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Document 62022CJ0471

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 30 de janeiro de 2024.
Agentsia «Patna infrastruktura» contra Rakovoditel na Upravlyavashtia organ na Operativna programa «Transport» 2007-2013 i direktor na direktsia «Koordinatsia na programi i proekti» v Ministerstvo na transporta (RUO).
Reenvio prejudicial — Fundo de Coesão da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1083/2006 — Artigos 99.o e 101.o — Correções financeiras relacionadas com irregularidades detetadas — Regulamento (UE) 2021/1060 — Artigo 104.o — Correções financeiras efetuadas pela Comissão — Decisão da Comissão que anula parcialmente uma contribuição deste Fundo — Validade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 41.o — Direito a uma boa administração — Artigo 47.o, primeiro parágrafo — Direito a uma ação perante um tribunal.
Processo C-471/22.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:99

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

30 de janeiro de 2024 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fundo de Coesão da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1083/2006 — Artigos 99.o e 101.o — Correções financeiras relacionadas com irregularidades detetadas — Regulamento (UE) 2021/1060 — Artigo 104.o — Correções financeiras efetuadas pela Comissão — Decisão da Comissão que anula parcialmente uma contribuição deste Fundo — Validade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 41.o — Direito a uma boa administração — Artigo 47.o, primeiro parágrafo — Direito a uma ação perante um tribunal»

No processo C‑471/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária), por Decisão de 4 de julho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de julho de 2022, no processo

Agentsia «Patna infrastruktura»

contra

Rakovoditel na Upravlyavashtia organ na Operativna programa «Transport» 2007‑2013 i direktor na direktsia «Koordinatsia na programi i proekti» v Ministerstvo na transporta (RUO),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Piçarra (relator), M. Safjan, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Agentsia «Patna infrastruktura», por I. Ivanov,

em representação do Rakovoditel na Upravlyavashtia organ na Operativna programa «Transport» 2007‑2013 i direktor na direktsia «Koordinatsia na programi i proekti» v Ministerstvo na transporta (RUO), por M. Georgiev,

em representação do Governo Búlgaro, por T. Mitova, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por P. Carlin, D. Drambozova e G. Wils, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto, por um lado, a validade da Decisão C(2021) 5739 final da Comissão, de 27 de julho de 2021, que anula parcialmente a contribuição do Fundo de Coesão para o programa operacional «Transporte» 2007‑2013 no âmbito do objetivo «Convergência» na Bulgária (a seguir «Decisão de 27 de julho de 2021»), e, por outro, a interpretação dos artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 296.o, terceiro parágrafo, TFUE e dos artigos 98.o e 100.o do Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho, de 11 de julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1260/1999 (JO 2006, L 210, p. 25).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Agentsia «Patna infrastrukura» (Agência das Infraestruturas Rodoviárias, Bulgária) (a seguir «API») ao Rakovoditel na Upravlyavashtia organ na Operativna programa «Transport» 2007‑2013 i direktor na direktsia Koordinatsia na programi i proekti v Ministerstvoto na transporta (Chefe da autoridade de gestão do programa operacional «Transporte» 2007‑2013 e Diretor na Direção «Programa e Coordenação de Projetos» do Ministério dos Transportes, Bulgária) (a seguir «autoridade de gestão»), relativamente à correção financeira de 5 % do valor de um contrato de 27 de fevereiro de 2012, financiado por uma subvenção concedida em execução do programa operacional «Transporte» 2007‑2013, que esta autoridade aplicou à API por carta de 29 de dezembro de 2021.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1083/2006

3

O considerando 65 do Regulamento n.o 1083/2006, aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal, enunciava:

«Em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, os Estados‑Membros deverão ser os principais responsáveis pela execução e controlo das intervenções.»

4

Nos termos do artigo 2.o, ponto 7, deste regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

7.

“Irregularidade”, qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o Orçamento Geral da União Europeia através da imputação de uma despesa indevida ao Orçamento Geral.»

5

O artigo 60.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Funções da autoridade de gestão», previa:

«A autoridade de gestão é responsável pela gestão e execução do programa operacional de acordo com o princípio da boa gestão financeira, em especial:

a)

Assegura que as operações são selecionadas para financiamento em conformidade com os critérios aplicáveis ao programa operacional e que cumprem as regras nacionais e comunitárias aplicáveis durante todo o período da sua execução;

[…]»

6

O artigo 70.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Gestão e controlo», dispunha, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros são responsáveis pela gestão e controlo dos programas operacionais, nomeadamente através das seguintes medidas:

a)

Assegurando que os sistemas de gestão e controlo dos programas operacionais são criados em conformidade com os artigos 58.o a 62.o e que funcionam de forma eficaz;

b)

Prevenindo, detetando e corrigindo eventuais irregularidades e recuperando montantes indevidamente pagos com juros de mora, se for caso disso. Os Estados‑Membros devem notificar à Comissão [Europeia] essas medidas, mantendo‑a informada da evolução dos processos administrativos e judiciais.

2.   Sempre que os montantes indevidamente pagos a um beneficiário não possam ser recuperados, o Estado‑Membro é responsável pelo reembolso dos montantes perdidos ao Orçamento Geral da União Europeia, sempre que se prove que o prejuízo sofrido resultou de erro ou negligência da sua parte.»

7

O artigo 98.o do Regulamento n.o 1083/2006, sob a epígrafe «Correções financeiras efetuadas pelos Estados‑Membros», tinha a seguinte redação:

«1.   A responsabilidade pela investigação de eventuais irregularidades, pelas medidas a tomar sempre que seja detetada uma alteração significativa que afete a natureza ou os termos de execução ou de controlo das operações ou dos programas operacionais, e pelas correções financeiras necessárias incumbe, em primeiro lugar, aos Estados‑Membros.

2.   Os Estados‑Membros efetuam as correções financeiras necessárias no que respeita às irregularidades pontuais ou sistémicas detetadas no âmbito de operações ou de programas operacionais. As correções efetuadas por um Estado‑Membro consistem na anulação total ou parcial da participação pública no programa operacional. O Estado‑Membro tem em conta a natureza e a gravidade das irregularidades, bem como os prejuízos financeiros daí resultantes para o fundo.

[…]»

8

O artigo 99.o deste regulamento, sob a epígrafe «Critérios de correção», enunciava:

«1.   A Comissão pode efetuar correções financeiras mediante a anulação da totalidade ou de parte da participação comunitária num programa operacional, sempre que, após ter realizado as verificações necessárias, conclua que:

a)

O sistema de gestão e controlo do programa apresenta uma deficiência grave que pôs em risco a participação comunitária já paga ao programa;

b)

As despesas que constam de uma declaração de despesas certificada estão incorretas e não foram retificadas pelo Estado‑Membro antes da abertura do processo de correção previsto no presente número;

c)

Um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem, por força do artigo 98.o, antes da abertura do processo de correção previsto no presente número.

2.   A Comissão toma como base para as suas correções financeiras os casos pontuais de irregularidade identificados, tendo em conta a natureza sistémica da irregularidade, a fim de determinar se deve aplicar uma correção fixa ou extrapolada.

3.   Ao estabelecer o montante da correção, a Comissão tem em conta a natureza e a gravidade da irregularidade e a extensão e as consequências financeiras das deficiências detetadas no programa operacional em causa.

4.   Sempre que tome por base as constatações efetuadas por auditores que não pertençam aos seus próprios serviços, a Comissão deve tirar as suas próprias conclusões quanto às eventuais consequências financeiras após ter examinado as medidas adotadas pelo Estado‑Membro em causa, nos termos do n.o 2 do artigo 98.o, os relatórios apresentados a título da alínea b) do n.o 1 do artigo 70.o e as eventuais respostas do Estado‑Membro.

5.   Sempre que, tal como referido no n.o 4 do artigo 15.o, um Estado‑Membro não cumpra as obrigações que lhe incumbem, a Comissão pode, em função do grau de incumprimento dessas obrigações, efetuar uma correção financeira, anulando, no todo ou em parte, a participação dos fundos estruturais a favor desse Estado‑Membro.

A taxa aplicável à correção financeira referida no presente número é estabelecida nas regras de execução do presente regulamento aprovadas pela Comissão nos termos do n.o 3 do artigo 103.o»

9

O artigo 100.o do referido regulamento, intitulado «Procedimento», dispunha:

«1.   Antes de tomar uma decisão no que respeita a uma correção financeira, a Comissão dá início ao procedimento, comunicando ao Estado‑Membro as suas conclusões provisórias e convidando‑o a apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

[…]

2.   A Comissão tem em conta quaisquer elementos de prova apresentados pelo Estado‑Membro dentro dos prazos referidos no n.o 1.

3.   Sempre que um Estado‑Membro não aceite as conclusões provisórias da Comissão, esta convida‑o para uma audição, no decurso da qual ambas as partes procurarão chegar a acordo quanto às observações efetuadas e às conclusões a retirar das mesmas, num espírito de cooperação assente na parceria.

[…]

5.   Na falta de acordo, a Comissão toma, no prazo de seis meses a contar da data da audição, uma decisão sobre a correção financeira em questão, tendo em conta todas as informações e observações apresentadas durante o procedimento. Caso não seja realizada uma audição, o período de seis meses começa a correr dois meses após a data do convite enviado pela Comissão.»

10

O artigo 101.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Obrigações dos Estados‑Membros», previa:

«A aplicação de uma correção financeira pela Comissão não prejudica a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de procederem às recuperações previstas no n.o 2 do artigo 98.o do presente regulamento e de recuperarem os montantes concedidos a título de auxílios estatais ao abrigo do artigo [107.o TFUE] e do artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] [(JO 1999, L 83, p. 1).]»

Regulamento (UE) 2021/1060

11

O Regulamento (UE) 2021/1060 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de junho de 2021, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu Mais, ao Fundo de Coesão, ao Fundo para uma Transição Justa e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura e regras financeiras aplicáveis a esses fundos e ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ao Fundo para a Segurança Interna e ao Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos (JO 2021, L 231, p. 159), dispõe, no seu artigo 104.o, sob a epígrafe «Correções financeiras efetuadas pela Comissão»:

«[…]

2.   Antes de tomar uma decisão quanto à aplicação de uma correção financeira, a Comissão informa o Estado‑Membro em causa das suas conclusões e dá‑lhe a oportunidade de apresentar, no prazo de dois meses, as suas observações e de demonstrar que a dimensão real da irregularidade é inferior à que resulta da avaliação da Comissão. O prazo pode ser prorrogado de comum acordo.

3.   Caso o Estado‑Membro não aceite as conclusões da Comissão, é por esta convidado para uma audição, a fim de garantir que a Comissão disponha de todas as informações e observações pertinentes para fundamentar as suas conclusões sobre a aplicação da correção financeira.

4.   A Comissão decide da aplicação de uma correção financeira tendo em conta a dimensão, a frequência e as implicações financeiras das irregularidades ou das deficiências graves, por meio de um ato de execução, no prazo de dez meses a contar da data da audição ou da apresentação das informações adicionais solicitadas pela Comissão.

Ao decidir da aplicação de uma correção financeira, a Comissão tem em conta todas as informações e observações apresentadas.

[…]»

Direito búlgaro

12

O artigo 70.o do Zakon za upravlenie na sredstvata ot evropeyskite strukturni i investitsionni fondove (Lei relativa à Gestão dos Recursos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento Europeus, DV n.o 101, de 22 de dezembro de 2015), na versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «Lei dos Fundos Europeus»), dispõe, no seu n.o 1:

«O apoio financeiro proveniente dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento pode ser total ou parcialmente suprimido através de uma correção financeira pelos seguintes motivos:

[…]

9.

por uma irregularidade que constitua uma violação das regras de designação de um contratante a título do capítulo 4, cometida por ato ou omissão do beneficiário, que tem ou teria por efeito prejudicar os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento;

10.

por qualquer outra irregularidade que constitua uma violação do direito aplicável da União e/ou búlgaro, cometida por ato ou omissão do beneficiário, que tem ou teria por efeito prejudicar os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento.»

13

Em conformidade com o artigo 71.o, n.o 1, da Lei dos Fundos Europeus, «ao proceder a correções financeiras, o apoio financeiro concedido a título do capítulo 3 do Fundo Social Europeu é retirado, ou o montante dos fundos utilizados (custos elegíveis do projeto) é reduzido, para alcançar ou repor a situação em que todas as despesas certificadas na Comissão Europeia sejam conformes ao direito da União aplicável e à legislação búlgara».

14

O artigo 73.o da Lei dos Fundos Europeus prevê:

«(1)   A correção financeira é determinada quanto ao fundamento e ao montante por uma decisão motivada do chefe da autoridade de gestão que aprovou o projeto.

(2)   Antes de adotar a decisão referida no n.o 1, a autoridade de gestão deve garantir que o beneficiário tem a possibilidade de apresentar, num prazo razoável, que não pode ser inferior a duas semanas, as suas objeções escritas relativas ao fundamento e ao montante da correção financeira e, sendo caso disso, juntar elementos de prova.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

A API beneficiou do programa operacional «Transporte» 2007‑2013 ao abrigo de uma convenção celebrada com a autoridade de gestão. Em cumprimento desta convenção, após processos de adjudicação de contratos públicos, celebrou três contratos com o contratante, todos tendo por objeto o planeamento e construção de uma estrada.

16

Em 18 de maio de 2017, a Comissão deu início a um procedimento de correção financeira e concedeu um prazo de dois meses à República da Bulgária para apresentar as suas observações. Em 4 de dezembro de 2019 teve lugar uma reunião técnica entre a Comissão e este Estado‑Membro para clarificarem as suas posições. Realizou‑se também uma audição em 2 de março de 2021, após a qual o referido Estado‑Membro forneceu informações complementares à Comissão.

17

Por Decisão de 27 de julho de 2021, de que a República da Bulgária é destinatária, a Comissão considerou que os três processos de adjudicação de contratos públicos em causa tinham sido organizados pela API em violação de certas disposições da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114). Com base no artigo 99.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 1083/2006, a Comissão anulou então parcialmente a contribuição do Fundo de Coesão para o programa operacional em causa e aplicou uma taxa fixa de correção financeira de 5 % às despesas declaradas a título das operações afetadas por estes contratos públicos.

18

Na sequência desta decisão, a autoridade de gestão deu início, relativamente a cada um dos referidos contratos públicos, a um procedimento de correção financeira contra a API. Por carta de 29 de dezembro de 2021, aplicou assim uma correção financeira que ascende a 5 % do valor de um dos contratos públicos em causa. A API interpôs recurso dessa decisão para o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária), o órgão jurisdicional de reenvio.

19

Este órgão jurisdicional duvida da validade da Decisão de 27 de julho de 2021. Salienta, nomeadamente, que a Comissão, além de não ter fundamentado suficientemente esta decisão, e de não ter tido em conta uma eventual contradição entre o anúncio de concurso público em causa e o caderno de encargos, que fazia parte do processo de concurso, invocou várias vezes jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1), embora a diretiva aplicável ao processo que lhe foi submetido seja a Diretiva 2004/18.

20

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, ainda, se o artigo 41.o da Carta permite à Comissão declarar uma violação das regras aplicáveis em matéria de contratos públicos baseando‑se apenas nas observações do Estado‑Membro e não nas da entidade adjudicante, se as autoridades nacionais competentes devem declarar a irregularidade no âmbito de um procedimento autónomo antes de aplicar uma correção financeira, ou se se podem basear na declaração da irregularidade operada pela Comissão e, nesse caso, se o artigo 47.o da Carta se opõe a que o órgão jurisdicional competente para fiscalizar a medida de correção financeira fique vinculado pela constatação da irregularidade efetuada pela Comissão.

21

Nestas condições, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode a [Decisão de 27 de julho de 2021], ser considerada válida à luz dos requisitos relativos à base legal, à fundamentação, à completude e à objetividade do exame efetuado, em conformidade com o artigo 296.o, terceiro parágrafo, TFUE e o princípio da boa administração estabelecido no artigo 41.o da Carta?

2)

Deve o artigo 100.o do Regulamento n.o 1083/2006 […] ser interpretado no sentido de que, para efeitos da legalidade das suas decisões, a Comissão Europeia não é obrigada a verificar, a examinar e a classificar todos os factos juridicamente relevantes no procedimento, mas deve limitar‑se a tirar as suas conclusões da comunicação e da troca de pareceres e informações com o Estado‑Membro?

3)

Numa situação como a do caso em apreço, em que há um ato jurídico definitivo da Comissão Europeia que impõe uma correção financeira a um Estado‑Membro por uma irregularidade nas despesas dos fundos da União Europeia no âmbito de três procedimentos distintos de adjudicação de contratos, devem as autoridades nacionais competentes instruir o seu próprio procedimento de verificação da existência de irregularidades a fim de procederem legalmente a uma correção financeira nos termos do artigo 98.o do Regulamento n.o 1083/2006?

4)

Em caso de resposta negativa à questão anterior, deve considerar‑se que, nesse caso, o direito de as pessoas participarem no procedimento de aplicação de uma correção financeira pelos Estados‑Membros está garantido, em conformidade com o direito a uma boa administração em conformidade com o artigo 41.o da Carta?

5)

Deve o artigo 47.o da Carta ser interpretado no sentido de que, numa situação como a do caso em apreço, em que há um ato jurídico definitivo da Comissão Europeia que impõe uma correção financeira a um Estado‑Membro por uma irregularidade nas despesas dos fundos da União Europeia no âmbito de três procedimentos distintos de adjudicação de contratos, o órgão jurisdicional nacional está vinculado pelas constatações e conclusões da Comissão Europeia quando é chamado a pronunciar‑se sobre uma ação contra a aplicação de uma correção financeira pela autoridade nacional competente em relação a um desses procedimentos de adjudicação, ou decorre da referida disposição que este deve averiguar e verificar, no âmbito de um processo judicial completo, os factos e as circunstâncias juridicamente relevantes do litígio, recorrendo a todos os meios legalmente previstos e fornecendo uma solução conforme com a lei?

6)

Se a resposta à questão anterior for no sentido de que o órgão jurisdicional nacional está vinculado pela Decisão da Comissão Europeia, incluindo as suas conclusões de facto, pode considerar‑se que são garantidos às pessoas a quem foi imposta uma correção financeira os direitos à ação e a um processo equitativo em conformidade com o artigo 47.o da Carta?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às questões primeira e segunda

22

A título liminar, há que salientar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio vise, na sua segunda questão, o artigo 100.o do Regulamento n.o 1083/2006, no caso em apreço, a Comissão seguiu, no entanto, o procedimento instaurado no artigo 104.o do Regulamento 2021/1060, considerando que este último artigo era aplicável ratione temporis atendendo à natureza processual das disposições que contém.

23

Nestas condições, as duas primeiras questões, que há que examinar em conjunto, devem ser entendidas no sentido de que visam determinar se, à luz do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 41.o da Carta e do artigo 104.o do Regulamento 2021/1060, a Decisão de 27 de julho de 2021 está ferida de invalidade.

24

Em primeiro lugar, no que respeita à alegada violação, pela Comissão, do direito a ser ouvido, garantido no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, devido à falta de audição do beneficiário dos fundos, resulta nomeadamente dos considerandos 22 a 27 da Decisão de 27 de julho de 2021, e das observações escritas da autoridade de gestão, do Governo Búlgaro e da Comissão que, embora o artigo 104.o do Regulamento 2021/1060 não preveja expressamente a obrigação de a Comissão ouvir o beneficiário dos fundos, quer os representantes desta autoridade quer os da API participaram, no caso em apreço, numa reunião técnica e numa audição, organizadas pela Comissão, no âmbito do procedimento previsto nesse artigo.

25

Em segundo lugar, no que respeita à alegada violação, pela Comissão, do seu dever de fundamentação, previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE e no artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta, importa recordar que esta fundamentação deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio do seu autor, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações do ato e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização (v., nomeadamente, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63; de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, EU:C:2001:178, n.o 35, e de 2 de setembro de 2021, EPSU/Comissão, C‑928/19 P, EU:C:2021:656, n.o 108).

26

A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas direta e individualmente interessadas no mesmo podem ter em obter explicações. Não é, portanto, exigido que a fundamentação de um ato especifique todos os elementos de facto e de direito que podem ser considerados pertinentes (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63, e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08, EU:C:2010:603, n.o 131).

27

A este respeito, antes de mais, a Comissão, depois de ter apresentado, como prevê o artigo 104.o, n.o 2, do Regulamento 2021/1060, os motivos que a levaram a concluir pela existência de uma irregularidade, nos considerandos 28 a 36 da Decisão de 27 de julho de 2021, respondeu, nos considerandos 49 a 67 da mesma, aos argumentos apresentados pela República da Bulgária aquando das diferentes trocas que decorreram durante o procedimento previsto nesse artigo 104.o A Comissão apreciou assim se se podia considerar que as justificações invocadas por esse Estado‑Membro constituíam circunstâncias excecionais que justificam derrogar as regras da Diretiva 2004/18 visadas no caso em apreço.

28

Em seguida, quanto ao argumento segundo o qual a Comissão não teve em consideração a especificidade de cada um dos três contratos afetados pela medida de correção financeira, resulta dos considerandos 32, 33, e, sobretudo, 56 a 59 da Decisão de 27 de julho de 2021 que a entidade adjudicante impôs a cada membro do consórcio com quem estes contratos tinham sido celebrados, em relação a cada um dos referidos contratos, uma exigência idêntica, ou seja, uma experiência na construção de estradas cuja estrutura seja capaz de suportar uma carga de 11,5 toneladas por eixo, sem que uma circunstância excecional o justifique. A Comissão, baseando‑se no n.o 91 do Acórdão de 5 de abril de 2017, Borta (C‑298/15, EU:C:2017:266), considerou desproporcionada esta exigência imposta de modo uniforme a todos os membros de um consórcio, independentemente das suas capacidades profissionais específicas nesse consórcio.

29

O facto de, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, este acórdão incidir sobre a Diretiva 2004/17, embora a diretiva aplicável no processo principal seja a Diretiva 2004/18, não exclui a pertinência da Diretiva 2004/17 nem a do referido acórdão. Com efeito, estas duas diretivas têm um objeto semelhante, partilham as mesmas bases jurídicas, e a disposição pertinente da Diretiva 2004/18 está redigida da mesma maneira que a que lhe corresponde na Diretiva 2004/17, referindo‑se, aliás, o Acórdão de 5 de abril de 2017, Borta (C‑298/15, EU:C:2017:266), ao Acórdão de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz (C‑324/14, EU:C:2016:214), que respeita à interpretação da Diretiva 2004/18.

30

Por fim, quanto à alegada contradição entre o anúncio de concurso público e o caderno de encargos, que fazia parte do processo de concurso, relativa à questão de saber se os critérios de seleção deviam ser preenchidos por cada consórcio ou individualmente por cada membro do consórcio, deve declarar‑se que tal contradição, admitindo‑a demonstrada, não foi suscitada pelas partes durante o procedimento de correção financeira conduzido em aplicação do artigo 104.o do Regulamento 2021/1060. Não pode, portanto, acusar‑se a Comissão de ter incumprido o seu dever de fundamentação a este respeito.

31

À luz dos fundamentos anteriores, há que concluir que a análise conjunta das questões primeira e segunda não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade da Decisão de 27 de julho de 2021.

Quanto às questões terceira e quarta

32

Com as sua questões terceira e quarta, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1083/2006, lido em conjugação com o artigo 41.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, quando, numa decisão adotada com base no artigo 99.o deste regulamento, a Comissão constate uma irregularidade, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, do referido regulamento, e aplique, consequentemente, uma correção financeira a um Estado‑Membro, as autoridades nacionais competentes devem proceder à recuperação dos montantes indevidamente recebidos, aplicando uma correção financeira ao beneficiário dos fundos após um procedimento administrativo autónomo.

33

Resulta dos artigos 98.o e 99.o do Regulamento n.o 1083/2006, lidos à luz do considerando 65 deste regulamento, que incumbe, em primeiro lugar, ao Estado‑Membro controlar a boa utilização dos fundos e declarar, sendo caso disso, a existência de uma irregularidade, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, do referido regulamento. O artigo 98.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento especifica que os Estados‑Membros têm a obrigação de efetuar correções financeiras quando detetem irregularidades relacionadas com as operações ou os programas operacionais (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de maio de 2016, Județul Neamț e Județul Bacău, C‑260/14 e C‑261/14, EU:C:2016:360, n.o 48, e de 6 de dezembro de 2017, Compania Naţională de Administrare a Infrastructurii Rutiere, C‑408/16, EU:C:2017:940, n.os 64 e 65).

34

Esta interpretação é corroborada pelo artigo 60.o, alínea a), do Regulamento n.o 1083/2006, nos termos do qual incumbe à autoridade de gestão assegurar que as operações selecionadas para financiamento o sejam em conformidade com as regras nacionais e da União aplicáveis durante todo o período da sua execução.

35

Assim, só a título subsidiário, para corrigir uma falha do Estado‑Membro, é que a Comissão está habilitada, com base no artigo 99.o do Regulamento n.o 1083/2006, a adotar medidas de correção financeira após ter concluído que um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 98.o desse regulamento. No caso em apreço, a Comissão salientou, na Decisão de 27 de julho de 2021, que nenhuma decisão tinha sido adotada pela República da Bulgária com base no artigo 98.o do referido regulamento.

36

Além disso, resulta do artigo 101.o do Regulamento n.o 1083/2006 que a aplicação de uma correção financeira pela Comissão a um Estado‑Membro não prejudica a obrigação que incumbe a este último de proceder às recuperações, em aplicação do artigo 98.o, n.o 2, desse regulamento, dos fundos europeus indevidamente recebidos junto dos seus beneficiários.

37

Esta interpretação é corroborada pelo artigo 70.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1083/2006, que dispõe que os Estados‑Membros, que são responsáveis pela gestão e controlo dos programas operacionais, têm a obrigação de recuperar montantes indevidamente pagos com juros de mora, se for caso disso.

38

Daqui decorre que, uma vez que os Estados‑Membros têm a obrigação de recuperar os fundos europeus indevidamente recebidos em consequência de um abuso ou de uma negligência por parte dos beneficiários desses fundos, o facto de terem reembolsado a União, em conformidade com a decisão da Comissão de que são destinatários, não os dispensa, em princípio, de proceder à recuperação dos referidos fundos juntos desses beneficiários (v., por analogia, Acórdãos de 13 de março de 2008, Vereniging Nationaal Overlegorgaan Sociale Werkvoorziening e o.,C‑383/06 a C‑385/06, EU:C:2008:165, n.os 38 e 58; de 21 de dezembro de 2011, Chambre de commerce et d’industrie de l’Indre, C‑465/10, EU:C:2011:867, n.o 34, e de 18 de dezembro de 2014, Somvao, C‑599/13, EU:C:2014:2462, n.os 44 e 45).

39

Por conseguinte, quando a Comissão adota uma decisão de correção financeira com base no artigo 99.o do Regulamento n.o 1083/2006, o Estado‑Membro tem, por força do artigo 101.o deste regulamento, de proceder à recuperação dos montantes indevidamente recebidos, adotando medidas de correção financeira, nos termos do artigo 98.o, n.o 2, do referido regulamento, a não ser que essa recuperação seja impossível devido a erro ou negligência da parte desse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 1 de outubro de 2020, Elme Messer Metalurgs, C‑743/18, EU:C:2020:767, n.o 71).

40

Ao adotarem tais medidas de implementação do direito da União, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais deste direito e as disposições da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de maio de 2016, Județul Neamț e Județul Bacău, C‑260/14 e C‑261/14, EU:C:2016:360, n.o 54, e de 17 de novembro de 2022, Avicarvil Farms, C‑443/21, EU:C:2022:899, n.o 38).

41

Uma vez que, neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio se refere, em especial, ao artigo 41.o da Carta, relativo ao direito a uma boa administração, importa sublinhar que este artigo se dirige às instituições, órgãos e organismos da União e não aos órgãos ou às entidades dos Estados‑Membros, pelo que um particular não pode invocar o referido artigo perante as autoridades nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2014, YS e o., C‑141/12 e C‑372/12, EU:C:2014:2081, n.o 67). Todavia, desde que um Estado‑Membro aplique o direito da União, as exigências decorrentes do princípio da boa administração, enquanto princípio geral do direito da União, nomeadamente o direito de todas as pessoas a que os seus assuntos sejam tratados de forma imparcial, e num prazo razoável, são aplicáveis no âmbito do procedimento conduzido pela autoridade nacional competente [v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2014, N., C‑604/12, EU:C:2014:302, n.os 49 e 50, e de 10 de fevereiro de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Prazo de prescrição), C‑219/20, EU:C:2022:89, n.o 37].

42

Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio também se refere ao direito de participar no procedimento, há que observar que esse direito, ao permitir exercer o direito a ser ouvido, faz parte integrante dos direitos de defesa, cujo respeito constitui um princípio geral do direito da União. O direito a ser ouvido garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses, mesmo quando essa formalidade não esteja prevista na regulamentação aplicável. A regra segundo a qual deve ser dada ao destinatário de uma decisão desfavorável a possibilidade de apresentar as suas observações antes de a mesma ser tomada destina‑se a permitir que a autoridade competente tenha utilmente em conta todos os elementos relevantes (v., neste sentido, Acórdão de 5 de novembro de 2014, Mukarubega, C‑166/13, EU:C:2014:2336, n.os 44 a 47 e 49).

43

Esta regra é assim aplicável a um procedimento de correção financeira, conduzido pelas autoridades nacionais com base no artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1083/2006, na sequência de uma decisão da Comissão que declara uma irregularidade.

44

Atendendo aos fundamentos expostos, há que responder às questões terceira e quarta que o artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1083/2006, lido em conjugação com os princípios gerais do direito da União da boa administração, do respeito pelos direitos de defesa e da igualdade de armas, deve ser interpretado no sentido de que, quando, numa decisão adotada com base no artigo 99.o deste regulamento, a Comissão constate uma irregularidade, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, do referido regulamento, e aplique, consequentemente, uma correção financeira a um Estado‑Membro, as autoridades nacionais competentes devem, em princípio, proceder à recuperação dos montantes indevidamente recebidos, aplicando uma correção financeira ao beneficiário dos fundos, no termo de um procedimento administrativo autónomo ao longo do qual este beneficiário pôde dar a conhecer de maneira útil e efetiva as suas observações.

Quanto às questões quinta e sexta

45

Com as suas questões quinta e sexta, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional fique vinculado por uma decisão definitiva da Comissão que anula total ou parcialmente, devido a uma irregularidade, a contribuição de um fundo da União Europeia, quando neste órgão jurisdicional seja interposto um recurso contra o ato nacional que aplica, em execução dessa decisão, uma correção financeira ao beneficiário desse fundo.

46

O direito a proteção jurisdicional efetiva garantido no artigo 47.o da Carta é constituído por diversos elementos, que incluem, nomeadamente, os direitos de defesa, o princípio da igualdade de armas, o direito de acesso aos tribunais assim como o direito de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo (Acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.o 48).

47

Ora, como foi recordado no n.o 42 do presente acórdão, o direito a ser ouvido, que faz parte integrante dos direitos de defesa, assegura a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista, de maneira útil e efetiva, no decurso de um procedimento [Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito a ser ouvido pela autoridade judiciária de execução), C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 62]. Este direito seria violado se uma decisão judicial se pudesse basear em factos e documentos de que as próprias partes, ou uma delas, não puderam tomar conhecimento e em relação aos quais não lhe foram assim dadas condições de tomar posição (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21 EU:C:2022:895, n.o 63).

48

Do mesmo modo, o princípio da igualdade de armas, que é, à semelhança do princípio do contraditório, um corolário do direito a um processo equitativo, implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentarem a sua causa, incluindo provas, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário. Este princípio garante assim a igualdade dos direitos e obrigações das partes no que respeita, nomeadamente, às regras que regem a administração das provas e o debate contraditório no órgão jurisdicional competente. Daqui resulta que qualquer documento apresentado a esse órgão jurisdicional deve poder ser avaliado e impugnado por qualquer parte no processo [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.os 71 e 72; de 10 de fevereiro de 2022, Bezirkshauptmannschaft Hartberg‑Fürstenfeld (Prazo de prescrição), C‑219/20, EU:C:2022:89, n.o 46; e de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 62].

49

Daqui resulta que, quando seja interposto num órgão jurisdicional de um Estado‑Membro um recurso contra um ato nacional que aplica uma correção financeira ao beneficiário de um fundo da União Europeia, adotada em execução de uma decisão definitiva da Comissão que anula total ou parcialmente a contribuição desse fundo, devido a uma irregularidade, esse órgão jurisdicional deve poder analisar também a validade dessa última decisão. Se o referido órgão jurisdicional julgar procedentes um ou mais fundamentos de invalidade da decisão da Comissão, invocados pelas partes ou suscitados oficiosamente, deve suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial para apreciação da validade, sendo o Tribunal de Justiça o único competente para declarar a invalidade de um ato da União (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, VodafoneZiggo Group/Comissão, C‑689/19, EU:C:2021:142, n.o 144).

50

Tal mecanismo de reenvio prejudicial, na medida em que permite contestar, no Tribunal de Justiça, a declaração de irregularidade operada pela Comissão, permite garantir o direito à ação, previsto no artigo 47.o da Carta, de que beneficiam os destinatários do ato nacional de recuperação, uma vez que, através deste ato, as autoridades do Estado‑Membro aplicam o direito da União.

51

Atendendo aos fundamentos expostos, há que responder às questões quinta e sexta que o artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional fique vinculado por uma decisão definitiva da Comissão que anula total ou parcialmente, devido a uma irregularidade, a contribuição de um fundo da União Europeia, quando neste órgão jurisdicional seja interposto um recurso contra o ato nacional que aplicou, em execução dessa decisão, uma correção financeira ao beneficiário desse fundo, uma vez que tem de submeter ao Tribunal de Justiça um reenvio prejudicial para apreciação da validade da referida decisão, se tiver dúvidas a esse respeito.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

A análise conjunta da primeira e segunda questões não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade da Decisão C(2021) 5739 final da Comissão, de 27 de julho de 2021, que anula parcialmente a contribuição do Fundo de Coesão para o programa operacional «Transporte» 2007‑2013 no âmbito do objetivo «Convergência» na Bulgária.

 

2)

O artigo 98.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho, de 11 de julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1260/1999, lido em conjugação com os princípios gerais do direito da União da boa administração, do respeito pelos direitos de defesa e da igualdade de armas,

deve ser interpretado no sentido de que:

quando, numa decisão adotada com base no artigo 99.o deste regulamento, a Comissão Europeia constate uma irregularidade, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, do referido regulamento, e aplique, consequentemente, uma correção financeira a um Estado‑Membro, as autoridades nacionais competentes devem, em princípio, proceder à recuperação dos montantes indevidamente recebidos, aplicando uma correção financeira ao beneficiário dos fundos, no termo de um procedimento administrativo autónomo ao longo do qual este beneficiário pôde dar a conhecer de maneira útil e efetiva as suas observações.

 

3)

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional fique vinculado por uma decisão definitiva da Comissão que anula total ou parcialmente, devido a uma irregularidade, a contribuição de um fundo da União Europeia, quando a este órgão jurisdicional seja submetido um recurso contra o ato nacional que aplica, em execução dessa decisão, uma correção financeira ao beneficiário desse fundo, devendo submeter ao Tribunal de Justiça um reenvio prejudicial para apreciação da validade da referida decisão, se tiver dúvidas a esse respeito.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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