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Document 62022CJ0434

Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 7 de dezembro de 2023.
«Latvijas valsts meži» AS contra Dabas aizsardzības pārvalde e Vides pārraudzības valsts birojs.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Aministratīvā rajona tiesa, Rīgas tiesu nams.
Reenvio prejudicial — Ambiente — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 6.o, n.o 3 — Conceito de “plano ou projeto” num sítio protegido — Intervenção numa floresta para assegurar a sua proteção contra incêndios — Necessidade de efetuar uma avaliação prévia das incidências desta intervenção sobre o sítio em causa.
Processo C-434/22.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:966

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

7 de dezembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 6.o, n.o 3 — Conceito de “plano ou projeto” num sítio protegido — Intervenção numa floresta para assegurar a sua proteção contra incêndios — Necessidade de efetuar uma avaliação prévia das incidências desta intervenção sobre o sítio em causa»

No processo C‑434/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo administratīvā rajona tiesa, Rīga tiesu nams (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Secção de Riga, Letónia), por Decisão de 30 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de junho de 2022, no processo

«Latvijas valsts meži» AS

contra

Dabas aizsardzības pārvalde,

Vides pārraudzības valsts birojs,

sendo interveniente:

Valsts meža dienests,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), exercendo funções de presidente de secção, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da «Latvijas valsts meži» AS, por M. Gūtmanis,

em representação da Dabas aizsardzības pārvalde, por A. Svilāns,

em representação da Comissão Europeia, por C. Hermes e I. Naglis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7; a seguir «Diretiva Habitats»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Latvijas valsts meži» AS à Administração Regional de Kurzeme da Dabas aizsardzības pārvalde (Autoridade de Proteção do Ambiente, Letónia) a respeito da Decisão do diretor‑geral desta autoridade, de 22 de março de 2021, que impõe a esta sociedade a tomada de várias medidas destinadas a reduzir o impacto negativo de um abate de árvores na zona especial de conservação de importância comunitária (Natura 2000) de Ances purvi un meži (Pântanos e florestas de Ance), situada na Letónia.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva Habitats

3

O artigo 1.o, alínea l), da Diretiva Habitats define a zona especial de conservação como «um sítio de importância comunitária designado pelos Estados‑Membros por um ato regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado».

4

A designação de zonas especiais de conservação está prevista no artigo 4.o, n.o 4, desta diretiva:

«A partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido nos termos do procedimento previsto no n.o 2, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo ou mais de habitats naturais a que se refere o anexo I ou de uma ou mais espécies a que se refere o anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, por um lado, e em função das ameaças de degradação e de destruição que pesam sobre esses sítios, por outro.»

5

A proteção dos sítios Natura 2000 é regulada, nomeadamente, no artigo 6.o da referida diretiva, que prevê:

«1.   Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva.

3.   Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.   Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão [Europeia] das medidas compensatórias adotadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

Diretiva AIA

6

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1; a seguir «Diretiva AIA»):

«Na aceção da presente diretiva, entende‑se por:

a) “Projeto”:

a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo.»

Direito letão

Lei sobre Zonas Especiais de Conservação

7

A Diretiva Habitats foi transposta para o direito letão pela likums «Par īpaši aizsargājamām dabas teritorijām» (Lei sobre Zonas Especiais de Conservação), de 2 de março de 1993 (Latvijas Vēstnesis, 1993, n.o 5).

8

Nos termos do artigo 15.o desta lei, sob a epígrafe «Regras de proteção e de utilização das zonas de conservação»:

«(1)   Podem ser estabelecidas regras de proteção e de utilização das zonas de conservação para assegurar a proteção desses sítios e a preservação do seu valor natural.

(2)   Às zonas de conservação são aplicáveis regras gerais de proteção e de utilização, regras individuais de proteção e de utilização e planos de proteção da natureza.»

9

Nos termos do artigo 43.o da referida lei, sob a epígrafe «Zonas especiais de conservação de importância comunitária»:

«[…]

(4) Quaisquer atividades projetadas ou quaisquer documentos de planeamento (excetuando os planos de proteção da natureza das zonas de conservação e as atividades neles previstas que sejam necessárias à gestão ou à recuperação de habitats de espécies especialmente protegidas, de habitats de espécies especialmente protegidas de utilização restrita ou de biótopos especialmente protegidos, bem como à organização de infraestruturas de investigação e de turismo na natureza de acesso público previstas nos planos de proteção da natureza das zonas de conservação) que, separada ou conjuntamente com outras atividades projetadas ou outros documentos de planeamento, possam ter um impacto significativo numa zona de conservação de importância comunitária (Natura 2000) devem ser objeto de avaliação de impacto ambiental. […]»

Lei de Proteção e Luta contra Incêndios

10

O artigo 10.o1, n.o 1, da Ugunsdrošības un ugunsdzēsības likums (Lei de Proteção e Luta contra Incêndios), de 24 de outubro de 2002 (Latvijas Vēstnesis, 2002, n.o 165), prevê que o proprietário ou o detentor de uma floresta deve assegurar o cumprimento das exigências de proteção das florestas contra incêndios.

11

O artigo 12.o desta lei enuncia que o Conselho de Ministros deve determinar as exigências que devem cumprir as pessoas singulares ou coletivas para a prevenção e extinção eficaz de incêndios e para a mitigação das consequências dos mesmos, independentemente da forma de propriedade e da localização do bem em causa.

Portaria n.o 238

12

O ponto 1 da Ministru kabineta noteikumi Nr. 238 «Ugunsdrošības noteikumi» (Portaria n.o 238 do Conselho de Ministros, relativa à Prevenção de Incêndios), de 19 de abril de 2016 (Latvijas Vēstnesis, 2016, n.o 78) (a seguir «Portaria n.o 238»), enuncia que esta portaria fixa as exigências em matéria de prevenção de riscos que devem cumprir as pessoas singulares ou coletivas para a prevenção e extinção eficaz de incêndios e para a mitigação das consequências dos mesmos, independentemente da forma de propriedade e da localização do bem em causa.

13

O ponto 2.7.1 da referida portaria estabelece que são infraestruturas florestais de proteção contra incêndios os caminhos nas zonas florestais, os aceiros, as faixas de solo mineral, as estradas naturais, os «pontos de abastecimento de água para extinção de incêndios» com acesso e as torres de vigilância de incêndios.

14

O ponto 417.3 da mesma portaria prevê que, antes do dia 1 de maio de cada ano, o responsável pelo terreno florestal em causa deve remover das estradas e dos caminhos naturais do terreno florestal que possam ser utilizados no combate aos incêndios toda a vegetação que possa dificultar a circulação dos veículos de combate aos incêndios.

15

O ponto 417.4 da Portaria n.o 238 dispõe que, antes do dia 1 de maio de cada ano, o responsável pelo terreno florestal deve preparar as estradas e as vias de acesso aos «pontos de abastecimento de água para extinção de incêndios» e mantê‑los aptos a garantir o acesso dos veículos de combate aos incêndios.

16

O ponto 418 desta portaria estabelece que, se o responsável por um terreno florestal gerir uma área de terrenos florestais contíguos superior a 5000 hectares, este deve elaborar um plano de prevenção de riscos de incêndios para todo o terreno florestal e implementá‑lo. O plano deve incluir os mapas cartográficos do terreno florestal.

Portaria n.o 478

17

O ponto 2 da Ministru kabineta noteikumi Nr. 478 Dabas lieguma «Ances purvi un meži» individuālie aizsardzības un izmantošanas noteikumi (Portaria n.o 478 do Conselho de Ministros, que fixa Regras Específicas de Preservação e de Utilização da Zona Natural Protegida «Pântanos e Florestas de Ance», de 16 de agosto de 2017 (Latvijas Vēstnesis, 2017, n.o 164) (a seguir «Portaria n.o 478»), prevê a criação dessa zona natural para assegurar a conservação paisagística de depressões costeiras e de dunas características do sítio e para proteger biótopos e espécies especialmente protegidos, com importância para a República da Letónia e para a União Europeia.

18

O ponto 11 desta portaria dispõe:

«São proibidas nas zonas florestais:

[…] 11.2. O abate de árvores secas e a remoção de árvores caídas, de árvores mortas ou de partes destas, cujo diâmetro seja superior a 25 cm na parte mais grossa, se o seu volume total for inferior a 20 metros cúbicos por hectare de povoamento florestal, exceto nos seguintes casos:

11.2.1. O abate e a remoção de árvores perigosas, deixando‑as no povoamento;

11.2.2. Exercício dessas atividades nos biótopos florestais prioritários da União: florestas pantanosas (91D0*), florestas de talhadias (9080*), florestas aluviais ribeirinhas e inundáveis (91E0*) e florestas boreais antigas ou naturais (9010*), onde são proibidos o abate de árvores secas e a remoção de árvores caídas, de árvores mortas ou de partes destas, cujo diâmetro seja superior a 25 cm na parte mais grossa. […]»

19

O ponto 23.3.3 da portaria enuncia que, entre 1 de fevereiro e 31 de julho, é proibida a prática de atividades florestais numa zona natural protegida sazonal, com exceção das medidas de proteção das florestas e de combate aos incêndios.

20

A zona de reserva natural protegida «Pântanos e florestas de Ance» é ainda objeto de um plano de proteção da natureza (plano para os anos de 2016 a 2028, a seguir «plano de proteção»), que foi aprovado em conformidade pelo vides aizsardzības un reģionālās attīstības ministra rīkojums Nr. 105 (Despacho n.o 105 do Ministro da Proteção do Ambiente e do Desenvolvimento Regional), de 28 de abril de 2016.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21

A zona natural protegida em causa é uma zona especial de conservação de importância comunitária (Natura 2000) situada no município de Ventspils (Letónia). Com uma área de 9822 hectares, esta zona foi criada para assegurar a preservação e a gestão de biótopos e de habitats de espécies animais e vegetais raras e protegidas na Letónia e na União, bem como da paisagem de depressões e de dunas costeiras típicas da região.

22

Em 7 e 14 de janeiro de 2021, os agentes da Autoridade de Proteção do Ambiente da Administração Regional de Kurzeme inspecionaram a zona natural em causa e constataram que a recorrente no processo principal tinha mandado abater árvores nessa zona ao longo das estradas naturais sobre cerca de 17 quilómetros.

23

Esta autoridade de proteção do ambiente considerou que a medida em causa não estava prevista no plano de proteção nem na Portaria n.o 478 e devia ter sido previamente objeto de um procedimento de avaliação das suas incidências.

24

Por Decisão de 15 de janeiro de 2021, a mesma autoridade exigiu à recorrente no processo principal a redução do impacto negativo das atividades exercidas na zona natural protegida em causa e que deixasse nos povoamentos florestais os pinheiros abatidos cujo diâmetro fosse superior a 25 centímetros no ponto mais grosso, para esses pinheiros se poderem tornar, com a sua decomposição, um substrato propício ao desenvolvimento de espécies de insetos especialmente protegidas nessa zona, nomeadamente o coleóptero dos coníferos (Tragosoma depsarium) e o grande coleóptero (Ergates faber). A Autoridade de Proteção do Ambiente também ordenou à recorrente no processo principal a reconstituição da quantidade de madeira morta no biótopo prioritário protegido 9010* «Florestas boreais antigas ou naturais», com o fundamento na sua quantidade insuficiente.

25

A recorrente no processo principal impugnou essa decisão. Todavia, o diretor‑geral da Autoridade de Proteção do Ambiente confirmou‑a por Decisão de 22 de março de 2021 (a seguir «decisão em causa no processo principal»).

26

A recorrente no processo principal interpôs no administratīvā rajona tiesa, Rīgas tiesu nams (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Secção de Riga, Letónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de anulação da decisão em causa no processo principal.

27

Alegou que as atividades que lhe são imputadas são exigidas pela legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de risco de incêndios florestais, que implica a manutenção dos caminhos florestais e das estradas naturais, incluindo o abate de árvores com base em autorizações emitidas pelo Valsts meža dienests (Serviço das Florestas do Estado, Letónia), que essas atividades não estão sujeitas ao procedimento de avaliação previsto no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats e que as referidas atividades foram realizadas em conformidade com o plano de proteção e com a Portaria n.o 478.

28

A recorrente no processo principal sustenta, por outro lado, que as medidas impostas na decisão em causa no processo principal têm impacto negativo na proteção e no combate aos incêndios na zona natural protegida em causa. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Serviço das Florestas chegou à mesma conclusão.

29

O órgão jurisdicional de reenvio considera que tem de determinar se as atividades exercidas pela recorrente no processo principal constituem atividades sujeitas ao procedimento de avaliação das incidências dos planos e dos projetos previstos nas zonas especiais de conservação de importância comunitária (Natura 2000), conforme previsto no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

30

Para o efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera dever começar por apreciar se as atividades em causa no processo principal constituem um «plano» ou um «projeto», na aceção do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva, uma vez que só os «planos» ou «projetos» suscetíveis de afetar uma zona especial de conservação tem de ser objeto de uma avaliação adequada das suas incidências por força desta disposição.

31

Caso esta qualificação deva ser acolhida para as obras em causa, o órgão jurisdicional de reenvio também coloca a questão de saber se essas obras estão diretamente relacionadas ou são necessárias para a gestão da zona natural protegida em causa, uma vez que visam preservar essa zona natural protegida do risco de incêndios. Com efeito, por força do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, a avaliação das incidências sobre o sítio em causa não é exigida para os planos ou projetos diretamente relacionados com a gestão desse sítio ou necessários para essa gestão.

32

Mesmo na falta das referidas relação ou necessidade para a gestão do sítio, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a avaliação das incidências das atividades em causa é, contudo, exigida, sabendo que essas atividades são impostas pela legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de risco de incêndios florestais.

33

Nestas circunstâncias, o administratīvā rajona tiesa, Rīgas tiesu nams (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Secção de Riga) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O conceito de “projeto” na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da [Diretiva AIA] abrange também as atividades realizadas numa zona florestal para assegurar a manutenção das infraestruturas florestais de proteção contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências em matéria de proteção contra incêndios estabelecidos pela legislação aplicável?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, deve considerar‑se que as atividades desenvolvidas numa zona florestal para assegurar a manutenção das infraestruturas florestais de proteção contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências estabelecidas em matéria de proteção contra incêndios pela legislação aplicável, constituem, para efeitos do artigo 6.o, n.o 3, da [Diretiva Habitats], um projeto diretamente relacionado com a gestão do sítio ou necessário para tal gestão, de modo que o procedimento de avaliação das zonas especiais de conservação de importância europeia (Natura 2000) não deve ser realizado em relação a essas atividades?

3)

Em caso de resposta negativa à segunda questão prejudicial, decorre do artigo 6.o, n.o 3, da [Diretiva Habitats] a obrigação de realizar igualmente uma avaliação dos referidos planos e projetos (atividades) que, não estando diretamente relacionados com a gestão da zona especial de conservação ou não sendo necessários para a sua gestão, podem afetar significativamente as zonas de conservação de importância europeia (Natura 2000) e que, no entanto, são realizados em conformidade com a legislação nacional com vista a garantir as exigências de proteção e luta contra incêndios florestais?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão prejudicial, pode esta atividade prosseguir e ser completada antes da realização do procedimento de avaliação ex post das zonas especiais de conservação de importância europeia (Natura 2000)?

5)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão prejudicial, as autoridades competentes são obrigadas, a fim de evitar eventuais impactos significativos, a exigir a reparação dos danos e a adotar medidas se, durante o procedimento de avaliação das zonas especiais de conservação de importância europeia (Natura 2000), não tiver sido apreciada a importância de tais impactos?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

34

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «projeto», na aceção desta disposição, inclui as atividades exercidas numa zona florestal, designada zona especial de conservação, para assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências previstas na legislação nacional em matéria de prevenção de risco de incêndios florestais.

35

A título preliminar, importa recordar que esta disposição prevê que, nas zonas especiais de conservação, na aceção do artigo 1.o, alínea b), da Diretiva Habitats, «[o]s planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo».

36

Em primeiro lugar, importa salientar que a Diretiva Habitats não contém uma definição do conceito de «projeto». Em contrapartida, o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva AIA, ao qual o órgão jurisdicional de reenvio se referiu expressamente na sua questão, dá uma definição deste conceito, nos termos da qual um «projeto», na aceção desta última diretiva, abrange a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras, bem como outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo.

37

Ora, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «projeto», na aceção da Diretiva Habitats, engloba o de «projeto», na aceção da Diretiva AIA, pelo que, se uma atividade for abrangida pela Diretiva AIA, deve, por maioria de razão, ser abrangida pela Diretiva Habitats (Acórdão de 9 de setembro de 2020, Friends of the Irish Environnement,C‑254/19, EU:C:2020:680, n.o 29 e jurisprudência referida).

38

Em segundo lugar, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um «projeto», na aceção da Diretiva AIA, implica a realização de obras de construção ou de intervenções que alterem a realidade física do sítio em causa (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2011, Brussels Hoofdstedelijk Gewest e o., C‑275/09, EU:C:2011:154, n.o 24). No caso em apreço, as atividades em causa no processo principal consistiram no abate de árvores destinado a assegurar a manutenção das estradas naturais que atravessam a zona natural protegida em causa. Por conseguinte, preenchem o critério material do conceito de «projeto», na aceção da Diretiva AIA.

39

Em contrapartida, nenhum critério jurídico limita este conceito. É por isso que o facto de as obras de abate de árvores em causa no processo principal terem sido impostas pela legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais não é suscetível de pôr em causa a qualificação dessas obras de «projeto», na aceção da Diretiva AIA.

40

Resulta do exposto que as referidas obras de abate constituem um «projeto», na aceção da Diretiva AIA e, por conseguinte, um «projeto», na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

41

Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «projeto», na aceção desta disposição, inclui as atividades exercidas numa zona florestal, designada zona especial de conservação, para assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências previstas na legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais, quando essas atividades alterem a realidade física do sítio em causa.

Quanto à segunda questão

42

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que as atividades exercidas numa zona florestal, designada zona especial de conservação, para assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências previstas na legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais, devem ser consideradas um projeto «diretamente relacionado com a gestão do sítio [ou] necessário para essa gestão», na aceção desta disposição, e, por conseguinte, não têm de ser objeto de avaliação das suas incidências sobre o sítio em causa.

43

Com efeito, por força do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, se as obras em causa no processo principal, que foram executadas em conformidade com a legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de risco de incêndios florestais, estiverem diretamente relacionadas com a gestão do sítio em causa ou forem necessárias para essa gestão, não tinham de ser objeto de avaliação das suas incidências sobre esse sítio.

44

Em primeiro lugar, resulta do artigo 1.o, alínea l), da Diretiva Habitats que a zona especial de conservação é delimitada para a manutenção ou restabelecimento do estado de conservação favorável de certos habitats ou espécies naturais. Com efeito, por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, os Estados‑Membros devem fixar as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I desta diretiva e das espécies do seu anexo II presentes nesses sítios.

45

Resulta do exposto que as medidas de conservação referidas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats devem estar diretamente relacionadas com a gestão do sítio em causa ou ser necessárias para essa gestão, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva.

46

Em segundo lugar, como salientou a advogada‑geral no n.o 37 das suas conclusões, as medidas de precaução destinadas a impedir ou a combater os incêndios podem estar relacionadas com a gestão de um sítio protegido ou ser necessárias para essa gestão. Aliás, de acordo com o pedido de decisão prejudicial, tanto o plano de proteção como a Portaria n.o 478 contêm indicações indiretas sobre a necessidade de adotar medidas de prevenção de riscos de incêndios florestais no sítio em causa.

47

No entanto, nem todas as medidas destinadas a assegurar a proteção de uma zona especial de conservação contra o risco de incêndios florestais estão diretamente relacionadas com a gestão do sítio em causa ou são necessárias para essa gestão. É ainda preciso que as medidas sejam necessárias à manutenção ou restabelecimento do estado de conservação favorável dos habitats ou espécies protegidos e proporcionadas a esses objetivos, o que pressupõe que sejam adaptadas à zona em causa e suscetíveis de permitir a realização dos referidos objetivos.

48

Tratando‑se, no caso em apreço, de obras de abate de árvores destinadas a manter em bom estado estradas naturais numa zona protegida, há que apreciar se essas obras afetam determinados objetivos de conservação e, sendo caso disso, se o risco de um prejuízo futuro para o sítio afetado pelos incêndios justifica as referidas obras, tendo em conta todas as características dessa zona.

49

Tal apreciação exige uma avaliação adequada das incidências das medidas projetadas para a prevenção de incêndios, em aplicação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

50

Só assim não será se essas medidas já figurarem entre as que foram adotadas em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats e que estão, a esse título, diretamente relacionadas com a gestão do sítio em causa ou são necessárias para essa gestão.

51

Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à segunda questão que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que as atividades exercidas numa zona florestal, designada zona especial de conservação, para assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências previstas na legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais, não podem, pelo simples facto de terem esse objeto, ser consideradas diretamente relacionadas com a gestão do sítio em causa ou necessárias para essa gestão nem podem, por conseguinte, ser dispensadas, a esse título, da avaliação das suas incidências sobre esse sítio, a menos que figurem entre as medidas de conservação do sítio já adotadas em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats.

Quanto à terceira questão

52

Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que impõe que se proceda a uma avaliação dos planos e dos projetos a que esta disposição se refere, mesmo quando a sua realização seja exigida pela legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais.

53

Em primeiro lugar, deve recordar‑se que qualquer plano ou projeto não diretamente relacionado com a gestão de um sítio ou não necessário para essa gestão, mas suscetível de afetar esse sítio de forma significativa, deve ser objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o referido sítio, exigência essa que implica identificar, apreciar e tomar em consideração o conjunto das incidências desse plano ou desse projeto sobre este último. Um plano ou projeto dessa índole deverá ser submetido a esse tipo de avaliação se existir uma probabilidade ou um risco de afetar de maneira significativa o sítio em causa, condição que, tendo em conta o princípio da precaução, deve considerar‑se cumprida se a existência de uma probabilidade ou um risco de efeitos prejudiciais significativos sobre esse sítio não puder ser excluída com base nos melhores conhecimentos científicos na matéria, tendo em conta, nomeadamente, as características e condições ambientais específicas do referido sítio (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2022, AquaPri,C‑278/21, EU:C:2022:864, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o projeto em causa no processo principal é suscetível de afetar o sítio em questão de forma significativa, sendo certo que, como salientou a advogada‑geral no n.o 45 das suas conclusões, a legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais não dispensa um plano ou um projeto do cumprimento das exigências do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

54

Não obstante, e em segundo lugar, importa sublinhar que não existe contradição entre a obrigação, por força do direito nacional, de adotar determinadas medidas destinadas a prevenir e combater os incêndios florestais e a obrigação, prevista no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, de sujeitar previamente essas medidas a uma avaliação das suas incidências sobre o sítio em causa, quando sejam suscetíveis de ter um impacto significativo numa zona de conservação especial.

55

Com efeito, por um lado, esta avaliação permite, pelo contrário, definir as modalidades de execução das referidas medidas que são as mais adaptadas à manutenção ou restabelecimento do estado de conservação favorável dos habitats ou espécies naturais para cuja proteção a zona de conservação especial em causa foi instituída.

56

Por outro lado, mesmo no caso de a avaliação concluir pela existência de incidências negativas sobre o sítio das medidas previstas e de não existirem soluções alternativas, o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva Habitats prevê que essas medidas podem, no entanto, ser realizadas quando razões imperativas de reconhecido interesse público o justifiquem, desde que o Estado‑Membro tome todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000 [v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża),C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 190].

57

Em terceiro lugar e em todo o caso, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats não autoriza um Estado‑Membro a promulgar normas nacionais que permitiriam subtrair, de modo geral, certos tipos de planos ou projetos à obrigação de avaliação das suas incidências sobre o sítio em causa [Acórdão de 22 de junho de 2022, Comissão/Eslováquia (Conservação do tetraz‑grande), C‑661/20, EU:C:2022:496, n.o 69 e jurisprudência referida].

58

Com efeito, a possibilidade de dispensar de modo geral determinadas atividades, em conformidade com a legislação nacional em vigor, da avaliação das suas incidências sobre o sítio protegido em causa poderia comprometer a integridade desse sítio.

59

De resto, há que salientar que, no caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais não prevê essa possibilidade.

60

Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à terceira questão que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que impõe que se proceda a uma avaliação dos planos e dos projetos a que se refere este artigo, mesmo quando a sua realização seja exigida pela legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais.

Quanto à quarta questão

61

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que as atividades destinadas a assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios numa zona florestal, designada zona especial de conservação, podem ser prosseguidas e concluídas antes da realização do procedimento de avaliação das suas incidências previsto nesta disposição.

62

Nos termos do segundo período do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, «[t]endo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.o 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública». Assim, nenhum plano ou projeto pode ser executado numa zona especial de conservação antes de as suas incidências sobre o sítio em causa terem sido avaliadas.

63

O Tribunal de Justiça confirmou reiteradamente o caráter prévio do procedimento de avaliação previsto no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats (Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 34; de 11 de abril de 2013, Sweetman e o., C‑258/11, EU:C:2013:220, n.o 28; e de 21 de julho de 2016, Orleans e o., C‑387/15 e C‑388/15, EU:C:2016:583, n.o 43).

64

Como a advogada‑geral indicou no n.o 54 das suas conclusões, é, de resto, indispensável que a avaliação das incidências do plano ou do projeto preceda a sua realização. Com efeito, por um lado, a avaliação a posteriori não permitiria evitar danos ao estado de conservação do sítio. Por outro lado, é muitas vezes difícil avaliar a dimensão dessas incidências se não houver um inventário prévio do estado inicial do sítio.

65

Assim, a Diretiva Habitats não permite a realização de um plano ou de um projeto numa zona de conservação especial nem, a fortiori, prosseguir e concluir a sua realização antes de ser efetuada uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio em causa.

66

Esta proibição aplica‑se às atividades exercidas numa zona florestal, designada zona especial de conservação, para assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios nessa zona, as quais têm natureza de projeto, na aceção do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, como resulta da resposta do Tribunal de Justiça à primeira questão.

67

Em contrapartida, a referida proibição não se aplica às atividades desenvolvidas ao abrigo das medidas de conservação do sítio adotadas em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats. Com efeito, como indicado nos n.os 52 e 53 do presente acórdão, deve considerar‑se que, a esse título, estas atividades estão diretamente relacionadas com a gestão do sítio ou são necessárias para essa gestão.

68

Assim, se as atividades de manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios já tiverem sido previstas nas medidas de conservação do sítio em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, as mesmas não têm de ser objeto da avaliação prevista no artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva.

69

Como a advogada‑geral salientou no n.o 57 das suas conclusões, também é preciso reservar o caso em que um risco atual ou iminente impõe o cumprimento imediato de medidas necessárias à proteção do sítio. Em semelhante hipótese, a realização prévia do procedimento de avaliação das incidências dessas medidas sobre o sítio poderia não satisfazer o objetivo desse procedimento, a saber, a preservação do sítio, podendo, pelo contrário, prejudicá‑lo.

70

Concretamente, pode ser o caso de medidas de emergência para a proteção e o combate aos incêndios florestais. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a execução das obras em causa no litígio no processo principal, sem avaliação prévia das suas incidências sobre a zona natural protegida afetada, se justificava a este título.

71

Atendendo às considerações anteriores, há que responder à quarta questão que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que as atividades destinadas a assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios numa zona florestal, designada zona especial de conservação, não podem ser iniciadas nem, a fortiori, prosseguidas e concluídas antes da realização do procedimento de avaliação das suas incidências previsto neste artigo, a menos que essas atividades figurem entre as medidas de conservação do sítio em causa já adotadas em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva ou que um risco atual ou iminente atentatório da preservação desse sítio imponha a sua realização imediata.

Quanto à quinta questão

72

Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que obriga as autoridades competentes a adotar medidas para mitigar as eventuais incidências significativas das obras executadas sem terem sido objeto da avaliação prévia prevista nesta disposição e a exigir a reparação dos danos causados por essas obras.

73

A título preliminar, há que questionar a utilidade da quinta questão, tal como está formulada, para a resolução do litígio no processo principal.

74

Com efeito, com a decisão em causa no processo principal, o diretor‑geral da Autoridade de Proteção do Ambiente ordenou à recorrente no processo principal, por um lado, que deixasse no local os pinheiros abatidos cujo cepo tivesse um diâmetro superior a 25 centímetros e, por outro, que reconstituísse a quantidade de madeira morta no biótopo prioritário protegido 9010* «Florestas boreais antigas ou naturais», cujo nível considerou insuficiente.

75

Ora, como a advogada‑geral salientou nos n.os 69 e 72 das suas conclusões, a primeira ordem visa impedir a continuação das obras executadas em violação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats e a segunda constitui uma remissão para o n.o 11.2 da Portaria n.o 478, que impõe que se renuncie à evacuação da madeira morta, quando a sua quantidade seja insuficiente.

76

Por outras palavras, a decisão em causa no processo principal não parece ter por objeto mitigar as incidências das obras executadas pela recorrente no processo principal nem exigir a esta última a reparação dos danos causados por essas obras.

77

Todavia, há que recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça.

78

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a quinta questão tem por objeto, tal como as demais questões submetidas, a interpretação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats e não é manifesto que seja desprovida de utilidade para a resolução do litígio no processo principal. O Tribunal de Justiça é, portanto, competente para lhe responder.

79

Em primeiro lugar, há que observar que a Diretiva Habitats, especialmente o seu artigo 6.o, n.o 3, não contém disposições relativas às consequências a retirar da violação da obrigação de avaliação prévia das incidências de um plano ou de um projeto (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Inter‑Environnement Wallonie e Bond Beter Leefmilieu Vlaanderen, C‑411/17, EU:C:2019:622, n.o 169).

80

O artigo 6.o, n.o 2, desta diretiva obriga unicamente os Estados‑Membros a tomarem «as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da [referida] diretiva».

81

Por força do princípio da cooperação leal, previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, os Estados‑Membros são, no entanto, obrigados a eliminar as consequências ilícitas de uma violação do direito da União (Acórdãos de 16 de dezembro de 1960, Humblet/État belge, 6/60‑IMM, EU:C:1960:48, p. 1146, e de 7 de janeiro de 2004, Wells,C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 64). Esta obrigação dirige‑se a cada órgão do Estado‑Membro em causa e, nomeadamente, às autoridades nacionais que, no âmbito das suas competências, são obrigadas a adotar todas as medidas necessárias para sanar a omissão da avaliação das incidências de um plano ou de um projeto sobre o ambiente [v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2019, Comissão/Irlanda (Parque eólico de Derrybrien),C‑261/18, EU:C:2019:955, n.o 75]. A referida obrigação incumbe também às empresas pertencentes ao Estado‑Membro em causa [v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2019, Comissão/Irlanda (Parque eólico de Derrybrien),C‑261/18, EU:C:2019:955, n.o 91].

82

Por força deste princípio, o Estado‑Membro em causa é igualmente obrigado a reparar todo e qualquer prejuízo causado pela omissão da avaliação dos efeitos de um plano ou de um projeto no ambiente (Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Wells,C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 66).

83

Em contrapartida, não pode resultar do mero princípio da cooperação leal, que só se impõe aos Estados‑Membros e aos seus órgãos, a obrigação de os particulares repararem os danos causados ao ambiente numa zona especial de conservação por obras que estes empreenderam sem essas obras terem sido objeto da avaliação adequada prevista no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats.

84

Uma vez que a Diretiva Habitats não contém nenhuma disposição relativa à reparação de danos ambientais e que, em todo o caso, não pode ser imposta aos particulares nenhuma obrigação apenas com fundamento nesta diretiva, a obrigação de reparar um dano do tipo do que está em causa no processo principal só pode resultar do direito letão.

85

Importa acrescentar que, caso tal obrigação esteja prevista no direito letão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, as autoridades nacionais competentes são obrigadas a aplicá‑la.

86

Por conseguinte, o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, lido à luz do princípio da cooperação leal, não pode obrigar as autoridades competentes a exigir aos particulares a reparação desse dano.

87

Assim, esta disposição não obriga a recorrente no processo principal a reparar os danos causados pelas obras que executou sem ter sido previamente efetuada uma avaliação adequada e, por conseguinte, só permite às autoridades competentes impor‑lhe a reparação desses danos na hipótese, ponderada pela advogada‑geral no n.o 73 das suas conclusões, de dever ser equiparada a um órgão do Estado‑Membro em causa. Em contrapartida, se tiver a qualidade de particular, essas autoridades não lhe podem exigir, apenas com base na referida disposição e no princípio da cooperação leal, a reparação dos danos acima referidos.

88

Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à quinta questão que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats, lido à luz do princípio da cooperação leal, deve ser interpretado no sentido de que obriga o Estado‑Membro em causa, especialmente as suas autoridades competentes, a adotar medidas para mitigar as eventuais incidências significativas sobre o ambiente de obras executadas sem que a avaliação adequada dessas incidências, prevista nesta disposição, tenha sido previamente efetuada e a reparar os danos causados por essas obras. Em contrapartida, não obriga esse Estado‑Membro a exigir aos particulares a reparação de tais danos, caso lhes sejam imputáveis.

Quanto às despesas

89

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «projeto», na aceção desta disposição, inclui as atividades exercidas numa zona florestal, designada zona especial de conservação, para assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências previstas na legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais, quando essas atividades alterem a realidade física do sítio em causa.

 

2)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43 deve ser interpretado no sentido de que as atividades exercidas numa zona florestal, designada zona especial de conservação, para assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios nessa zona, em conformidade com as exigências previstas na legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais, não podem, pelo simples facto de terem esse objeto, ser consideradas diretamente relacionadas com a gestão do sítio em causa ou necessárias para essa gestão nem podem, por conseguinte, ser dispensadas, a esse título, da avaliação das suas incidências sobre esse sítio, a menos que figurem entre as medidas de conservação do sítio já adotadas em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva.

 

3)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43 deve ser interpretado no sentido de que impõe que se proceda a uma avaliação dos planos e dos projetos a que esta disposição se refere, mesmo quando a sua realização seja exigida pela legislação nacional aplicável em matéria de prevenção de riscos de incêndios florestais.

 

4)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43 deve ser interpretado no sentido de que as atividades destinadas a assegurar a manutenção das infraestruturas de proteção das florestas contra incêndios numa zona florestal, designada zona especial de conservação, não podem ser iniciadas nem, a fortiori, prosseguidas e concluídas antes da realização do procedimento de avaliação das suas incidências previsto neste artigo, a menos que essas atividades figurem entre as medidas de conservação do sítio em causa já adotadas em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva ou que um risco atual ou iminente atentatório da preservação desse sítio imponha a sua realização imediata.

 

5)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 92/43, lido à luz do princípio da cooperação leal, deve ser interpretado no sentido de que obriga o Estado‑Membro em causa, especialmente as suas autoridades competentes, a adotar medidas para mitigar as eventuais incidências significativas sobre o ambiente de obras executadas sem que a avaliação adequada dessas incidências, prevista nesta disposição, tenha sido previamente efetuada e a reparar os danos causados por essas obras. Em contrapartida, não obriga esse Estado‑Membro a exigir aos particulares a reparação de tais danos, caso lhes sejam imputáveis.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: letão.

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