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Document 62022CJ0251

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 1 de fevereiro de 2024.
Scania AB e o. contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos camiões — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) — Acordos e práticas concertadas sobre os preços de venda dos camiões, o calendário relativo à instalação das tecnologias de emissão impostas pelas normas Euro 3 a Euro 6 e a repercussão nos clientes dos custos dessas tecnologias — Infração única e continuada — Alcance geográfico desta infração — “Procedimento híbrido” que conduziu sucessivamente à adoção de uma decisão de transação e de uma decisão no termo de um procedimento ordinário — Artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a uma boa administração — Imparcialidade da Comissão Europeia — Apreciação do alcance geográfico de uma prática concertada — Elementos pertinentes — Qualificação de um conjunto de comportamentos de “infração única e continuada” — Regulamento (CE) 1/2003 — Artigo 25.o — Poder da Comissão de aplicar uma coima — Prescrição.
Processo C-251/22 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:103

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

1 de fevereiro de 2024 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos camiões — Decisão que declara uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) — Acordos e práticas concertadas sobre os preços de venda dos camiões, o calendário relativo à instalação das tecnologias de emissão impostas pelas normas Euro 3 a Euro 6 e a repercussão nos clientes dos custos dessas tecnologias — Infração única e continuada — Alcance geográfico desta infração — “Procedimento híbrido” que conduziu sucessivamente à adoção de uma decisão de transação e de uma decisão no termo de um procedimento ordinário — Artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a uma boa administração — Imparcialidade da Comissão Europeia — Apreciação do alcance geográfico de uma prática concertada — Elementos pertinentes — Qualificação de um conjunto de comportamentos de “infração única e continuada” — Regulamento (CE) 1/2003 — Artigo 25.o — Poder da Comissão de aplicar uma coima — Prescrição»

No processo C‑251/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 8 de abril de 2022,

Scania AB, com sede em Södertälje (Suécia),

Scania CV AB, com sede em Södertälje,

Scania Deutschland GmbH, com sede em Coblença (Alemanha),

representadas por D. Arts, N. De Backer, K. Schillemans, advocaten, S. Falkner, P. Hammarskiöld, C. Langenius, L. Ulrichs, advokater, e F. Miotto, avocate,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por M. Domecq, M. Farley e L. Wildpanner, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: M. Ilešič, exercendo funções de presidente da Décima Secção, I. Jarukaitis (relator) e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a Scania AB, a Scania CV AB e a Scania Deutschland GmbH (a seguir «Scania DE»), três entidades jurídicas da empresa Scania (a seguir, em conjunto, «Scania»), pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 2 de fevereiro de 2022, Scania e o./Comissão (T‑799/17, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2022:48), através do qual este negou provimento ao seu recurso destinado, a título principal, a obter a anulação da Decisão C(2017) 6467 final da Comissão, de 27 de setembro de 2017, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo AT.39824 — Camiões) (a seguir «decisão controvertida») e, a título subsidiário, a redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas nessa decisão.

Quadro jurídico

2

O artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), diz respeito ao poder da Comissão Europeia de aplicar coimas. O artigo 25.o deste regulamento, epigrafado «Prescrição em matéria de aplicação de sanções», dispõe:

«1.   Os poderes conferidos à Comissão por força dos artigos 23.o e 24.o estão sujeitos ao seguinte prazo de prescrição:

a)

Três anos no que se refere às infrações às disposições relativas aos pedidos de informações ou à realização de inspeções;

b)

Cinco anos no que se refere às restantes infrações.

2.   O prazo de prescrição começa a ser contado a partir do dia em que foi cometida a infração. Todavia, no que se refere às infrações continuadas ou repetidas, o prazo de prescrição apenas começa a ser contado a partir do dia em que tiverem cessado essas infrações.

3.   A prescrição em matéria de aplicação de coimas […] é interrompida por qualquer ato da Comissão ou de uma autoridade de um Estado‑Membro responsável em matéria de concorrência destinado à investigação da infração ou à instrução do respetivo processo. A interrupção da prescrição produz efeitos a partir da data em que o ato é notificado a, pelo menos, uma empresa ou associação de empresas que tenha participado na infração. […]

4.   A interrupção da prescrição é válida relativamente a todas as empresas e associações de empresas que participaram na infração.

[…]»

3

Nos termos do artigo 31.o do referido regulamento, epigrafado «Controlo pelo Tribunal de Justiça»:

«O Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.»

Antecedentes do litígio

4

Os antecedentes do litígio e a decisão controvertida, tal como são apresentados nos n.os 1 a 61 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

5

Através da decisão controvertida, a Comissão Europeia declarou, no n.o 1 da decisão, que as recorrentes tinham violado o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE»), por terem participado, de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011, juntamente com entidades jurídicas das empresas [confidencial ( 1 )], [confidencial], [confidencial], [confidencial] e [confidencial], em acordos colusórios sobre os preços, sobre o aumento dos preços brutos dos camiões médios e pesados no Espaço Económico Europeu (EEE) e sobre o calendário e a repercussão dos custos relativos à instalação das tecnologias em matéria de emissões para os camiões médios e pesados impostas pelas normas Euro 3 a Euro 6. A Comissão aplicou, no artigo 2.o da decisão, conjunta e solidariamente, à Scania AB e à Scania CV AB uma coima de 880523000 euros, dos quais a Scania DE é conjunta e solidariamente responsável pelo pagamento de 440003282 euros.

Procedimento administrativo

6

Em 20 de setembro de 2010, [confidencial] apresentou um pedido de imunidade em matéria de coimas, ao abrigo do n.o 14 da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17). Em 17 de dezembro de 2010, a Comissão concedeu uma imunidade condicional em matéria de coimas à [confidencial].

7

Entre 18 e 21 de janeiro de 2011, a Comissão efetuou inspeções nas instalações, nomeadamente, das recorrentes.

8

Em 28 de janeiro de 2011, [confidencial] pediu a imunidade em matéria de coimas ao abrigo do n.o 14 da comunicação mencionada no n.o 6 do presente acórdão e, a título subsidiário, uma redução da coima ao abrigo do n.o 27 da referida comunicação. Foi acompanhada nesta diligência por [confidencial] e por [confidencial].

9

No decurso do inquérito, a Comissão enviou às recorrentes, designadamente, diversos pedidos de informação nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003.

10

Em 20 de novembro de 2014, a Comissão deu início ao procedimento previsto no artigo 11.o, n.o 6, deste regulamento contra as recorrentes e contra entidades jurídicas das empresas referidas no n.o 5 do presente acórdão e adotou uma comunicação de objeções que notificou a todas essas entidades, incluindo às recorrentes.

11

Na sequência da notificação da comunicação de objeções, os seus destinatários tiveram acesso ao processo de inquérito da Comissão.

12

Durante [confidencial], os destinatários da comunicação de acusações contactaram informalmente a Comissão, para pedir o prosseguimento do processo no âmbito do procedimento de transação previsto no artigo 10.o‑A do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 622/2008 da Comissão, de 30 de junho de 2008 (JO 2008, L 171, p. 3) (a seguir «Regulamento n.o 773/2004»). A Comissão decidiu abrir um procedimento de transação depois de cada um dos destinatários da comunicação de objeções ter confirmado a sua vontade de participar em discussões com vista a uma transação.

13

Entre [confidencial] e [confidencial], realizaram‑se conversações com vista a uma transação entre cada destinatário da comunicação de objeções e a Comissão. Na sequência dessas conversações, alguns destinatários da comunicação de objeções apresentaram, individualmente, à Comissão, um pedido formal de transação ao abrigo do artigo 10.o‑A, n.o 2, do Regulamento n.o 773/2004 (a seguir «partes na transação»). As recorrentes não apresentaram esse pedido.

14

Em 19 de julho de 2016, a Comissão adotou, com fundamento no artigo 7.o e no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, a Decisão C(2016) 4673 final, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo AT.39824. — Camiões), dirigida às partes na transação (a seguir «decisão de transação»).

15

Na medida em que as recorrentes tinham decidido não apresentar um pedido formal de transação, a Comissão prosseguiu a investigação contra elas no âmbito do processo normal, a saber, não transacional.

16

Em 23 de setembro de 2016, as recorrentes, após terem tido acesso ao processo, apresentaram a sua resposta escrita à comunicação de objeções.

17

Em 18 de outubro de 2016, as recorrentes participaram numa audição.

18

Em 7 de abril de 2017, a Comissão, em conformidade com o n.o 111 da sua Comunicação sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o [TFUE] (JO 2011, C 308, p. 6), enviou à Scania AB uma carta de comunicação de factos. Em 23 de junho de 2017, a Comissão também enviou a referida carta de comunicação de factos à Scania CV AB e à Scania DE.

19

Em 12 de maio de 2017, a Scania AB comunicou à Comissão as suas observações escritas sobre os elementos de prova anexos à carta de comunicação de factos, que também refletiam a posição da Scania CV AB e da Scania DE.

20

Em 27 de setembro de 2017, a Comissão adotou a decisão controvertida.

Decisão controvertida

Estrutura do mercado de camiões e mecanismo de fixação dos preços na indústria de camiões e na Scania

21

No que respeita à estrutura do mercado de camiões, a Comissão salientou que este se caracteriza por um nível elevado de transparência e de concentração, uma vez que as participantes tiveram diversas oportunidades para reunir anualmente e discutir a situação deste mercado. Segundo a Comissão, através de todas as interações, as participantes podiam ter uma ideia precisa da situação concorrencial de cada uma delas.

22

A Comissão também salienta igualmente que as participantes, incluindo a Scania, têm filiais em mercados nacionais importantes que atuam na qualidade de distribuidores dos seus produtos. Esses distribuidores nacionais dispõem da sua própria rede de concessionários. A Comissão observou que a Scania vende os seus camiões por intermédio de distribuidores nacionais, que são suas filiais detidas a 100 % em todos os Estados do EEE, com exceção de [confidencial]. Os distribuidores nacionais da Scania vendiam os camiões que compravam através da sede a concessionários que eram quer filiais detidas a 100 % quer empresas independentes. A Comissão salienta que, na Alemanha, a Scania dispõe de [confidencial] concessionários que são filiais a 100 %.

23

No que respeita ao mecanismo de fixação dos preços, a Comissão constatou que este tem as mesmas etapas para todas as partes e começa, geralmente, no âmbito de uma primeira etapa, pela fixação, pela sede, de uma tabela inicial de preços brutos. Além disso, segundo a Comissão, no âmbito de uma segunda etapa, são fixados preços de transferência para a venda dos camiões nos diferentes mercados nacionais, entre a sede dos fabricantes e os distribuidores nacionais que são empresas independentes ou detidas a 100 % pela sede. Por outro lado, segundo a Comissão, no âmbito de uma terceira etapa, são fixados os preços pagos pelos concessionários aos distribuidores, e, no âmbito de uma quarta etapa, o preço líquido final pago pelos consumidores que é negociado pelos concessionários ou pelos próprios fabricantes quando vendem diretamente aos concessionários ou aos clientes importantes.

24

A Comissão constatou que, embora o preço final pago pelos consumidores possa variar, por exemplo, devido à aplicação de diferentes descontos a diferentes níveis da cadeia de distribuição, todos os preços aplicáveis em cada fase da cadeia de distribuição decorrem de modo direto, no caso dos preços de transferência entre a sede e o distribuidor, ou indireto, no caso do preço pago pelo concessionário ao distribuidor ou no caso do preço pago pelo cliente final, do preço bruto inicial. Verifica‑se, assim, segundo a Comissão, que as tabelas de preços brutos iniciais fixadas pela sede constituem uma componente comum e fundamental dos cálculos dos preços aplicáveis a cada etapa das cadeias nacionais de distribuição em toda a Europa. A Comissão esclareceu que todas as partes, com exceção de [confidencial], estabeleceram, entre 2000 e 2006, tabelas de preços brutos compostas por preços brutos harmonizados para todo o EEE.

25

No que respeita concretamente ao mecanismo de fixação dos preços na Scania e aos intervenientes envolvidos nessa fixação, a Comissão descreveu que a sede da Scania fixa a tabela de preços brutos à saída da fábrica (Factory Gross Price List, a seguir «FGPL») para todas as diferentes peças disponíveis de um camião.

26

Cada distribuidor nacional da Scania, por exemplo, a Scania DE, negoceia com a sede da Scania um «preço líquido para o distribuidor», a saber, o preço que o distribuidor paga à sede por cada peça, com base na FGPL que recebeu. O preço líquido para o distribuidor é indicado num documento denominado «RPU» (do termo «Representantuppgift» em língua sueca), que representa a diferença entre a FGPL e o preço líquido para o distribuidor em termos de descontos. Os descontos concedidos ao distribuidor são fixados por [confidencial] na sede da Scania, mas também são discutidos no comité dos preços. A decisão final sobre o preço líquido para o distribuidor da Scania cabe a [confidencial].

27

Além disso, o distribuidor nacional da Scania comunica a sua própria tabela de preços brutos, que consiste no preço líquido para o distribuidor, acrescido da margem de lucro, para todas as diferentes peças disponíveis de um camião, aos concessionários Scania no seu território.

28

Em seguida, o concessionário da Scania negoceia com o distribuidor um «preço líquido para o concessionário», que se baseia na tabela de preços brutos do distribuidor, diminuído de uma redução substancial de que beneficia o concessionário.

29

Os clientes que compram camiões nos concessionários da Scania pagam o «preço de cliente». O «preço de cliente» corresponde no preço líquido para o concessionário, acrescido da margem de lucro do concessionário e dos eventuais custos decorrentes da individualização do camião e deduzidas reduções e promoções oferecidas ao cliente. A Comissão constatou que a alteração do preço numa qualquer etapa da cadeia de distribuição tem um impacto limitado ou não tem incidência no preço final pago pelo consumidor.

30

A Comissão concluiu igualmente que a FGPL é aplicável a nível mundial, ao passo que o preço líquido para o distribuidor e a tabela de preços brutos do distribuidor são aplicáveis na região em que o distribuidor opera. Do mesmo modo, o preço negociado pelo concessionário é aplicado na região em que o concessionário opera.

31

Quanto ao impacto dos aumentos de preços a nível europeu nos preços a nível nacional, a Comissão observou que os distribuidores nacionais dos fabricantes, como a Scania DE, não são independentes na fixação dos preços brutos e das tabelas de preços brutos e que todos os preços aplicados em cada etapa da cadeia de distribuição, até ao consumidor final, decorrem das tabelas de preços brutos pan‑europeus fixados ao nível da sede.

32

Daqui resulta, segundo a Comissão, que um aumento dos preços na tabela pan‑europeia dos preços brutos, decidida ao nível da sede, determina o movimento do «preço líquido para o distribuidor», isto é, do preço que o distribuidor paga à sede para a aquisição de um camião. Por conseguinte, segundo a Comissão, o aumento, pela sede, dos preços brutos acima referidos também influencia o nível do preço bruto do distribuidor, a saber, o preço que o concessionário paga ao distribuidor, mesmo que o preço para o consumidor final não seja necessariamente alterado na mesma proporção ou não seja sequer alterado.

Contactos colusórios entre a Scania e as partes na transação

33

Na decisão controvertida, a Comissão considerou que a Scania tinha participado em reuniões colusórias e em contactos com as partes na transação em diversos fóruns e a diferentes níveis, que evoluíram ao longo do tempo, enquanto as empresas participantes, os objetivos e os produtos em causa permaneciam os mesmos.

34

A Comissão identificou três níveis de contactos colusórios.

35

Em primeiro lugar, a Comissão considerou que, nos primeiros anos da infração, os quadros superiores das participantes no cartel discutiam as suas intenções em matéria de preços, de futuros aumentos dos preços brutos, por vezes também da evolução dos preços líquidos ao consumo e, outras vezes, tinham chegado a acordo sobre o aumento dos seus preços brutos. Na decisão controvertida, a Comissão referiu‑se a esse nível de contactos colusórios como «nível dos órgãos dirigentes»(top management). A Comissão acrescentou que, nas reuniões ao nível dos órgãos dirigentes, as participantes no cartel tinham, além disso, chegado a acordo sobre o calendário e a repercussão dos custos relativos à comercialização dos modelos de camiões conformes com as normas Euro 3 a Euro 5 e que tinha sido acordado, em determinadas ocasiões, não instalar as tecnologias em causa antes de uma determinada data. A Comissão considerou que as reuniões ao nível dos órgãos dirigentes tiveram lugar entre 1997 e 2004.

36

Em segundo lugar, a Comissão considerou que, durante um período limitado e paralelamente às reuniões ao nível dos órgãos dirigentes, quadros intermédios da sede das participantes no cartel mantinham conversações que incluíam, além da troca de informações técnicas, interações sobre os preços e sobre aumentos dos preços brutos. Na decisão controvertida, a Comissão referiu‑se a este nível de contactos colusórios como «nível inferior da sede»(lower headquarters level). A Comissão considerou que as reuniões ao nível inferior da sede tinham tido lugar entre 2000 e 2008.

37

Em terceiro lugar, a Comissão considerou que, na sequência da introdução do euro e das tabelas de preços brutos à escala europeia pela quase totalidade dos fabricantes de camiões, as participantes no cartel tinham prosseguido com a coordenação sistemática das suas intenções de preços futuros por intermédio das suas filiais alemãs. Na decisão controvertida, a Comissão referiu‑se a este nível de contactos colusórios como «nível alemão»(German level meetings). A Comissão esclareceu que, da mesma maneira que os contactos dos primeiros anos do cartel, os representantes das filiais alemãs discutiam futuros aumentos dos preços brutos, bem como o calendário e a repercussão dos custos relativos à instalação das tecnologias em matéria de emissões para camiões médios e pesados, impostos pelas normas Euro 5 e Euro 6. Trocavam igualmente outras informações comerciais sensíveis. A Comissão considerou que as reuniões ao nível alemão tinham tido lugar a partir de 2004.

Aplicação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE

38

A Comissão considerou que as provas documentais que constam dos autos demonstravam que os contactos supramencionados diziam respeito:

às alterações, previstas pelas participantes no cartel, dos preços brutos, das tabelas de preços brutos, do calendário dessas alterações e, ocasionalmente, a interações relativas às alterações previstas dos preços líquidos ou aos descontos oferecidos aos clientes;

à data de instalação das tecnologias em matéria de emissões para os camiões médios e pesados, exigidas pelas normas Euro 3 a Euro 6, e à repercussão dos custos relativos à comercialização dessas tecnologias, e

à partilha de outras informações sensíveis do ponto de vista da concorrência, como as quotas dos mercados em causa, os preços líquidos atuais e os descontos, as tabelas de preços brutos (mesmo antes da sua entrada em vigor), os configuradores de camiões, as encomendas e os níveis das existências.

39

A Comissão salientou que as partes tinham contactos multilaterais a diferentes níveis e que, por vezes, tinham contactos e reuniões comuns a diferentes níveis. Segundo a Comissão, estes contactos estavam relacionados entre si pelo seu conteúdo, pela sua data, por referências explícitas de uns a outros e pela circulação entre eles da informação obtida.

40

A Comissão considerou que estas atividades constituíam uma forma de coordenação e de cooperação através da qual as partes substituíam conscientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre si. Segundo a Comissão, o comportamento em causa revestia a forma de um acordo ou de uma prática concertada no qual as empresas concorrentes se abstinham de determinar de forma independente a política comercial que pretendiam adotar no mercado, mas coordenavam antes o seu comportamento em matéria de preços através de contactos diretos e envolviam‑se no atraso coordenado da instalação das tecnologias. Além disso, segundo a Comissão, a participação sistemática nos contactos colusórios criou um clima de compreensão mútua da política de preços das partes.

41

A Comissão salientou que a Scania participou regularmente nas diferentes formas colusórias durante todo o período de duração da infração e concluiu que a infração em que a Scania participara tinha a forma de um acordo e/ou de uma prática concertada na aceção do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE.

42

No que respeita à restrição da concorrência, a Comissão considerou que a Scania tinha participado nos contactos colusórios descritos no n.o 38 do presente acórdão e que o conjunto de acordos e práticas concertadas nos quais tinha participado tinham por objeto a restrição da concorrência, na aceção do artigo 101.o TFUE.

43

No que respeita à infração única e continuada, a Comissão considerou que os acordos e/ou as práticas concertadas entre a Scania e as partes na transação constituíam uma infração única e continuada abrangida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE e pelo artigo 53.o do Acordo EEE no período compreendido entre 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011. Segundo a Comissão, a infração tinha consistido numa colusão em relação aos preços e aos aumentos de preços brutos no EEE dos camiões médios e pesados, bem como ao calendário e à repercussão dos custos relativos à comercialização das tecnologias em matéria de emissões nesses camiões, impostas pelas normas Euro 3 a Euro 6.

44

Mais especificamente, a Comissão considerou que, através dos seus contactos anticoncorrenciais, as partes tinham prosseguido um plano comum com um objetivo anticoncorrencial único e que a Scania tinha ou devia ter conhecimento do âmbito de aplicação geral e das características essenciais da rede de contactos colusórios e tinha a intenção de contribuir para o cartel em causa através das suas ações.

45

A Comissão salientou igualmente que o objetivo anticoncorrencial único consistia na limitação da concorrência no mercado de camiões médios e pesados no EEE. Este objetivo tinha sido atingido através de práticas que reduzem os níveis de incerteza estratégica entre as participantes no que respeita aos preços futuros e aos aumentos dos preços brutos, bem como ao calendário e à repercussão dos custos relacionados com a comercialização de camiões que respeitem as normas ambientais.

Destinatários da decisão controvertida

46

Em primeiro lugar, a Comissão enviou a decisão controvertida à Scania CV AB e à Scania DE, que considerava serem responsáveis diretas pela infração nos seguintes períodos:

no que respeita à Scania CV AB, no período compreendido entre 17 de janeiro de 1997 e 27 de fevereiro de 2009 e

no que respeita à Scania DE, no período compreendido entre 20 de janeiro de 2004 e 18 de janeiro de 2011.

47

Em segundo lugar, a Comissão também considerou que, no período compreendido entre 17 de janeiro de 1997 e 18 de janeiro de 2011, a Scania AB detinha, direta ou indiretamente, a totalidade das ações da Scania CV AB, a qual, por sua vez, detinha, direta ou indiretamente, a totalidade das ações da Scania DE. Por conseguinte, a Comissão referiu que também enviou a decisão impugnada às seguintes entidades, que considerava serem conjunta e solidariamente responsáveis enquanto sociedades‑mãe:

à Scania AB, responsável, por um lado, pelo comportamento da Scania CV AB no período compreendido entre 17 de janeiro de 1997 e 27 de fevereiro de 2009 e, por outro, pelo comportamento da Scania DE no período compreendido entre 20 de janeiro de 2004 e 18 de janeiro de 2011 e

à Scania CV AB, enquanto responsável pelo comportamento da Scania DE no período compreendido entre 20 de janeiro de 2004 e 18 de janeiro de 2011.

Montante da coima

48

A Comissão fixou o montante da coima em 880523000 euros.

Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

49

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de dezembro de 2017, as recorrentes interpuseram um recurso destinado a obter, a título principal, a anulação da decisão controvertida e, a título subsidiário, a anulação parcial dessa decisão e a redução das coimas que lhes tinham sido aplicadas, bem como, de qualquer modo, a redução dessas coimas, em conformidade com o artigo 261.o TFUE e com o artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003.

50

Por carta de 5 de junho de 2020, as recorrentes pediram a omissão, em relação ao público, de certos dados constantes do relatório para audiência. Por carta do mesmo dia, a Comissão pediu igualmente a omissão, em relação ao público, de certos dados constantes, designadamente, do relatório para audiência e do acórdão recorrido.

51

Na sequência deste último pedido, o Tribunal Geral decidiu, no acórdão recorrido, em relação à versão não confidencial deste, proceder à anonimização dos nomes das pessoas singulares e ocultar a denominação das pessoas coletivas que não fossem as recorrentes. Decidiu igualmente ocultar determinados dados relativos, nomeadamente, ao mecanismo de fixação dos preços na Scania e ao cálculo da coima que lhe foi aplicada, cuja ocultação não afeta a compreensão da versão não confidencial deste acórdão.

52

Em apoio dos seus recursos as recorrentes deduziram nove fundamentos.

53

O primeiro fundamento era relativo à violação dos direitos de defesa, do princípio da boa administração e da presunção de inocência. O segundo fundamento era relativo à violação do artigo 48.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 27.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1/2003.

54

Os fundamentos terceiro a sétimo visavam, em substância, a conclusão da Comissão relativa à existência de uma infração única e continuada e à sua imputação à Scania. Mais precisamente, com o seu terceiro fundamento, as recorrentes invocavam uma aplicação errada do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE na medida em que as trocas de informações ao nível inferior da sede foram consideradas constitutivas de uma infração a estes artigos. Com o seu quarto fundamento, as recorrentes alegaram uma violação do dever de fundamentação e uma aplicação errada dos referidos artigos na medida em que a Comissão considerou que tinham celebrado um acordo ou participado numa prática concertada sobre o calendário e a comercialização das tecnologias em matéria de emissões. O seu quinto fundamento era relativo a uma aplicação errada dos mesmos artigos, na medida em que a Comissão qualificou as trocas de informações ao nível alemão de infração «por objeto». Com o seu sexto fundamento, alegavam uma aplicação errada do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE na medida em que a Comissão considerou que o âmbito geográfico da infração relativa ao nível alemão abrangia todo o território do EEE. O sétimo fundamento das recorrentes era relativo a uma aplicação errada destes artigos na medida em que a Comissão tinha considerado que o comportamento identificado constituía uma infração única e continuada e que as recorrentes eram responsáveis a este respeito.

55

O oitavo fundamento era relativo a uma aplicação errada dos referidos artigos e do artigo 25.o do Regulamento n.o 1/2003, na medida em que a Comissão aplicou uma coima que incide sobre um comportamento sujeito a prescrição e, em qualquer caso, não tomou em consideração o facto de esse comportamento não ser continuado. Com o seu nono fundamento, relativo à violação do princípio de proporcionalidade e do princípio de igualdade de tratamento no que respeita ao montante da coima, e, em qualquer caso, quanto à necessidade de uma redução do montante da coima nos termos do artigo 261.o TFUE e do artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003.

56

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou os fundamentos integralmente improcedentes. Quanto ao pedido para que o Tribunal Geral exerça a sua competência de plena jurisdição, salientou que nada nas alegações, nos argumentos e nos elementos de direito e de facto apresentados pelas recorrentes no âmbito do conjunto dos fundamentos examinados permitia concluir que o montante das coimas aplicadas pela decisão controvertida devia ser alterado. Por conseguinte, negou provimento ao recurso na sua totalidade e condenou as recorrentes nas despesas.

Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

57

Por petição apresentada em 8 de abril de 2022, as recorrentes interpuseram o presente recurso. No mesmo dia, pediram, além disso, ao Tribunal de Justiça que reservasse, relativamente ao público, o mesmo tratamento confidencial dos elementos referidos no n.o 51 do presente acórdão que tinha sido concedido a esses elementos pelo Tribunal Geral.

58

Por requerimento de 29 de abril de 2022, a Comissão pediu igualmente o tratamento confidencial, em relação ao público, de certos dados.

59

Por Decisão de 12 de julho de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu estes pedidos de tratamento confidencial.

60

Com o presente recurso, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular, no todo ou em parte, o acórdão recorrido;

anular, no todo ou em parte, a decisão controvertida e/ou anular ou reduzir o montante das coimas que lhes foram aplicadas;

a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral, e

condenar a Comissão nas despesas, incluindo as despesas efetuadas no âmbito do presente recurso.

61

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto ao presente recurso

62

As recorrentes invocam quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo, em substância, à violação do direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o, n.o 1, da Carta. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE pelo facto de o Tribunal Geral ter qualificado o alcance geográfico do comportamento ao nível alemão como extensivo a todo o território do EEE. Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes invocam, em substância, uma violação destes dois últimos artigos pelo Tribunal Geral, pelo facto de este ter qualificado de infração única a série de atos que compreendem três níveis de contactos diferentes. O quarto fundamento é relativo à violação dos mesmos artigos e do artigo 25.o do Regulamento n.o 1/2003 pelo facto de o Tribunal Geral ter mantido uma coima relativa a um comportamento sujeito a prescrição.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

63

Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando rejeitou o argumento apresentado segundo o qual, ao ter adotado a decisão de transação e ao ter prosseguido o seu inquérito contra as recorrentes sem confiar este último a uma equipa diferente da que tinha sido encarregada do processo que deu origem a essa decisão, a Comissão violou o artigo 41.o, n.o 1, da Carta.

64

Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral não avaliou se o procedimento administrativo, retomado contra a Scania após a adoção da decisão de transação, era conforme com o princípio da imparcialidade objetiva. Remetem para as considerações que figuram, nomeadamente, nos n.os 129, 147 e 151 do acórdão recorrido, relativas ao respeito do princípio da imparcialidade no contexto de um procedimento «híbrido» escalonado, como o que está em causa no caso em apreço. As recorrentes alegam que a adoção desta decisão fez recair um encargo suplementar sobre a Comissão, que deveria ter diligenciado no sentido de respeitar não apenas o chamado princípio de «tabula rasa», mas também a sua impressão de imparcialidade. Ora, ainda que, nesse n.o 151, o Tribunal Geral tenha, em substância, reconhecido que, nessas circunstâncias, se poderia justificar confiar os processos a duas equipas diferentes, não retirou daí a boa conclusão jurídica e abordou a questão da imparcialidade unicamente sob o ângulo da imparcialidade subjetiva.

65

A este respeito, as recorrentes observam mais especificamente que, no referido n.o 151, o Tribunal Geral afirmou que a Scania não tinha demonstrado de que modo o facto de os mesmos serviços da Comissão terem estado envolvidos na adoção tanto da decisão de transação como da decisão controvertida teria sido «por si só» capaz de provar a inexistência de um exame imparcial do seu processo, para concluir em seguida, no n.o 152 desse acórdão, que a Scania não tinha demonstrado que a Comissão tinha «manifestado ideias preconcebidas ou um juízo prévio pessoal em relação à Scania […] em violação do princípio da imparcialidade subjetiva». Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, na medida em que limitou a sua apreciação à imparcialidade «subjetiva» e não examinou o princípio, juridicamente distinto, da imparcialidade «objetiva».

66

Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que, mesmo que o Tribunal de Justiça venha a considerar que o Tribunal Geral avaliou este princípio da imparcialidade objetiva, a apreciação do Tribunal Geral a este respeito está, de qualquer modo, juridicamente errada. O acórdão recorrido não contém nenhuma justificação que permita concluir que a Comissão respeitou o referido princípio da imparcialidade objetiva, não obstante a circunstância de os mesmos serviços da Comissão terem participado na adoção da decisão de transação e da decisão controvertida, quando o Tribunal Geral tinha, porém, reconhecido expressamente, no n.o 151 desse acórdão, que esta circunstância «torna mais difícil assegurar que o exame dos factos e das provas contra uma empresa após a adoção da decisão de transação se fará segundo o princípio de “tabula rasa”».

67

Ora, esse reconhecimento poria em dúvida a imparcialidade da Comissão. No n.o 151 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral também indica de que forma é que a Comissão podia ter agido para afastar essa dúvida, a saber, «[atribuindo] os processos a duas equipas diferentes», isto é, implicando no procedimento ordinário que deu origem à adoção da decisão controvertida uma equipa diferente da implicada no procedimento de transação. Assim, resulta do próprio raciocínio seguido pelo Tribunal Geral nesse acórdão que, ao ter adotado a decisão de transação e ao ter prosseguido o seu inquérito contra a Scania recorrendo aos mesmos serviços da Comissão, esta última violou o artigo 41.o, n.o 1, da Carta. No entanto, o Tribunal Geral não reconheceu que a Comissão não ofereceu garantias suficientes para afastar qualquer dúvida legítima quanto à sua imparcialidade objetiva na condução desse procedimento ordinário, cometendo assim um erro de direito.

68

A Comissão contesta a procedência desta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

69

No que respeita, em primeiro lugar, à argumentação das recorrentes pela qual estas acusam o Tribunal Geral de não ter avaliado se o procedimento administrativo, retomado contra a Scania após a adoção da decisão de transação, era conforme com o princípio da imparcialidade objetiva, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Comissão é obrigada a respeitar, durante o procedimento administrativo, os direitos fundamentais das empresas em questão. A este respeito, o princípio da imparcialidade, que faz parte do direito a uma boa administração, deve ser distinguido da presunção de inocência (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 76 e jurisprudência referida).

70

O direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta, prevê que todas as pessoas têm direito, nomeadamente, a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições da União Europeia de maneira imparcial. Esta exigência de imparcialidade abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que nenhum membro da instituição em causa encarregada do processo deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que a instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir a este respeito quaisquer dúvidas legítimas (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, HSBC Holdings e o./Comissão, C‑883/19 P, EU:C:2023:11, n.o 77 e jurisprudência referida).

71

No caso em apreço, nos n.os 144 e 145 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou o que implica esse direito a uma boa administração, em conformidade com a jurisprudência recordada nos dois números anteriores do presente acórdão.

72

Em seguida, no n.o 147 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação da Comissão segundo a qual, em circunstâncias semelhantes às do caso em apreço, uma violação do princípio da imparcialidade devia ser apreciada unicamente enquanto eventual consequência de uma violação do princípio da presunção de inocência aquando da adoção da decisão de transação, e salientou que essa violação podia resultar de outros incumprimentos da Comissão em oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima, na aceção da jurisprudência, quanto à sua imparcialidade na condução do procedimento administrativo ordinário.

73

No entanto, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 148 do referido acórdão, que nenhum dos argumentos alegados pelas recorrentes permitia demonstrar que, no caso em apreço, a Comissão não tinha oferecido, nesse procedimento, todas as garantias para excluir qualquer dúvida legítima quanto à sua imparcialidade no exame do processo relativo à Scania. O Tribunal Geral fundamentou esta conclusão numa análise desses argumentos nos n.os 149 a 164 do mesmo acórdão.

74

Mais especificamente, o Tribunal Geral declarou, no n.o 151 do acórdão recorrido, que o envolvimento dos mesmos serviços na adoção tanto da decisão de transação como da decisão controvertida fazia com que fosse mais difícil assegurar que o exame dos factos e das provas em relação a uma empresa, após a adoção da decisão de transação, «se [fizesse] segundo o princípio [dito] de “tabula rasa”», e que isso poderia justificar, para eliminar todas dúvidas a este propósito, a atribuição dos processos a duas equipas diferentes. No entanto, no n.o 152 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que as recorrentes não tinham demonstrado que um membro da Comissão ou dos serviços envolvidos na adoção da decisão controvertida manifestou ideias preconcebidas ou um juízo prévio pessoal em relação à Scania, nomeadamente devido ao facto de ter participado na adoção da decisão de transação, «em violação do princípio da imparcialidade subjetiva».

75

A este respeito, importa recordar, primeiro, que o procedimento de transação é um procedimento administrativo alternativo ao procedimento ordinário, dele distinto e que apresenta certas particularidades. Segundo, se a empresa não apresentar uma proposta de transação, o procedimento que conduz à decisão final é regido pelas disposições gerais do Regulamento n.o 773/2004, e não pelas que regem o procedimento de transação. Terceiro, no que respeita a este procedimento ordinário, no âmbito do qual as responsabilidades devem ainda ser estabelecidas, a Comissão está unicamente vinculada pela comunicação de objeções e é obrigada a tomar em consideração os elementos novos levados ao seu conhecimento durante este último procedimento (v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2017, Timab Industries e CFPR/Comissão, C‑411/15 P, EU:C:2017:11, n.o 136).

76

Daqui decorre que o «princípio dito de “tabula rasa”», mencionado pelo Tribunal Geral no n.o 129 do acórdão recorrido, que retoma, em substância, as considerações recordadas no número anterior do presente acórdão, se limita a traduzir a constatação segundo a qual a presunção de inocência deve ser respeitada em relação à empresa ou às empresas que decidam não prosseguir o procedimento de transação com a Comissão.

77

Daqui resulta, por um lado, que este «princípio dito de “tabula rasa”» não era de modo nenhum pertinente para efeitos da apreciação, pelo Tribunal Geral, no processo que lhe foi submetido, do respeito do princípio da imparcialidade pela Comissão e, por outro e de qualquer modo, que, ao contrário do que o Tribunal Geral considerou, a participação dos mesmos serviços na adoção tanto da decisão de transação como da decisão controvertida não implicava nenhuma dificuldade para o respeito do «princípio dito de “tabula rasa”». Com efeito, uma mudança da equipa responsável por um processo na Comissão iria inclusivamente contra os princípios da boa administração e do tratamento num prazo razoável do procedimento administrativo.

78

Deve, porém, observar‑se que o Tribunal Geral não extraiu nenhuma consequência da consideração errada, que figura no segundo período do n.o 151 do acórdão recorrido e recordada no n.o 74 do presente acórdão, pelo que a crítica que lhe é dirigida pelas recorrentes é inoperante.

79

Na medida em que a argumentação das recorrentes deve ser entendida no sentido de que estas alegam que o Tribunal Geral devia ter considerado que o facto de a mesma equipa ter sido encarregada do processo ao longo de todo o procedimento «híbrido» escalonado em causa constituía necessariamente uma violação, por parte da Comissão, da sua obrigação de imparcialidade objetiva, há que salientar que o simples facto de a mesma equipa da Comissão ter tido a cargo as diferentes fases sucessivas da instrução que conduziu à adoção da decisão de transação e, em seguida, da decisão controvertida não pode, em si mesmo, independentemente de qualquer outro elemento objetivo, suscitar dúvidas sobre a imparcialidade desta instituição (v., por analogia, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 56).

80

Ora, as recorrentes não demonstraram que tinham invocado, no Tribunal Geral, tais elementos objetivos. Além disso, nada na argumentação das recorrentes permite demonstrar que o Tribunal Geral se absteve de apreciar se, no caso em apreço, a Comissão se tinha comportado em conformidade com o princípio da imparcialidade objetiva.

81

Com efeito, no n.o 152 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que as recorrentes não tinham demonstrado que a equipa encarregada do processo ou um membro dessa equipa tivesse manifestado qualquer juízo prévio a respeito da Scania no procedimento ordinário e, contrariamente ao que afirmam, em substância, as recorrentes, esse n.o 152 não é o único fundamento em que assenta a conclusão, pelo Tribunal Geral, da inexistência de violação, por parte da Comissão, do princípio da boa administração no caso em apreço, nem permite demonstrar que esse órgão jurisdicional não apreciou, nesse âmbito, a conformidade do comportamento da Comissão com esse princípio da imparcialidade objetiva.

82

Assim, resulta de uma leitura de conjunto dos n.os 100 a 104 e 148 a 164 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral abordou não só a vertente «subjetiva» mas também a vertente «objetiva» do princípio da imparcialidade, atenta a argumentação que lhe tinha sido submetida a este respeito pelas recorrentes.

83

No que respeita, em especial, a essa imparcialidade objetiva, o Tribunal Geral começou por recordar, nos n.os 100 e 101 do acórdão recorrido, os princípios jurisprudenciais que enquadram o recurso pela Comissão a um procedimento dito «híbrido» e daí deduziu, no n.o 104 desse acórdão, que, contrariamente ao que alegavam, em substância, as recorrentes, o recurso a procedimentos «híbridos» no âmbito da aplicação do artigo 101.o TFUE, nos quais a adoção da decisão de transação e a da decisão na sequência do procedimento ordinário são escalonados no tempo, não implicava, em si mesmo e em todas as circunstâncias, nomeadamente uma violação do dever de imparcialidade. Daí deduziu, no n.o 105 do referido acórdão, que a Comissão tinha o direito de recorrer a esse procedimento híbrido, na condição de respeitar, nomeadamente, esse dever, o que examinou em seguida, nos n.os 143 e seguintes do mesmo acórdão.

84

A este respeito, recordou, nomeadamente, no n.o 145 do acórdão recorrido, os princípios jurisprudenciais que figuram no n.o 70 do presente acórdão e examinou, nos n.os 148 a 164 do acórdão recorrido, os argumentos apresentados pelas recorrentes em apoio da sua alegação segundo a qual a Comissão não lhes tinha oferecido, no caso em apreço, todas as garantias para excluir qualquer dúvida legítima quanto à sua imparcialidade no exame do processo que lhes dizia respeito.

85

Ora, ao salientar em substância, desde logo, no n.o 104 do acórdão recorrido, que, em si mesmo, o facto de a Comissão ter recorrido a um procedimento híbrido não permite caracterizar um incumprimento, por parte desta instituição, do seu dever de imparcialidade, em seguida, no n.o 149 desse acórdão, que, quando examina, no âmbito do procedimento ordinário, os elementos de prova apresentados pelas partes que optaram por não transigir, a Comissão não está de modo nenhum vinculada pelas conclusões factuais e pelas qualificações jurídicas que formulou na decisão de transação a respeito das partes que decidiram transigir, e, por último, no n.o 159 do referido acórdão, que as recorrentes não acusaram a Comissão de não ter respeitado, durante o procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão controvertida, todas as garantias processuais ligadas ao exercício efetivo dos seus direitos de defesa, conforme previstas, nomeadamente, pelas disposições gerais do Regulamento n.o 773/2004, o Tribunal Geral abordou, pelo menos implicitamente, mas necessariamente, a vertente «objetiva» da obrigação de imparcialidade cujo respeito se impõe à Comissão. Com efeito, estes elementos demonstram que o Tribunal Geral apreciou se tinham sido oferecidas garantias suficientes às recorrentes para excluir qualquer dúvida legítima quanto à imparcialidade objetiva da Comissão.

86

No que respeita, em segundo lugar, à argumentação das recorrentes através da qual sustentam, em substância, que o Tribunal Geral, de qualquer modo, avaliou de modo errado o princípio da imparcialidade objetiva, há que recordar que, com esta argumentação, as recorrentes acusam, por um lado, o Tribunal Geral de não ter justificado a sua apreciação segundo a qual a Comissão tinha respeitado o princípio da imparcialidade. As recorrentes invocam assim, em substância, uma violação, pelo Tribunal Geral, do seu dever de fundamentação. Ora, como resulta dos n.os 80 a 85 do presente acórdão, o Tribunal Geral fundamentou efetivamente o acórdão recorrido a este respeito.

87

Por outro lado, na medida em que as recorrentes se baseiam, na sua argumentação, na consideração, que figura no n.o 151 do acórdão recorrido, segundo a qual a participação dos mesmos serviços da Comissão na adoção tanto da decisão de transação como da decisão controvertida tornava mais difícil o respeito do «princípio dito de “tabula rasa”», basta salientar que resulta do n.o 77 do presente acórdão que esta consideração está juridicamente errada.

88

Resulta das considerações expostas que o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao segundo fundamento

89

Com o seu segundo fundamento, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral violou o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo EEE ao qualificar o alcance geográfico do comportamento ao nível alemão como extensivo a todo o território do EEE. Dividem este fundamento em quatro partes.

Quanto à primeira parte do segundo fundamento

– Argumentos das partes

90

Com a primeira parte do seu segundo fundamento, as recorrentes, referindo‑se ao n.o 421 do acórdão recorrido, alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, por um lado, ao concluir que, para determinar o alcance geográfico de uma prática concertada, apenas podia tomar em consideração o alcance das informações obtidas e, por outro, ao omitir, deste modo, tomar em consideração, na sua apreciação jurídica, a intenção das empresas participantes nessa prática concertada, que, no entanto, era um elemento constitutivo dessa prática.

91

Por conseguinte, o Tribunal Geral não se podia basear unicamente no conteúdo e na natureza das informações trocadas para caracterizar esse alcance geográfico. O facto de o Tribunal Geral não ter tido em conta essa «intenção» levou‑o a confirmar sem razão que a Scania tinha participado em trocas ao nível alemão, que faziam parte de uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE, à escala do EEE e para todo o período da infração, a saber, de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011.

92

A Comissão contesta estes argumentos.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

93

No n.o 421 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, com base nos elementos de prova relativos ao alcance geográfico das informações obtidas pela Scania DE, que tinha analisado nos n.os 405 a 420 desse acórdão, apreciados globalmente, havia que concluir que a Scania DE, através da participação dos seus trabalhadores em trocas de informações ao nível alemão, obtinha informações com um alcance que excedia o mercado alemão. Com base nesta conclusão, julgou improcedente o sexto fundamento perante ele suscitado pelas recorrentes, relativo a uma alegada violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, na medida em que a Comissão tinha considerado que o alcance geográfico da infração relativa ao nível alemão se estendia a todo o território do EEE. Precisou ainda, nesse n.o 421, que essas conclusões eram suficientes para rejeitar esse fundamento independentemente da questão de saber se a Scania DE fornecia igualmente informações cujo alcance excedia o mercado alemão.

94

Decorre de jurisprudência constante que uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos, ou ainda de um comportamento continuado, mesmo que um ou diversos elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também pudessem constituir, por si sós e considerados isoladamente, uma violação desta disposição. Assim, quando as diferentes ações se inscrevem num «plano de conjunto», em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado interno, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas ações em função da participação na infração considerada no seu todo (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 41 e jurisprudência referida).

95

Resulta igualmente de jurisprudência consolidada que, para demonstrar a participação de uma empresa na execução de tal infração única, a Comissão deve provar que essa empresa pretendia contribuir com o seu próprio comportamento para os objetivos comuns prosseguidos pelo conjunto dos participantes e que tinha conhecimento dos comportamentos ilícitos projetados ou adotados por outras empresas na prossecução dos mesmos objetivos, ou que podia razoavelmente prevê-los e estava pronta a aceitar o risco correspondente (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.os 42 e 60 e jurisprudência referida).

96

Assim, uma empresa pode ter participado diretamente em todos os comportamentos anticoncorrenciais que compõem a infração única e continuada, caso em que a Comissão lhe pode imputar a responsabilidade por todos esses comportamentos e, portanto, pela referida infração no seu todo. Uma empresa pode também ter participado diretamente apenas numa parte dos referidos comportamentos, mas ter tido conhecimento do conjunto dos outros comportamentos ilícitos projetados ou adotados pelos outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou ter podido razoavelmente prevê‑los e ter estado pronta a aceitar o risco correspondente. Nesse caso, a Comissão pode igualmente imputar a essa empresa a responsabilidade pelo conjunto dos comportamentos anticoncorrenciais que compõem essa infração e, por conseguinte, pela própria infração no seu todo (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens,C‑411/11 P, EU:C:2012:778, n.o 43).

97

Resulta do exposto que, para concluir que as trocas de informações em causa excediam o mercado alemão e diziam respeito ao território do EEE, bastava ao Tribunal Geral ter constatado que tal conclusão resultava do conteúdo das informações obtidas pela Scania DE junto dos outros participantes.

98

Assim, a alegação das recorrentes segundo a qual o Tribunal Geral não se podia basear apenas no facto de as trocas ao nível alemão dizerem respeito ao território do EEE para confirmar a sua participação na infração tem origem numa confusão entre, por um lado, as condições exigidas para estabelecer e definir o alcance de uma infração única e continuada e, por outro, as condições que devem estar reunidas para imputar a uma empresa a responsabilidade pela totalidade de tal infração.

99

Com efeito, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, basta que a Comissão demonstre que a empresa em causa participou em reuniões onde foram concluídos acordos de natureza anticoncorrencial, sem a eles se ter oposto de forma manifesta, para provar suficientemente a participação desta empresa no cartel. Quando a participação nessas reuniões tiver sido demonstrada, cabe a essa empresa apresentar indícios que possam provar que a sua participação nas referidas reuniões era destituída de qualquer espírito anticoncorrencial, demonstrando que tinha indicado aos seus concorrentes que participava nessas reuniões numa ótica diferente da deles (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 142 e jurisprudência referida).

100

Resulta também da jurisprudência que há que presumir, sob reserva da prova em contrário que cabe aos operadores interessados apresentar, que as empresas que participam na concertação e que continuam ativas no mercado têm em conta as informações trocadas com os seus concorrentes para determinar o seu comportamento nesse mercado (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 127 e jurisprudência referida).

101

Resulta desta jurisprudência que, quando a Comissão demonstre que a empresa em questão participou em reuniões no decurso das quais foram concluídos acordos de natureza anticoncorrencial, sem a eles se ter manifestamente oposto, esta instituição não tem, além disso, de provar que essa empresa tinha a intenção de participar na infração, mas que cabe a essa empresa apresentar as provas do seu distanciamento relativamente a esses acordos, e designadamente, como no caso em apreço, ao alcance geográfico dos mesmos.

102

Assim, foi sem cometer nenhum erro de direito que o Tribunal Geral concluiu, após ter analisado os elementos de prova submetidos à sua apreciação, que a Comissão tinha fundamento para concluir que, através das trocas de informações ao nível alemão, a Scania DE obtinha informações com um alcance que excedia o mercado alemão, sem impor à Comissão que demonstre, além disso, que, ao participar nessas trocas, a Scania DE tinha a intenção de obter essas informações e de as ter em conta para determinar o seu comportamento.

103

Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

Quanto à segunda parte do segundo fundamento

– Argumentos das partes

104

Com a segunda parte do seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que o alcance das informações obtidas pela Scania DE nas trocas ao nível alemão excedia o mercado alemão.

105

A este respeito, as recorrentes criticam, em substância, o raciocínio do Tribunal Geral que figura nos n.os 405 a 414 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral analisou os elementos dos autos e concluiu, no n.o 414 desse acórdão, que, vistos esses elementos considerados no seu conjunto, havia que concluir que o alcance das informações obtidas pela Scania DE nas trocas ao nível alemão excedia o mercado alemão. As recorrentes alegam, em substância, que os cinco fundamentos adiantados nesses números não só são insuficientes para sustentar esta conclusão de maneira adequada, mas igualmente incoerentes, ou até contraditórios, quando, porém, para demonstrar a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE, a jurisprudência exige que a Comissão apresente provas sérias, precisas e concordantes.

106

A Comissão alega que esta argumentação deve ser afastada.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

107

Há que observar que, com a segunda parte do seu segundo fundamento, as recorrentes pretendem, na realidade, que o Tribunal de Justiça proceda a uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova, sem, no entanto, invocar a sua desvirtuação pelo Tribunal Geral. Com efeito, com a argumentação apresentada em apoio desta segunda parte, as recorrentes limitam‑se a expor as razões pelas quais, em seu entender, o Tribunal Geral deveria ter feito uma interpretação diferente dos diferentes elementos salientados nos números do acórdão recorrido por elas indicados, e remetem, de resto, para numerosas passagens da sua petição no Tribunal Geral.

108

Em contrapartida, a questão de saber se o Tribunal Geral respeitou as regras em matéria de ónus e de administração da prova ao apreciar as provas que foram invocadas pela Comissão para demonstrar a existência de uma infração às regras do direito da União da concorrência constitui uma questão de direito que pode ser invocada no âmbito de um recurso. Todavia, a apreciação, pelo Tribunal Geral, da força probatória dos documentos dos autos que lhe são submetidos não pode, salvo nos casos de inobservância das regras em matéria de ónus e de administração da prova e de desvirtuação desses documentos, ser posta em causa no Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida). Ora, as recorrentes não formulam nenhuma alegação neste sentido.

109

Consequentemente, esta segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada inadmissível.

Quanto à terceira parte do segundo fundamento

– Argumentos das partes

110

Com a terceira parte do seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro na medida em que considerou implicitamente que a Scania DE tinha a «intenção» de participar numa troca de informações ao nível alemão cujo alcance se estendia ao território do EEE.

111

A este respeito, fazendo referência ao raciocínio do Tribunal Geral que figura nos n.os 415 a 420 do acórdão recorrido e ao criticá‑lo, as recorrentes alegam, em substância, que, na medida em que a apreciação do Tribunal Geral deve ser considerada uma avaliação da intenção da Scania DE de participar numa troca de informações ao nível alemão cujo alcance se estendia ao território do EEE, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, na medida em que, nos n.os 416 e 418 desse acórdão, baseia esta apreciação numa fundamentação insuficiente, incoerente e contraditória e na medida em que não examinou nem tratou de forma juridicamente suficiente, no n.o 419 do referido acórdão, os argumentos específicos invocados ou as provas apresentadas pela Scania, violando, assim, igualmente o seu dever de fundamentação. O Tribunal Geral também ignorou a jurisprudência que exige que a Comissão apresente provas sérias, precisas e concordantes para demonstrar uma violação do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE, e, a este respeito, as recorrentes remetem para o n.o 417 do mesmo acórdão.

112

Além disso, alegam que, no n.o 420 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afastou ilegalmente e não teve devidamente em conta o valor probatório das declarações prestadas sob juramento apresentadas pela Scania. Segundo as recorrentes, na falta de qualquer prova direta de que as informações obtidas ao nível alemão foram transmitidas à sede da Scania, não se podia considerar que as declarações das pessoas diretamente implicadas no comportamento alegado tinham um «valor probatório limitado», simplesmente pelo facto de terem sido apresentadas posteriormente aos acontecimentos pertinentes, para efeitos da defesa da Scania durante o procedimento administrativo.

113

A Comissão contesta esta argumentação.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

114

Importa observar que a argumentação das recorrentes formulada em apoio da terceira parte do seu segundo fundamento assenta na premissa de que o Tribunal Geral, nos n.os 415 a 420 do acórdão recorrido, declarou que a Scania DE tencionava participar numa troca de informações ao nível alemão cujo alcance se estendia ao território do EEE.

115

Ora, resulta desses números, lidos em conjugação com os n.os 405 a 414 e 421 desse acórdão, que o Tribunal Geral se limitou a constatar que a Scania DE obtinha, através da participação dos seus trabalhadores em trocas de informações ao nível alemão, informações com um alcance que excedia o mercado alemão. Os n.os 415 a 420 do referido acórdão são mais precisamente dedicados a rejeitar a alegação das recorrentes no Tribunal Geral segundo a qual os trabalhadores da Scania DE que participaram nas interações ao nível alemão nunca tinham suposto que as informações recebidas dos representantes das filiais de outros fabricantes de camiões se referiam a preços europeus ou que podiam reduzir a incerteza quanto à estratégia europeia desses outros fabricantes.

116

Sem que seja necessário determinar se a terceira parte do segundo fundamento visa, na realidade, pôr em causa a apreciação das provas pelo Tribunal Geral e, portanto, se deve ser julgada inadmissível em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 108 do presente acórdão, há que julgá‑la improcedente, uma vez que assenta na premissa mencionada no n.o 114 do presente acórdão, a qual está errada.

Quanto à quarta parte do segundo fundamento

– Argumentos das partes

117

Com a quarta parte do seu segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao determinar o alcance das informações fornecidas pela Scania DE. A este respeito, as recorrentes indicam que a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual, através dos contactos ao nível alemão, a Scania DE forneceu informações cujo alcance se estendia a todo o território do EEE está insuficientemente fundamentada e assenta em fundamentos inadequados. Em especial, o Tribunal Geral cometeu um erro na apreciação do significado dos elementos de prova contidos nos relatórios económicos elaborados por um gabinete de consultoria em economia, quando rejeitou a pertinência desses relatórios nos n.os 439 e 440 do acórdão recorrido.

118

A Comissão contesta esta argumentação.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

119

Tal como no caso da segunda parte do segundo fundamento, impõe‑se concluir que, com a quarta parte deste fundamento, as recorrentes pretendem que o Tribunal de Justiça proceda a uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova, sem invocar a sua desvirtuação pelo Tribunal Geral. Por conseguinte, pelos mesmos motivos que os expostos a respeito da segunda parte do segundo fundamento, há que julgar igualmente inadmissível a quarta parte deste fundamento.

120

Por conseguinte, há que rejeitar integralmente o segundo fundamento por ser parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

121

Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes alegam que os elementos factuais com base nos quais o Tribunal Geral considerou fundada a conclusão da Comissão segundo a qual, no caso em apreço, existia uma infração única não podem servir de fundamento à conclusão segundo a qual cada ato em causa prosseguia um objetivo anticoncorrencial idêntico e, por conseguinte, fazia parte de um plano de conjunto com um objetivo anticoncorrencial único ou contribuía para a execução desse plano. Além disso, o Tribunal Geral não fornece nenhum raciocínio a este respeito. Por conseguinte, foi erradamente que o Tribunal Geral qualificou de «infração única» os comportamentos que tiveram lugar nos três diferentes níveis de contactos visados nos n.os 33 a 36 do presente acórdão.

122

As recorrentes dividem este fundamento em três partes.

123

Com a primeira parte do referido fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar de «infração única» os comportamentos aos três níveis de contactos visados nos n.os 33 a 36 do presente acórdão e ao não indicar de que modo os elementos factuais em que se baseia justificam essa qualificação.

124

Assim, nos n.os 464 a 469 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral baseou‑se num certo número de elementos para proceder à referida qualificação, mas nenhum deles é, isoladamente ou em conjunto, suscetível de alicerçar a conclusão de que esses três níveis de contactos constituíam uma infração única. A este respeito, as recorrentes criticam, em substância, por um lado, o facto de o Tribunal Geral se ter baseado na circunstância de os contactos em causa dizerem respeito aos mesmos produtos e terem sido levados a cabo pelo mesmo grupo de fabricantes de camiões, bem como na circunstância de o comportamento em causa implicar um pequeno grupo de trabalhadores em cada nível, cuja composição se mantinha relativamente estável. Por outro lado, as recorrentes contestam diferentes conclusões do Tribunal Geral segundo as quais os referidos três níveis de contactos apresentavam ligações factuais, bem como a sua conclusão segundo a qual o nível inferior da sede e o nível alemão contribuíram para a realização de um plano comum.

125

Com a segunda parte do seu terceiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir que trocas de informações que não são anticoncorrenciais fazem parte de uma infração única. A este respeito, referindo‑se às conclusões do Tribunal Geral que figuram nos n.os 223, 235 e 236 do acórdão recorrido, que dizem respeito a três trocas de informações que tiveram lugar durante 2004 e 2005 e que se verificaram ao nível inferior da sede, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral qualificou essas três trocas de informações, que eram, porém, perfeitamente legítimas, de trocas que prosseguiam um objetivo anticoncorrencial idêntico ao de outras trocas distintas, que tiveram lugar a níveis diferentes. Assim, concluiu erradamente que estas três trocas faziam todas parte de uma infração única. A este respeito, o Tribunal Geral não forneceu nenhum raciocínio que explicasse de que maneira esses atos legítimos podiam contribuir para um objetivo anticoncorrencial. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar as trocas de informações não colusórias ao nível inferior da sede como fazendo parte de uma infração única ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE.

126

Com a terceira parte do seu terceiro fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que o comportamento ao nível alemão prosseguia um objetivo idêntico ao prosseguido ao nível dos órgãos dirigentes e, na medida em que tal seja pertinente, ao nível inferior da sede. Com efeito, o alcance do comportamento ao nível alemão não se estendeu ao território do EEE. O n.o 467 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral declarou, porém, que a Comissão tinha razão ao considerar que o alcance geográfico das trocas anticoncorrenciais ao nível alemão e ao nível dos órgãos dirigentes se estendia a todo o EEE, está, portanto, errado.

127

A este respeito, as recorrentes remetem para o seu segundo fundamento, no qual alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao qualificar as trocas de informações ao nível alemão como tendo um alcance que se estende a todo o EEE. Decorre desse erro que o comportamento relativo ao nível alemão também não pode ser caracterizado como prosseguindo um objetivo idêntico ao prosseguido ao nível dos órgãos dirigentes e ao nível inferior da sede, precisando‑se que, no que respeita a esta última, apenas está em causa o período relativo aos anos 2004 e 2005.

128

A Comissão contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

129

Por um lado, importa observar que, no n.o 479 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou a alegação das recorrentes segundo a qual a Comissão devia ter avaliado separadamente os três níveis de contactos colusórios referidos nos n.os 33 a 36 do presente acórdão, devido, nomeadamente, à existência de ligações entre esses três níveis de contactos, e que, no n.o 229 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que as recorrentes não tinham conseguido pôr em causa as conclusões da Comissão relativas a essas ligações. Mais precisamente, nesse n.o 229, o Tribunal Geral indicou que a Comissão tinha invocado um certo número de elementos, enumerados no n.o 218 do referido acórdão, que demonstravam a existência das referidas ligações, que não tinham sido contestados, a saber, o facto de os participantes serem trabalhadores das mesmas empresas e o facto de haver uma sobreposição temporal entre as reuniões realizadas nos referidos três níveis. Ora, o Tribunal Geral baseou a sua conclusão segundo a qual os mesmos três níveis estavam ligados entre si e que não atuavam de forma separada e autónoma um do outro no conjunto dos elementos que a Comissão tinha tido em conta na decisão controvertida.

130

Por outro lado, há que observar que o terceiro fundamento, no seu todo, se baseia na premissa de que cada ato isolado que a Comissão considera parte de uma infração única e continuada deve, por ele mesmo, constituir uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE.

131

Como foi recordado no n.o 94 do presente acórdão, decorre de jurisprudência constante que uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos, ou ainda de um comportamento continuado, mesmo que um ou diversos elementos dessa série de atos ou desse comportamento continuado também pudessem constituir, por si sós e considerados isoladamente, uma violação desta disposição. Assim, quando os diferentes comportamentos se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por esses comportamentos em função da participação na infração considerada no seu todo (Acórdão de 16 de junho de 2022, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão, C‑698/19 P, EU:C:2022:480, n.o 59 e jurisprudência referida).

132

Uma empresa que tenha participado numa infração única e continuada através de comportamentos que lhe foram próprios, que integravam os conceitos de «acordo» ou de «prática concertada» com um objetivo anticoncorrencial na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE e que visavam contribuir para a realização da infração no seu conjunto, também pode assim ser responsável pelos comportamentos adotados por outras empresas no quadro da mesma infração relativamente a todo o período em que participou na referida infração. (Acórdão de 16 de junho de 2022, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão, C‑698/19 P, EU:C:2022:480 n.o 60 e jurisprudência referida).

133

Todavia, o Tribunal de Justiça já precisou que, embora um conjunto de comportamentos possa ser qualificado, nas condições enunciadas nos dois números anteriores do presente acórdão, de «infração única e continuada», daí não se pode deduzir que cada um desses comportamentos deva, em si mesmo e considerado isoladamente, ser necessariamente qualificado de infração distinta a esta disposição (Acórdão de 16 de junho de 2022, Acórdão de 16 de junho de 2022, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão, C‑698/19 P, EU:C:2022:480, n.o 64).

134

Com efeito, para fins de determinação de uma infração única e continuada, é habitual ter em conta as diferentes ligações existentes entre os diferentes elementos que compõem a infração considerada. Assim, um contacto entre empresas, que, considerado isoladamente, não constitui em si mesmo uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE pode, no entanto, ser pertinente para demonstrar a existência de uma infração única e continuada a esta disposição, tendo em conta o contexto em que esse contacto decorreu. Em tal situação, o referido contacto faz parte do conjunto de indícios em que a Comissão se pode legitimamente basear para demonstrar a existência de uma infração única e continuada à referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o. (C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 52 e jurisprudência referida).

135

Decorre assim da jurisprudência recordada nos n.os 131 a 134 do presente acórdão que, para declarar a existência de uma infração única e continuada, basta que a Comissão demonstre que os diferentes comportamentos em causa se inscrevem num «plano de conjunto», sem que seja necessário que cada um desses comportamentos, em si mesmo e considerado isoladamente, possa ser qualificado de infração distinta ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

136

Por conseguinte, uma vez que o terceiro fundamento assenta na premissa errada segundo a qual, para poder demonstrar a existência de tal infração única e continuada, o Tribunal Geral devia ter exigido à Comissão que demonstrasse igualmente que cada um dos referidos comportamentos, considerado isoladamente, constituía, em si mesmo, uma infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE e ao artigo 53.o do Acordo EEE, este fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

137

Com o seu quarto fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 516 e 532 do acórdão recorrido, que o oitavo fundamento do seu recurso de anulação nesse órgão jurisdicional, relativo a uma aplicação errada do artigo 25.o do Regulamento n.o 1/2003, devia ser julgado improcedente, uma vez que o comportamento ao nível dos órgãos dirigentes fazia parte de uma infração única, que terminou em 18 de janeiro de 2011, pelo que o prazo de prescrição de cinco anos previsto nesse artigo 25.o, n.o 1, alínea b), só começou a correr a partir dessa data e que o poder da Comissão de aplicar uma coima não estava, portanto, prescrito.

138

Segundo as recorrentes, este prazo de prescrição tinha, na realidade, expirado em 20 de setembro de 2010, que era, sem dúvida, a data do primeiro ato da Comissão, na aceção do artigo 25.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que interrompeu o referido prazo de prescrição. Ora, tendo o comportamento ao nível dos órgãos dirigentes terminado em 23 de setembro de 2004, o poder da Comissão de aplicar uma coima por esse comportamento estava prescrito. Por outro lado, na hipótese de o Tribunal de Justiça anular o acórdão recorrido, evocar o recurso de anulação no Tribunal Geral e decidir anular a decisão controvertida apenas parcialmente, as recorrentes alegam que o último comportamento potencialmente colusório ao nível inferior da sede se verificou mais de cinco anos antes de 20 de setembro de 2010, pelo que a Comissão já não era competente para aplicar uma coima por esse comportamento, no caso de este ser considerado como parte de uma infração única ao nível dos órgãos dirigentes e ao nível inferior da sede. Uma vez que a exceção de incompetência pode ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal de Justiça, este deveria considerar que o poder da Comissão de aplicar uma coima pelo referido comportamento estava prescrito, em aplicação deste artigo 25.o

139

A Comissão contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

140

Basta observar que o quarto fundamento assenta na hipótese de o Tribunal de Justiça anular o acórdão recorrido, evocar o recurso das recorrentes no Tribunal Geral e decidir anular uma parte das conclusões que figuram na decisão controvertida relativas à existência de uma infração única e continuada. Com efeito, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral violou o artigo 25.o do Regulamento n.o 1/2003 ao manter a coima aplicada pela Comissão nessa decisão, quando o comportamento anticoncorrencial ao nível dos órgãos dirigentes tinha terminado em 23 de setembro de 2004 e esse comportamento estava, portanto, prescrito e já não podia ser objeto de uma coima, uma vez que o primeiro ato da Comissão, na aceção desse artigo 25.o, n.o 3, data de 20 de setembro de 2010.

141

Ora, uma vez que os três primeiros fundamentos do recurso são julgados improcedentes, há que considerar acertada a conclusão da Comissão e, em seguida, do Tribunal Geral, segundo a qual o cartel em causa constituía uma infração única e continuada que se estendia a todo o EEE e que perdurou até 18 de janeiro de 2011. Nestas condições, tendo em conta a data do primeiro ato da Comissão, na aceção do referido artigo 25.o, n.o 3, não se pode considerar que, nessa data de 18 de janeiro de 2011, o poder da Comissão de aplicar uma coima estava prescrito.

142

Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

143

Não tendo sido acolhido nenhum dos fundamentos do presente recurso, deve ser negado provimento ao recurso na íntegra por ser parcialmente inadmissível, parcialmente inoperante e parcialmente improcedente.

Quanto às despesas

144

Em conformidade com o artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

145

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo Regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

146

No caso em apreço, tendo a Scania AB, a Scania CV AB e a Scania Deutschland GmbH sido vencidas e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condená‑las a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Scania AB, a Scania CV AB e a Scania Deutschland GmbH são condenadas a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) Dados confidenciais ocultados.

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