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Document 62022CJ0136

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 13 de julho de 2023.
Debregeas et associés Pharma (D & A Pharma) contra Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Medicamentos para uso humano — Regulamento (CE) n.o 726/2004 — Decisão da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) de não renovar um grupo científico consultivo — Recurso de anulação interposto pelo requerente de uma autorização de introdução no mercado — Admissibilidade — Interesse em agir — Interesse existente e atual que pode decorrer de outro recurso judicial — Requisitos.
Processo C-136/22 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:572

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de julho de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Medicamentos para uso humano — Regulamento (CE) n.o 726/2004 — Decisão da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) de não renovar um grupo científico consultivo — Recurso de anulação interposto pelo requerente de uma autorização de introdução no mercado — Admissibilidade — Interesse em agir — Interesse existente e atual que pode decorrer de outro recurso judicial — Requisitos»

No processo C‑136/22 P,

que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de fevereiro de 2022,

Debrégeas et associés Pharma SAS (D & A Pharma), com sede em Paris (França), representada inicialmente por E. Gouesse, D. Krzisch e N. Viguié, avocats, e, em seguida, por E. Gouesse e N. Viguié, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Agência Europeia de Medicamentos (EMA), representada por C. Bortoluzzi, S. Drosos, H. Kerr e S. Marino, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e o. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a Debrégeas et associés Pharma SAS (D & A Pharma) pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de dezembro de 2021, D & A Pharma/EMA (T‑381/21, a seguir despacho recorrido, EU:T:2021:960), pelo qual este último julgou inadmissível o seu recurso de anulação da decisão da Agência Europeia de Medicamentos (a seguir «EMA») de não renovar o grupo científico consultivo sobre psiquiatria do comité de medicamentos para uso humano (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

2

O artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2019/5 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 (JO 2019, L 4, p. 24) (a seguir «Regulamento n.o 726/2004»), prevê:

«1.   É instituído um Comité dos Medicamentos para Uso Humano. O Comité faz parte da [EMA].

2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 56.o e de outras atribuições que lhe sejam conferidas pelo direito da União, o Comité dos Medicamentos para Uso Humano é responsável pela emissão do parecer da [EMA] relativo a quaisquer questões referentes à admissibilidade dos processos apresentados de acordo com o procedimento centralizado, à concessão, à alteração, à suspensão ou à revogação da autorização de introdução no mercado de medicamentos para uso humano, em conformidade com o disposto no presente Título, bem como à farmacovigilância. […]

[…]»

3

O artigo 9.o deste regulamento dispõe:

«1.   A [EMA] informa imediatamente o requerente [de uma autorização de introdução no mercado] se o Comité dos Medicamentos para Uso Humano for do parecer que:

a)

O pedido não satisfaz os critérios de autorização fixados no presente regulamento;

[…]

2.   No prazo de 15 dias a contar da receção do parecer referido no n.o 1, o requerente pode comunicar à [EMA], por escrito, a sua intenção de requerer a revisão do parecer. Nesse caso, deve apresentar à [EMA] a fundamentação pormenorizada do requerimento de revisão no prazo de 60 dias a contar da data de receção do parecer.

No prazo de 60 dias a contar da receção da fundamentação, o referido Comité revê o seu parecer […]. As razões que fundamentam as conclusões são anexadas ao parecer definitivo.

3.   No prazo de 15 dias a contar da sua aprovação, a [EMA] envia à Comissão [Europeia], aos Estados‑Membros e ao requerente o parecer definitivo do referido Comité, […]

[…]»

4

O artigo 10.o, n.o 2, do referido regulamento enuncia:

«A Comissão toma uma decisão final, sob a forma de atos de execução, no prazo de 15 dias após a obtenção do parecer do Comité Permanente dos Medicamentos para Uso Humano. […]»

5

Nos termos do artigo 56.o do mesmo regulamento:

«1.   A [EMA] tem a seguinte estrutura:

a)

O Comité dos Medicamentos para Uso Humano, responsável pela elaboração do parecer da [EMA] sobre qualquer questão relativa à avaliação dos medicamentos para uso humano;

[…]

2.   Os comités referidos nas alíneas a), a‑A), c), d), d‑A) e e) do n.o 1 do presente artigo podem criar grupos de trabalho permanentes e temporários. O comité a que se refere o n.o 1, alínea a), do presente artigo pode criar grupos de aconselhamento científico para efeitos de avaliação de tipos específicos de medicamentos ou terapias nos quais o Comité pode delegar determinadas tarefas relacionadas com a elaboração dos pareceres científicos a que se refere o artigo 5.o

[…]»

Antecedentes do litígio

6

Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 1 a 12 do despacho recorrido e, para efeitos do presente processo, podem ser resumidos do seguinte modo.

7

A recorrente apresentou à EMA um pedido de autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») condicional para o medicamento Hopveus — oxibato de sódio (a seguir «Hopveus»). Este medicamento visa tratar a dependência do álcool.

8

Em 17 de outubro de 2019, o Comité dos Medicamentos para Uso Humano (a seguir «CHMP») emitiu um parecer desfavorável a esse pedido.

9

Em 29 de outubro de 2019, a recorrente, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, pediu a reapreciação de tal parecer.

10

Para efeitos dessa reapreciação, o CHMP convocou um grupo de peritos ad hoc, cuja composição foi, no entanto, contestada pela recorrente.

11

Por mensagem de correio eletrónico de 24 de fevereiro de 2020, o CHMP informou a recorrente da sua decisão de convocar um segundo grupo de peritos ad hoc.

12

Em resposta às questões da recorrente relativas à convocação de um grupo de peritos ad hoc em vez de um grupo científico consultivo sobre psiquiatria (a seguir «SAG Psiquiatria»), que figurava entre os grupos científicos consultivos (a seguir «SAG») estabelecidos pelo CHMP nos termos do artigo 56.o, n.o 2, do Regulamento n.o 726/2004, a EMA, por mensagem de correio eletrónico de 6 de março de 2020, especificou que, quando as questões objeto de uma reapreciação digam respeitam a um domínio terapêutico para o qual não foi constituída nenhum SAG, é organizado um grupo de peritos ad hoc e que, no caso em apreço, o CHMP tinha considerado que um grupo ad hoc era o órgão de peritos mais adequado.

13

Não obstante, a EMA acrescentou que os membros do SAG Psiquiatria seriam contactados para participar, se possível, na reunião que o grupo de peritos ad hoc iria dedicar ao Hopveus. Essa reunião estava prevista para 6 de abril de 2020.

14

A recorrente continuou a contestar a legalidade da convocação de um grupo ad hoc em vez do SAG Psiquiatria.

15

Em 6 de abril de 2020, fez uma apresentação do Hopveus perante o grupo de peritos ad hoc.

16

Na sequência de um novo parecer desfavorável do CHMP, baseado na avaliação feita por esse grupo de peritos, a Comissão, por Decisão de Execução adotada em 6 de julho de 2020, indeferiu o pedido de AIM relativo ao Hopveus (a seguir «decisão de execução»).

17

A recorrente interpôs recurso de anulação contra a decisão de execução para o Tribunal Geral, que foi registado sob o número T‑556/20. Em apoio desse recurso, alegou, nomeadamente, que essa decisão enfermava de um vício processual uma vez que o CHMP não tinha consultado o SAG Psiquiatria.

18

Em 5 de maio de 2021, a EMA publicou no seu sítio Internet, com vista à renovação dos mandatos dos SAG, um documento intitulado «Convite público para a manifestação de interesse de peritos a tornarem‑se membros dos [SAG] da [EMA]», no qual o SAG Psiquiatria não foi mencionado, bem como um comunicado de imprensa intitulado «Tornar‑se membro de um dos [SAG] da [EMA]».

19

Tendo tomado conhecimento desse convite público e do comunicado de imprensa, a recorrente pediu explicações à EMA quanto às razões pelas quais o SAG Psiquiatria não tinha sido mencionado. A EMA respondeu, por mensagem de correio eletrónico de 4 de junho de 2021, o seguinte:

«Queiram notar que, em conformidade com o artigo 56.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 726/2004], o CHMP pode constituir [SAG] no âmbito da avaliação de tipos específicos de medicamentos ou de tratamentos. Deste modo, o CHMP tem o poder discricionário de não renovar o mandato de um [SAG].

Consequentemente, confirma‑se que o mandato do [SAG Psiquiatria] não será renovado. Da mesma forma, o mandato do [SAG] sobre diabetes/endocrinologia também não será renovado. Por este motivo, o convite para a manifestação de interesse […] não inclui nenhuma referência a nenhum destes dois [SAG].»

Recurso para o Tribunal Geral e despacho recorrido

20

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de julho de 2021, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão controvertida. Baseou esse recurso, designadamente, numa violação dos princípios da igualdade de tratamento e da imparcialidade.

21

Por requerimento separado, a EMA invocou uma exceção de inadmissibilidade do recurso.

22

No despacho recorrido, o Tribunal Geral julgou inadmissível o recurso pela falta de interesse em agir da recorrente contra a decisão controvertida.

23

No n.o 26 desse despacho, o Tribunal Geral indicou que a recorrente alegava que dispunha de um interesse em agir existente e atual visto que a eventual anulação da decisão de execução no âmbito do processo T‑556/20, devido ao facto de o CHMP não ter consultado o SAG Psiquiatria, teria por efeito repô‑la na situação jurídica anterior à adoção da referida decisão, ou seja, na fase do pedido de reapreciação. Ora, o facto de a decisão controvertida ter eliminado o SAG Psiquiatria pode pôr em causa os efeitos dessa anulação uma vez que a priva do benefício da convocação desse SAG.

24

O Tribunal Geral rejeitou este argumento declarando, nos n.os 27 e 28 do referido despacho, que o referido interesse era futuro e hipotético, porque assentava na eventual anulação da decisão de execução.

25

Nos n.os 29 a 31 do mesmo despacho, o Tribunal Geral acrescentou que o benefício invocado pela recorrente se baseava na premissa de que este último tinha a possibilidade de dirigir uma injunção à EMA, no presente processo, de convocar o SAG Psiquiatria caso a decisão de execução deva ser anulada. Com efeito, o Tribunal Geral não tem competência para emitir injunções no âmbito de uma fiscalização de legalidade baseada no artigo 263.o TFUE.

26

No n.o 34 do despacho recorrido, o Tribunal Geral precisou que a recorrente alegava também que, mesmo que fosse negado provimento ao seu recurso no processo T‑556/20, teria interesse em que, na hipótese de um novo procedimento de pedido de AIM relativo ao Hopveus, os procedimentos de apreciação e reapreciação incluíssem uma consulta do SAG Psiquiatra.

27

O Tribunal Geral rejeitou este argumento ao expor, nos n.os 35 e 36 desse despacho, que a recorrente só podia invocar tal interesse relativamente a uma situação jurídica futura se a violação já fosse certa. Ora, no caso em apreço, não era certo que a recorrente apresentasse um novo pedido de AIM relativo ao Hopveus.

28

Na medida em que a recorrente também invocou o risco de que a ilegalidade por ela alegada se repetir, o Tribunal Geral expôs, nos n.os 37 e 38 do referido despacho, que esse elemento também não era suscetível de conferir um interesse em agir contra a decisão controvertida, tendo a jurisprudência invocada pela recorrente sido desenvolvida numa situação em que o recorrente dispunha inicialmente de um interesse em agir, mas em que se colocou também a questão de saber se esse interesse tinha desaparecido no decorrer da instância. No entanto, essa jurisprudência não é pertinente no caso em apreço.

Pedidos das partes

29

Com o presente recurso, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o despacho recorrido;

remeter o processo ao Tribunal Geral ou, se o Tribunal de Justiça considerar que está em condições de decidir o processo, anular a decisão controvertida, e

condenar a EMA nas despesas.

30

A EMA conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas, e

a título subsidiário, caso o despacho recorrido deva ser anulado, remeter o processo para o Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas.

Quanto ao recurso

31

A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. Com esses fundamentos, contesta os n.os 27 a 38 do despacho recorrido.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

32

A recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, juntamente com um erro manifesto de apreciação, ao considerar que a anulação da decisão controvertida não lhe iria conferir nenhum benefício certo.

33

Efetivamente, segundo a recorrente, a anulação dessa decisão teria um efeito positivo na sua situação jurídica ao conceder‑lhe a garantia processual de que, em caso de anulação da decisão de execução, o SAG Psiquiatria poderá ser consultado. Essa garantia deve, segundo a recorrente, ser qualificada de benefício, na aceção da jurisprudência relativa ao interesse em agir.

34

A este respeito, a recorrente refere‑se, em especial, aos n.os 28, 39 a 41, 76 e 88 das conclusões do advogado‑geral Mengozzi no processo Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:409), nas quais este expõe que o interesse em agir não deve ser necessariamente caracterizado em termos de benefício económico, mas pode também decorrer de uma exigência de proteção jurídica quando exista uma ligação entre o processo em causa e outra ação judicial.

35

O Tribunal de Justiça seguiu esta abordagem proposta pelo advogado‑geral Mengozzi ao declarar, no n.o 76 do Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609), que, quando existir uma ligação entre o processo em causa e outra ação judicial, a existência do interesse em agir no processo em causa não depende da probabilidade da procedência dessa outra ação.

36

No presente processo, o recurso contra a decisão controvertida apresenta uma ligação com o recurso contra a decisão de execução, baseando‑se este no facto de o CHMP não ter consultado o SAG Psiquiatria. No âmbito da reapreciação de um pedido de AIM, o CHMP deve, segundo a recorrente, consultar um SAG, para assegurar a independência dos peritos e a coerência dos seus pareceres. Os requerentes de uma AIM têm, segundo a recorrente, direito a esta garantia processual.

37

Se a decisão controvertida não pudesse ser judicialmente impugnada, eliminar o SAG Psiquiatria privaria a recorrente da referida garantia e a obrigaria a recorrer, num procedimento posterior perante a EMA, uma vez mais ao Tribunal Geral para contestar a não convocação desse SAG.

38

Por outro lado, uma vez que a existência do SAG Psiquiatria é uma garantia processual para todos os requerentes de uma AIM no domínio das patologias psiquiátricas, o facto de se ter eliminado esse SAG, segundo a recorrente, alterou não só a sua situação jurídica, mas também a de qualquer outro requerente de uma AIM neste domínio. A não existência de um SAG no domínio da psiquiatria pode conduzir a incoerências e a desigualdades de tratamento entre os requerentes de uma AIM.

39

Além disso, a ilegalidade é suscetível de se repetir. Com efeito, tendo sido eliminado o SAG Psiquiatria, o CHMP passa a poder, no âmbito dos procedimentos de reapreciação relativos a medicamentos para fins psiquiátricos, convocar sistematicamente grupos de peritos ad hoc, o que é, segundo a recorrente, ilegal.

40

Por outro lado, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, o presente recurso não equivale a pedir ao Tribunal que dirija uma injunção à EMA. Este recurso tem apenas como objetivo assegurar, através da anulação da decisão controvertida, que a eventual anulação da decisão de execução possa ter um efeito útil.

41

Na réplica, a recorrente acrescentou que o facto de o Tribunal Geral ter, depois da interposição do presente recurso, negado provimento, com o Acórdão de 2 de março de 2022, D & A Pharma/Comissão e EMA (T‑556/20, EU:T:2022:111), ao recurso interposto contra a decisão de execução não infirma de modo nenhum a existência de um interesse em agir contra a decisão controvertida. Com efeito, o Tribunal Geral não resolveu, nesse acórdão, a questão de saber se existe, como alega a recorrente no âmbito do presente recurso, uma obrigação jurídica de constituir um SAG no domínio da psiquiatria. Na medida em que o Tribunal Geral, no referido acórdão, constatou que o CHMP não era, no caso em apreço, obrigado a consultar o SAG Psiquiatria, a recorrente sublinha que um recurso está pendente no Tribunal de Justiça (processo C‑291/22 P).

42

Segundo a EMA, este primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

43

Segundo jurisprudência constante, qualquer recurso de anulação interposto, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, por uma pessoa singular ou coletiva deve basear‑se num interesse em agir da parte desta última. A existência desse interesse pressupõe que a anulação do ato impugnado seja suscetível, por si só, de conferir um benefício a essa pessoa (Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Alemanha/Esso Raffinage, C‑471/18 P, EU:C:2021:48, n.os 101 e 103 e jurisprudência referida).

44

Esse interesse, que constitui a condição primeira e essencial do recurso, deve ser existente e atual. Não podendo se referir a uma situação futura e hipotética, o referido interesse deve existir no momento em que o recurso é interposto, sob pena de inadmissibilidade, e perdurar até à prolação da decisão judicial, sob pena de não conhecimento do mérito da causa. (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2019, Canadian Solar Emea e o./Conselho, C‑237/17 P, EU:C:2019:259, n.os 75 e 76 e jurisprudência referida).

45

A questão de saber, à luz dos factos e aos elementos de prova apreciados pelo Tribunal Geral, se anulação pedida do ato impugnado é suscetível de conferir um benefício ao recorrente é uma questão de direito abrangida pela fiscalização que o Tribunal de Justiça exerce no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2018, BPC Lux 2 e o./Comissão, C‑544/17 P, EU:C:2018:880, n.o 31 e jurisprudência referida).

46

No presente processo, resulta do n.o 26 do despacho recorrido, que não é contestado no âmbito do presente recurso, bem como da argumentação apresentada em apoio do primeiro fundamento de recurso, que a recorrente alega, para demonstrar o seu interesse em agir contra a decisão controvertida, que a decisão de execução pela qual o seu pedido de AIM para o Hopveus foi indeferido sem consulta prévia do SAG Psiquiatria foi objeto de recurso perante o juiz da União e pode ser anulada, o que daria lugar a uma reapreciação desse pedido, no âmbito do qual a recorrente arriscaria ser privada do benefício de consulta do SAG Psiquiatria, tendo este entretanto sido eliminado pela decisão controvertida. Por conseguinte, a anulação desta última decisão é suscetível de lhe conferir um benefício, a saber, a garantia de que a reapreciação do referido pedido dê lugar à consulta do referido SAG.

47

Por outro lado, como resulta do n.o 34 do despacho recorrido, cujo conteúdo é confirmado pela argumentação em apoio do primeiro fundamento do recurso, a recorrente baseia‑se igualmente na possibilidade de introduzir, no futuro, um novo pedido de AIM para o Hopveus.

48

No que se refere ao segundo dos dois elementos assim invocados, basta constatar que a recorrente não se pode basear, para demonstrar um interesse em agir, na mera possibilidade de introduzir no futuro um pedido de AIM relativo a um produto farmacêutico destinado a fins psiquiátricos, pedido que, segundo a recorrente, deve ser objeto de uma consulta do SAG Psiquiatria. Com efeito, um interesse existente e atual pode, obviamente, decorrer dessa situação futura e hipotética.

49

No que diz respeito ao primeiro elemento invocado pela recorrente, quanto ao facto de o pedido de AIM relativo ao Hopveus, produto cuja avaliação exige, segundo a mesma, a consulta do SAG Psiquiatria, ter conduzido a uma decisão de execução que é objeto de um litígio que ainda não foi definitivamente resolvido, há que examinar a pertinência da jurisprudência em que se baseia a recorrente, relativa ao interesse em agir que pode decorrer de uma ligação entre o processo em causa e outra ação judicial.

50

Segundo essa jurisprudência, um interesse em agir pode decorrer de qualquer ação intentada nos órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito da qual a eventual anulação do ato impugnado perante o juiz da União seja suscetível de proporcionar uma vantagem ao requerente (Acórdãos de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 81, e de 7 de novembro de 2018, BPC Lux 2 e o./Comissão, C‑544/17 P, EU:C:2018:880, n.o 44).

51

Para examinar se esse interesse em agir existe, não há que apreciar a probabilidade da procedência de outra ação judicial (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 76).

52

O interesse em agir de outra ação judicial também não pressupõe que o recurso perante o juiz da União e o recurso submetido ao órgão jurisdicional nacional tenham o mesmo objeto. Em contrapartida, é necessário que a anulação requerida da decisão controvertida seja suscetível de ter um efeito nessa outra ação (Acórdão de 7 de novembro de 2018, BPC Lux 2 e o./Comissão, C‑544/17 P, EU:C:2018:880, n.os 51, 52 e 55).

53

Esses princípios, relativos ao interesse em agir que pode decorrer de uma ligação entre o recurso em causa e outro recurso, são transponíveis para os casos em que esse outro recurso esteja pendente não perante um órgão jurisdicional nacional, mas perante o juiz da União.

54

Todavia, no presente processo, contrariamente ao que alega a recorrente, a anulação, no âmbito do presente recurso, da decisão controvertida não é suscetível de ter um efeito no recurso interposto contra a decisão de execução, ao qual o Tribunal Geral negou provimento com o Acórdão de 2 de março de 2022, D & A Pharma/Comissão e EMA (T‑556/20, EU:T:2022:111), atualmente pendente (processo C‑291/22 P).

55

Efetivamente, nesse outro recurso, a recorrente pediu a anulação da decisão de execução, adotada durante o ano de 2020, pelo facto de o SAG Psiquiatria, que figurava entre os SAG constituídos na EMA, não ter sido consultado. Ora, para examinar se esse SAG devia ter sido consultado, não é pertinente determinar se a EMA pôde, sem violação do direito da União, decidir, durante o ano de 2021, com a decisão controvertida, não renovar o referido SAG. Deste modo, a anulação desta última decisão não é suscetível de ter um efeito no litígio relativo à legalidade da decisão de execução.

56

Na medida em que a recorrente alega que um interesse em agir contra a decisão controvertida deve, não obstante, ser demonstrado a fim de preservar o efeito útil do seu recurso interposto contra a decisão de execução, há que constatar que esta argumentação se baseia na premissa de que, numa situação em que a decisão de execução seja anulada devido ao facto de que devia ter sido tomada após consulta do SAG Psiquiatria, como sustentou a recorrente no recurso que interpôs contra a referida decisão, a EMA só está em condições de cumprir as obrigações decorrentes dessa anulação se o SAG Psiquiatria já tiver sido reconstituído em consequência da anulação da decisão controvertida.

57

No entanto, essa premissa é errada. A este respeito, basta observar que a obrigação que decorre de um eventual acórdão que profira a anulação da decisão de execução consiste em proceder à reapreciação do pedido de AIM relativo ao Hopveus. Para efeitos dessa reapreciação, o CHMP, na sua qualidade de comité competente da EMA, está, em todo o caso, em condições de, sem que a decisão de não renovação do SAG Psiquiatria o impeça, reconstituir esse SAG e de consultar este último a propósito do Hopveus.

58

Por outro lado, no caso contrário, em que o CHMP, após anulação da decisão de execução, decide não reconstituir o SAG Psiquiatria e reapreciar, consequentemente, o pedido de AIM relativo ao Hopveus com a assistência de um comité ad hoc, a recorrente não estaria, contudo, privada de proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, ser‑lhe‑ia possível, em caso de novo indeferimento do seu pedido de AIM, interpor recurso contra a nova decisão de execução, baseando‑se no fundamento invocado no âmbito do presente processo, de que a análise de um pedido AIM para um produto como o Hopveus necessita sempre da consulta do SAG Psiquiatria.

59

Daqui decorre que a interposição do recurso que resultou no despacho recorrido não era, de modo nenhum, necessária para preservar a existência das condições que permitem à EMA cumprir as obrigações decorrentes de um acórdão favorável à recorrente no processo relativo à legalidade da decisão de execução.

60

Resulta das considerações precedentes que foi com razão que o Tribunal Geral declarou inadmissível, por falta de interesse em agir, o recurso interposto pela recorrente contra a decisão controvertida.

61

Nestas circunstâncias, não há que, como considerou igualmente com razão o Tribunal Geral, examinar se a violação do direito da União alegada pela recorrente é suscetível de se repetir, sendo este aspeto, como declarou o Tribunal Geral nos n.os 37 e 38 do despacho recorrido, apenas pertinente nas situações em que a recorrente dispunha inicialmente de um interesse em agir e em que se coloca a questão de saber se esse interesse desapareceu no decorrer da instância.

62

Por conseguinte, o primeiro fundamento de recurso é julgado improcedente.

Segundo fundamento

Argumentos das partes

63

Com o segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito uma vez que declarou que o interesse que invocava não era existente nem atual, mas apenas futuro e hipotético.

64

Observa que o interesse relativo à sua situação jurídica futura pode ser existente e atual quando se demonstre que a violação é já certa. Devido à ligação, discutida no âmbito do primeiro fundamento, entre o recurso contra a decisão controvertida e o recurso contra a decisão de execução, é certo que anulação da decisão controvertida lhe confere um benefício no âmbito do recurso interposto contra a decisão de execução, a saber, uma garantia processual.

65

A EMA considera que o segundo fundamento está indissociavelmente ligado ao primeiro fundamento e que, tal como este último, deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

66

Como resulta das constatações feitas na análise do primeiro fundamento de recurso, o recurso interposto contra a decisão controvertida não apresenta nenhuma relação com o recurso interposto contra a decisão de execução que é suscetível de constituir, na esfera da recorrente, um interesse existente e atual no âmbito do presente processo.

67

Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso, tal como o primeiro fundamento, é julgado improcedente.

68

Daqui resulta que há que negar provimento ao presente recurso na totalidade.

Quanto às despesas

69

Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. O artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, prevê que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

70

Tendo a EMA pedido a condenação da recorrente nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela EMA no âmbito do presente recurso.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Debrégeas et associés Pharma (D & A Pharma) suporta as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), relativas ao presente recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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