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Document 62022CJ0447

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 5 de setembro de 2024.
    República da Eslovénia contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigos 107.o e 108.o TFUE — Medidas concedidas pela República da Eslovénia a uma rede municipal de farmácias de oficina antes da sua adesão à União Europeia — Fase preliminar de análise — Não abertura do procedimento formal de investigação — Conceito de “dificuldades sérias” — Âmbito dos deveres de investigação da Comissão Europeia — Ónus da prova da parte que invoca a existência de “dificuldades sérias” — Alcance.
    Processo C-447/22 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:678

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    5 de setembro de 2024 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigos 107.o e 108.o TFUE — Medidas concedidas pela República da Eslovénia a uma rede municipal de farmácias de oficina antes da sua adesão à União Europeia — Fase preliminar de análise — Não abertura do procedimento formal de investigação — Conceito de “dificuldades sérias” — Âmbito dos deveres de investigação da Comissão Europeia — Ónus da prova da parte que invoca a existência de “dificuldades sérias” — Alcance»

    No processo C‑447/22 P,

    que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 6 de julho de 2022,

    República da Eslovénia, representada por B. Jovin Hrastnik, J. Morela e N. Pintar Gosenca, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    Petra Flašker, residente em Grosuplje (Eslovénia), representada por K. Zdolšek, odvetnica,

    recorrente em primeira instância,

    Comissão Europeia, representada por M. Farley e C. Georgieva, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb (relator), A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

    advogado‑geral: A. Rantos,

    secretário: M. Longar, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 31 de janeiro de 2024,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de abril de 2024,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a República da Eslovénia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 27 de abril de 2022, Flašker/Comissão (T‑392/20, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2022:245), no qual este anulou a Decisão C(2020) 1724 final da Comissão, de 24 de março de 2020, que encerra a análise de medidas relativas à farmácia pública Lekarna Ljubljana à luz das regras em matéria de auxílios estatais constantes dos artigos 107.o e 108.o TFUE [processo SA.43546 (2016/FC) — Eslovénia] (a seguir «decisão controvertida»), na parte em que esta decisão se refere aos ativos sob gestão desta farmácia pública.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Tratado de Adesão e Ato de Adesão

    2

    O Tratado entre o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República Checa, a República da Estónia, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Hungria, a República de Malta, a República da Polónia, a República da Eslovénia, a República Eslovaca, relativo à adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca à União Europeia (JO 2003, L 236, p. 17), foi assinado pela República da Eslovénia em 16 de abril de 2003 e entrou em vigor em 1 de maio de 2004 (a seguir «Tratado de Adesão»).

    3

    Ao abrigo do artigo 1.o, n.o 2, do Tratado de Adesão, as condições de admissão e as adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia constam do Ato relativo às Condições de Adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33; a seguir «Ato de Adesão»), ato anexo ao Tratado de Adesão e cujas disposições fazem parte integrante deste.

    4

    O artigo 22.o do ato de adesão dispõe que as medidas enumeradas no seu anexo IV devem ser aplicadas nas condições previstas nesse anexo.

    5

    O ponto 3 do anexo IV do Ato de Adesão, intitulado «Política de concorrência», enuncia, no seu n.o 1:

    «Os regimes de auxílio e os auxílios individuais a seguir indicados em execução num novo Estado‑Membro antes da data da adesão e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data devem ser considerados, no momento da adesão, auxílios existentes na aceção do n.o 1 do artigo [108.o, n.o 1, TFUE]:

    a)

    Medidas de auxílio em execução antes de 10 de dezembro de 1994;

    b)

    Medidas de auxílio enumeradas no apêndice ao presente anexo;

    c)

    Medidas de auxílio que, antes da data da adesão, tenham sido avaliadas pela autoridade de controlo dos auxílios estatais do novo Estado‑Membro e consideradas compatíveis com o acervo, e às quais a Comissão [Europeia] não tenha levantado objeções motivadas por sérias dúvidas quanto à compatibilidade das medidas com o mercado comum, nos termos do n.o 2.

    Todas as medidas ainda aplicáveis após a data da adesão que constituam um auxílio estatal e não preencham as condições acima enunciadas são consideradas novos auxílios no momento da adesão, para efeitos do n.o 3 do artigo [108.o TFUE.]»

    Regulamento (UE) 2015/1589

    6

    Sob a epígrafe «Definições», o artigo 1.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), tem a seguinte redação:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    a)

    “Auxílio”, qualquer medida que satisfaça os critérios fixados no artigo 107.o, n.o 1, [TFUE];

    b)

    “Auxílios existentes”:

    i)

    Sem prejuízo […] do ponto 3 e do apêndice do Anexo IV do [Ato de Adesão], qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do [Tratado FUE] no respetivo Estado‑Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do [Tratado FUE] no respetivo Estado‑Membro e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data,

    […]

    c)

    “Novo auxílio”: quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente;

    […]»

    7

    O artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão», prevê, nos seus n.os 2 a 5:

    «2.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

    3.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, na medida em que está abrangida pelo artigo 107.o, n.o 1, [TFUE], decidirá que essa medida é compatível com o mercado interno (“decisão de não levantar objeções”). A decisão referirá expressamente a derrogação do [Tratado FUE] que foi aplicada.

    4.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 2, [TFUE] (“decisão de início de um procedimento formal de investigação”).

    5.   As decisões previstas nos n.os 2, 3 e 4 do presente artigo devem ser tomadas no prazo de dois meses. […]»

    Regulamento (CE) n.o 794/2004

    8

    O artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento 2015/1589 (JO 2004, L 140, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2282 da Comissão, de 27 de novembro de 2015 (JO 2015, L 325, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 794/2004»), sob a epígrafe «Procedimento de notificação simplificado para certas alterações de auxílios existentes», prevê, no seu n.o 1, primeiro período, que, para efeitos do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento 2015/1589, «entende‑se por alteração de um auxílio existente qualquer modificação que não seja de natureza puramente formal ou administrativa destinada a não afetar a apreciação da compatibilidade da medida de auxílio com o mercado [interno]».

    Antecedentes do litígio e decisão controvertida

    9

    Os antecedentes do litígio estão expostos da seguinte forma nos n.os 2 a 13 do acórdão recorrido:

    «2

    Em 1979, foi criada em Liubliana (Eslovénia), na então República Socialista Federativa da Jugoslávia, uma entidade denominada Lekarna Ljubljana [p.o.], responsável pela distribuição oficinal de produtos farmacêuticos. De acordo com as indicações fornecidas pelas autoridades eslovenas [à Comissão], essa entidade foi dotada de “ativos” que lhe permitiam exercer a sua missão. Segundo [Petra Flašker, recorrente em primeira instância], atualmente farmacêutica de oficina liberal, a referida entidade era uma “organização de trabalho em comum”, não exercendo uma atividade económica de mercado e sem capacidade para ter uma propriedade.

    3

    Após a independência da [República da Eslovénia], foi adotada, em 1991, a [Zakon o zavodih (Lei relativa aos Estabelecimentos)], que abrange, nomeadamente, os estabelecimentos públicos responsáveis por serviços de interesse económico geral. O artigo 48.o desta lei dispõe:

    “O estabelecimento é financiado para o desempenho da sua missão através de dotações do seu fundador, da venda de produtos e serviços e de outras fontes previstas na presente lei.”

    4

    No ano seguinte, foi adotada a [Zakon o lekarniški dejavnosti (Lei relativa às Farmácias). Esta lei] prevê a coexistência de estabelecimentos públicos de farmácia e de farmácias privadas, bem como a responsabilidade dos municípios pela prestação de serviços farmacêuticos no respetivo território. As farmácias privadas recebem uma autorização de exercício sob a forma de concessão atribuída pelo município em causa através de concurso público. Os estabelecimentos públicos de farmácia são criados pelos municípios, que participam na sua direção, e são regidos pelo respetivo ato fundador. Existem atualmente na Eslovénia, segundo a Comissão, cerca de 25 estabelecimentos públicos de farmácia, que exploram cerca de 200 farmácias de oficina e 100 farmácias privadas.

    5

    Com fundamento nas duas leis mencionadas nos n.os 3 e 4, supra, o município de Liubliana criou, em 1997, por despacho, o estabelecimento público de farmácia Javni Zavod Lekarna Ljubljana (a seguir “Lekarna Ljubljana”), especificando que era o sucessor legal da Lekarna Ljubljana [p.o.] com a transmissão dos direitos e obrigações [desta última].

    6

    A Lekarna Ljubljana explora hoje cerca de cinquenta farmácias de oficina na Eslovénia, principalmente em Ljubljana, mas também em cerca de quinze outros municípios. Em Grosuplje, a cidade em que [a recorrente em primeira instância] explora a sua farmácia privada, estão também situadas duas farmácias de oficina da Lekarna Ljubljana.

    7

    Por denúncia apresentada oficialmente à Comissão em 27 de abril de 2016 após contactos prévios com os seus serviços, [a recorrente em primeira instância] queixou‑se da existência de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE […] a favor da Lekarna Ljubljana. Uma das medidas identificadas durante a instrução desta denúncia foi “a concessão de ativos sob gestão” em condições que, segundo [a recorrente em primeira instância], não correspondem às condições de mercado. [A recorrente em primeira instância] menciona, como ativos sob gestão, as instalações comerciais.

    8

    Houve vários contactos entre a Comissão e as autoridades eslovenas, por um lado, e [a recorrente em primeira instância], por outro. A Comissão comunicou por duas vezes [à recorrente em primeira instância] uma apreciação preliminar segundo a qual as medidas identificadas não constituíam auxílios de Estado. [A recorrente em primeira instância] manteve sempre a sua denúncia, apresentando elementos de informação complementares e foi apoiada, em 2018, por dezasseis outras farmácias privadas da Eslovénia.

    9

    Em 24 de março de 2020, a Comissão enviou à República da Eslovénia a [decisão controvertida]. [Esta] foi adotada sem que a Comissão tenha dado início ao procedimento de investigação aprofundado previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. A Comissão concluiu, no considerando 73, que o exame das quatro medidas a favor da Lekarna Ljubljana, identificadas pela [recorrente em primeira instância] durante a instrução como sendo o benefício, concedido pelo município de Skofljica (Eslovénia), de um arrendamento de longa duração gratuito, a concessão de ativos sob gestão pelo município de Liubliana, a isenção de taxas de concessão atribuída por vários municípios e a renúncia a lucros que deveriam ter sido partilhados com vários municípios, não revelou a existência de auxílios de Estado. Todavia, no que respeita à concessão de ativos sob gestão, a Comissão expôs, nos considerandos 37 a 40 da [decisão controvertida], que, se a concessão desses ativos constituir um auxílio de Estado, se trata então de um “auxílio existente”.

    10

    A fundamentação constante destes últimos considerandos é a que se segue. Após recordar o disposto no artigo 48.o da Lei relativa aos Estabelecimentos, citado no n.o 3, supra, e indicar, por um lado, que o município de Liubliana devia, a esse título, fazer uma dotação à Lekarna Ljubljana de ativos para que esta pudesse iniciar a sua atividade e, por outro, que qualquer ativo obtido pela Lekarna Ljubljana, incluindo pelos seus próprios meios, é classificado como “ativo sob gestão” em aplicação das regras da contabilidade pública, a Comissão expõe que, segundo as autoridades eslovenas, o município de Liubliana fez, em 1979, uma dotação à Lekarna Ljubljana [p.o.] de ativos necessários ao início das suas atividades, que, em 1997, estes ativos foram transferidos para a sua sucessora legal, a saber, a Lekarna Ljubljana, e que todos os restantes ativos posteriormente adquiridos por estas duas entidades desde 1979 o foram pelos seus próprios meios no mercado e em condições de mercado. Os únicos ativos sob gestão que podem representar um auxílio de Estado são, portanto, os da dotação inicial de ativos à Lekarna Ljubljana [p.o.] transferida, em 1997, para a Lekarna Ljubljana.

    11

    De seguida, faz‑se referência ao anexo IV do [Ato de Adesão], designadamente ao seu ponto 3, relativo à Política de Concorrência. Refere‑se que, nos termos do n.o 1 deste, “[o]s regimes de auxílio e os auxílios individuais a seguir indicados em execução num novo Estado‑Membro antes da data da adesão e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data devem ser considerados, no momento da adesão, auxílios existentes na aceção do n.o 1 do artigo [108.o TFUE]: a) Medidas de auxílio em execução antes de 10 de dezembro de 1994 […]”.

    12

    Também se recorda que o artigo 1.o, alínea c), do Regulamento [2015/1589] define “novo auxílio” como “quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente”. Também é de relembrar que o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 794/2004] prevê que “[se entende] por alteração de um auxílio existente qualquer modificação que não seja de natureza puramente formal ou administrativa destinada a não afetar a apreciação da compatibilidade da medida de auxílio com o mercado [interno]”.

    13

    Conclui‑se que, mesmo que a concessão de ativos sob gestão constituísse um auxílio de Estado, seria então um auxílio existente, uma vez que foi concedido por ocasião da criação da Lekarna Ljubljana [p.o.], em 1979. A substituição [desta última] pela Lekarna Ljubljana em 1997 é de natureza puramente administrativa, não alterando o contexto legal, nem a utilização e as condições de utilização dos ativos em causa. Esta substituição não pode, portanto, constituir uma alteração a um auxílio existente e, consequentemente, o auxílio em questão continua a ser um auxílio desta natureza.»

    Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    10

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de junho de 2020, Petra Flašker interpôs recurso de anulação da decisão controvertida ao abrigo do artigo 263.o TFUE.

    11

    Em apoio do recurso, a recorrente em primeira instância invocou três fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do dever de fundamentação, o segundo, à apreciação errada dos factos e a um erro na qualificação jurídica dos factos respeitantes à concessão de ativos sob gestão, dando origem à violação dos artigos 107.o e 108.o TFUE, e, o terceiro, ao facto de a Comissão não poder legalmente adotar a decisão controvertida sem dar início ao procedimento de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    12

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente o terceiro fundamento e anulou a decisão controvertida na parte em que diz respeito aos ativos sob gestão da Lekarna Ljubljana.

    13

    Após ter, no n.o 17 do acórdão recorrido, circunscrito o âmbito do recurso apenas às medidas relativas aos «ativos sob gestão» e especificado, no n.o 22 desse acórdão, que havia que analisar o terceiro fundamento do recurso à luz, nomeadamente, dos argumentos apresentados pela recorrente em primeira instância no âmbito do segundo fundamento, conforme sintetizados no n.o 19 do referido acórdão, o Tribunal Geral procedeu a uma análise relativa aos ativos sob gestão em causa, distinguindo os concedidos à Lekarna Ljubljana p.o. aquando da sua criação em 1979 e os concedidos à Lekarna Ljubljana p.o. e à Lekarna Ljubljana após esse ano de 1979.

    14

    Em primeiro lugar, nos n.os 40 a 50 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou os ativos sob gestão incorporados pela Lekarna Ljubljana p.o. e pela Lekarna Ljubljana após 1979 (a seguir «primeira medida em causa»).

    15

    A este respeito, o Tribunal Geral começou por observar, no n.o 40 desse acórdão, que a Comissão se tinha limitado, como resulta do considerando 36 da decisão controvertida, a referir a afirmação das autoridades eslovenas segundo a qual todos os ativos sob gestão adquiridos pela Lekarna Ljubljana p.o. e pela Lekarna Ljubljana posteriormente a 1979 tinham‑no sido segundo as condições de mercado e sem qualquer apoio público, apesar de as autoridades eslovenas não terem fornecido nenhum elemento de prova concreto em apoio desta afirmação.

    16

    Em seguida, o Tribunal Geral examinou os diferentes documentos apresentados pela recorrente em primeira instância, destinados a demonstrar a existência de «dificuldades sérias» para determinar se tinham sido concedidos auxílios de Estado ao abrigo da primeira medida em causa. A este título, no que respeita a um excerto do relatório anual da Lekarna Ljubljana relativo ao ano de 2012, conforme mencionado no n.o 45 do acórdão recorrido, que refere dois bens imóveis que tinham sido transferidos para este último pelo município de Liubliana como ativos sob gestão, o Tribunal Geral considerou que não resultava com evidência que a referida transferência tivesse sido efetuada em condições de mercado, ou então, a título gratuito ou em condições preferenciais. Além disso, após ter verificado, no n.o 47 desse acórdão, que a Lekarna Ljubljana estava abrangida, em primeiro lugar, pela categoria de beneficiários prevista no artigo 24.o da Zakon o stvarnem premoženju države in samoupravnih lokalnih skupnosti (Lei relativa aos Ativos Físicos do Estado e das Administrações Locais), em conformidade com o qual o Estado e as administrações locais podem fornecer gratuitamente ativos físicos a entidades públicas que não sociedades públicas, se tal for de interesse público, o Tribunal Geral examinou, no n.o 48 do referido acórdão, os diferentes extratos de contas públicas fornecidos pela recorrente em primeira instância, que evidenciavam algumas discrepâncias entre os números do Município de Liubliana relativos ao valor dos ativos atribuídos sob gestão à Lekarna Ljubljana e os números resultantes das contas públicas desta última. A este respeito, o Tribunal Geral salientou, no mesmo n.o 48 do acórdão recorrido, que «não parec[ia] possível saber, apenas com base nessas contas públicas, quais dos ativos concedidos sob gestão à Lekarna Ljubljana correspond[iam], respetivamente, a ativos imobiliários atribuídos gratuitamente ou em condições preferenciais pelo município de Liubliana, a ativos imobiliários adquiridos em condições de mercado pela Lekarna Ljubljana ou ainda a ativos financeiros ou monetários».

    17

    Tendo em conta os elementos precedentes, o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 49 e 50 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha dissipado as dúvidas, o que lhe competia fazer, quanto à questão de saber se os ativos sob gestão incorporados pela Lekarna Ljubljana após 1979 tinham sido obtidos em condições de mercado. Com efeito, segundo o Tribunal Geral, enquanto os elementos apresentados pela recorrente em primeira instância durante o procedimento administrativo, conforme referidos nos n.os 45 a 48 desse acórdão, revelavam a existência de uma «situação pouco clara» sobre a natureza e o estatuto desses ativos sob gestão, incumbia à Comissão, perante tal situação de incerteza, aprofundar as investigações para determinar se, entre os referidos ativos sob gestão, constavam ativos correspondentes a auxílios de Estado, não podendo essa determinação ser considerada abrangida pelo ónus da prova que recai sobre a recorrente em primeira instância.

    18

    Em segundo lugar, nos n.os 51 a 57 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou os ativos concedidos em 1979 à Lekarna Ljubljana p.o. para o início das suas atividades e transferidos, em 1997, para a Lekarna Ljubljana (a seguir «segunda medida em causa»).

    19

    A título preliminar, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 38 e 39 do acórdão recorrido, que a Comissão considerou, tanto na decisão controvertida como na sua resposta a uma questão escrita, que, admitindo que a segunda medida em causa seja um auxílio de Estado, constitui um auxílio existente de caráter individual e não um regime de auxílios abrangido pelo exame permanente previsto no artigo 108.o, n.o 1, TFUE, pelo que não se pronunciou sobre a compatibilidade com o mercado interno desse eventual auxílio existente.

    20

    De seguida, o Tribunal Geral mencionou, nos n.os 51, 52 e 54 do acórdão recorrido, por um lado, os diferentes elementos apresentados pela recorrente em primeira instância, não desmentidos pela Comissão, destinados a demonstrar que a Lekarna Ljubljana operava em condições diferentes em relação à entidade a que tinha sucedido em 1997, e, por outro, as principais alterações que ocorreram no mercado esloveno entre a data inicial de concessão dos ativos em causa e a da adoção da decisão controvertida. Estas alterações incidiam, nomeadamente, sobre a abertura do mercado farmacêutico esloveno à concorrência devido à adoção, em 1992, da Lei relativa às Farmácias, que tinha aberto esse setor à economia de mercado, bem como, posteriormente, da adesão da República da Eslovénia à União, em 1 de maio de 2004. Ora, e apesar de estes diferentes elementos serem relativos ao contexto legal e económico que a Comissão deveria ter apreendido para se poder pronunciar com conhecimento de causa no âmbito das suas investigações que levaram à adoção da decisão controvertida, o Tribunal Geral salientou que aquela instituição se limitou a afirmar, como resulta do considerando 39 dessa decisão, e sem fundamentar suficientemente esta afirmação, que a sucessão, em 1997, entre a Lekarna Ljubljana p.o. e a Lekarna Ljubljana era de natureza puramente administrativa e que o contexto legal, bem como o uso e as condições de utilização dos ativos em questão não tinham variado, pelo que o auxílio existente em vigor nesse momento não tinha sido alterado e continuava a ser um auxílio desta natureza.

    21

    Além disso, nos n.os 53 a 55 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a questão de saber se os diferentes elementos salientados no número anterior do presente acórdão podiam levar a pensar, como alegou a recorrente em primeira instância, que a segunda medida em causa, admitindo que constituísse um auxílio existente, podia ser considerada, em razão de alterações entretanto ocorridas, um novo auxílio, na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento 2015/1589. A este respeito, o Tribunal Geral salientou, no n.o 54 do acórdão recorrido, o seguinte:

    «É pacífico que, em 10 de dezembro de 1994, a Lekarna Ljubljana [p.o.] ainda existia, acabava de ser criado o Município de Liubliana e a Lei de 1992 relativa às Farmácias, que abriu o setor à economia de mercado, já tinha sido adotada. Todavia, não consta da decisão [controvertida] nenhuma informação quanto à questão de saber se as farmácias privadas já tinham obtido concessões municipais nessa data e se a Lekarna Ljubljana [p.o.] ainda se encontrava em situação de monopólio na sua zona de atividade. A situação “de partida” é, portanto, incerta. Segundo a [recorrente em primeira instância], em 1997, aquando da substituição da Lekarna Ljubljana [p.o.] pela Lekarna Ljubljana, o mercado era concorrencial. Tendo em conta as indicações não desmentidas fornecidas pela [recorrente em primeira instância], a Lekarna Ljubljana pode ter diferenças bastante significativas em relação à entidade à qual sucedeu em 1997: tem a capacidade de adquirir propriedades, e adquire, segundo o considerando 36 da decisão impugnada, o que permite, aliás, perguntar se, por conseguinte, a continuação da colocação à disposição de ativos imobiliários sob gestão sem propriedade pode sempre justificar‑se; prossegue, pelo menos desde 2007, um fim lucrativo destinado a disponibilizar recursos que financiem outras atividades que não a sua; além disso, pode também, desde 2007, alargar a sua atividade para além do território do município de Liubliana, o que fez. Por outro lado, os seus resultados financeiros, como realçados pela [recorrente em primeira instância] na sua resposta à primeira apreciação preliminar da Comissão, podem traduzir uma atividade em nítida expansão. […]»

    22

    À luz destes elementos, o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 54 e 55 do acórdão recorrido, que, uma vez que a Comissão não efetuou, por sua própria iniciativa, um exame mais aprofundado sobre a evolução do contexto legal e económico da atividade farmacêutica na Eslovénia, não podia existir nenhuma certeza quanto à inexistência de alteração, após 10 de dezembro de 1994, dos auxílios existentes em causa, pelo que havia que considerar que a Comissão não tinha dissipado as dúvidas existentes a este respeito.

    23

    Assim, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 56 do acórdão recorrido:

    «[A] Comissão estava confrontada com dificuldades sérias que a deveriam ter levado a dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE no presente processo. O exame aprofundado que este último procedimento implica teria aliás permitido à Comissão, se necessário, pronunciar‑se de forma esclarecida sobre as seguintes questões: a própria existência de auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o TFUE, em caso de concessão à Lekarna Ljubljana de ativos sob gestão a título gratuito ou preferencial pelo município de Liubliana, a qualificação desses ativos de auxílios existentes ou novos auxílios e a sua qualificação de auxílios individuais ou de auxílios abrangidos por um regime de auxílios. Tal teria permitido à Comissão orientar, com bom conhecimento de causa, a tramitação ulterior do procedimento para, se necessário, apreciar a compatibilidade com o mercado interno das medidas que se revelassem ser auxílios, existentes ou novos, com necessidade de tal apreciação.»

    Pedidos das partes

    24

    A República da Eslovénia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    a título principal, se o litígio estiver em condições de ser julgado, negar provimento ao recurso em primeira instância e

    condenar a recorrente em primeira instância nas despesas efetuadas tanto em primeira instância como em sede de recurso, e

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral.

    25

    A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    a título principal, se o litígio estiver em condições de ser julgado, negar provimento ao recurso em primeira instância e condenar a recorrente em primeira instância nas despesas, e

    a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas.

    26

    A recorrente em primeira instância pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso e

    condenar a República da Eslovénia nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    27

    Para sustentar o seu recurso, a República da Eslovénia invoca quatro fundamentos relativos, o primeiro, a erros de direito na interpretação e na aplicação do artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE e do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento 2015/1589, bem como a erros de direito na interpretação do conceito de «dificuldades sérias» no que respeita à primeira medida em causa, o segundo, à interpretação errada dos factos e a erros de direito no que respeita à existência de dificuldades sérias quanto à qualificação da segunda medida em causa como «auxílio existente», o terceiro, à violação do dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral, e, o quarto, à violação do direito da Comissão à ação e a um tribunal imparcial, na aceção do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    28

    Impõe‑se examinar conjuntamente o primeiro e segundo fundamentos de recurso, relativos, em substância, a erros de direito alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral no que respeita ao conceito de «dificuldades sérias».

    Quanto ao primeiro e segundo fundamentos

    Argumentos das partes

    29

    Com o primeiro fundamento de recurso, a República da Eslovénia acusa, em substância, o Tribunal Geral de, no que respeita à primeira medida em causa, ter definido mal o alcance do ónus da prova que incumbe à Comissão na fase preliminar de análise, bem como de ter adotado um padrão jurídico errado no que respeita à determinação da existência de «dificuldades sérias», suscetíveis de justificar a abertura do procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Mais especificamente, foi erradamente que o Tribunal Geral declarou, no n.o 49 do acórdão recorrido, que a situação relativa à natureza e ao estatuto dos ativos sob gestão concedidos à Lekarna Ljubljana p.o. e à Lekarna Ljubljana posteriormente a 1979 era «pouco clara». Também concluiu erradamente, no n.o 50 desse acórdão, que a Comissão não tinha dissipado as dúvidas quanto à questão de saber se as empresas acima referidas tinham adquirido a totalidade dos seus ativos sob gestão, desde 1979, de acordo com as condições de mercado.

    30

    Num primeiro momento, a República da Eslovénia alega, em substância, que nenhum dos documentos e elementos fornecidos pela recorrente em primeira instância, conforme analisados pelo Tribunal Geral nos n.os 45 a 48 do acórdão recorrido, eram suscetíveis de demonstrar objetivamente a existência de um eventual auxílio de Estado.

    31

    Assim, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 47 do acórdão recorrido, que a Lekarna Ljubljana fazia parte dos beneficiários aos quais, em conformidade com o artigo 24.o da Lei relativa aos Ativos Físicos do Estado e das Administrações Locais, o Estado ou as administrações locais podiam fornecer gratuitamente ativos físicos, se tal fosse no interesse público. Com efeito, embora esta disposição preveja a transferência do direito de propriedade para as pessoas de direito público, essa transferência não está prevista no que respeita aos estabelecimentos públicos, como a Lekarna Ljubljana. A este respeito, o artigo 71.o do Pravilnik o enotnem kontnem načrtu za proračun, proračunske uporabnike in druge osebe javnega prava (Regulamento relativo ao plano contabilístico uniforme para o orçamento, os utilizadores do orçamento e as outras pessoas de direito público) dispõe que o direito de propriedade de um ativo do Estado ou de uma administração não pode ser transferido para um estabelecimento público, uma vez que esse ativo só lhe pode ser confiado sob «gestão». Por outro lado, a República da Eslovénia recorda, neste âmbito, que, em conformidade com este artigo 71.o, qualquer ativo adquirido pela Lekarna Ljubljana na sua qualidade de estabelecimento público, seja por si própria ou através do município de Liubliana, é um «ativo obtido sob gestão», pelo que não se pode considerar que a própria existência de um contrato relativo a ativos que lhe foram transferidos pelo município de Liubliana constitui um indício de que essa transmissão foi efetuada a título gratuito ou em condições mais favoráveis do que as de mercado.

    32

    Foi também erradamente que o Tribunal Geral considerou, no n.o 48 do acórdão recorrido, que as alegadas discrepâncias entre os números do município de Liubliana relativos ao valor dos ativos concedidos sob gestão à Lekarna Ljubljana e os valores resultantes das contas públicas deste último, ou ainda o aumento do valor dos ativos sob sua gestão podiam ser considerados indícios de que esses ativos sob gestão correspondiam a auxílios de Estado. No que respeita, mais especificamente, ao aumento do valor dos ativos sob gestão da Lekarna Ljubljana, a República da Eslovénia considera que, ainda que esta última tenha o direito de investir os seus lucros na atividade farmacêutica, incluindo para a aquisição de bens imóveis que aparecem nas contas da categoria dos «ativos sob gestão», isso não significa que esses ativos lhe tenham sido fornecidos a título gratuito.

    33

    Num segundo momento, a República da Eslovénia acusa o Tribunal Geral de ter considerado, no n.o 48 do acórdão recorrido, que não cabia à recorrente em primeira instância demonstrar, além de toda a dúvida possível, que os ativos sob gestão da Lekarna Ljubljana correspondiam a auxílios de Estado, mas que incumbia, pelo contrário, à Comissão, confrontada com uma situação de «incerteza», proceder a uma análise mais aprofundada. Ao decidir deste modo, o Tribunal Geral «aplicou incorretamente o padrão jurídico das “dificuldades sérias”», uma vez que aplicou um limiar inadequado e manifestamente baixo no que respeita à demonstração, pela recorrente em primeira instância, da existência de uma dúvida, sem ter em conta, para tal, a margem de apreciação de que a Comissão dispõe para dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

    34

    Esta abordagem, que contraria, além disso, o padrão estabelecido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology (C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.os 40, 45 e 49 a 51), leva a eliminar qualquer distinção entre a fase preliminar e o procedimento formal de investigação, obrigando a Comissão a prosseguir este último procedimento sempre que uma parte manifeste, durante a primeira dessas fases, preocupações relativamente a um alegado auxílio de Estado, ainda que a referida parte não apresente o menor elemento de prova plausível em apoio das suas alegações.

    35

    Ora, no caso em apreço, na falta de qualquer indício ou elemento de prova, apresentado pela recorrente em primeira instância, que pudesse levar a pensar que o município de Liubliana tinha transmitido à Lekarna Ljubljana ativos sob gestão a título gratuito ou em condições mais favoráveis do que as do mercado, a Comissão não era obrigada a procurar, por sua própria iniciativa, informações pertinentes para efeitos da declaração de um eventual auxílio de Estado. Assim, o Tribunal Geral considerou erradamente que a Comissão não podia confiar nas garantias dadas pelas autoridades eslovenas segundo as quais os ativos sob gestão que a Lekarna Ljubljana p.o. e a Lekarna Ljubljana tinham adquirido após 1979 tinham‑no sido em condições de mercado.

    36

    A Comissão partilha da argumentação da República da Eslovénia.

    37

    Além disso, esta instituição salienta, por um lado, que, contrariamente ao que alegou o Tribunal Geral nos n.os 40, 49 e 50 do acórdão recorrido, a confirmação das autoridades eslovenas de que, posteriormente a 1979, todos os ativos sob gestão adquiridos pela Lekarna Ljubljana p.o. e pela Lekarna Ljubljana foram adquiridos segundo as condições de mercado, sem auxílio público, não constitui o único elemento em que se baseou na decisão controvertida. Com efeito, esta decisão também se baseou no quadro jurídico e económico aplicável, particularmente nas disposições referidas no n.o 30 do presente acórdão, bem como noutros elementos, como, em primeiro lugar, o estatuto jurídico da Lekarna Ljubljana, bem como a sua capacidade para realizar lucros e adquirir uma propriedade, em segundo lugar, o facto de qualquer propriedade adquirida dever ser contabilizada como «ativo sob gestão», em terceiro lugar, a circunstância de qualquer lucro gerado dever ser investido na empresa ou transferido para o Estado, e, em quarto lugar, a confirmação pela República da Eslovénia de que não tinha concedido ativos à Lekarna Ljubljana após 1979, tendo esta confirmação sido dada no âmbito do dever de cooperação leal que incumbe a este Estado‑Membro por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

    38

    A este respeito, a Comissão considera, por outro lado, que, tendo em conta a obrigação de cooperação leal que incumbe à República da Eslovénia e na falta de prova em contrário fornecida pela recorrente em primeira instância, tinha o direito de se basear na confirmação das autoridades eslovenas segundo a qual os ativos sob gestão que a Lekarna Ljubljana p.o. e a Lekarna Ljubljana tinham adquirido depois de 1979 tinham‑no sido segundo as condições de mercado. Assim, foi erradamente que o Tribunal Geral, no n.o 40 do acórdão recorrido, pôs em causa a veracidade dessa confirmação pelo facto de as autoridades eslovenas não terem fornecido nenhum elemento de prova em seu apoio. Qualquer dedução em contrário que o Tribunal Geral procurou retirar a este respeito é despropositada, uma vez que exigiu que essas autoridades fizessem prova de um facto negativo, ou seja, que provassem positivamente que a República da Eslovénia deixou de fornecer ativos à Lekarna Ljubljana p.o. e à Lekarna Ljubljana depois de 1979. Ora, tal abordagem equivaleria, em substância, a inverter o ónus da prova delimitado pelo Tribunal de Justiça na jurisprudência desenvolvida em matéria de auxílios de Estado, particularmente no Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology (C‑57/19 P, EU:C:2021:663).

    39

    Por outro lado, segundo a Comissão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter excedido os limites da sua fiscalização jurisdicional, na medida em que, em vez de se limitar a verificar se a recorrente em primeira instância tinha demonstrado, a partir de um conjunto de indícios concordantes, a existência de dúvidas sérias, apreciou ele próprio se existiam indícios probatórios suscetíveis de confirmar a existência de tais dúvidas.

    40

    Com o segundo fundamento de recurso, a República da Eslovénia, apoiada pela Comissão, acusa, em substância, o Tribunal Geral de ter considerado, no que respeita à segunda medida em causa, que a Comissão se confrontava com dificuldades sérias quanto à questão de saber se essa medida, contanto que pudesse ser considerada um auxílio de Estado, constituía um auxílio «existente», na aceção do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento 2015/1589, ou se, entretanto, tinha sido «alterada», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 794/2004, pelo que, nesta segunda hipótese, devia ser qualificada de «novo auxílio», na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento 2015/1589.

    41

    Com efeito, segundo a República da Eslovénia, o Tribunal Geral concluiu erradamente, nos n.os 55 e 56 do acórdão recorrido, pela existência de dificuldades sérias no que respeita à referida medida, apesar de resultar inequivocamente do considerando 39 da decisão controvertida que a Comissão tinha claramente indicado que os ativos sob gestão que tinham sido dotados à Lekarna Ljubljana p.o. em 1979, «contanto que essa medida pudesse constituir um auxílio de Estado, podia, quando muito, ser um auxílio existente».

    42

    Foi também erradamente que o Tribunal Geral considerou, no n.o 54 do acórdão recorrido, que a situação «de partida», a saber, a existente em 10 de dezembro de 1994, era incerta, uma vez que a decisão controvertida não continha nenhuma informação suscetível de esclarecer se, nessa data, já havia farmácias privadas que tinham obtido concessões municipais ou se a Lekarna Ljubljana p.o. ainda estava em situação de monopólio na sua zona de atividade. Estas considerações do Tribunal Geral estão erradas porque decorre dos próprios elementos salientados no n.o 51 do acórdão recorrido que, entre 10 de dezembro de 1994 e a data em que a Lekarna Ljubljana sucedeu à Lekarna Ljubljana p.o., a saber, em 1997, o mesmo quadro legislativo era aplicável, uma vez que as diferentes leis nacionais que regulam, nomeadamente, a abertura do mercado esloveno à concorrência já tinham sido adotadas antes de 10 de dezembro de 1994. Ora, este aspeto é decisivo para apreciar se a alteração da segunda medida em causa, qualificada de auxílio existente, constitui um novo auxílio, na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento 2015/1589. Com efeito, admitindo‑se que, devido à sua evolução, a segunda medida em causa, sem ter sido um auxílio de Estado no momento da sua introdução, tivesse passado a sê‑lo, essa evolução teria ocorrido, de qualquer modo, antes de 10 de dezembro de 1994. Deste modo, a Comissão não cometeu nenhum erro ao concluir, no ponto 39 da decisão controvertida, que, dado que nem o contexto legal nem as condições de utilização dos ativos sob gestão sofreram alterações entre 10 de dezembro de 1994 e a data em que a Lekarna Ljubljana substituiu a Lekarna Ljubljana p.o., esta substituição era de natureza puramente administrativa, pelo que não podia constituir uma alteração de um possível existente para um novo auxílio.

    43

    Além disso, o Tribunal Geral considerou erradamente, nos n.os 51 a 54 do acórdão recorrido, que a Lekarna Ljubljana operava em condições diferentes em comparação com a Lekarna Ljubljana p.o. Seria errado considerar, especialmente, como indicou o Tribunal Geral no n.o 54 desse acórdão, que as duas entidades se caracterizavam por ter diferenças notórias, uma vez que, ao contrário da sua antecessora, a Lekarna Ljubljana tinha a capacidade de adquirir ativos, incluindo bens imóveis, pelo que se impunha questionar se a manutenção da disponibilização de ativos imobiliários sob gestão, sem a respetiva propriedade, continuava a justificar‑se. Com efeito, segundo a República da Eslovénia, à semelhança da Lekarna Ljubljana, a Lekarna Ljubljana p.o. também dispunha da capacidade de adquirir esses ativos sob gestão, pelo menos desde a entrada em vigor da Lei relativa aos Estabelecimentos, ocorrida em 1991.

    44

    A este respeito, a República da Eslovénia especifica que, tal como a sua antecessora, a Lekarna Ljubljana só pode utilizar os ativos que obtém formalmente sob gestão do município de Liubliana, mesmo que esses ativos sejam adquiridos com meios garantidos pela Lekarna Ljubljana. A preocupação do Tribunal Geral quanto à questão de saber se ainda se justifica facilitar os ativos sob gestão não tem fundamento. Trata‑se apenas de uma forma de assegurar a um estabelecimento público a utilização dos ativos, já que todos os ativos de que dispõe um estabelecimento são detidos como ativos sob gestão. Em contrapartida, isso não implica, em caso algum, uma atribuição a título gratuito dos ativos sob gestão.

    45

    Por último, a República da Eslovénia refuta as diferentes alegações da recorrente em primeira instância no procedimento administrativo, especialmente as relativas, por um lado, ao facto de a Comissão não ter dissipado as dúvidas sobre se a segunda medida em causa tinha possivelmente sido alterada após 1 de maio de 2004, a data de adesão da República da Eslovénia à União, e, por outro, ao facto de a Comissão não ter verificado a compatibilidade dessa medida com o mercado interno. No que respeita à primeira destas alegações, ela invoca, em substância, que, contanto que a consideração salientada pelo Tribunal Geral no n.o 54 do acórdão recorrido, segundo a qual a Lekarna Ljubljana apresentava diferenças notórias em relação à entidade à qual sucedeu em 1997, era incorreta, esta alegação da recorrida em primeira instância deixa de ter fundamento. Quanto à segunda dessas alegações, a República da Eslovénia considera que é juridicamente sem pertinência, uma vez que, como a Comissão salientou no Tribunal Geral, como resulta do n.o 38 do acórdão recorrido, a compatibilidade de uma medida de auxílio só se impõe, nos termos do artigo 108.o, n.o 1, TFUE, no que se refere aos regimes de auxílios, ao passo que a medida em causa no caso em apreço é um auxílio individual. Ora, o Tribunal Geral acolheu este argumento jurídico, não tendo indicado quaisquer motivos para o rejeitar.

    46

    Deste modo, a República da Eslovénia conclui que a Comissão não tinha qualquer obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Com efeito, atendendo aos dados de que dispunha na fase preliminar de análise, não tinha nenhuma base material ou jurídica que lhe permitisse concluir pela existência de dificuldades sérias. Por outro lado, contrariamente ao que o Tribunal Geral sustentou no acórdão recorrido, essa decisão estava suficientemente fundamentada.

    47

    A recorrente em primeira instância considera que o primeiro e segundo fundamentos do recurso devem ser julgados parcialmente inadmissíveis e parcialmente improcedentes.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    – Observações preliminares

    48

    Segundo jurisprudência constante, o procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE reveste um caráter indispensável sempre que a Comissão se depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado interno. Por conseguinte, a Comissão só se pode limitar à fase preliminar de análise prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE para adotar uma decisão favorável a um auxílio se puder adquirir a convicção, no termo de um primeiro exame, de que esse auxílio é compatível com o mercado interno. Em contrapartida, se esse primeiro exame tiver levado a Comissão à convicção oposta ou não lhe tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado interno, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 14 de setembro de 2023, Comissão e IGG/Dansk Erhverv, C‑508/21 P e C‑509/21 P, EU:C:2023:669, n.o 69 e jurisprudência referida).

    49

    Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, quando o procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE não lhe tenha permitido ultrapassar as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade da medida em causa, essa instituição tem o dever de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, não dispondo, nesta matéria, de margem de apreciação. Assim, em conformidade com o objetivo do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e o dever de boa administração que lhe incumbe, a Comissão deve tomar as medidas e efetuar as verificações necessárias para ultrapassar, durante a análise preliminar, as dificuldades eventualmente encontradas, de modo a dissipar as dúvidas existentes quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.os 77 e 78 e jurisprudência referida).

    50

    Uma vez que o conceito de «dificuldades sérias» reveste caráter objetivo, a prova da existência de tais dúvidas, que deve ser procurada tanto nas circunstâncias da adoção da decisão tomada no termo da análise preliminar como no seu conteúdo, deve ser apresentada pelo requerente da anulação dessa decisão a partir de um conjunto de indícios concordantes (Acórdão de 14 de setembro de 2023, Comissão e IGG/Dansk Erhverv, C‑508/21 P e C‑509/21 P, EU:C:2023:669, n.o 70 e jurisprudência referida).

    51

    Quando pede a anulação de uma decisão da Comissão de não dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, o recorrente pode invocar todos os fundamentos que demonstrem que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha na fase preliminar de análise da medida notificada deveria ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno. A existência de dúvidas sobre esta compatibilidade é precisamente a prova que deve ser apresentada para demonstrar que a Comissão estava obrigada a abrir o procedimento formal de investigação. Assim, cabe ao autor deste pedido de anulação demonstrar que existiam dúvidas sobre esta compatibilidade, pelo que a Comissão estava obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação. Esta prova deve ser procurada tanto nas circunstâncias da adoção da decisão como no seu conteúdo, a partir de um conjunto de indícios concordantes (Acórdão de 28 de setembro de 2023, Ryanair/Comissão, C‑321/21 P, EU:C:2023:713, n.os 131 e 132 e jurisprudência referida).

    52

    O Tribunal de Justiça já declarou a este respeito que o caráter insuficiente ou incompleto da análise levada a cabo pela Comissão no procedimento de análise preliminar constitui um indício de que esta instituição foi confrontada com sérias dificuldades para apreciar a compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, o que a deveria ter levado a dar início ao procedimento formal de investigação (Acórdão de 28 de setembro de 2023, Ryanair/Comissão, C‑321/21 P, EU:C:2023:713, n.o 133 e jurisprudência referida).

    53

    Incumbe ao juiz da União Europeia, quando é chamado a conhecer de um pedido de anulação de uma decisão da Comissão de não levantar objeções, determinar se a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha na fase preliminar de análise da medida nacional em causa devia objetivamente ter suscitado dúvidas quanto à qualificação dessa medida como auxílio, dado que tais dúvidas devem dar lugar à abertura de um procedimento formal de investigação (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Scandlines Danmark e Scandlines Deutschland/Comissão, C‑174/19 P e C‑175/19 P, EU:C:2021:801, n.o 67 e jurisprudência referida).

    54

    Além disso, a legalidade de uma decisão tomada no termo do procedimento de análise preliminar, como a referida no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589, deve ser apreciada pelo juiz da União em função não apenas dos elementos de informação de que a Comissão dispunha no momento em que a adotou, mas também dos elementos de que «podia dispor», o que inclui os elementos que se afiguravam pertinentes e cuja apresentação poderia ter obtido, a seu pedido, durante o procedimento administrativo (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.os 42 e 43 e jurisprudência referida).

    55

    Com efeito, a Comissão é obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de forma diligente e imparcial para dispor, quando da adoção de uma decisão final que declare a existência e, se for caso disso, a incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos o mais completos e fiáveis possíveis para tal (Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 44 e jurisprudência referida).

    56

    Não obstante, embora possa ser necessário, quando da análise da existência e da legalidade de um auxílio de Estado, que a Comissão vá além da simples análise dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento, não lhe incumbe procurar, por sua própria iniciativa e na falta de qualquer indício nesse sentido, todas as informações que possam apresentar uma ligação com o processo que lhe é submetido, ainda que tais informações sejam do domínio público (v., neste sentido, Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 45 e jurisprudência referida).

    57

    Assim, a mera existência de um elemento de informação potencialmente pertinente de que a Comissão não tinha conhecimento e sobre o qual não estava obrigada a investigar, à luz dos elementos de informação que estavam efetivamente na sua posse, não pode demonstrar a existência de dificuldades sérias, que teriam obrigado esta instituição a dar início ao procedimento formal de investigação (Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 51 e jurisprudência referida).

    58

    Por último, impõe‑se recordar que, embora os princípios consagrados pela jurisprudência recapitulada nos n.os 48 a 57 do presente acórdão tenham sido desenvolvidos nomeadamente em relação às decisões de não levantar objeções a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589, esses princípios são igualmente aplicáveis às decisões que declaram que a medida em causa não constitui um auxílio, previstas no artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento, como a decisão controvertida (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Club Hotel Loutraki e o./Comissão, C‑131/15 P, EU:C:2016:989, n.o 33 e jurisprudência referida).

    59

    É à luz dos referidos princípios que há que examinar a questão de saber se o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao concluir, no que respeita à primeira e segunda medidas em causa, pela existência de dificuldades sérias que deveriam ter levado a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    – Quanto à existência de um erro de direito na interpretação do conceito de «dificuldades sérias» no que respeita à primeira medida em causa

    60

    No que respeita, em primeiro lugar, às alegações da República da Eslovénia dirigidas contra os n.os 45 a 48 do acórdão recorrido, conforme expostas nos n.os 30 a 32 do presente acórdão, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o Tribunal Geral tem competência exclusiva, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos elementos dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro lado, para apreciar esses factos. Daqui decorre que a apreciação dos factos não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 11 de janeiro de 2024, Wizz Air Hungary/Comissão, C‑440/22 P, EU:C:2024:26, n.os 57 e 58 e jurisprudência referida).

    61

    No que se refere particularmente ao exame, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, das apreciações deste último sobre o direito nacional, que, no domínio dos auxílios de Estado, constituem apreciações de facto, o Tribunal de Justiça só é competente para verificar se este direito foi desvirtuado (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P, EU:C:2023:948, n.o 77 e jurisprudência referida).

    62

    Ora, no caso em apreço, uma vez que as alegações da República da Eslovénia, expostas nos n.os 30 a 32 do presente acórdão, visam pôr em causa a apreciação do direito nacional e dos factos efetuada pelo Tribunal Geral nos n.os 45 a 48 do acórdão recorrido, sem alegar qualquer desvirtuação a este respeito, há que julgá‑las inadmissíveis.

    63

    No que respeita, em segundo lugar, às alegações da República da Eslovénia destinadas a contestar, em substância, a determinação pelo Tribunal Geral do limiar do ónus da prova que incumbe à Comissão no âmbito do procedimento de análise preliminar previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, cumpre observar, em primeiro lugar, que, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 64 das suas conclusões, no âmbito da determinação das «normas e princípios aplicáveis», o Tribunal Geral referiu‑se, nos n.os 35 e 36 do acórdão recorrido, ao padrão jurídico aplicável de modo totalmente conforme com a jurisprudência constante referida nos n.os 48 a 53 do presente acórdão. Mais especificamente, no n.o 35 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou, com razão, que, «quando a Comissão examina medidas de auxílios à luz do artigo 107.o TFUE para determinar se são compatíveis com o mercado interno, é obrigada a dar início [ao procedimento formal de investigação] se, após a fase de análise preliminar, não pôde afastar todas as dificuldades que impedem de concluir pela compatibilidade dessas medidas com o mercado interno».

    64

    Do mesmo modo, no n.o 36 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou que «quando a Comissão examina uma medida à luz dos artigos 107.o e 108.o TFUE e se vê confrontada, no termo de uma análise preliminar […], com dificuldades persistentes ou com dúvidas, isto é, com dificuldades sérias, quer quanto à qualificação dessa medida como auxílio de Estado, quer quanto à sua qualificação como auxílio existente ou novo auxílio, quer quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, se considerar estar perante um novo auxílio, é obrigada a dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE».

    65

    Em segundo lugar, cumpre observar que, como salientou o Tribunal Geral no n.o 49 do acórdão recorrido, a decisão controvertida se limitou a fazer referência, no que respeita aos ativos sob gestão incorporados pela Lekarna Ljubljana p.o. e pela Lekarna Ljubljana após 1979, à afirmação das autoridades eslovenas segundo a qual todos esses ativos foram adquiridos por essas entidades em condições de mercado.

    66

    A este respeito, impõe‑se recordar que, embora um Estado‑Membro esteja efetivamente vinculado, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, por um dever de cooperação leal durante todo o procedimento relativo ao exame de uma medida ao abrigo das disposições do direito da União em matéria de auxílios de Estado (Acórdão de 5 de dezembro de 2023, Luxemburgo e o./Comissão, C‑451/21 P e C‑454/21 P, EU:C:2023:948, n.o 122 e jurisprudência referida), esta circunstância não pode, no entanto, excluir, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 67 das suas conclusões, a existência de «dificuldades sérias» ou de «dúvidas» com as quais a Comissão possa ser confrontada, sendo o caso, no termo da análise preliminar de uma medida levada ao seu conhecimento através de uma denúncia. Qualquer outra interpretação implicaria implícita mas necessariamente que as dúvidas da Comissão poderiam ser automaticamente dissipadas apenas com base nas afirmações das autoridades nacionais, com a consequência de que um procedimento iniciado nos termos do artigo 108.o TFUE poderia ser encerrado sem qualquer prova apresentada por essas autoridades para contrariar os elementos apresentados pelo denunciante para demonstrar a existência de dificuldades sérias. Ora, aceitar que as dúvidas que rodeiam a existência ou a compatibilidade de uma medida de auxílio possam ser dissipadas com tal facilidade apenas com base nas afirmações das autoridades nacionais privaria não só o procedimento preliminar previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE de qualquer razão de ser como também poderia pôr em causa o mecanismo de fiscalização dos auxílios de Estado e o papel confiado à Comissão.

    67

    Com efeito, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 68 das suas conclusões, além do facto de ser muito mais difícil para um denunciante obter das autoridades públicas suscetíveis de ter concedido auxílios de Estado os elementos de informação pertinentes do que para a Comissão, que dispõe de poderes alargados para esse efeito, importa ter em conta, por um lado, o facto de a dificuldade dos denunciantes em aceder aos elementos de prova ser ainda mais notória no contexto de um processo como o presente, que teve origem nos anos 1970, marcado pela passagem de uma economia dirigida a uma economia de mercado e por uma relação de concorrência entre as farmácias públicas e privadas. Ora, tal contexto tornava inevitavelmente mais difícil para a recorrente em primeira instância o acesso às informações pertinentes relativas às condições em que tinham sido atribuídos ativos sob gestão à Lekarna Ljubljana p.o. e à Lekarna Ljubljana.

    68

    Por outro lado, importa sublinhar que a Comissão dispõe de importantes poderes, decorrentes tanto do Tratado FUE como do Regulamento 2015/1589, que lhe permitem solicitar, se necessário, informações adicionais aos Estados‑Membros, estando estes últimos, regra geral, mais bem colocados do que os autores da denúncia para dissipar quaisquer dúvidas da Comissão.

    69

    Resulta de todas as considerações precedentes que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, no n.o 48 do acórdão recorrido, que não cabia à recorrente em primeira instância provar sem dúvida possível que ativos correspondentes a auxílios de Estado constavam entre os ativos sob gestão da Lekarna Ljubljana p.o. e da Lekarna Ljubljana, mas à Comissão, face a uma situação de incerteza a este respeito, aprofundar as suas investigações.

    70

    Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter aplicado um limiar manifestamente demasiado baixo no que respeita às exigências probatórias a cumprir para criar a obrigação de abertura do procedimento formal de investigação pela Comissão nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    71

    Em terceiro lugar, improcede igualmente a argumentação da República da Eslovénia, exposta no n.o 33 do presente acórdão, segundo a qual a Comissão dispõe de uma margem de apreciação para dar início a esse procedimento. Com efeito, resulta inequivocamente da jurisprudência mencionada no n.o 49 desse acórdão que, quando a análise preliminar efetuada nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE não lhe tenha permitido dissipar todas as dúvidas existentes em relação a uma dada medida, a Comissão tem a obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação, sem dispor, a este respeito, de qualquer margem de apreciação.

    72

    No que respeita, em quarto lugar, às alegações da República da Eslovénia conforme mencionadas no n.o 35 do presente acórdão, relativas ao facto de que, na falta do menor elemento de prova apresentado pela recorrente em primeira instância para demonstrar a existência de dificuldades sérias, não incumbia à Comissão procurar, por sua própria iniciativa, informações que pudessem eventualmente ser pertinentes para efeitos da verificação de um eventual auxílio de Estado, há que julgá‑las improcedentes. Com efeito, resulta inequivocamente dos n.os 45 a 48 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral adotou as suas apreciações constantes dos n.os 49 e 50 desse acórdão apenas com base nos documentos e elementos apresentados especificamente pela recorrente em primeira instância.

    73

    Em quinto lugar, contrariamente ao que alega a República da Eslovénia, resulta tanto do acórdão recorrido como dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os elementos de prova fornecidos pela recorrente em primeira instância no âmbito do recurso no Tribunal Geral, conforme resultam dos n.os 44 a 48 do acórdão recorrido, são os mesmos que tinha comunicado à Comissão no procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão controvertida. Ora, como decorre do acórdão recorrido, na decisão controvertida não foi feita nenhuma referência a esses diferentes elementos de prova.

    74

    Em sexto e último lugar, no que respeita à argumentação da Comissão, conforme salientada no n.o 39 do presente acórdão, relativa ao facto de o Tribunal Geral ter excedido os limites da sua fiscalização jurisdicional, há que julgá‑la improcedente, uma vez que resulta dos n.os 44 a 50 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral exerceu essa fiscalização em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 53 do presente acórdão.

    75

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o primeiro fundamento do recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

    – Quanto à existência de um erro de direito na interpretação do conceito de «dificuldades sérias» no que respeita à primeira medida em causa

    76

    Em primeiro lugar, na parte em que, com as alegações referidas nos n.os 40, 41 e 46 do presente acórdão, a República da Eslovénia contesta, em substância, o limiar aplicado pelo Tribunal Geral para apreciar a existência de «dificuldades sérias» quanto à apreciação da segunda medida em causa, impõe‑se observar, como foi indicado no n.o 63 do presente acórdão, que, no âmbito da determinação das «normas e princípios aplicáveis», o Tribunal Geral se referiu, nos n.os 35 e 36 do acórdão recorrido, ao padrão jurídico perfeitamente aplicável de modo totalmente conforme com a jurisprudência constante referida nos n.os 48 a 53 do presente acórdão.

    77

    Mais especificamente, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 58 do presente acórdão, foi com razão que o Tribunal Geral declarou que os princípios recordados na segunda parte do n.o 63 do presente acórdão devem igualmente ser aplicados quando a Comissão mantenha dúvidas sobre a própria qualificação de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, da medida examinada.

    78

    Foi também com razão que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 36 do acórdão recorrido, que «quando a Comissão examina uma medida à luz dos artigos 107.o e 108.o TFUE e se vê confrontada, no termo de uma análise preliminar […], com dificuldades persistentes ou com dúvidas, isto é, com dificuldades sérias, quer quanto à qualificação dessa medida como auxílio de Estado, quer quanto à sua qualificação como auxílio existente ou novo auxílio, quer quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, se considerar estar perante um novo auxílio, é obrigada a dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE».

    79

    Daqui resulta que, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 86 das suas conclusões, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter cometido um erro de direito na definição do padrão jurídico aplicável no que respeita à determinação da existência de «dificuldades sérias».

    80

    Por conseguinte, as alegações mencionadas no n.o 76 do presente acórdão devem ser julgadas improcedentes.

    81

    Em segundo lugar, cumpre recordar que, no âmbito do sistema de fiscalização dos auxílios de Estado, instituído pelos artigos 107.o e 108.o TFUE, o procedimento difere consoante os auxílios sejam existentes ou novos. Enquanto os auxílios existentes podem, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 1, TFUE, ser normalmente executados desde que a Comissão não tenha declarado a sua incompatibilidade, o artigo 108.o, n.o 3, TFUE prevê que os projetos relativos à instituição de auxílios novos ou à alteração de auxílios existentes devem ser notificados, atempadamente, à Comissão, e não podem ser postos em execução antes de o procedimento haver sido objeto de uma decisão final (Acórdão de 28 de outubro de 2021, Eco Fox e o., C‑915/19 a C‑917/19, EU:C:2021:887, n.o 36 e jurisprudência referida).

    82

    Nos termos do artigo 1.o, alínea b), i), do Regulamento 2015/1589, entende‑se por «auxílio existente», nomeadamente, «qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do [Tratado FUE] no respetivo Estado‑Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do [Tratado FUE] no respetivo Estado‑Membro». Por seu turno, o anexo IV, capítulo 3, n.o 1, alínea a), do Ato de Adesão especifica que, no momento da adesão dos Estados abrangidos por esse ato, são considerados auxílios existentes, na aceção do artigo 108.o, n.o 1, TFUE, as «medidas de auxílio em execução antes de 10 de dezembro de 1994».

    83

    No que respeita ao conceito de «novo auxílio», este é definido, no artigo 1.o, alínea c), do Regulamento 2015/1589, como «quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente». O artigo 4.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 794/2004 especifica, a este respeito, que, para efeitos da alínea c) do artigo 1.o do Regulamento 2015/1589, «entende‑se por alteração de um auxílio existente qualquer modificação que não seja de natureza puramente formal ou administrativa destinada a não afetar a apreciação da compatibilidade da medida de auxílio com o mercado [interno]».

    84

    Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que há que determinar se as alterações ocorridas implicam uma alteração substancial do auxílio existente em causa ou se essas alterações se limitam a introduzir uma alteração de caráter puramente formal ou administrativo, que não é suscetível de influenciar a compatibilidade da medida de auxílio com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Rittinger e o., C‑492/17, EU:C:2018:1019, n.o 57). Neste contexto, uma alteração não pode ser qualificada de puramente formal ou administrativa, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 794/2004, quando é suscetível de influir na avaliação da compatibilidade da medida de auxílio com o mercado interno (Acórdão de 28 de outubro de 2021, Eco Fox e o., C‑915/19 a C‑917/19, EU:C:2021:887, n.o 41 e jurisprudência referida).

    85

    No caso em apreço, relativamente às alegações da República da Eslovénia expostas nos n.os 42 a 45 do presente acórdão, porquanto se destinam a pôr em causa a apreciação do direito nacional e dos factos efetuada pelo Tribunal Geral, sem que tenha sido invocada nenhuma desvirtuação a este respeito, há, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 60 e 61 deste acórdão, que julgá‑las inadmissíveis.

    86

    Quanto ao restante, há que salientar que, como declarou o Tribunal Geral no n.o 52 do acórdão recorrido, a Comissão se limitou a indicar, no considerando 39 da decisão controvertida, que a sucessão, ocorrida em 1997, entre a Lekarna Ljubljana p.o. e a Lekarna Ljubljana tinha sido de natureza puramente administrativa e, por outro lado, nem o contexto legal nem as condições de utilização dos ativos sob gestão em causa se tinham alterado, pelo que havia que considerar que a referida medida não tinha sido transformada numa medida tal que se tinha tornado um novo auxílio, na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento 2015/1589.

    87

    Ora, tendo em conta a natureza e o alcance das incertezas identificadas pelo Tribunal Geral no n.o 54 do acórdão recorrido, relativas a elementos suscetíveis de influenciar a compatibilidade da medida de auxílio com o mercado interno, na aceção da jurisprudência mencionada no n.o 84 do presente acórdão, não pode ser criticada por ter considerado, nos n.os 54 a 56 desse acórdão, que, uma vez que a Comissão não efetuou um exame mais aprofundado à luz da evolução do contexto legal e económico da atividade farmacêutica na Eslovénia, estava confrontada com dificuldades sérias que a deveriam ter levado a dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    88

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o segundo fundamento do recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

    Quanto ao terceiro fundamento

    Argumentos das partes

    89

    Com o terceiro fundamento de recurso, a República da Eslovénia acusa o Tribunal Geral de ter fundamentado o acórdão recorrido de forma insuficiente. Em apoio deste fundamento, depois de ter recordado que, segundo a jurisprudência resultante, nomeadamente, do Acórdão de 26 de maio de 2016, Rose Vision/Comissão (C‑224/15 P, EU:C:2016:358, n.os 24 e 26), uma alegação relativa a uma fundamentação insuficiente constitui uma questão de direito que pode, por conseguinte, ser invocada em sede de recurso, a República da Eslovénia alega que, embora, na parte introdutória do n.o 48 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral tenha verificado que a recorrente em primeira instância, em resposta à primeira apreciação preliminar da Comissão, tinha apresentado, comentando‑os, vários extratos das contas públicas da Lekarna Ljubljana e do município de Liubliana relativamente ao período de 2010‑2019, nem por isso mencionou os conteúdos desses extratos e comentários. Além disso, estes não podem ser estabelecidos com base nas asserções da recorrente em primeira instância, não tendo esta última, na sua petição, remetido para o conteúdo dos referidos extratos. Ora, no n.o 49 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral baseou‑se nos extratos das contas públicas da Lekarna Ljubljana e do município de Liubliana e, sem mencionar o seu conteúdo, decidiu, nesta base factual, que a situação relativa à natureza e ao estatuto dos ativos que a Lekarna Ljubljana p.o. e a Lekarna Ljubljana tinham obtido sob gestão posteriormente a 1979 não era clara. Assim, uma vez que não é possível examinar se esses documentos revelavam efetivamente dados que, objetivamente, eram suscetíveis de suscitar dúvidas quanto à existência de um auxílio de Estado, os fundamentos do acórdão recorrido não permitem aos interessados conhecer as justificações da decisão tomada pelo Tribunal Geral nem que o Tribunal de Justiça exerça a sua fiscalização jurisdicional.

    90

    A recorrida em primeira instância sustenta que o terceiro fundamento do recurso deve ser julgado inadmissível ou, em todo o caso, improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    91

    Cumpre observar que, no n.o 48 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que a recorrente em primeira instância tinha reproduzido vários extratos das contas públicas da Lekarna Ljubljana e do município de Liubliana relativas a 2010, comentando‑os. O Tribunal Geral especificou, nesse número, em primeiro lugar, que a recorrente em primeira instância tinha denunciado discrepâncias entre os números desse município relativos ao valor dos ativos atribuídos sob gestão à Lekarna Ljubljana (por exemplo, 35036742 euros em 31 de dezembro de 2014) e os próprios números da Lekarna Ljubljana relativos ao valor dos seus ativos de longo prazo e dos seus ativos concedidos sob gestão (26976187 euros na mesma data, portanto, um montante inferior, quando parece referir‑se a um âmbito mais amplo), em segundo lugar, que a recorrente em primeira instância tinha sublinhado a importância do aumento destes ativos nas contas da Lekarna Ljubljana de um ano para o outro (por exemplo, a passagem de 26976187 euros em 31 de dezembro de 2014 para 31973809 euros um ano mais tarde), tal como, nas contas do referido município, o montante dos ativos atribuídos sob gestão à Lekarna Ljubljana (passagem de 35036742 euros para 42790897 euros para o mesmo período), bem como, em terceiro lugar, como a recorrente em primeira instância tinha observado, um quadro elaborado pelo mesmo município com explicações das variações no montante dos ativos atribuídos sob gestão à Lekarna Ljubljana de um ano para o outro indicava por diversas vezes que o aumento se devia a um resultado positivo do estabelecimento, o que dava a entender que os ativos concedidos sob gestão incluíam não só ativos físicos mas também ativos monetários, ao passo que a Lekarna Ljubljana devia, em princípio, transferir para o município de Liubliana o seu resultado anual positivo, após dedução das necessidades de investimento.

    92

    Resulta destas observações que, ao contrário do que alega a República da Eslovénia, o Tribunal Geral mencionou o conteúdo dos extratos das contas públicas da Lekarna Ljubljana e do município de Liubliana relativos a 2010, como foi invocado, perante ele, pela recorrente em primeira instância.

    93

    Além disso, resulta do n.o 49 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não se baseou unicamente nesses extratos para considerar que a situação relativa à natureza e ao estatuto dos ativos que a Lekarna Ljubljana p.o. e a Lekarna Ljubljana tinham obtido sob gestão posteriormente a 1979 não era clara. Com efeito, nesse n.o 49, o Tribunal Geral referiu‑se aos elementos apresentados pela recorrente em primeira instância durante o procedimento administrativo, conforme mencionados nos n.os 45 a 48 do acórdão recorrido. Ora, entre esses elementos constava um excerto do relatório anual da Lekarna Ljubljana relativo a 2012.

    94

    Resulta das considerações precedentes que a argumentação invocada em apoio do terceiro fundamento decorre de uma leitura errada do acórdão recorrido.

    95

    O terceiro fundamento do recurso deve, assim, ser julgado improcedente.

    Quanto ao quarto fundamento

    Argumentos das partes

    96

    Com o quarto fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, a República da Eslovénia acusa, em substância, o Tribunal Geral, por um lado, de ter especificado as alegações gerais apresentadas pela recorrente em primeira instância além das afirmações desta e, por outro, de não ter tido em conta certas indicações fornecidas pela Comissão. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral violou o direito desta instituição à ação e a um juiz imparcial, prejudicando assim igualmente os interesses da República da Eslovénia.

    97

    No que respeita, por um lado, à alegação segundo a qual o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, fez observações que não podiam basear‑se apenas no conteúdo do recurso em primeira instância, a República da Eslovénia indica, em substância, em primeiro lugar, que a recorrente em primeira instância não fez referência, no seu recurso, às disposições da Lei relativa aos Ativos Físicos do Estado e das Administrações Locais, ao passo que o Tribunal Geral as teve em conta nos n.os 47 e 49 do acórdão recorrido. Em segundo lugar, embora tenha alegado um aumento dos ativos concedidos sob gestão em 2015 e feito referência de forma muito geral ao relatório anual da Lekarna Ljubljana e aos dados dos relatórios anuais do município de Liubliana, o Tribunal Geral invocou, no n.o 48 desse acórdão, os extratos das contas públicas da Lekarna Ljubljana e do Município de Liubliana para 2010 e, no n.o 49 do referido acórdão, baseou a sua conclusão nesses dados. Em terceiro lugar, embora a recorrente em primeira instância não tivesse invocado, no seu recurso, discrepâncias entre os números do Município de Liubliana no que respeita ao valor dos ativos atribuídos sob gestão à Lekarna Ljubljana, e os números da Lekarna Ljubljana no que respeita ao valor dos seus ativos de longo prazo e dos ativos concedidos sob gestão, o Tribunal Geral tratou esta alegação nos n.os 48 e 49 do acórdão recorrido. Em quarto lugar, enquanto fez referência, de forma muito geral, ao aumento dos ativos sob gestão nas contas da Lekarna Ljubljana, o Tribunal Geral baseou as suas conclusões nesta alegação nos n.os 48 e 49 desse acórdão. Em quinto lugar, não invocou no seu recurso o quadro das variações de valor dos ativos sob gestão que o município preparou, mas o Tribunal Geral baseou‑se nesses dados nos n.os 48 e 49 do referido acórdão. Em sexto lugar, o Tribunal Geral declarou, no n.o 51 do mesmo acórdão, que, segundo as indicações da recorrente em primeira instância, a Lei relativa às Farmácias tinha sido alterada em 2007, a fim de permitir que os estabelecimentos farmacêuticos municipais operassem fora do território do município de origem, apesar de isso não resultar dessas indicações.

    98

    No que respeita, por outro lado, à alegação segundo a qual o Tribunal Geral não teve em conta as indicações fornecidas pela Comissão na sua contestação, a República da Eslovénia alega, em substância, por um lado, que a Comissão assinalou que a recorrente em primeira instância tinha feito referência a um excerto do relatório anual da Lekarna Ljubljana relativo a 2012, mas apenas em relação a um documento apresentado ao Conselho Municipal de Liubliana pelo presidente da mesma em 2013. Todavia, o Tribunal Geral tratou este excerto como uma prova autónoma. Por outro lado, esta instituição assinalou expressamente que o aumento do montante dos ativos sob gestão não demonstrava a existência de um auxílio de Estado, mas o Tribunal Geral não se pronunciou sobre este argumento juridicamente decisivo e baseou em grande parte a sua decisão no facto de a Comissão ter tido dificuldades sérias no que respeita à existência de um auxílio de Estado, precisamente nos dados relativos ao simples aumento do valor dos ativos sob gestão.

    99

    A recorrente em primeira instância alega que o quarto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    100

    No que respeita às diferentes alegações apresentadas pela República da Eslovénia, salientadas no n.o 97 do presente acórdão, estas visam, em substância, pôr em causa a apreciação do direito nacional e dos factos efetuada pelo Tribunal Geral, sem que tenha sido invocada nenhuma desvirtuação a este respeito. Nestas condições, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 60 e 61 do presente acórdão, há que julgá‑las inadmissíveis.

    101

    Relativamente às acusações reproduzidas no n.o 98 deste acórdão, estas estão formuladas de forma confusa. Com efeito, embora a República da Eslovénia não acuse formalmente o Tribunal Geral de ter violado o dever de fundamentação, parece acusá‑lo de não ter respondido a todos os argumentos que a Comissão tinha suscitado no âmbito da sua contestação apresentada em primeira instância.

    102

    Assim, visto que este fundamento pode ser entendido no sentido de visar uma violação, pelo Tribunal Geral, do seu dever de fundamentação, importa recordar, por um lado, que no âmbito do presente recurso, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objeto, nomeadamente, verificar se o Tribunal Geral respondeu de forma juridicamente suficiente a todas as alegações invocadas pela recorrente e, por outro, que o fundamento baseado na falta de resposta do Tribunal Geral às alegações invocadas em primeira instância equivale, em substância, a invocar uma violação do dever de fundamentação que decorre do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, deste Estatuto, e do artigo 117.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (Acórdão de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.o 185 e jurisprudência referida).

    103

    Além disso, o dever de fundamentação não obriga o Tribunal Geral a apresentar uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio, podendo assim a fundamentação do Tribunal Geral ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.o 86 e jurisprudência referida).

    104

    Ora, no caso em apreço, as alegações mencionadas no n.o 98 do presente acórdão coincidem, em substância, com argumentos que já tinham sido invocados pela República da Eslovénia no âmbito dos diferentes fundamentos invocados em primeira instância e sobre os quais o Tribunal Geral se pronunciou na análise desses fundamentos. Por outro lado, os fundamentos do acórdão recorrido em reposta aos referidos fundamentos são claros e inequívocos e permitem compreender os elementos que fundamentaram a decisão do Tribunal Geral. O facto de, quanto ao mérito, este último ter chegado a um resultado diferente do referido pela República da Eslovénia não pode, por si só, viciar o acórdão recorrido de falta de fundamentação (v., por analogia, Acórdão de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.o 187 e jurisprudência referida).

    105

    Assim, uma vez que a República da Eslovénia acusa o Tribunal Geral de ter violado o dever de fundamentação que lhe incumbe, os argumentos que apresenta neste sentido devem ser julgados improcedentes.

    106

    À luz dos elementos precedentes, há que julgar o quarto fundamento do recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

    107

    Uma vez que nenhum dos fundamentos do recurso foi julgado procedente, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

    Quanto às despesas

    108

    Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    109

    Tendo a República da Eslovénia sido vencida, há que, em conformidade com o pedido da recorrente em primeira instância, condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas por esta última.

    110

    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, segundo o qual os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, a Comissão suportará as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A República da Eslovénia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas por Petra Flašker.

     

    3)

    A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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