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Document 62022CJ0731

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 13 de junho de 2024.
IJ und PO GesbR e IJ contra Agrarmarkt Austria.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
Reenvio prejudicial — Agricultura — Política agrícola comum (PAC) — Regimes de apoio — Pagamentos diretos aos agricultores — Regulamento (UE) n.o 1307/2013 — Artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c) — Conceito de “exploração” — Gestão por um agricultor — Conceito de “atividade agrícola” — Artigo 33.o, n.o 1 — Conceito de “superfície agrícola à disposição do agricultor numa data fixada pelo Estado‑Membro”, para efeitos da ativação dos direitos ao pagamento — Entrega sazonal, mediante remuneração, das parcelas de um terreno cujo agricultor é proprietário a utilizadores que se encarregam da manutenção dessas parcelas e da colheita.
Processo C-731/22.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:503

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

13 de junho de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Agricultura — Política agrícola comum (PAC) — Regimes de apoio — Pagamentos diretos aos agricultores — Regulamento (UE) n.o 1307/2013 — Artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c) — Conceito de “exploração” — Gestão por um agricultor — Conceito de “atividade agrícola” — Artigo 33.o, n.o 1 — Conceito de “superfície agrícola à disposição do agricultor numa data fixada pelo Estado‑Membro”, para efeitos da ativação dos direitos ao pagamento — Entrega sazonal, mediante remuneração, das parcelas de um terreno cujo agricultor é proprietário a utilizadores que se encarregam da manutenção dessas parcelas e da colheita»

No processo C‑731/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), por Decisão de 25 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo

IJ und PO GesbR,

IJ

contra

Agrarmarkt Austria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Piçarra (relator), presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Agrarmarkt Austria, por M. Borotschnik, na qualidade de agente,

em representação do Governo Austríaco, por A. Posch, J. Schmoll e A. Kögl, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Espanhol, por A. Pérez‑Zurita Gutiérrez, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. C. Becker e A. Sauka, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), bem como do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 608, e retificação no JO 2016, L 130, p. 23).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe IJ und PO GesBR, uma sociedade de direito civil até 2020 e, desde 2021, unicamente IJ, enquanto pessoa singular (a seguir, em conjunto, «IJ»), ao Agrarmarkt Austria (a seguir «AMA»), pessoa coletiva de direito austríaco que atua como organismo pagador e liquidatário das ajudas a favor dos agricultores, a respeito de três decisões pelas quais a AMA recusou conceder a IJ pagamentos diretos relativos aos anos de 2019 a 2021.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento (CE) n.o 1782/2003

3

O Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) 2019/93 (CE) n.o 1452/2001 (CE) n.o 1453/2001 (CE) n.o 1454/2001 (CE) n.o 1868/94 (CE) n.o 1251/1999 (CE) n.o 1254/1999 (CE) n.o 1673/2000 (CEE) n.o 2358/71 e (CE) n.o 2529/2001 (JO 2003, L 270, p. 1) foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005 (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO 2009, L 30, p. 16). Sob a epígrafe «Utilização dos direitos ao pagamento», o artigo 44.o do Regulamento n.o 1782/2003 previa, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   Por “hectare elegível”, entende‑se a superfície agrícola da exploração ocupada por terras aráveis e pastagens permanentes, com exceção das superfícies ocupadas por culturas permanentes ou florestas, ou afetadas a atividades não agrícolas.

3.   O agricultor declara as parcelas que correspondem ao hectare elegível ligado a um direito [a pagamento]. Salvo em casos de força maior ou circunstâncias excecionais, estas parcelas devem estar à disposição do agricultor durante um período de, pelo menos, 10 meses com início numa data a fixar pelo Estado‑Membro, mas não anterior a 1 de setembro do ano civil anterior ao ano de apresentação do pedido de candidatura ao regime de pagamento único.»

Regulamento n.o 1307/2013

4

O considerando 10 do Regulamento n.o 1307/2013, revogado pelo Regulamento (UE) 2021/2115 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de dezembro de 2021, que estabelece regras para apoiar os planos estratégicos a elaborar pelos Estados‑Membros no âmbito da política agrícola comum (planos estratégicos da PAC) e financiados pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e que revoga os Regulamentos (UE) n.o 1305/2013 e (UE) n.o 1307/2013 (JO 2021, L 435, p. 1), mas aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, enunciava:

«A experiência adquirida com a aplicação dos vários regimes de apoio aos agricultores mostrou que o apoio foi, em certos casos, concedido a pessoas singulares ou coletivas cujo objetivo comercial não tinha por alvo, ou só o tinha marginalmente, uma atividade agrícola. Para assegurar o melhor direcionamento do apoio, os Estados‑Membros deverão abster‑se de conceder pagamentos diretos a certas pessoas singulares e coletivas a menos que essas pessoas possam demonstrar que a sua atividade não é marginal. Além disso, os Estados[‑Membros] deverão ter a possibilidade de não conceder pagamentos diretos a outras pessoas singulares ou coletivas cuja atividade agrícola seja marginal. Todavia, os Estados‑Membros deverão ser autorizados a conceder pagamentos diretos aos pequenos agricultores a tempo parcial, uma vez que estes agricultores contribuam diretamente para a vitalidade das zonas rurais. […]»

5

O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispunha:

«O presente regulamento estabelece:

a)

Regras comuns relativas aos pagamentos concedidos diretamente aos agricultores ao abrigo dos regimes de apoio enumerados no anexo I (“pagamentos diretos”);

[…]»

6

O artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definições e disposições conexas», enunciava:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)

“Exploração”, o conjunto das unidades utilizadas para atividades agrícolas e geridas por um agricultor, situadas no território do mesmo Estado‑Membro;

c)

“Atividade agrícola”:

i)

a produção, a criação ou o cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita, a ordenha, a criação de animais, e a detenção de animais para fins de produção,

ii)

a manutenção de uma superfície agrícola num estado que a torne adequada para pastoreio ou cultivo sem ação preparatória especial para além dos métodos e máquinas agrícolas habituais, com base em critérios a definir pelos Estados‑Membros a partir de um quadro estabelecido pela Comissão [Europeia], ou

iii)

a realização de uma atividade mínima, definida pelos Estados‑Membros, em superfícies agrícolas naturalmente mantidas num estado adequado para pastoreio ou cultivo;

[…]

e)

“Superfície agrícola”: qualquer superfície de terras aráveis, prados permanentes e pastagens permanentes, ou culturas permanentes;

[…]

2.   Os Estados‑Membros:

[…]

b)

Se for caso disso num Estado‑Membro, definem a atividade mínima a desenvolver nas superfícies naturalmente mantidas num estado adequado para pastoreio ou cultivo, como referido no n.o 1, alínea c), subalínea iii);

[…]»

7

O artigo 9.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Agricultor ativo», previa, no seu n.o 1:

«Não são concedidos pagamentos diretos a pessoas singulares ou coletivas, ou a grupos de pessoas singulares ou coletivas, cujas superfícies agrícolas são sobretudo superfícies naturalmente mantidas num estado adequado para pastoreio ou cultivo e que não exercem nessas superfícies a atividade mínima definida pelos Estados‑Membros nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alínea b).»

8

O artigo 32.o do Regulamento n.o 1307/2013, sob a epígrafe «Ativação dos direitos ao pagamento», tinha a seguinte redação:

«1.   O apoio a título do regime de pagamento de base é concedido aos agricultores, através da declaração, nos termos do artigo 33.o, n.o 1, mediante ativação de um direito ao pagamento por hectare elegível no Estado‑Membro em que foi atribuído. Os direitos ao pagamento ativados dão lugar ao pagamento dos montantes neles fixados […]

2.   Para efeitos do presente título, entende‑se por “hectare elegível”:

a)

Qualquer superfície agrícola da exploração, incluindo as superfícies que não estavam mantidas em boas condições agrícolas à data de 30 de junho de 2003 nos Estados‑Membros que aderiram à União em 1 de maio de 2004 e que, no momento da adesão, optaram por aplicar o regime de pagamento único por superfície, que seja utilizada para uma atividade agrícola ou, se a superfície for igualmente utilizada para atividades não agrícolas, que seja principalmente utilizada para atividades agrícolas, ou

[…]»

9

O artigo 33.o deste regulamento, sob a epígrafe «Declaração dos hectares elegíveis», dispunha, no seu n.o 1:

«Para efeitos da ativação dos direitos ao pagamento previstos no artigo 32.o, n.o 1, o agricultor declara as parcelas que correspondem aos hectares elegíveis ligados a um direito ao pagamento. Salvo em casos de força maior ou circunstâncias excecionais, essas parcelas declaradas devem estar à disposição do agricultor numa data fixada pelo Estado‑Membro […]»

Direito austríaco

10

O § 20 do Verordnung des Bundesministers für Land‑ und Forstwirtschaft, Umwelt und Wasserwirtschaft mit horizontalen Regeln für den Bereich der Gemeinsamen Agrarpolitik (Horizontale GAP‑Verordnung) [Decreto do Ministro Federal da Agricultura e Florestas, do Ambiente e da Gestão dos Recursos Hídricos que estabelece Regras Horizontais no domínio da Política Agrícola Comum (Decreto Horizontal da PAC), BGBl. II, 100/2015], sob a epígrafe «Superfícies utilizadas para atividades não agrícolas», prevê, no seu n.o 3:

«Em qualquer caso, não fazem parte das superfícies elegíveis na aceção do § 17, n.o 1, as superfícies de pastagem ou construídas, as pedreiras de brita, as pedreiras, os parques, os terrenos recreativos, as plantações de árvores de Natal, as superfícies de manobra e de armazenamento duradouras, bem como as sebes, matas e paredes, desde que não estejam abrangidas pelo § 18, pontos 1 ou 2.»

11

O § 23 do Decreto Horizontal da PAC, sob a epígrafe «Disposições específicas aplicáveis a determinadas utilizações», dispõe, no seu n.o 1:

«A data relevante em que as superfícies elegíveis devem estar à disposição do agricultor para efeitos da ativação dos direitos ao pagamento, em conformidade com o artigo 33.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 1307/2013], é 9 de junho do ano do pedido em causa. […]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

IJ apresentou anualmente, de 2019 a 2021, um pedido de pagamentos diretos para um terreno de que é proprietária, com uma superfície de 1,0840 hectares de terras aráveis exclusivamente consagradas à cultura de produtos hortícolas ao ar livre e divididos em parcelas de diferentes dimensões (a seguir «superfície em causa»). IJ é responsável pela preparação do terreno, pelo planeamento das culturas e pelo cultivo de produtos hortícolas. No início da época, esta entrega estas parcelas a utilizadores, que se encarregam da sua manutenção e da colheita, e explora ela própria uma das referidas parcelas a fim de permitir aos novos utilizadores conhecerem a norma aplicável.

13

A partir da entrega das parcelas aos utilizadores, contra o pagamento de uma «contribuição sazonal» à IJ, estes obrigam‑se, ao abrigo de um acordo de utilização celebrado com esta última, a manter essas parcelas no respeito pelas orientações que regulam a agricultura biológica e eliminar regularmente as ervas daninhas durante toda a época de cultura. Resulta da decisão de reenvio que, em 9 de junho de cada ano de pedido, que é a data pertinente para efeitos da aplicação do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013, fixada pelo § 23, n.o 1, do Decreto Horizontal da PAC, a superfície em causa está «à guarda» desses utilizadores.

14

Durante o período em que as parcelas se encontram «à guarda» dos referidos utilizadores, IJ encarrega‑se da irrigação das mesmas segundo os seus próprios critérios. Reserva‑se, por outro lado, a possibilidade de arrancar as ervas daninhas destas parcelas, a expensas dos utilizadores, se estes não o fizerem. Em caso de ausência prolongada, estes utilizadores estão obrigados a encontrar um substituto que deve manter a respetiva parcela e proceder à colheita, para a qual IJ não dá nenhuma garantia, «devido ao caráter imprevisível das condições naturais».

15

Na sequência de um controlo no local, efetuado em 13 de julho de 2021, a AMA, baseando‑se no § 20.o, n.o 3, do Decreto Horizontal da PAC, qualificou a superfície em causa de «terreno recreativo» não elegível para pagamentos diretos, com o fundamento de que os utilizadores mantinham as parcelas e procediam à colheita durante o seu tempo de lazer, sem visar a produção sistemática para abastecer a população, que é a atividade agrícola abrangida a título principal pela PAC.

16

Por decisões de 10 de janeiro de 2022, a AMA, primeiro, recusou conceder pagamentos diretos pela superfície em causa para os anos de pedido de 2019 a 2021, segundo, reclamou o reembolso dos pagamentos já efetuados e, terceiro, aplicou sanções a IJ, com o fundamento de que essa superfície, a partir da data de entrega aos utilizadores das parcelas que a compõem, já não estava «à disposição» de IJ, na aceção do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013. Baseando‑se, nomeadamente, no Acórdão de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim (C‑61/09, EU:C:2010:606), a AMA considera que, em 9 de junho de cada ano de pedido, IJ já não goza de suficiente autonomia no exercício da sua atividade agrícola na referida superfície. Além disso, uma vez que os utilizadores das parcelas «guardam [para si] a colheita», não trabalham em nome, por conta e risco de IJ, contrariamente ao que exige esta jurisprudência.

17

IJ interpôs recurso das decisões da AMA de 10 de janeiro de 2022 no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que as parcelas em causa permanecem «à sua disposição», na aceção do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013, entre o momento em que são entregues aos utilizadores e o momento em que estes procedem à colheita, uma vez que é a IJ que se encarrega, nomeadamente, da preparação do terreno nessas parcelas, da irrigação destas e do fornecimento de todas as sementes e plântulas. Nestas condições, a obrigação de os utilizadores manterem eles próprios, durante este período, a sua parcela respetiva é apenas uma medida de marketing, cujo incumprimento pode levar a uma diminuição dessa colheita ou da qualidade desta.

18

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não há dúvida de que a primeira condição enunciada no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013 para definir uma «exploração», ou seja, que a superfície, situada no território do mesmo Estado‑Membro, seja utilizada «para atividades agrícolas» está preenchida, uma vez que a superfície em causa é utilizada para o cultivo de produtos agrícolas (produtos hortícolas). Por conseguinte, segundo esse órgão jurisdicional, a qualificação desta superfície de «terreno recreativo», feita pela AMA, é incorreta visto assentar numa interpretação do § 20.o, n.o 3, do Decreto Horizontal da PAC que não é conforme com o direito da União.

19

Em contrapartida, à luz do Acórdão de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim (C‑61/09, EU:C:2010:606), o referido órgão jurisdicional duvida que esteja preenchida, no caso em apreço, a segunda condição imposta pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), ou seja, que a superfície em causa seja «gerida por um agricultor», visto que, segundo esse acórdão, a atividade agrícola nessa superfície deve ser exercida «em nome e por conta» deste agricultor. A este respeito, salienta que o Tribunal de Justiça estabeleceu esta condição numa situação muito distinta do presente caso, em que se tratava sobretudo de evitar que vários agricultores reivindicassem as parcelas em causa como fazendo parte das respetivas explorações. Por conseguinte, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tal condição «não se impõe na mesma medida».

20

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio duvida que, no caso em apreço, esteja preenchida a condição, prevista no artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013, de que as parcelas declaradas por IJ para efeitos da ativação dos direitos ao pagamento estejam «à disposição» desta em 9 de junho de cada ano de pedido, uma vez que, nessa data, essas parcelas estavam «à guarda» dos utilizadores.

21

Esse órgão jurisdicional salienta que nenhum dos acórdãos do Tribunal de Justiça na matéria abrange «em pormenor» a presente situação. Todavia, considera que os argumentos mais fortes militam a favor da qualificação da superfície em causa de «hectare elegível», na aceção do artigo 32.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1307/2013, suscetível de dar direito aos pagamentos diretos em causa. Em seu entender, IJ conserva, com efeito, o poder de disposição e suficiente autonomia no exercício da sua atividade agrícola sobre a superfície em causa, devido a escolher livremente os utilizadores das parcelas dessa superfície e exercer, durante o período de cultivo, uma influência sobre os resultados da colheita, efetuando trabalhos de preparação, irrigando a referida superfície, eliminando, se for caso disso, as ervas daninhas e mantendo a mesma superfície em condições propícias ao cultivo dos produtos hortícolas indicados, ainda que esta não proceda à sua recolha.

22

Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), em conjugação com o artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1307/2013] ser interpretado no sentido de que uma superfície deve ser considerada gerida pelo agricultor e à sua disposição se, apesar de essa superfície ser detida pelo agricultor e este também efetuar a preparação inicial do terreno, o cultivo e a rega continuada das culturas, a superfície, dividida em parcelas de diferentes dimensões, for cedida, desde o início da estação em abril ou início de maio até ao final da estação em outubro, a vários utilizadores para manutenção e colheita mediante uma contrapartida fixa, sem que o agricultor tenha uma participação direta no sucesso da colheita?»

Quanto à questão prejudicial

23

Com a sua única questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), e do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a que um agricultor beneficie dos pagamentos diretos previstos no artigo 1.o, alínea a), deste regulamento, relativamente a uma superfície de que é proprietário, e a que esta superfície seja qualificada de «exploração gerida» por esse agricultor e «à disposição» do mesmo, quando, por um lado, as parcelas que compõem a referida superfície são entregues a utilizadores escolhidos pelo referido agricultor, os quais, mediante uma contrapartida fixa, se encarregam da manutenção destas parcelas e da colheita, e, por outro, o mesmo agricultor, sem ter direito aos sucessos da colheita, procede à preparação inicial do terreno, à plantação e à rega continuada das referidas parcelas, ou mesmo à sua manutenção em caso de carência desses utilizadores.

24

O conceito de «exploração» é definido no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013 como «o conjunto das unidades utilizadas para atividades agrícolas e geridas por um agricultor, situadas no território do mesmo Estado‑Membro».

25

Resulta da própria redação desta disposição que são exigidas duas condições cumulativas para a existência de uma «exploração». A primeira condição exige que as superfícies em causa, situadas no território do mesmo Estado‑Membro, sejam utilizadas para efeitos de uma «atividade agrícola», na aceção deste artigo 4.o, n.o 1, alínea c). A segunda condição exige que essas superfícies sejam «geridas» pelo agricultor.

26

Quanto à primeira condição, é consensual que a superfície em causa, que constitui uma «superfície agrícola», na aceção do artigo 4.o, alínea e), do Regulamento n.o 1307/2013, está exclusivamente consagrada à cultura de produtos hortícolas ao ar livre. Daqui resulta que esta atividade é abrangida pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea c), i), deste regulamento, enquanto produção, criação ou cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita.

27

Como a Comissão salientou nas suas observações escritas, este artigo 4.o, n.o 1, alínea c), não exige que, para ser qualificada de «atividade agrícola», esta atividade seja exercida unicamente durante períodos de trabalho considerados habituais, com exclusão dos períodos de lazer, nem que o próprio agricultor proceda à colheita ou que os produtos desta lhe sejam reservados. Esta disposição também não exige que a «atividade agrícola» tenha exclusivamente por objetivo a produção sistemática com o objetivo de abastecer a população. A este respeito, basta salientar que, nos termos da alínea ii) da referida disposição, «a manutenção de uma superfície agrícola num estado que a torne adequada para pastoreio ou cultivo sem ação preparatória especial para além dos métodos e máquinas agrícolas habituais, com base em critérios a definir pelos Estados‑Membros a partir de um quadro estabelecido pela Comissão», constitui igualmente uma «atividade agrícola», na aceção da mesma disposição.

28

Quanto à segunda condição de que depende a existência de uma «exploração», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013, ou seja, que as áreas utilizadas «para atividades agrícolas [sejam] geridas por um agricultor», o Tribunal de Justiça já precisou que esta condição não implica a existência, a favor do agricultor, de um poder de disposição ilimitado sobre a superfície em causa no âmbito da sua utilização para fins agrícolas. Basta que o agricultor disponha, nessa superfície, de suficiente autonomia ou poder de decisão no exercício da sua atividade agrícola, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.os 61 e 62, e de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑116/20, EU:C:2022:273, n.os 49 e 50).

29

Além disso, resulta do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013, lido à luz do seu considerando 10, que, para efeitos da concessão dos pagamentos diretos previstos no artigo 1.o, alínea a), deste regulamento, podem ser qualificadas de «agricultor ativo», na aceção da primeira destas disposições, as pessoas singulares ou coletivas ou os grupos de pessoas singulares ou coletivas cujas superfícies agrícolas «são sobretudo superfícies naturalmente mantidas num estado adequado para pastoreio ou cultivo», e que exercem nessas superfícies «a atividade mínima», definida, se for caso disso, pelos Estados‑Membros em conformidade com as disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), e n.o 1, alínea c), iii), do referido regulamento.

30

Por outro lado, em relação com as duas condições previstas no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1307/2013, o artigo 33.o, n.o 1, deste regulamento exige, para efeitos da ativação dos direitos aos pagamentos diretos, prevista no artigo 32.o, n.o 1, do referido regulamento, que, salvo em casos de força maior ou circunstâncias excecionais, as parcelas da superfície agrícola da exploração, declaradas como «hectares elegíveis», estejam igualmente «à disposição do agricultor numa data a fixar pelo Estado‑Membro». O conceito de «hectare elegível» é definido neste artigo 32.o, n.o 2, alínea a), como qualquer superfície agrícola da exploração que seja utilizada para uma atividade agrícola ou, se a superfície for igualmente utilizada para atividades não agrícolas, que seja principalmente utilizada para atividades agrícolas.

31

O Tribunal de Justiça já interpretou o artigo 44.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1782/2003 no sentido de que o exercício da atividade agrícola numa superfície deve ser feito em nome e por conta do agricultor, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar (Acórdão de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.o 69).

32

Todavia, admitindo que a substância destas disposições corresponde às do artigo 32.o, n.o 2, e do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013, importa salientar que a condição mencionada no número anterior, que não resulta da redação destas duas últimas disposições, foi estabelecida pelo Tribunal de Justiça no âmbito de um litígio que opunha ao organismo alemão homólogo da AMA uma entidade pública, ou seja, o Landkreis Bad Dürkheim (circunscrição de Bad Dürkheim), que tinha celebrado com uma agricultora um contrato pelo qual esta se obrigava, mediante uma contrapartida fixa, a manter e a explorar determinadas áreas das quais uma parte era propriedade de um Land e a outra parte pertencia a outros proprietários que tinham autorizado o pastoreio para fins de proteção da natureza. Para efeitos da concessão de direitos ao pagamento ao abrigo de um regime de pagamento único, esta agricultora tinha declarado estas superfícies como fazendo parte da sua exploração, e o seu pedido tinha sido indeferido por esse organismo, com o fundamento de que as referidas superfícies não podiam ser qualificadas de «hectare elegível», na aceção do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1782/2003.

33

Antes de mais, o Tribunal de Justiça declarou essencial que, nessa situação, as áreas em causa não fossem objeto de nenhuma atividade agrícola exercida por um terceiro, a fim de evitar que vários agricultores reivindiquem essas áreas como fazendo parte da sua exploração. Em seguida, este interpretou esta disposição no sentido de que não se opõe a que seja considerada como fazendo parte de uma exploração a área disponibilizada ao agricultor a título gratuito, com vista a uma utilização determinada por um período limitado, no respeito dos objetivos de proteção da natureza, desde que esse agricultor tenha as condições para utilizar essa superfície com suficiente autonomia, nas suas atividades agrícolas, durante um período mínimo de dez meses (Acórdão de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim, C‑61/09, EU:C:2010:606, n.os 66 e 71, segundo travessão).

34

À luz desta jurisprudência, uma entrega temporária de uma superfície agrícola a diferentes utilizadores livremente escolhidos pelo agricultor, para que exerçam determinadas tarefas abrangidas pelo conceito de «atividade agrícola» contra remuneração fixa, não pode obstar ao direito deste agricultor a «pagamentos diretos», em aplicação das disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), e do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013. Com efeito, como salientou a Comissão nas suas observações escritas, é determinante, para efeitos da ligação de uma superfície agrícola à exploração de um agricultor, que, por um lado, este agricultor esteja em condições de garantir que esta superfície seja efetivamente utilizada para atividades agrícolas e, por outro, que possa assegurar o cumprimento das exigências substantivas relativas ao exercício dessas atividades agrícolas.

35

Uma superfície agrícola deve ser considerada «gerida por um agricultor» e «à disposição» do mesmo uma vez que estas duas condições estão preenchidas. Esta deve também ser qualificada de «hectare elegível» para estes pagamentos, ainda que, à data fixada pelo Estado‑Membro em causa, se encontre «à guarda» dos utilizadores escolhidos pelo agricultor. Além disso, uma vez que esse agricultor exerce nessa superfície, pelo menos, uma atividade agrícola mínima, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento, lido à luz do seu considerando 10, deve ser qualificado de «agricultor ativo» para efeitos da concessão dos pagamentos diretos previstos no artigo 1.o, alínea a), do referido regulamento.

36

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, por um lado, IJ procede à preparação do terreno, ao planeamento das culturas e à plantação antes de entregar as diferentes parcelas da área em causa aos utilizadores escolhidos, para fins de manutenção e colheita, e também se encarrega da irrigação dessas parcelas. Por outro lado, ao abrigo de um acordo de utilização celebrado com IJ, estes utilizadores assumem a «responsabilidade», nomeadamente, de retirar regularmente as ervas daninhas e são obrigados a respeitar as orientações que regulam a agricultura biológica. Afigura‑se, assim, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, que a superfície em causa preenche os critérios enunciados nos n.os 34 e 35 do presente acórdão e que IJ é um «agricultor ativo», na aceção do artigo 9.o do Regulamento n.o 1307/2013, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento.

37

A este respeito, importa acrescentar que a decisão de reenvio não refere a existência, no processo principal, de nenhum risco de pedido de pagamentos diretos para a superfície em causa por parte de agricultores que não IJ. Nesta medida, o presente processo distingue‑se do que deu origem ao Acórdão de 14 de outubro de 2010, Landkreis Bad Dürkheim (C‑61/09, EU:C:2010:606). Assim, admitindo que o artigo 32.o, n.o 2, e o artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013 devem ser objeto da mesma interpretação que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça fez do artigo 44.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1782/2003, no sentido de que, numa situação como a que deu origem ao referido acórdão, exigem que o exercício da atividade agrícola nas áreas em causa seja feito em nome e por conta do agricultor que pede os pagamentos diretos, esse requisito não é aplicável no presente processo [v., por analogia, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Land Berlin (Direitos ao pagamento relacionados com a PAC)C‑216/19, EU:C:2020:1046, n.os 43 e 44].

38

À luz dos fundamentos anteriores, importa responder à questão submetida que as disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), e do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1307/2013 devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a que um agricultor beneficie dos pagamentos diretos previstos no artigo 1.o, alínea a), deste regulamento, relativamente a uma superfície de que é proprietário, e a que esta superfície seja qualificada de «exploração gerida» por este agricultor e «à disposição» do mesmo, quando, por um lado, as parcelas que compõem a referida superfície são entregues a utilizadores escolhidos pelo referido agricultor, os quais, mediante uma contrapartida fixa, se encarregam da manutenção destas parcelas e da colheita, e, por outro, o mesmo agricultor, sem ter direito aos sucessos da colheita, procede à preparação inicial do terreno, à plantação e à rega continuada das referidas parcelas, ou mesmo à sua manutenção no caso de omissão desses utilizadores.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

As disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 1, alíneas b) e c), e do artigo 33.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.o 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho,

 

devem ser interpretadas no sentido de que:

 

não se opõem a que um agricultor beneficie dos pagamentos diretos previstos no artigo 1.o, alínea a), deste regulamento, relativamente a uma superfície de que é proprietário, e a que esta superfície seja qualificada de «exploração gerida» por este agricultor e «à disposição» do mesmo, quando, por um lado, as parcelas que compõem a referida superfície são entregues a utilizadores escolhidos pelo referido agricultor, os quais, mediante uma contrapartida fixa, se encarregam da manutenção destas parcelas e da colheita, e, por outro, o mesmo agricultor, sem ter direito aos sucessos da colheita, procede à preparação inicial do terreno, à plantação e à rega continuada das referidas parcelas, ou mesmo à sua manutenção no caso de omissão desses utilizadores.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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