidor rescindir o contrato nos termos do n.o 5 ou se, por qualquer razão, desde que não imputável ao consumidor, o operador anular a viagem organizada antes da data de partida acordada, o consumidor tem direito a:

a)

Ou participar numa outra viagem organizada de qualidade equivalente ou superior, se o operador e/ou a agência lha puderem propor. Se a viagem organizada proposta em substituição for de qualidade inferior, o operador deve reembolsar o consumidor da diferença de preço;

b)

Ou ser reembolsado, no mais curto prazo, de todas as quantias por ele pagas nos termos do contrato.

[…]»

4

O artigo 7.o desta diretiva dispunha:

«O operador e/ou a agência que sejam partes no contrato devem comprovar possuir meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor.»

Diretiva 2015/2302

5

Os considerandos 1 a 3, 39 e 40 da Diretiva 2015/2302 têm a seguinte redação:

«(1)

A Diretiva [90/314] […] confere aos consumidores uma série de direitos importantes em matéria de viagens organizadas, nomeadamente no que se refere aos requisitos de informação, à responsabilidade dos operadores pela execução de uma viagem organizada e à proteção em caso de insolvência do organizador ou do retalhista. Todavia, importa adaptar esse quadro legislativo à evolução do mercado, a fim de o tornar mais adequado ao mercado interno, eliminar as ambiguidades e colmatar as lacunas jurídicas existentes.

(2)

O turismo desempenha um papel importante na economia da União [Europeia], e as viagens organizadas, as férias organizadas e os circuitos organizados (a seguir designadas “viagens organizadas”) representam uma parte significativa do mercado das viagens. Esse mercado passou por grandes mutações desde a adoção da Diretiva [90/314]. Para além das cadeias de distribuição tradicionais, a Internet tornou‑se um meio cada vez mais importante de propor ou vender serviços de viagem. Os serviços de viagem não se limitam a combinações sob a forma de viagens pré‑organizadas tradicionais, sendo muitas vezes combinados de forma personalizada. Muitas dessas combinações de serviços de viagem encontram‑se numa “zona cinzenta” no plano jurídico ou estão claramente fora do âmbito de aplicação da Diretiva [90/314]. A presente diretiva visa adaptar o âmbito da proteção de modo a ter em conta essa evolução, a aumentar a transparência e a reforçar a segurança jurídica dos viajantes e dos operadores.

(3)

O artigo 169.o, n.o 1 e n.o 2, alínea a), [TFUE] estabelece que a União deve contribuir para assegurar um elevado nível de defesa do consumidor através das medidas adotadas em aplicação do artigo 114.o [TFUE].

[…]

(39)

Os Estados‑Membros deverão assegurar que os viajantes que adquirem uma viagem organizada sejam plenamente protegidos em caso de insolvência do organizador. Os Estados‑Membros onde estejam estabelecidos organizadores deverão assegurar que estes deem garantias de reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes e, na medida em que a viagem organizada inclua o transporte de passageiros, do repatriamento dos viajantes, em caso de insolvência dos organizadores. No entanto, deverá ser possível propor aos viajantes a continuação da viagem organizada. Embora mantendo o seu poder discricionário quanto à forma como a proteção em caso de insolvência deve ser acordada, os Estados‑Membros deverão garantir que a referida proteção seja efetiva. A efetividade implica que a proteção esteja disponível logo que, em consequência de problemas de liquidez do organizador, os serviços de viagem não sejam ou não venham a ser executados, ou venham a sê‑lo apenas parcialmente, ou no caso de os prestadores de serviços exigirem o respetivo pagamento aos viajantes. Os Estados‑Membros deverão poder exigir que os organizadores entreguem aos viajantes um documento que ateste o direito diretamente oponível ao prestador da proteção em caso de insolvência.

(40)

Para ser efetiva, a proteção em caso de insolvência deverá cobrir os montantes previsíveis dos pagamentos afetados pela insolvência do organizador e, quando aplicável, os custos de repatriamento previsíveis. Tal implica que a proteção deverá ser suficiente para abranger todos os pagamentos previsíveis efetuados pelos viajantes ou por conta destes respeitantes às viagens organizadas na época alta, tendo em conta o período compreendido entre a receção desses pagamentos e a conclusão da viagem ou das férias, bem como, quando aplicável, os custos de repatriamento previsíveis. Isto significa, de um modo geral, que a garantia tem de abranger uma percentagem suficientemente alta do volume de negócios do organizador no que respeita a viagens organizadas, e pode depender de fatores como o tipo de viagens organizadas vendidas, incluindo o meio de transporte, o destino de viagem, bem como eventuais restrições legais ou os compromissos do organizador relativamente aos montantes dos pré‑pagamentos que pode aceitar, e o prazo de pagamento antes do início da viagem organizada. Caso a cobertura necessária possa ser calculada com base nos dados comerciais mais recentes, por exemplo o volume de negócios do último exercício, os organizadores deverão ser obrigados a adaptar a proteção em caso de insolvência na eventualidade de riscos aumentados, incluindo um aumento significativo na venda de viagens organizadas. Todavia, a proteção efetiva em caso de insolvência não deverá ter de atender a riscos extremamente improváveis como por exemplo a insolvência simultânea de vários dos principais organizadores, caso tal afete desproporcionadamente o custo da proteção, comprometendo assim a sua eficácia. Nesses casos, a garantia de reembolso pode ser limitada.»

6

O artigo 1.o da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«O objetivo da presente diretiva é contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e para alcançar um nível de defesa do consumidor elevado e o mais uniforme possível, através da aproximação de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos celebrados entre viajantes e operadores relativos a viagens organizadas e serviços de viagem conexos.»

7

O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)

“Serviço de viagem”:

a)

O transporte de passageiros;

b)

O alojamento que não seja parte integrante do transporte de passageiros e não tenha fins residenciais;

c)

O aluguer de carros ou de outros veículos a motor […]

d)

Qualquer outro serviço turístico que não seja parte integrante de um serviço de viagem, na aceção das alíneas a), b) ou c);

[…]»

8

O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Informações pré‑contratuais», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que, antes de o viajante ficar vinculado por um contrato de viagem organizada ou uma proposta correspondente, o organizador e, se a viagem for vendida através de um retalhista, também este último, fiquem obrigados a fornecer ao viajante a informação normalizada através das fichas informativas pertinentes constantes do anexo I, partes A ou B, e, caso aplicável à viagem organizada, as informações seguintes […]»

9

O artigo 11.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Alteração de outros termos do contrato de viagem organizada», prevê:

«[…]

2.   Se, antes do início da viagem organizada, o organizador se vir obrigado a alterar significativamente alguma das características principais dos serviços de viagem referidas no artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a), ou não conseguir preencher os requisitos especiais a que se refere o artigo 7.o, n.o 2, alínea a), ou propuser o aumento do preço da viagem organizada em mais de 8 % nos termos do artigo 10.o, n.o 2, o viajante pode, num prazo razoável fixado pelo organizador:

a)

Aceitar a alteração proposta; ou

b)

Rescindir o contrato sem pagar a taxa de rescisão.

Se rescindir o contrato de viagem organizada, o viajante pode aceitar uma viagem organizada de substituição, caso tal lhe seja proposto pelo organizador, se possível de qualidade equivalente ou superior.

[…]

5.   Se o contrato de viagem organizada for rescindido nos termos do n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), do presente artigo e o viajante não aceitar uma viagem organizada de substituição, o organizador reembolsa todos os pagamentos efetuados pelo viajante ou por conta deste sem demora injustificada e, em todo o caso, o mais tardar 14 dias após a rescisão do contrato. […]»

10

O artigo 12.o da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Rescisão do contrato de viagem organizada e direito de retratação antes do início da viagem organizada», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que o viajante possa rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada. Caso rescinda o contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante pode ser obrigado a pagar ao organizador uma taxa de rescisão adequada e justificável. […]

2.   Não obstante o disposto no n.o 1, o viajante tem direito a rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa de rescisão caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino. Em caso de rescisão do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada mas não tem direito a uma indemnização adicional.

3.   O organizador pode rescindir o contrato de viagem organizada e reembolsar integralmente o viajante dos pagamentos que este tenha efetuado pela viagem organizada, não sendo todavia obrigado a pagar uma indemnização adicional se:

[…]

b)

O organizador for impedido de executar o contrato devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais e notificar o viajante da rescisão do contrato, sem demora injustificada, antes do início da viagem organizada.

4.   O organizador efetua os reembolsos exigidos nos termos dos n.os 2 e 3 ou, no que diz respeito ao n.o 1, reembolsa todos os pagamentos efetuados pelo viajante ou por conta deste para a viagem organizada, deduzidos da taxa de rescisão adequada. Esses reembolsos são efetuados ao viajante sem demora injustificada e, em todo o caso, no máximo no prazo de 14 dias após a rescisão do contrato de viagem organizada.

[…]»

11

O artigo 17.o da Diretiva 2015/2302, sob a epígrafe «Efetividade e âmbito da proteção em caso de insolvência», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os organizadores estabelecidos no seu território garantam o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da declaração da insolvência do organizador. Se no contrato de viagem organizada estiver incluído o transporte de passageiros, os organizadores devem igualmente garantir o repatriamento dos viajantes. Pode ser proposta a continuação da viagem.

[…]

2.   A garantia a que se refere o n.o 1 deve ser efetiva e cobrir os custos razoavelmente previsíveis. Deve abranger os montantes de pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes e respeitantes a viagens organizadas, tendo em conta o período de tempo decorrido entre os adiantamentos e os pagamentos finais e o fim da viagem organizada, bem como o custo estimado dos repatriamentos em caso de insolvência do organizador.

[…]

4.   Se a execução da viagem organizada for afetada pela insolvência do organizador, a garantia é mobilizada a título gratuito para assegurar os repatriamentos e, se necessário, o financiamento do alojamento anterior ao repatriamento.

5.   Relativamente aos serviços de viagem que não tenham sido prestados, os reembolsos são efetuados sem demora injustificada após o pedido do viajante.»

12

A parte A do anexo I da referida diretiva, sob a epígrafe «Ficha informativa normalizada para contratos de viagem organizada caso a utilização de hiperligações seja possível», apresenta, numa caixa de texto, o conteúdo dessa ficha e refere que, clicando numa hiperligação, o viajante receberá as seguintes informações:

«Direitos essenciais previstos na Diretiva (UE) 2015/2302

[…]

Se o organizador ou, em alguns Estados‑Membros, o retalhista for declarado insolvente, os pagamentos serão reembolsados. […]

[…]»

13

A parte B do anexo I da mesma diretiva, sob a epígrafe «Ficha informativa normalizada para contratos de viagem organizada caso as situações sejam distintas das abrangidas pela parte A», apresenta, numa caixa de texto, o conteúdo dessa ficha e enuncia os mesmos direitos essenciais que os enunciados na parte A do seu anexo I.

Direito austríaco

14

O § 3 do Verordnung der Bundesministerin für Digitalisierung und Wirtschaftsstandort über Pauschalreisen und verbundene Reiseleistungen (Regulamento da Ministra Federal para a Digitalização e Assuntos Económicos relativo às Viagens Organizadas e aos Serviços de Viagem Conexos), de 28 de setembro de 2018 (BGBl. II, 260/2018), prevê:

«(1)   As pessoas autorizadas a prestar serviços de viagem devem garantir que o viajante é reembolsado:

1)

Pelos pagamentos efetuados (depósitos e pagamentos finais), na medida em que os serviços de viagem não sejam total ou parcialmente executados em consequência da declaração da insolvência da pessoa autorizada a prestar serviços de viagem ou o prestador de serviços exija o pagamento ao viajante;

2)

Pelas despesas necessárias ao repatriamento e, se necessário, as despesas de alojamento antes do repatriamento, que tenham surgido em consequência da declaração da insolvência do operador, ou — no caso de responsabilidade pelo transporte de passageiros — de intermediação dos serviços de viagem conexos; e

3)

Quando aplicável, os custos necessários para a continuação da viagem organizada ou do serviço de viagem conexo.

[…]»

15

O § 10 da Bundesgesetz über Pauschalreisen und verbundene Reiseleistungen (Pauschalreisegesetz — PRG) (Lei Federal relativa às Viagens Organizadas e aos Serviços de Viagem Conexos), de 24 de abril de 2017 (BGBl. I, 50/2017), dispõe:

«(1)   O viajante pode rescindir o contrato de viagem organizada em qualquer altura antes do início da viagem organizada sem invocar qualquer fundamentação. Caso rescinda o contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante pode ser obrigado a pagar ao organizador de viagens uma taxa de rescisão adequada e justificável. O contrato de viagem organizada pode estipular taxas de rescisão normalizadas razoáveis, baseadas na antecedência da anulação da viagem organizada relativamente ao início da mesma e nas economias de custos e nas receitas esperadas em resultado da reafetação dos serviços de viagem. Na falta de previsão de taxas de rescisão, o montante da taxa corresponde ao preço da viagem organizada deduzido das economias de custos e das receitas resultantes da reafetação dos serviços de viagem. A pedido do viajante, o organizador de viagens justifica o montante da taxa de rescisão.

(2)   Sem prejuízo do direito de rescisão previsto no n.o 1, o viajante tem direito a rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa de rescisão caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino. Em caso de rescisão do contrato de viagem organizada pelo viajante de acordo com o presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados para a viagem organizada, mas não tem direito a uma indemnização adicional.

[…]

(4)   Em caso de rescisão de acordo com os números anteriores, o organizador de viagens efetua o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelo viajante ou por conta deste para a viagem organizada — em caso de rescisão de acordo com o n.o 1, deduzidos da taxa de rescisão prevista nesta disposição —, sem demora injustificada e, em todo o caso, no máximo no prazo de catorze dias após a rescisão do contrato de viagem organizada.»

Direito belga

Lei relativa à Venda de Viagens Organizadas

16

Nos termos do artigo 30.o da loi relative à la vente de voyages à forfait, de prestations de voyage liées et de services de voyage (Lei relativa à Venda de Viagens Organizadas, Serviços de Viagem Conexos e Serviços de Viagem), de 21 de novembro de 2017 (Moniteur belge de 1 de dezembro de 2017, p. 106673; a seguir «Lei relativa à Venda de Viagens Organizadas»), o viajante tem o direito de rescindir o seu contrato de viagem organizada «caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afetem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino». Neste caso, este artigo confere ao viajante o direito ao reembolso integral dos montantes pagos ao organizador de viagens.

17

O artigo 54.o da Lei relativa à Venda de Viagens Organizadas dispõe:

«Os organizadores e retalhistas estabelecidos na Bélgica devem garantir o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da sua insolvência. […]»

Decreto Real sobre a Proteção Contra a Insolvência na Venda de Viagens Organizadas

18

O artigo 3.o do arrêté royal relatif à la protection contre l’insolvabilité lors de la vente de voyages à forfait, de prestations de voyage liées et de services de voyage (Decreto Real sobre a Proteção Contra a Insolvência na Venda de Viagens Organizadas, Serviços de Viagem Conexos e Serviços de Viagem), de 29 de maio de 2018 (Moniteur belge de 11 de junho de 2018, p. 48438; a seguir «Decreto Real sobre a Proteção Contra a Insolvência na Venda de Viagens Organizadas»), prevê:

«As garantias referidas nos artigos 54.o, 55.o, 65.o e 72.o da Lei [relativa à Venda de Viagens Organizadas] são asseguradas por um contrato de seguro celebrado com uma companhia de seguros autorizada a efetuar tais operações.»

19

O artigo 10.o deste decreto real tem a seguinte redação:

«A garantia do contrato de seguro é adquirida pelo beneficiário logo que o contrato com o profissional referido no artigo 2.o, n.o 7, da Lei [relativa à Venda de Viagens Organizadas] tenha sido celebrado durante o período de validade do contrato de seguro.»

20

O artigo 12.o, n.o 1, do referido decreto real dispõe:

«Em caso de insolvência do organizador, o contrato de seguro deve prever a seguinte garantia:

1° A continuação do pacote, se possível;

2° O reembolso de todos os pagamentos efetuados aquando da celebração do contrato com o profissional;

3° O reembolso dos pagamentos efetuados para os serviços de viagem organizada que não podem ser executados em consequência da declaração da insolvência do profissional;

4° O repatriamento dos viajantes, quando a execução do contrato com o profissional já tiver sido iniciada e o contrato previr o transporte do beneficiário e, se necessário, o seu alojamento até ao repatriamento.»

21

O artigo 13.o, primeiro parágrafo, do mesmo decreto real limita o reembolso a «todos os montantes relativos ao contrato de viagem, pagos pelo beneficiário ao profissional, quando o contrato não for executado em consequência da sua insolvência ou […] [a] todos os montantes pagos por serviços de viagem não prestados em consequência dessa insolvência».

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑771/22

22

A HDI Global é uma companhia de seguros que celebrou com a Flamenco Sprachreisen GmbH (a seguir «Flamenco»), uma sociedade organizadora de viagens, um contrato de seguro que cobre os riscos ligados à insolvência desta última, conforme referidos no artigo 3.o do Regulamento da Ministra Federal para a Digitalização e Assuntos Económicos relativo às Viagens Organizadas e aos Serviços de Viagem Conexos.

23

Em 3 de março de 2020, XY celebrou com a Flamenco um contrato para uma viagem organizada durante o período compreendido entre 3 de maio e 2 de junho de 2020, para Las Palmas de Gran Canária (Espanha). Em 9 de março de 2020, XY pagou integralmente o preço dessa viagem no montante de 2656 euros.

24

Em 16 de março de 2020, a XY rescindiu este contrato devido, nomeadamente, aos avisos emitidos pelas autoridades austríacas e espanholas na sequência da propagação da COVID‑19. A Flamenco não contestou esta rescisão, mas não reembolsou a XY o preço da viagem em causa.

25

Em 9 de junho de 2022, na sequência de um processo de insolvência, o Landesgericht Linz (Tribunal Regional de Linz, Áustria) declarou a insolvência da Flamenco.

26

XY cedeu à Câmara Federal do Trabalho o seu crédito sobre a Flamenco correspondente ao reembolso do preço da sua viagem organizada. Na sequência dessa cessão, essa câmara federal pediu esse reembolso à HDI Global na qualidade de seguradora do risco de insolvência da Flamenco. A HDI Global recusou efetuar o referido reembolso com o fundamento de que cobria unicamente o risco de não realização da viagem organizada ligado a esta insolvência.

27

Na sequência dessa recusa, a Câmara Federal do Trabalho intentou uma ação contra a HDI Global no Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal de Comércio de Primeira Instância de Viena, Áustria), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

28

Este órgão jurisdicional considera, em primeiro lugar, que, para decidir o litígio no processo principal, importa saber se, quando um viajante rescinde um contrato de viagem organizada antes de o organizador de viagens se tornar insolvente, o direito ao reembolso de que este beneficia na sequência dessa rescisão está coberto pela garantia em caso de insolvência do referido organizador de viagens. Em especial, segundo o referido órgão jurisdicional, há que determinar se deve existir um nexo de causalidade entre essa declaração de insolvência e o incumprimento ou a execução deficiente do serviço de viagem em causa.

29

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a redação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 sugere, tendo em conta os termos «na medida em que» e «em consequência da», que esse nexo de causalidade deve existir. Tal exigência teria como consequência que os reembolsos a que um viajante tem direito na sequência de uma rescisão do seu contrato de viagem organizada que precede a insolvência do organizador de viagens em causa não estariam cobertos pela garantia em caso de insolvência prevista nessa disposição.

30

O considerando 39 da Diretiva 2015/2302 contradiz, no entanto, tal leitura da referida disposição na medida em que prevê que os Estados‑Membros devem assegurar que, por um lado, os viajantes que adquirem uma viagem organizada sejam «plenamente protegidos» em caso de insolvência do organizador de viagens e, por outro, que este último dê garantias de reembolso de «todos os pagamentos efetuados» pelos viajantes e do repatriamento dos viajantes, em caso de insolvência. A abordagem refletida neste considerando é ainda corroborada pelo elevado nível de defesa dos consumidores pretendido na União, tal como resulta do artigo 114.o, n.o 3, TFUE, do artigo 169.o TFUE e do artigo 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

31

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a questão do alcance da proteção em caso de insolvência do organizador de viagens foi abordada com os Estados‑Membros por ocasião de contactos com a Comissão Europeia no âmbito dos quais esta última indicou, por um lado, que a intenção do legislador da União, ao adotar, no artigo 17.o da Diretiva 2015/2302, uma redação diferente da que figurava no artigo 7.o da Diretiva 90/314, não era restringir a garantia conferida aos viajantes em caso de insolvência do organizador de viagens e, por outro, que, por força do texto deste artigo 17.o, qualquer garantia estava expressamente excluída quando o contrato de viagem tivesse cessado antes da declaração da insolvência. Recorda igualmente que, na sua jurisprudência relativa ao artigo 7.o da Diretiva 90/314, o Tribunal de Justiça considerou que a garantia do reembolso dos fundos pagos pelo viajante em caso de insolvência do organizador de viagens é conferida independentemente das causas da referida insolvência (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de maio de 1998, Verein für Konsumenteninformation, C‑364/96, EU:C:1998:226; de 15 de junho de 1999, Rechberger e o., C‑140/97, EU:C:1999:306, e de 16 de fevereiro de 2012, Blödel‑Pawlik, C‑134/11, EU:C:2012:98).

32

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, quando um viajante rescinde o seu contrato de viagem organizada com o organizador de viagens devido a circunstâncias excecionais antes da data de abertura do processo de insolvência relativo a este último, mas esse processo decorre durante o período previsto para a viagem em causa, esse viajante tem direito, ao abrigo da proteção garantida no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302, ao reembolso dos pagamentos que efetuou a esse organizador de viagens. A este respeito, considera que, tendo em conta o objetivo de defesa dos consumidores prosseguido pelo direito da União, não faz sentido considerar que um viajante tem o direito de ser protegido em caso de insolvência do organizador de viagens quando iniciou a sua viagem organizada, mas não quando tenha legitimamente rescindido o seu contrato de viagem.

33

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se, quando existe uma relação indireta entre a rescisão de um contrato de viagem organizada pelo viajante e a insolvência do organizador dessa viagem, na medida em que ambas têm origem na mesma circunstância excecional, como, no caso em apreço, a pandemia de COVID‑19, o direito ao reembolso desse viajante está coberto pela garantia em caso de insolvência prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302. A este respeito, remete para o argumento invocado pela Câmara Federal do Trabalho segundo o qual, se o artigo 17.o, n.o 1, fosse interpretado no sentido de que essa garantia não se aplica quando a insolvência do organizador de viagens se deve à mesma circunstância excecional que fundamentou a rescisão do contrato de viagem organizada pelo viajante, este último teria todo o interesse em não exercer o seu direito de rescisão e em aguardar a insolvência do organizador de viagens. Esta abordagem reduziria o interesse do direito de rescisão reconhecido aos consumidores pelo artigo 12.o da referida diretiva.

34

Nestas condições o Bezirksgericht für Handelssachen Wien (Tribunal de Comércio de Primeira Instância de Viena) decidiu suspender o processo e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 17.o da Diretiva [2015/2302] ser interpretado no sentido de que os pagamentos efetuados pelo viajante ao organizador antes do início da viagem só estão garantidos se a viagem não se realizar em consequência da declaração da insolvência [desse organizador de viagens] ou se também são abrangidos os pagamentos efetuados ao organizador antes da declaração da insolvência, se o viajante cancelar a viagem antes da declaração da insolvência devido a circunstâncias excecionais na aceção do artigo 12.o da referida Diretiva 2015/2302?

2)

Deve o artigo 17.o da Diretiva [2015/2302] ser interpretado no sentido de que os pagamentos efetuados pelo viajante ao organizador antes do início da viagem estão garantidos quando o viajante cancela a viagem antes da declaração da insolvência [desse organizador de viagens] devido a circunstâncias excecionais na aceção do artigo 12.o da referida Diretiva 2015/2302, mas a declaração de insolvência ocorrer durante a viagem reservada?

3)

Deve o artigo 17.o da Diretiva [2015/2302] ser interpretado no sentido de que os pagamentos efetuados pelo viajante ao organizador antes do início da viagem estão garantidos quando o viajante cancela a viagem antes da declaração da insolvência devido a circunstâncias excecionais na aceção do artigo 12.o da referida Diretiva 2015/2302 e a insolvência do organizador ocorrer devido a essas circunstâncias excecionais?»

Processo C‑45/23

35

Em 13 de novembro de 2019, A, B, C e D, por intermédio de um retalhista, a Selectair Inter‑Sun Reizen, compraram a um organizador de viagens, a Exclusive Destinations, uma viagem organizada pelo preço de 36832 euros a partir de Bruxelas (Bélgica) com destino a Punta Cana (República Dominicana) para o período compreendido entre 21 e 29 de março de 2020.

36

Devido à propagação da pandemia de COVID‑19, esta viagem foi adiada para o período compreendido entre 21 e 30 de novembro de 2020. O preço da referida viagem foi então fixado em 46428 euros.

37

Em 20 de outubro de 2020, A, B, C e D rescindiram o seu contrato de viagem devido à persistência da pandemia de COVID‑19 e pediram à Exclusive Destinations o reembolso do montante de 36832 euros que tinham pago pela mesma viagem.

38

Em 8 de dezembro de 2020, o Ondernemingsrechtbank Gent (Tribunal das Empresas de Gante, Bélgica) declarou a insolvência da Exclusive Destinations. Em 9 de dezembro de 2020, a Selectair Inter‑Sun Reizen reembolsou a A e a C um montante de 4151 euros que ainda não tinha sido transferido para a Exclusive Destinations.

39

Em 22 de janeiro de 2021, A, B, C e D pediram à MS Amlin Insurance, seguradora da Exclusive Destinations em caso de insolvência, o reembolso das quantias que tinham pago a esta última e que não lhes tinham sido reembolsadas.

40

A MS Amlin Insurance recusou‑se a efetuar esse reembolso com o fundamento de que o seguro cobria unicamente a falta de prestação de serviços de viagem em consequência da declaração da insolvência da Exclusive Destinations. Ora, a não realização da viagem de A, B, C e D deveu‑se à rescisão, por estes últimos, do seu contrato de viagem e não à insolvência da Exclusive Destinations.

41

Na sequência desta recusa, A, B, C e D intentaram uma ação no Nederlandstalige Ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica), que é o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que a MS Amlin Insurance fosse condenada no pagamento de um montante de 32681 euros, acrescido de juros a partir de 22 de janeiro de 2021.

42

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a garantia prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 só é obrigatória na medida em que os serviços de viagem em causa não sejam executados em consequência da declaração da insolvência do organizador de viagens. Por conseguinte, esta garantia não deverá abranger outras causas de incumprimento, como a rescisão do contrato de viagem organizada pelo viajante devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais que ocorram no local de destino ou na sua proximidade imediata, que tenham consequências significativas para a execução da viagem organizada. A Lei relativa à Venda de Viagens Organizadas e o Decreto Real sobre a Proteção Contra a Insolvência na Venda de Viagens Organizadas não preveem uma proteção mais ampla do viajante a este respeito. O órgão jurisdicional de reenvio conclui que, quando, como no caso em apreço, o organizador de viagens se declarou insolvente após a rescisão pelo viajante do seu contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, mas antes de ter reembolsado esses viajantes das quantias que tinham pago por essa viagem, estes últimos não beneficiam da garantia prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302.

43

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao alcance da proteção conferida por esta última disposição.

44

Primeiro, pergunta se o facto de a garantia prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 não se aplicar ao viajante que tem direito ao reembolso das quantias que pagou na sequência da rescisão do seu contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais quando o organizador de viagens se tenha declarado insolvente após essa rescisão, mas antes do reembolso dos pagamentos efetuados, permite proteger adequadamente os consumidores em conformidade com o objetivo geral desta diretiva. Recorda, a este respeito, que este objetivo é contribuir para assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, como enuncia o considerando 3 da referida diretiva, que remete para o artigo 169.o TFUE. Além disso, o considerando 39 da mesma diretiva prevê que os viajantes que adquirem uma viagem organizada devem estar plenamente protegidos em caso de insolvência do organizador de viagens e que a garantia em caso de insolvência a prestar pelos organizadores de viagens deve cobrir o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha também que, ao abrigo da Diretiva 90/314, a defesa dos consumidores em caso de insolvência dos organizadores de viagens cobria todos os montantes que tinham pago.

45

Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a proteção em caso de insolvência prevista pela Diretiva 2015/2302 não dá origem a uma desigualdade de tratamento. Este órgão jurisdicional considera que tanto o viajante que não pode iniciar a sua viagem em consequência da declaração da insolvência do organizador de viagens como aquele que, na sequência de uma rescisão, não pode obter o reembolso devido a essa declaração de insolvência sofrem uma perda financeira decorrente do facto de ambos terem pago o preço da sua viagem antes da execução do contrato de viagem organizada em causa. No entanto, de acordo com a redação do artigo 17.o desta diretiva, apenas a perda do primeiro viajante está coberta pela proteção em caso de insolvência do organizador de viagens. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esta desigualdade de tratamento é justificada.

46

Nestas condições, o Nederlandstalige Ondernemingsrechtbank Brussel (Tribunal das Empresas de Língua Neerlandesa de Bruxelas) decidiu suspender o processo e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva [2015/2302] ser interpretado no sentido de que a garantia exigida nessa disposição também se aplica ao reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes, quando o viajante tenha rescindido o contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, na aceção do artigo 12.o, n.o [2], da mesma diretiva, e o organizador seja declarado insolvente depois de o contrato de viagem organizada ter sido rescindido pelo referido motivo mas antes de os referidos montantes terem sido efetivamente reembolsados ao viajante, sofrendo, por esse motivo, o referido viajante um prejuízo financeiro e suportando, consequentemente, um risco económico em caso de insolvência do organizador de viagens?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

47

Por Decisão do Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 2023, os processos C‑771/22 e C‑45/23 foram apensos para efeitos da fase oral do processo e do acórdão.

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial no processo C‑771/22

48

A HDI Global considera que a interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 não é determinante para a solução do litígio no processo C‑771/22. Só o conteúdo do contrato de seguro que celebrou com a Flamenco seria determinante para essa solução, pelo que o pedido de decisão prejudicial no caso em apreço teria por objetivo esclarecer questões gerais ou hipotéticas, para as quais o processo prejudicial não é adequado.

49

A este respeito, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 22 de fevereiro de 2024, Consejería de Presidencia, Justicia e Interior de la Comunidad de Madrid e. o., C‑59/22, C‑110/22 e C‑159/22, EU:C:2024:149, n.o 43 e jurisprudência referida).

50

Daqui resulta que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. No entanto, o Tribunal de Justiça pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que o problema é hipotético (v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2024, Consejería de Presidencia, Justicia e Interior de la Comunidad de Madrid e o., C‑59/22, C‑110/22 e C‑159/22, EU:C:2024:149, n.o 44 e jurisprudência referida).

51

No caso em apreço, não se afigura, todavia, que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑771/22 sejam hipotéticas tendo em conta o litígio no processo principal. Com efeito, este último diz respeito ao alcance da proteção que deve ser concedida aos viajantes quando o organizador de viagens organizadas se torna insolvente. Ora, o artigo 17.o da Diretiva 2015/2302 define a proteção dos viajantes em caso de insolvência dos organizadores de viagens organizadas que os Estados‑Membros devem aplicar.

52

Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial no processo C‑771/22 é admissível.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão no processo C‑771/22 e à única questão no processo C‑45/23

53

Com a primeira questão no processo C‑771/22 e a única questão no processo C‑45/23, que há que examinar em conjunto, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que a garantia conferida aos viajantes em caso de insolvência do organizador de viagens organizadas se aplica quando um viajante rescinde o seu contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, em aplicação do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, quando, após essa rescisão, esse organizador de viagens se torna insolvente e quando esse viajante não recebeu, antes da declaração da insolvência, o reembolso integral dos pagamentos efetuados a que tem direito por força desta última disposição.

54

A título preliminar, importa salientar que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 confere ao viajante o direito ao reembolso integral dos pagamentos efetuados a título da viagem organizada quando rescinde o seu contrato de viagem organizada antes do seu início por força de circunstâncias inevitáveis e excecionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que tenham consequências significativas para a realização dessa viagem organizada ou para o transporte dos passageiros para esse local de destino. Além disso, quando o viajante exerce esse direito, o artigo 12.o, n.o 4, desta diretiva impõe ao organizador de viagens que efetue esse reembolso sem demora injustificada e, em qualquer caso, no máximo no prazo de catorze dias após a rescisão do contrato de viagem organizada.

55

No caso em apreço, não é contestado que os viajantes que estão na origem dos litígios no processo principal podiam rescindir o seu contrato de viagem organizada, nos termos do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, devido à ocorrência e à persistência da pandemia de COVID‑19. Por conseguinte, estes viajantes tinham direito ao reembolso integral das quantias que tinham pago aos organizadores de viagens em causa, no máximo no prazo de catorze dias após a rescisão do seu contrato de viagem organizada. Apesar deste direito, não foram reembolsados, porque esses organizadores de viagens se tinham tornado insolventes e as seguradoras destes últimos não tencionavam assegurar a sua cobertura, considerando que não estavam obrigados a fazê‑lo à luz da legislação nacional aplicável que transpõe o artigo 17.o, n.o 1, desta diretiva.

56

Para efeitos da interpretação desta última disposição, resulta de jurisprudência constante que importa ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto, os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte e, sendo caso disso, a sua génese [v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, FTI Touristik (Viagem organizada às Ilhas Canárias), C‑396/21, EU:C:2023:10, n.o 19 e jurisprudência referida]. No entanto, quando o sentido de uma disposição do direito da União resulta inequivocamente da sua própria redação, o Tribunal de Justiça não se pode afastar desse sentido (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2022, VYSOČINA WIND, C‑181/20, EU:C:2022:51, n.o 39).

57

No que respeita à redação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302, este prevê que os Estados‑Membros devem assegurar que os organizadores de viagens organizadas estabelecidos no seu território garantam o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes na medida em que os serviços em causa não sejam executados em consequência da declaração da insolvência desses operadores de viagens.

58

É certo que os termos «serviços em causa» podem ser entendidos no sentido de que visam os «serviço[s] de viagem», na aceção definida no artigo 3.o, ponto 1, da Diretiva 2015/2302, o que significa que a proteção em caso de insolvência de um organizador de viagens que deve ser implementada por cada Estado‑Membro abrange unicamente as situações em que os serviços de viagem estipulados no contrato de viagem organizada não foram executados em consequência da declaração da insolvência do organizador. De acordo com esta leitura, deve, assim, existir um nexo de causalidade entre o incumprimento desses serviços de viagem e a insolvência do organizador de viagens para que o viajante possa beneficiar da garantia em caso de insolvência do organizador prevista no artigo 17.o da referida diretiva.

59

No entanto, como várias partes no processo no Tribunal de Justiça salientaram, ao contrário de muitas outras disposições da Diretiva 2015/2302, o artigo 17.o, n.o 1, desta diretiva não se refere aos «serviço[s] de viagens», mas aos «serviços em causa», podendo esta última expressão ser entendida como tendo um alcance mais amplo do que a primeira, englobando outros serviços prestados pelos organizadores de viagens, como os reembolsos devidos aos viajantes na sequência de uma rescisão do seu contrato de viagem organizada.

60

Daqui decorre que o sentido do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 não resulta inequivocamente da sua redação. Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 56 do presente acórdão, há que examinar o contexto desta disposição, os objetivos desta diretiva e, se for caso disso, a sua génese.

61

No que respeita, em primeiro lugar, ao contexto do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302, antes de mais, o artigo 17.o, n.o 4, desta diretiva especifica que a garantia é acionada gratuitamente para assegurar o repatriamento do viajante e, se necessário, o financiamento do alojamento antes desse repatriamento, quando a execução da viagem organizada for afetada pela insolvência do organizador de viagens.

62

O artigo 17.o, n.o 5, da referida diretiva prevê, por seu turno, que, relativamente aos serviços de viagem que não são prestados, os reembolsos são efetuados sem demora injustificada após o pedido do viajante.

63

Tendo em conta a sua redação e, nomeadamente, os termos «se a execução da viagem organizada seja afetada pela insolvência do organizador [de viagens]» e «[os] serviços de viagem que não [são] prestados» que figuram, respetivamente, no artigo 17.o, n.o 4, e no artigo 17.o, n.o 5, da Diretiva 2015/2302, estas disposições são suscetíveis de apoiar uma interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da referida diretiva segundo a qual o conceito de «serviços em causa» abrange unicamente os serviços de viagem, pelo que a garantia prevista neste artigo só se aplica quando exista um nexo de causalidade entre o incumprimento desses serviços e a insolvência do organizador de viagens.

64

Em seguida, o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302 prevê que a garantia a que se refere o n.o 1 deste artigo deve ser efetiva e cobrir os custos razoavelmente previsíveis. Assim, esta garantia deve abranger os montantes de pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes e respeitantes a viagens organizadas, tendo em conta o período de tempo decorrido entre os adiantamentos e os pagamentos finais e o fim da viagem organizada, bem como o custo estimado dos repatriamentos em caso de insolvência do organizador de viagens.

65

No que diz respeito à exigência de efetividade da garantia em caso de insolvência do organizador de viagens, consagrada nessa disposição, o considerando 39 da Diretiva 2015/2302 prevê que a efetividade implica que a proteção em caso de insolvência do organizador de viagens esteja disponível logo que, em consequência de problemas de liquidez do organizador, os serviços de viagem não sejam ou não venham a ser executados, ou venham a sê‑lo apenas parcialmente, ou no caso de os prestadores de serviços exigirem o respetivo pagamento aos viajantes, o que poderia levar a considerar que o artigo 17.o, n.o 2, da referida diretiva, lido à luz desses elementos do seu considerando 39, é também suscetível de apoiar a interpretação referida no n.o 58 do presente acórdão.

66

No entanto, por um lado, este considerando 39 também prevê que os Estados‑Membros devem assegurar que os viajantes que adquirem uma viagem organizada sejam «plenamente protegidos» em caso de insolvência do organizador de viagens e, por conseguinte, que a garantia prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 abranja, em caso de insolvência, o reembolso de «todos os pagamentos efetuados pelos viajantes ou por conta destes».

67

Por outro lado, o considerando 40 desta diretiva indica que a exigência de efetividade da garantia em caso de insolvência do organizador de viagens exige que a proteção em caso de insolvência cubra os «montantes previsíveis dos pagamentos afetados pela insolvência do organizador [de viagens]», o que significa que a garantia que confere essa proteção deve, em geral, cobrir uma percentagem suficientemente elevada do volume de negócios desse organizador de viagens. De acordo com este considerando, apenas os riscos extremamente improváveis como a insolvência simultânea de vários dos principais organizadores de viagens, não devem ser tidos em conta. Tais riscos não têm, todavia, relação com a origem da obrigação de reembolso do organizador de viagens, quer se trate de um incumprimento do contrato de viagem quer de uma rescisão deste antes do início da viagem organizada.

68

Ora, qualquer reembolso de pagamento que o organizador de viagens deve efetuar na sequência de uma rescisão do contrato de viagem organizada por este último ou pelo viajante, nomeadamente com fundamento no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, é um montante previsível de pagamento afetado pela insolvência do organizador de viagens, na aceção do considerando 40 desta diretiva. Este reembolso diz respeito a pagamentos efetuados pelo viajante na sequência da celebração de um contrato de viagem organizada que, em princípio, está coberto, nos termos do artigo 17.o, n.o 2, da referida diretiva, pela garantia prevista no n.o 1 deste artigo.

69

A este respeito, como também salientou a advogada‑geral no n.o 89 das suas conclusões, o direito do viajante ao reembolso integral dos pagamentos efetuados em caso de rescisão do seu contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, consagrado no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, seria privado do seu efeito útil se o artigo 17.o, n.o 1, desta diretiva fosse interpretado no sentido de que, quando a insolvência do organizador de viagens ocorre após essa rescisão, a garantia em caso de insolvência não abrange os pedidos de reembolso correspondentes. Esta apreciação é igualmente válida para os outros reembolsos a que o viajante tem direito na sequência de uma rescisão do seu contrato de viagem organizada, por ele próprio ou pelo organizador, e que são referidos no artigo 11.o, n.o 5, e no artigo 12.o da referida diretiva.

70

Além disso, a não aplicação da garantia prevista no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 aos pedidos de reembolso em caso de rescisão pelo viajante do seu contrato de viagem organizada pode dissuadir este último de exercer o direito de rescisão que esta diretiva lhe confere em determinadas situações.

71

Assim, o artigo 17.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, lido à luz dos elementos do seu considerando 39 referidos no n.o 66 do presente acórdão e do considerando 40 desta diretiva, pode militar a favor de uma interpretação do n.o 1 deste artigo segundo a qual esta garantia se aplica a qualquer reembolso devido pelo organizador de viagens ao viajante quando o contrato de viagem organizada tenha sido rescindido, num dos casos previstos pela referida diretiva, antes da declaração da insolvência desse organizador.

72

Por último, há que salientar que, por força do artigo 5.o, que remete para as partes A e B do anexo I da Diretiva 2015/2302, o organizador de viagens é obrigado a comunicar ao viajante, antes de este ficar vinculado por um contrato de viagem organizada, os direitos essenciais previstos nesta diretiva, nomeadamente que, «[s]e o organizador […] for declarado insolvente, os pagamentos serão reembolsados», sem que seja mencionada qualquer limitação deste direito ao reembolso em caso de insolvência do organizador de viagens.

73

Estas últimas disposições corroboram também uma interpretação do alcance da garantia conferida, no artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302, aos viajantes em caso de insolvência do organizador de viagens que inclui os reembolsos devidos por esse organizador ao viajante na sequência de uma rescisão do contrato de viagem organizada numa das hipóteses previstas por esta diretiva. Com efeito, uma interpretação desta última disposição que limitasse este alcance apenas aos reembolsos relacionados com o incumprimento dos serviços de viagem causada pela insolvência do organizador de viagens implicaria que o referido artigo 5.o induzisse em erro o viajante no que se refere ao seu direito ao reembolso em caso de insolvência.

74

No que respeita, em segundo lugar, ao objetivo da Diretiva 2015/2302, resulta do artigo 1.o desta diretiva, lido em conjugação com os seus considerandos 1 a 3, que esta visa tanto eliminar ambiguidades, colmatar lacunas jurídicas e adaptar o âmbito da proteção conferida aos viajantes pela Diretiva 90/314 de modo a ter em conta a evolução do mercado, como contribuir para assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores, conforme exigido pelo artigo 169.o TFUE. A Diretiva 2015/2302 contribui assim para assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores na política da União em matéria de viagens organizadas, em conformidade com o artigo 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

75

Ora, uma interpretação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 que exclua da garantia em caso de insolvência do organizador de viagens os reembolsos devidos aos viajantes na sequência de uma rescisão ocorrida, numa das situações visadas por esta diretiva, antes da declaração dessa insolvência equivaleria a diminuir a proteção destes últimos relativamente à que lhes conferia a Diretiva 90/314.

76

Com efeito, o artigo 7.o desta última diretiva previa que os organizadores de viagens deviam dispor de meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência, o reembolso dos fundos depositados pelo consumidor. O Tribunal de Justiça declarou que este artigo se destinava a proteger integralmente os direitos dos consumidores nele mencionados e, por isso, a protegê‑los contra a integralidade dos riscos definidos no referido artigo e decorrentes da declaração de insolvência do organizador de viagens (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 1999, Rechberger e o., C‑140/97, EU:C:1999:306, n.o 61). O objetivo fundamental do mesmo artigo era, por isso, assegurar o reembolso dos fundos depositados pelo viajante em caso de insolvência desse organizador de viagens sem que a referida garantia dependesse de qualquer condição específica relativa às causas da insolvência do referido organizador de viagens (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Blödel‑Pawlik, C‑134/11, EU:C:2012:98, n.os 20 e 21).

77

A apreciação precedente não é posta em causa pelo facto de a Diretiva 90/314 não prever o direito de o viajante rescindir o contrato de viagem organizada e de obter um reembolso integral dos pagamentos efetuados equivalente ao que lhe é agora conferido pelo artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302.

78

Com efeito, como salientou igualmente a advogada‑geral no n.o 82 das suas conclusões, um direito de rescisão com direito ao reembolso dos pagamentos efetuados pelo viajante já estava consagrado na Diretiva 90/314 nas hipóteses atualmente reguladas pela Diretiva 2015/2302. Assim, o direito do viajante de rescindir o seu contrato de viagem organizada e de obter o reembolso de todas as quantias que pagou ao abrigo desse contrato quando o organizador de viagens é obrigado a alterar significativamente o referido contrato, previsto no artigo 11.o, n.o 5, da Diretiva 2015/2302, corresponde ao direito consagrado no artigo 4.o, n.o 6, da Diretiva 90/314.

79

Por conseguinte, se o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 devesse ser interpretado no sentido de que limita a garantia em caso de insolvência do organizador de viagens aos reembolsos devidos aos viajantes em razão da não realização de uma viagem organizada causada por essa insolvência, esta garantia excluiria qualquer reembolso devido ao viajante na sequência de uma rescisão ocorrida antes da declaração da referida insolvência, incluindo o reembolso devido ao viajante em aplicação do artigo 11.o, n.o 5, desta diretiva, o que constituiria uma redução do nível de defesa dos consumidores assegurado pela Diretiva 90/314.

80

No que respeita, em terceiro lugar, à génese da Diretiva 2015/2302, o alcance exato do seu artigo 17.o, n.o 1, não pode ser deduzido dos trabalhos preparatórios desta diretiva. Com efeito, como expõe igualmente a advogada‑geral nos n.os 62 a 83 das suas conclusões, a intenção do legislador da União quanto ao âmbito de aplicação da proteção em caso de insolvência do organizador de viagens ao abrigo do artigo 17.o, n.o 1, da referida diretiva não resulta claramente desses trabalhos preparatórios. A Comissão deduz da génese da mesma diretiva que, ao adotar esta disposição, o legislador da União pretendeu afastar‑se do nível de proteção anterior dos viajantes em caso de insolvência do organizador de viagens e excluir da garantia em caso de insolvência os pedidos de reembolso dos viajantes anteriores à declaração dessa insolvência, ao passo que o Parlamento Europeu sustenta que resulta desta génese que esse legislador tinha a intenção de manter o nível de proteção anterior dos viajantes em caso de insolvência, pelo que a garantia em caso de insolvência incluiria os pedidos de reembolso do viajante anteriores à declaração desta última. Quanto ao Conselho da União Europeia, este não indicou a intenção do legislador da União aquando da adoção do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302.

81

Resulta do exposto que, embora a redação do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 e certos elementos do contexto desta disposição possam militar a favor de uma interpretação que exclua do seu âmbito de aplicação os pedidos de reembolso posteriores a uma rescisão do contrato de viagem organizada ocorrida, numa das situações visadas por esta diretiva, antes da declaração da insolvência do organizador de viagens, outros elementos do contexto da referida disposição e o objetivo da referida diretiva tendem, pelo contrário, a apoiar uma interpretação que inclua esses pedidos nesse âmbito de aplicação.

82

Quando um diploma de direito derivado da União é suscetível de mais do que uma interpretação, há que dar preferência àquela que torna a disposição em causa compatível com o direito primário, em vez da que leva a declarar a incompatibilidade desta disposição com este último. Com efeito, segundo um princípio geral de interpretação, um ato da União deve ser interpretado, na medida do possível, de forma a não pôr em causa a sua validade e em conformidade com o direito primário no seu conjunto, incluindo o princípio da igualdade de tratamento [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o., C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.os 47 e 48, e de 16 de novembro de 2023, Ligue des droits humains (Verificação do tratamento de dados pela autoridade de controlo), C‑333/22, EU:C:2023:874, n.o 57 e jurisprudência referida]. Este princípio é precisamente evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑45/23, como é salientado no n.o 45 do presente acórdão.

83

O princípio da igualdade de tratamento, que é um princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v., neste sentido, Acórdão de 30 de novembro de 2023, MG/BEI, C‑173/22 P, EU:C:2023:932, n.o 45 e jurisprudência referida).

84

Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a apreciação da comparabilidade das situações para apreciar o respeito do referido princípio geral deve ser feita à luz do objetivo prosseguido pelo ato em que se insere a norma em questão (v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o., C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 49).

85

Como exposto no n.o 74 do presente acórdão, a Diretiva 2015/2302 tem por objetivo alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores. O artigo 17.o desta diretiva contribui para a realização deste objetivo, visando proteger o viajante do risco financeiro que a insolvência do organizador de viagens implica. Com efeito, tendo em conta que o viajante paga a totalidade ou parte do preço da sua viagem organizada antes de poder beneficiar dos serviços de viagem do organizador de viagens, corre o risco de perder a quantia correspondente se este se tornar posteriormente insolvente.

86

Ora, à luz deste objetivo, o ponto de referência para comparar a situação do viajante que, após ter pago a totalidade ou parte do preço da sua viagem organizada, rescindiu o seu contrato de viagem organizada numa das situações previstas pela referida diretiva, mas que não foi reembolsado porque o organizador de viagens se tornou insolvente após essa rescisão, e a situação do viajante cuja viagem não foi realizada e que não foi reembolsada em consequência da declaração de insolvência desse organizador, deve ser o risco de perdas financeiras para o viajante em causa.

87

Tendo em conta este ponto de referência, a situação dos dois passageiros acima referidos é comparável. Com efeito, em ambos os casos, o viajante está exposto ao risco financeiro de não poder obter, em consequência da declaração da insolvência do organizador de viagens, o reembolso das quantias que pagou a esse organizador apesar de ter direito a esse reembolso ao abrigo da Diretiva 2015/2302.

88

Por conseguinte, por força do princípio da igualdade de tratamento, tanto o viajante cuja viagem organizada não possa ser executada em consequência da declaração de insolvência do organizador de viagens como o viajante que rescindiu o seu contrato de viagem organizada, nomeadamente, em aplicação do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2302, devem beneficiar da garantia em caso de insolvência do organizador de viagens prevista no artigo 17.o, n.o 1, desta diretiva no que respeita aos reembolsos que lhes são devidos, a menos que uma diferença de tratamento entre estas duas categorias de viajantes seja objetivamente justificada.

89

No que respeita a este último aspeto, nenhum elemento parece poder justificar uma diferença de tratamento entre as referidas categorias de viajantes. Em especial, no que respeita à possibilidade de excluir os riscos extremamente improváveis do âmbito de aplicação da proteção em caso de insolvência do organizador de viagens, salientada por algumas partes no Tribunal de Justiça com base no considerando 40 da Diretiva 2015/2302, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que tal exclusão tenha sido prevista nas regulamentações nacionais e nos contratos de seguro em causa no processo principal. Em todo o caso, essa eventual exclusão não permite justificar essa diferença de tratamento. Com efeito, como indicado nesse considerando 40, esta visa riscos como a insolvência simultânea de vários dos principais organizadores de viagens. Não tem nenhuma relação com a questão de saber se o pedido de reembolso do viajante afetado pela insolvência do organizador de viagens tem origem na não realização da viagem organizada ou no exercício por esse viajante do seu direito de rescisão do contrato de viagem organizada numa das situações previstas pela referida diretiva.

90

Por conseguinte, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 82 do presente acórdão e o princípio da igualdade de tratamento, o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que inclui, na garantia em caso de insolvência dos organizadores de viagens, os pedidos de reembolso dos viajantes posteriores a uma rescisão do seu contrato de viagem organizada ocorrida, numa das situações previstas por esta diretiva, antes de o organizador de viagens se tornar insolvente.

91

Atendendo a tudo o que precede, há que responder à primeira questão no processo C‑771/22 e à única questão no processo C‑45/23 que o artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2015/2302 deve ser interpretado no sentido de que a garantia conferida aos viajantes em caso de insolvência do organizador de viagens organizadas se aplica quando um viajante rescinde o seu contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais em aplicação do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, quando, após essa rescisão, esse organizador de viagens se torna insolvente e quando esse viajante não recebeu, antes da declaração da insolvência, o reembolso integral dos pagamentos efetuados a que tem direito por força desta última disposição.

Quanto às questões segunda e terceira no processo C‑771/22

92

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão no processo C‑771/22, não há que responder às questões segunda e terceira nesse processo.

Quanto às despesas

93

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

a garantia conferida aos viajantes em caso de insolvência do organizador de viagens organizadas aplica‑se quando um viajante rescinde o seu contrato de viagem organizada devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais em aplicação do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, quando, após essa rescisão, esse organizador de viagens se torna insolvente e quando esse viajante não recebeu, antes da declaração da insolvência, o reembolso integral dos pagamentos efetuados a que tem direito por força desta última disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Línguas do processo: alemão e neerlandês.

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