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Document 62022CJ0123

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 13 de junho de 2024.
    Comissão Europeia contra Hungria.
    Incumprimento de Estado — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretivas 2008/115/CE, 2013/32/UE e 2013/33/UE — Procedimento de concessão de proteção internacional — Acesso efetivo — Procedimento na fronteira — Garantias processuais — Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Recursos interpostos das decisões administrativas de indeferimento de pedidos de proteção internacional — Direito de permanecer no território — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento — Inexecução — Artigo 260.º, n.º 2, TFUE — Sanções pecuniárias — Caráter proporcionado e dissuasivo — Quantia fixa — Sanção pecuniária compulsória.
    Processo C-123/22.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:493

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    13 de junho de 2024 ( *1 )

    «Incumprimento de Estado — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretivas 2008/115/CE, 2013/32/UE e 2013/33/UE — Procedimento de concessão de proteção internacional — Acesso efetivo — Procedimento na fronteira — Garantias processuais — Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Recursos interpostos das decisões administrativas de indeferimento de pedidos de proteção internacional — Direito de permanecer no território — Acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento — Inexecução — Artigo 260.o, n.o 2, TFUE — Sanções pecuniárias — Caráter proporcionado e dissuasivo — Quantia fixa — Sanção pecuniária compulsória»

    No processo C‑123/22,

    que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 260.o, n.o 2, TFUE, intentada em 21 de fevereiro de 2022,

    Comissão Europeia, representada inicialmente por A. Azéma, L. Grønfeldt, A. Tokár e J. Tomkin e, em seguida, por A. Azéma, A. Tokár e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

    demandante,

    contra

    Hungria, representada por M. Z. Fehér, na qualidade de agente,

    demandada,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretário: R. Șereș, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 30 de novembro de 2023,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que:

    declare que, ao não ter tomado todas as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, a seguir Acórdão Comissão/Hungria de 2020, EU:C:2020:1029), a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desse acórdão e do artigo 260.o, n.o 1, TFUE;

    condene a Hungria a pagar‑lhe uma quantia fixa diária de 5468,45 euros, num montante total mínimo de 1044000 euros, durante o período compreendido entre a data da prolação do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 e a data da execução pela demandada desse acórdão ou a da prolação do presente acórdão, se for anterior;

    condene a Hungria a pagar‑lhe uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de 16393,16 euros durante o período compreendido entre a data da prolação do presente acórdão e a da execução do acórdão Comissão/Hungria de 2020, e

    condene a Hungria nas despesas.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 2008/115/CE

    2

    O artigo 5.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98), dispõe:

    «Na aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o seguinte:

    a)

    O interesse superior da criança;

    b)

    A vida familiar;

    c)

    O estado de saúde do nacional de país terceiro em causa;

    e respeitar o princípio da não repulsão.»

    3

    O artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

    «Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.»

    4

    Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, da referida diretiva:

    «As decisões de regresso e, se tiverem sido emitidas, as decisões de proibição de entrada e as decisões de afastamento são emitidas por escrito e contêm as razões de facto e de direito que as fundamentam, bem como informações acerca das vias jurídicas de recurso disponíveis.

    As informações sobre as razões de fato podem ser limitadas caso o direito interno permita uma restrição ao direito de informação, nomeadamente para salvaguardar a segurança nacional, a defesa, a segurança pública e a prevenção, investigação, deteção e repressão de infrações penais.»

    5

    Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, da mesma diretiva:

    «O nacional de país terceiro em causa deve dispor de vias de recurso efetivo contra as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, ou da possibilidade de requerer a sua reapreciação, perante uma autoridade judicial ou administrativa competente ou um órgão competente composto por membros imparciais que ofereçam garantias de independência.»

    Diretiva 2013/32/UE

    6

    O artigo 6.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), dispõe:

    «1.   Quando uma pessoa apresenta um pedido de proteção internacional a uma autoridade competente segundo a lei nacional para o registo de tais pedidos, esse registo é feito no prazo de três dias úteis a contar da apresentação do pedido.

    Se o pedido de proteção internacional for feito a outras autoridades suscetíveis de o receber mas não competentes para o registo segundo a lei nacional, os Estados‑Membros asseguram que o registo seja feito no prazo de seis dias úteis a contar da apresentação do pedido.

    Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades suscetíveis de receber pedidos de proteção internacional, como a polícia, a guarda de fronteiras, as autoridades de imigração e o pessoal de estabelecimentos de detenção, disponham das informações pertinentes e o seu pessoal receba o necessário nível de formação adequada ao exercício das suas funções e responsabilidades, bem como instruções para informar os requerentes da forma e do local próprio para apresentar pedidos de proteção internacional.

    2.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as pessoas que apresentam um pedido de proteção internacional tenham a possibilidade efetiva de o apresentar o mais rapidamente possível. Se o requerente não apresentar o pedido, os Estados‑Membros podem aplicar o artigo 28.o

    3.   Sem prejuízo do n.o 2, os Estados‑Membros podem exigir que os pedidos de proteção internacional sejam apresentados presencialmente e/ou em local designado.

    4.   Não obstante o n.o 3, considera‑se que um pedido de proteção internacional foi apresentado no momento em que as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa recebam um formulário apresentado pelo requerente ou, caso a lei nacional o preveja, um auto lavrado pela autoridade.

    5.   Nos casos em que o pedido simultâneo de proteção internacional por um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas torne muito difícil na prática respeitar o prazo fixado no n.o 1, os Estados‑Membros podem permitir que esse prazo seja fixado em 10 dias úteis.»

    7

    Nos termos do artigo 24.o, n.o 3, desta diretiva:

    «Os Estados‑Membros asseguram que, caso os requerentes tenham sido identificados como requerentes com necessidade de garantias processuais especiais, recebem o apoio adequado que lhes permita exercer os direitos e cumprir as obrigações da presente diretiva durante toda a duração do processo de asilo.

    Se esse apoio adequado não puder ser prestado no âmbito dos procedimentos referidos no artigo 31.o, n.o 8, e no artigo 43.o, em especial se os Estados‑Membros considerarem que o requerente necessita de garantias processuais especiais em virtude de tortura, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual, os Estados‑Membros não podem aplicar, ou cessam de aplicar, o artigo 31.o, n.o 8, e o artigo 43.o Se os Estados‑Membros aplicarem o artigo 46.o, n.o 6, aos requerentes a quem não pode ser aplicado o artigo 31.o, n.o 8, nem o artigo 43.o, nos termos do presente parágrafo, devem, pelo menos, cumprir as condições previstas no artigo 46.o, n.o 7.»

    8

    O artigo 43.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Procedimentos na fronteira», tem a seguinte redação:

    «1.   Os Estados‑Membros podem estabelecer, de acordo com os princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II, procedimentos para aprovar decisões na fronteira ou em zonas de trânsito do Estado‑Membro, sobre:

    a)

    A admissibilidade de um pedido, nos termos do artigo 33.o, apresentado nesses locais; e/ou

    b)

    Os fundamentos de um pedido num procedimento de acordo com o artigo 31.o, n.o 8.

    2.   Os Estados‑Membros asseguram que as decisões no âmbito dos procedimentos previstos no n.o 1 sejam proferidas num prazo razoável. Na ausência de uma decisão no prazo de quatro semanas, o requerente deve ser autorizado a entrar no território do Estado‑Membro para que o seu pedido possa ser tratado de acordo com as restantes disposições da presente diretiva.

    3.   Na eventualidade de chegada de um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas que apresentem pedidos de proteção internacional na fronteira ou em zonas de trânsito, impossibilitando a aplicação do n.o 1, esses procedimentos podem igualmente ser aplicados nos locais onde tais nacionais de países terceiros ou apátridas forem normalmente alojados, ou seja, nas imediações da fronteira ou das zonas de trânsito, pelo tempo da sua estadia nesses locais.»

    9

    O artigo 46.o, n.os 5 e 6, da mesma diretiva prevê:

    «5.   Sem prejuízo do disposto no n.o 6, os Estados‑Membros devem autorizar os requerentes a permanecer no território até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo ou, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso.

    6.   No caso de uma decisão:

    a)

    Que considere um pedido manifestamente infundado nos termos do artigo 32.o, n.o 2, ou infundado após análise do pedido nos termos do artigo 31.o, n.o 8, exceto nos casos em que as decisões se basearam nas circunstâncias referidas no artigo 31.o, n.o 8, alínea h);

    b)

    Que considere um pedido não admissível nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alíneas a), b) ou d);

    c)

    Que recuse a reabertura do processo do requerente, a que foi posto termo em conformidade com o artigo 28.o; ou

    d)

    Que não aprecie ou não aprecie por completo o pedido, nos termos do artigo 39.o,

    um órgão jurisdicional tem competência para decidir se o requerente pode ou não permanecer no território do Estado‑Membro, quer a pedido do próprio requerente, quer oficiosamente, se essa decisão tiver por efeito extinguir o direito de o requerente permanecer no Estado‑Membro e, em tais casos, o direito de permanecer no Estado‑Membro a aguardar o resultado do recurso não estiver previsto na legislação nacional.»

    Direito húngaro

    Lei relativa ao Direito de Asilo

    10

    O artigo 5.o, n.o 1, da menedékjogról szóló 2007. évi LXXX. törvény (Lei LXXX de 2007, relativa ao Direito de Asilo), de 29 de junho de 2007 (Magyar Közlöny 2007/83., a seguir «Lei relativa ao Direito de Asilo»), dispõe:

    «O requerente de asilo tem o direito:

    a)

    de permanecer no território húngaro de acordo com as condições previstas na presente lei e de obter uma autorização de permanência no território húngaro de acordo com a regulamentação específica;

    […]»

    11

    O artigo 80.o/H da Lei relativa ao Direito de Asilo tem a seguinte redação:

    «Em caso de situação de crise provocada por uma imigração em massa, as disposições dos capítulos I a IV e V/A a VIII devem ser aplicadas com as derrogações previstas nos artigos 80.o/I a 80.o/K.»

    12

    O artigo 80.o/J, n.o 1, da Lei relativa ao Direito de Asilo prevê:

    «1.   O pedido de asilo deve ser apresentado pessoalmente à autoridade competente e exclusivamente na zona de trânsito, salvo se o requerente de asilo:

    a)

    for objeto de uma medida coerciva, de uma medida ou de uma condenação que restrinja a liberdade individual;

    b)

    for objeto de uma medida de detenção ordenada pela autoridade competente em matéria de asilo;

    c)

    permanecer legalmente no território húngaro e não pedir para ser alojado num centro de acolhimento.»

    Lei relativa às Fronteiras do Estado

    13

    O artigo 5.o da az államhatárról szóló 2007. évi LXXXIX. törvény (Lei LXXXIX, de 2007, relativa às Fronteiras do Estado), de 4 de julho de 2007 (Magyar Közlöny 2007/88., a seguir «Lei relativa às Fronteiras do Estado»), dispõe:

    «1.   Em conformidade com a presente lei, é possível utilizar, no território húngaro, uma faixa de 60 metros a contar da linha da fronteira externa conforme definida no artigo 2.o, n.o 2, do [Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1)], ou dos sinais de demarcação da fronteira, a fim de edificar, de implantar e de explorar instalações destinadas a proteger a ordem na fronteira […], e executar as missões relativas à defesa e à segurança nacionais, à gestão das catástrofes, à vigilância das fronteiras, ao asilo e à polícia migratória.

    […]

    1 B.   Numa situação de crise provocada por uma imigração em massa, a polícia pode, no território húngaro, interpelar os nacionais estrangeiros em situação irregular no território húngaro e escoltá‑los até ao portão mais próximo referido no n.o 1, salvo em caso de suspeita de infração.

    […]»

    Acórdão Comissão/Hungria de 2020

    14

    No Acórdão Comissão/Hungria de 2020, o Tribunal de Justiça declarou que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, do artigo 6.o, n.o 1, do artigo 12.o, n.o 1, e do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, do artigo 6.o, do artigo 24.o, n.o 3, do artigo 43.o do artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32 e dos artigos 8.o, 9.o e 11.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96):

    ao prever que os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou apátridas que, vindos da Sérvia, pretendam aceder, no seu território, ao procedimento de proteção internacional apenas podem ser apresentados nas zonas de trânsito de Röszke (Hungria) e de Tompa (Hungria), adotando ao mesmo tempo uma prática administrativa constante e generalizada que limita drasticamente o número de requerentes autorizados a entrar diariamente nessas zonas de trânsito;

    ao instituir um sistema de detenção generalizada dos requerentes de proteção internacional nas zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, sem respeitar as garantias previstas no artigo 24.o, n.o 3, e no artigo 43.o da Diretiva 2013/32, bem como nos artigos 8.o, 9.o e 11.o da Diretiva 2013/33;

    ao permitir o afastamento de todos os nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território, com exceção daqueles que são suspeitos de terem cometido uma infração, sem respeitar os procedimentos e garantias previstos no artigo 5.o, no artigo 6.o, n.o 1, no artigo 12.o, n.o 1, e no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, e

    ao sujeitar a condições contrárias ao direito da União o exercício, pelos requerentes de proteção internacional abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32, do seu direito de permanecer no seu território.

    Procedimento pré‑contencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

    15

    Por carta de 26 de janeiro de 2021, a diretora‑geral da Direção‑Geral da Migração e dos Assuntos Internos da Comissão convidou o Governo Húngaro a informá‑la das medidas tomadas para dar pleno cumprimento ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020.

    16

    Em 26 de fevereiro de 2021, o Governo Húngaro respondeu a essa carta, indicando que as zonas de trânsito de Röszke e de Tompa tinham sido encerradas na sequência da prolação do Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367). Por conseguinte, a Hungria considerava ter dado cumprimento ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020 no que concerne à detenção dos requerentes de asilo.

    17

    No que concerne ao acesso ao procedimento de proteção internacional e ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular, o Governo Húngaro considerou que estava confrontado, na execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, com um «dilema constitucional» no cumprimento das obrigações que incumbem à Hungria por força do direito da União. Por conseguinte, em 25 de fevereiro de 2021, esse Governo submeteu um pedido ao Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional, Hungria) com vista a determinar se a Magyarország Alaptörvénye (Lei Fundamental da Hungria) podia ser interpretada no sentido de que a Hungria pode cumprir uma obrigação decorrente do direito da União que, na falta de efeito útil da legislação da União, pode levar um nacional de um país terceiro em situação irregular no território da Hungria a aí permanecer durante um período indeterminado e, deste modo, fazer, de facto, parte da sua população.

    18

    Em 9 de junho de 2021, a Comissão dirigiu à Hungria uma notificação para cumprir (a seguir «notificação para cumprir»), entendendo que este Estado‑Membro não tinha tomado todas as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020 e notificando‑o para apresentar as suas observações ao abrigo do artigo 260.o, n.o 2, TFUE num prazo de dois meses. A notificação para cumprir referia as quatro infrações identificadas nesse acórdão.

    19

    Em 9 de agosto de 2021, o Governo Húngaro respondeu à notificação para cumprir, declarando que não estava em condições de se pronunciar sobre a executoriedade do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 até ao termo do processo no Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) mencionado no n.o 17 do presente acórdão. Este Governo pediu à Comissão que sujeitasse a prossecução do procedimento de execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 ao termo desse processo no Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional), a fim de «garantir o respeito do diálogo constitucional». O referido Governo declarou igualmente que, contrariamente ao que a Comissão alega, sublinhando o «primado ilimitado» do direito da União, as normas constitucionais prevaleciam sobre este.

    20

    Em 7 de dezembro de 2021, o Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) proferiu a Decisão n.o 32/2021 (XII.20) na qual declarou, em primeiro lugar, que, enquanto a União Europeia não exercesse de forma efetiva uma competência partilhada, a Hungria podia exercer essa competência, em segundo lugar, que, embora a insuficiência do exercício pela União de uma competência partilhada fosse suscetível de implicar uma violação do direito à identidade das pessoas que residem no território da Hungria, o Estado húngaro estava obrigado a assegurar a proteção desse direito e, em terceiro lugar, que a proteção do direito inalienável da Hungria de determinar a integridade do seu território, a sua população, a sua forma de governo e a sua estrutura estatal fazia parte da sua identidade constitucional.

    21

    Considerando que continuava a não existir conformidade com o Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a Comissão intentou a presente ação em 21 de fevereiro de 2022.

    22

    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2022, foi suspensa a instância, a pedido da Comissão, com fundamento no artigo 55.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Por decisão de 21 de setembro de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu reatar a instância, com fundamento no artigo 55.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, também a pedido da Comissão.

    Quanto à ação

    Quanto ao incumprimento

    Argumentos das partes

    23

    A Comissão reconhece, a título preliminar, que as zonas de trânsito de Röszke e de Tompa foram encerradas. Por conseguinte, a petição não contém desenvolvimentos relativos à segunda infração declarada no Acórdão Comissão/Hungria de 2020, respeitante à detenção generalizada dos requerentes de proteção internacional nessas zonas de trânsito.

    24

    Do mesmo modo, no que concerne à quarta infração declarada nesse acórdão, a saber, a violação do direito de os requerentes de proteção internacional permanecerem no território húngaro até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo e, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso, a petição apenas diz respeito a uma situação que não seja uma situação de crise provocada por imigração em massa. Com efeito, nos n.os 290 e 291 do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, o Tribunal de Justiça só declarou uma infração no que concerne a uma situação de crise provocada por uma imigração em massa devido ao sistema de detenção geral nas zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, sistema que deixou de existir com o encerramento destas últimas.

    25

    Todavia, a Comissão considera que o encerramento das zonas de trânsito de Röszke e de Tompa não é suficiente para assegurar a execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020. O mesmo acontece com as alterações introduzidas na Lei relativa ao Direito de Asilo em junho de 2020, no contexto da pandemia de COVID‑19, pela veszélyhelyzet megszűnésével összefüggő átmeneti szabályokról és a járványügyi készültségről szóló 2020. évi LVIII. törvény (Lei LVIII de 2020, relativa às Regras Provisórias do Levantamento do Estado de Emergência e à Situação de Alerta Epidemiológica), de 17 de junho de 2020 (Magyar Közlöny 2020/144, a seguir «Lei de 2020»). Com efeito, estas alterações são contrárias ao Direito da União, como alega esta instituição no processo que deu origem ao Acórdão de 22 de junho de 2023, Comissão/Hungria (Declaração de intenção prévia ao pedido de asilo) (C‑823/21, a seguir Acórdão Comissão/Hungria de 2023, EU:C:2023:504).

    26

    O Governo Húngaro reconheceu implicitamente, aliás, o prosseguimento da prática das infrações declaradas no Acórdão Comissão/Hungria de 2020, ao ter indicado não estar em condições de se pronunciar sobre a executoriedade desse acórdão enquanto se aguardava que a decisão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) mencionada no n.o 20 do presente acórdão fosse proferida.

    27

    Em primeiro lugar, no que respeita ao acesso efetivo ao procedimento de proteção internacional, decorre dos n.os 104 e 106 do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, bem como do n.o 1, primeiro travessão, do respetivo dispositivo, que, para dar cumprimento a esse acórdão, a Hungria deve tomar as medidas necessárias para que os nacionais de países terceiros ou os apátridas possam efetivamente exercer o seu direito de apresentar um pedido de proteção internacional no seu território, incluindo nas suas fronteiras.

    28

    A execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 exige particularmente a alteração do artigo 80.o/J, n.o 1, da Lei relativa ao Direito de Asilo, por força da qual, numa situação de crise provocada por uma imigração em massa, os pedidos de proteção internacional só podem ser apresentados, salvo algumas exceções, nas zonas de trânsito em causa. Ora, a Hungria não revogou nem alterou esta disposição. Dado que as zonas de trânsito de Röszke e de Tompa foram encerradas, é impossível apresentar tais pedidos no território da Hungria.

    29

    Por outro lado, na data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir, subsistia uma situação de crise provocada por uma imigração em massa em todo o território húngaro. Com efeito, a aplicabilidade do tömeges bevándorlás okozta válsághelyzet Magyarország egész területére történő elrendeléséről, valamint a válsághelyzet elrendelésével, fennállásával és megszüntetésével összefüggő szabályokról szóló 41/2016. (III. 9.) Korm. rendelet (Decreto Governamental n.o 41/2016 relativo à Declaração da Situação de Crise Provocada por uma Imigração em Massa em Todo o Território da Hungria, bem como às Regras relativas à Declaração, à Existência e à Cessação de uma Situação de Crise), de 9 de março de 2016 (Magyar Közlöny 2016/33.), foi prorrogada pelo Governo Húngaro para 7 de março de 2022, por força do artigo 1.o do tömeges bevándorlás okozta válsághelyzet Magyarország egész területére történő elrendeléséről, valamint a válsághelyzet elrendelésével, fennállásával és megszüntetésével összefüggő szabályokról szóló 41/2016. (III. 9.) Korm. rendelet módosításáról szóló 509/2021. (IX. 3.) Korm. rendelet [Decreto Governamental n.o 509/2021 que altera o Decreto Governamental n.o 41/2016 (III. 9.) relativo à Declaração da Situação de Crise Provocada por uma Imigração em Massa em Todo o Território da Hungria, bem como às Regras relativas à Declaração, à Existência e à Cessação de uma Situação de Crise], de 3 de setembro de 2021 (Magyar Közlöny 2021/162.). Posteriormente, a aplicabilidade do regime jurídico relativo à situação de crise provocada por uma imigração em massa foi prorrogada para, pelo menos, 7 de março de 2024.

    30

    Quanto à Lei de 2020, esta limitava‑se a introduzir um regime transitório distinto devido à pandemia da COVID‑19. Em todo o caso, não se pode considerar que essa lei foi uma medida de execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, já que foi adotada antes da prolação desse acórdão, no contexto específico desta pandemia e com uma aplicabilidade prevista, num primeiro momento, apenas até 31 de dezembro de 2020, até ter sido prorrogada para 31 de dezembro de 2023.

    31

    Por outro lado, a Hungria não afirma que a Lei de 2020 visa dar cumprimento ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020. Por conseguinte, o facto de essa lei ter sido objeto, devido à complexidade do regime de asilo húngaro, de uma ação ao abrigo do artigo 258.o TFUE no processo que deu origem ao Acórdão Comissão/Hungria de 2023 não prejudica os direitos da defesa da Hungria no presente caso.

    32

    Em segundo lugar, no que respeita ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular na Hungria, o artigo 5.o, n.o 1 B, da Lei relativa às Fronteiras do Estado não foi revogado nem alterado. Deste modo, a legislação húngara continua a permitir o afastamento de nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território, com a exceção daqueles que são suspeitos de terem cometido uma infração, o que é incompatível com os n.os 253 e 254 do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, bem como com o n.o 1, terceiro travessão, do respetivo dispositivo. A este respeito, resulta do sítio Internet da Polícia húngara que a Hungria não parou de afastar ilegalmente nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território, o que este Estado‑Membro não contesta.

    33

    Em terceiro lugar, no que respeita ao direito de os requerentes de proteção internacional, numa situação diferente da de uma situação de crise provocada por uma imigração em massa, permanecerem no território húngaro, a Comissão alega que a Hungria não alterou o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Lei relativa ao Direito de Asilo, que é aplicável numa situação diferente da de uma situação de crise provocada por uma imigração em massa.

    34

    Por conseguinte, as condições previstas no direito húngaro para o exercício do direito de permanência no território, previsto no artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32, continuam a ser «vagas», contrariamente ao que é exigido nos n.os 288 e 289 do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, bem como no n.o 1, quarto travessão, do respetivo dispositivo. Tendo em conta os n.os 297 a 301 desse acórdão, é necessário alterar a legislação nacional, uma vez que a infração declarada pelo Tribunal de Justiça não tem por objeto uma prática contrária ao direito da União mas a transposição inadequada do direito da União para a ordem jurídica húngara.

    35

    A Hungria pede que o Tribunal de Justiça julgue a ação inadmissível na parte que concerne o acesso ao procedimento de proteção internacional e improcedente quanto ao restante.

    36

    A título preliminar, este Estado‑Membro considera que os «elementos centrais» do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 já não são pertinentes, uma vez que as zonas de trânsito de Röszke e de Tompa já não são utilizadas desde 20 de maio de 2020. Além disso, a evolução da situação migratória na «rota dos Balcãs Ocidentais» e o grande número de pessoas deslocadas provenientes da Ucrânia tornam os argumentos da Comissão inoportunos e improcedentes.

    37

    No que respeita, em primeiro lugar, ao acesso ao procedimento de proteção internacional, a ação é inadmissível.

    38

    Com efeito, todas as declarações efetuadas no Acórdão Comissão/Hungria de 2020 e relativas às zonas de trânsito de Röszke e de Tompa ficaram sem objeto devido ao encerramento destas. Não faz sentido falar em «limitações» do acesso ao procedimento de proteção internacional nestas zonas de trânsito, uma vez que já não é possível apresentar nelas um «número limitado» de pedidos.

    39

    É certo que a legislação húngara continua a conter disposições relativas às zonas de trânsito, mas estas disposições são inaplicáveis desde 26 de maio de 2020 devido à entrada em vigor da Lei de 2020. Esta lei introduz um regime transitório que derroga a Lei relativa ao Direito de Asilo, ao abrigo do qual o acesso a um procedimento de proteção internacional no território da Hungria está sujeito à abertura de um procedimento prévio numa representação diplomática da Hungria num país terceiro.

    40

    Ora, uma vez que a compatibilidade da Lei de 2020 com o artigo 6.o da Diretiva 2013/32 é objeto do processo que deu origem ao Acórdão Comissão/Hungria de 2023, a Comissão não podia ter instaurado paralelamente outro processo, baseado no artigo 260.o, n.o 2, TFUE, relativo à mesma alegada infração sem violar os direitos de defesa da Hungria e o princípio da segurança jurídica.

    41

    A este respeito, a Hungria sustenta que se justifica que o Tribunal de Justiça examine esta lei no quadro processual do artigo 258.o TFUE, uma vez que se inscreve num contexto novo, que não foi examinado no Acórdão Comissão/Hungria de 2020. Todavia, o processo que deu origem ao Acórdão Comissão/Hungria de 2023 também dizia respeito à questão de saber se o incumprimento do artigo 6.o da Diretiva 2013/32, declarado no Acórdão Comissão/Hungria de 2020, se mantinha. Por conseguinte, se o Tribunal de Justiça declarar um incumprimento no presente processo, os argumentos invocados pela Hungria no processo baseado no artigo 258.o TFUE relativamente ao incumprimento do artigo 6.o da Diretiva 2013/32 não poderão ter efeito, o que violaria os direitos de defesa da Hungria neste processo.

    42

    Por outro lado, a petição não expõe o conteúdo das disposições adotadas na sequência da prolação do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, o que impede o Tribunal de Justiça de se pronunciar quanto ao mérito.

    43

    A título subsidiário, a Hungria alega que esta parte da ação é improcedente. Por um lado, o legislador húngaro adotou legislação que se afasta do artigo 80.o/J da Lei relativa ao Direito de Asilo. Por outro lado, o Acórdão Comissão/Hungria de 2020 menciona expressamente a legislação e a prática relativas às zonas de trânsito de Röszke e de Tompa. Ora, a situação analisada nessa parte do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 já não existe.

    44

    Em segundo lugar, no que respeita ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular para lá da cerca fronteiriça, a manutenção em vigor do artigo 5.o, n.o 1 B, da Lei relativa às fronteiras do Estado justifica‑se devido à crescente pressão migratória na «rota migratória dos Balcãs Ocidentais» e ao grande número de refugiados provenientes da Ucrânia desde fevereiro de 2022. Além disso, antes de alterar esta disposição, há que esperar que a decisão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) seja proferida num processo em curso na data do encerramento da fase escrita da ação e relativo, por iniciativa do Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), à constitucionalidade da referida disposição.

    45

    Em terceiro lugar, no que respeita ao direito de os requerentes de proteção internacional, numa situação que não a de uma situação de crise provocada por uma imigração em massa, permanecerem no território húngaro, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Comissão/Hungria de 2020, que, no âmbito do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Lei relativa ao Direito de Asilo, o direito de permanecer no território húngaro pode ser sujeito a condições.

    46

    Não obstante, a legislação em causa não pôs em prática a possibilidade, prevista a título facultativo, de sujeitar a condições o direito de permanecer nesse território. Por conseguinte, não é necessário legislar novamente. Na prática, as autoridades húngaras não procedem a nenhuma expulsão enquanto a decisão das autoridades de indeferimento do pedido de asilo não se tiver tornado definitiva. A este respeito, a Comissão não se referiu a nenhuma decisão administrativa ou jurisdicional que pusesse em causa tal afirmação.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    – Quanto à admissibilidade da ação

    47

    A Hungria considera que a ação é inadmissível na parte em que diz respeito ao acesso ao procedimento de proteção internacional.

    48

    Em primeiro lugar, ao sustentar que o encerramento das zonas de trânsito de Röszke e de Tompa fez com que as declarações efetuadas no Acórdão Comissão/Hungria de 2020 relativas a essas zonas de trânsito ficassem sem objeto e que a Lei de 2020 introduziu um regime transitório que derroga a Lei relativa ao Direito de Asilo, a Hungria alega, em substância, que tomou as medidas necessárias para dar execução a esse acórdão no que concerne ao acesso ao procedimento de proteção internacional, argumento que não faz parte do exame da admissibilidade da ação, mas do exame do mérito deste último.

    49

    Em segundo lugar, a argumentação relativa à violação do princípio da segurança jurídica e dos direitos de defesa da Hungria devido às questões suscitadas paralelamente pelo processo que deu origem ao Acórdão Comissão/Hungria de 2023 deve ser afastada, uma vez que esse processo deu origem a um acórdão que se tornou definitivo, que tem assim força de caso julgado.

    50

    Em terceiro lugar, a Hungria critica a Comissão por não ter exposto, na sua petição, o conteúdo das disposições da Lei de 2020.

    51

    Decorre de jurisprudência constante relativa ao artigo 120.o, alínea c), do Regulamento de Processo que qualquer petição inicial deve indicar de forma clara e precisa o objeto do litígio e conter a exposição sumária dos fundamentos suscitados, para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda uma ação devem decorrer, de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição [Acórdão de 21 de dezembro de 2023, Comissão/Dinamarca (Duração máxima de estacionamento), C‑167/22, EU:C:2023:1020, n.o 25 e jurisprudência referida].

    52

    No caso em apreço, essas exigências foram respeitadas. Com efeito, a Comissão indicou de forma coerente e precisa, na sua petição, as razões que a levaram a considerar que a Hungria não tinha adotado as medidas necessárias para assegurar a execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020. Esta instituição mencionou, nomeadamente, as alterações introduzidas na Lei relativa ao Direito de Asilo em junho de 2020 no contexto da pandemia de COVID‑19, especificando que, em seu entender, essas disposições não conduziam à execução ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020 e que, como tinha sustentado no processo que deu origem ao Acórdão Comissão/Hungria de 2023, eram contrárias ao direito da União.

    53

    Por conseguinte, a petição permite à Hungria e ao Tribunal de Justiça apreenderem exatamente a posição da Comissão, condição necessária para que este Estado‑Membro possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar se o referido Estado‑Membro tomou as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020.

    54

    Tendo em conta o exposto, há que concluir que a ação é admissível.

    – Quanto ao mérito

    55

    Segundo o artigo 260.o, n.o 2, TFUE, se a Comissão considerar que o Estado‑Membro em causa não tomou as medidas necessárias para dar execução a um acórdão no qual o Tribunal de Justiça declarou que esse Estado‑Membro não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados, pode recorrer ao Tribunal de Justiça, depois de ter dado ao referido Estado‑Membro a possibilidade de apresentar as suas observações, indicando o montante da quantia fixa ou da sanção pecuniária compulsória, a pagar pelo mesmo Estado‑Membro que considerar adequado às circunstâncias.

    56

    A data de referência para apreciar a existência de um incumprimento nos termos do artigo 260.o, n.o 2, TFUE é a data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir emitida ao abrigo dessa disposição, [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 37 e jurisprudência referida].

    57

    A este respeito, cumpre salientar que as autoridades do Estado‑Membro em causa que participam no exercício do poder legislativo são obrigadas a alterar as disposições legislativas nacionais que tenham sido objeto de um acórdão de incumprimento a fim de as tornar conformes às exigências do direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2023, YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz), C‑615/20 e C‑671/20, EU:C:2023:562, n.o 57 e jurisprudência referida].

    58

    Impõe‑se igualmente recordar que o dispositivo de um acórdão que declara um incumprimento, o qual descreve o incumprimento declarado pelo Tribunal de Justiça, reveste particular importância para a determinação das medidas que esse Estado‑Membro é obrigado a adotar a fim de dar plena execução a esse acórdão. O dispositivo do referido acórdão deve ser entendido à luz dos fundamentos do mesmo acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2013, Comissão/Alemanha, C‑95/12, EU:C:2013:676, n.os 37 e 40 e jurisprudência referida).

    59

    No caso em apreço, no Acórdão Comissão/Hungria de 2020, o Tribunal de Justiça declarou que a Hungria não tinha cumprido as suas obrigações relativas, primeiro, ao acesso ao procedimento de proteção internacional, segundo, à detenção dos requerentes de proteção internacional nas zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, terceiro, ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular, e, quarto, ao direito de os requerentes de proteção internacional permanecerem no território húngaro até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo e, quando esse direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso.

    60

    Cumpre observar, a título preliminar, que a petição da Comissão não tem por objeto a detenção dos requerentes de proteção internacional nas zonas de trânsito de Röszke e de Tompa e, no que respeita ao direito de os requerentes de proteção internacional permanecerem no território húngaro, essa petição apenas tem por objeto uma situação que não seja uma situação de crise provocada por uma imigração em massa.

    61

    Em primeiro lugar, no que respeita ao acesso ao procedimento de proteção internacional, a descrição da infração em causa resulta do texto introdutório e do primeiro travessão do n.o 1 do dispositivo do Acórdão Comissão/Hungria de 2020.

    62

    Resulta do texto introdutório do n.o 1 desse dispositivo que a infração em causa consiste em não ter cumprido as obrigações que incumbem à Hungria por força do artigo 6.o da Diretiva 2013/32.

    63

    Esta infração foi declarada devido à situação mencionada no primeiro travessão do n.o 1 do referido dispositivo, a saber, a combinação, por um lado, da exigência de que os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou apátridas vindos da Sérvia sejam apresentados nas zonas de trânsito de Röszke e de Tompa com, por outro, a existência de uma prática administrativa constante e generalizada que limita drasticamente o número de requerentes autorizados a entrar diariamente nessas zonas de trânsito.

    64

    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no n.o 106 desse acórdão, que o artigo 6.o da Diretiva 2013/32 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantirem que sejam dadas às pessoas em causa as condições de exercer de modo efetivo o direito de apresentar um pedido de proteção internacional, incluindo nas suas fronteiras, assim que manifestarem vontade nesse sentido, a fim de que esse pedido seja registado e possa ser apresentado e examinado com respeito efetivo dos prazos fixados por essa diretiva. Com efeito, como foi declarado no n.o 104 do referido acórdão, o próprio objetivo da referida diretiva, em especial o do artigo 6.o, n.o 1, desta, consiste em garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de proteção internacional.

    65

    Por conseguinte, no que respeita ao acesso ao procedimento de proteção internacional, a execução desse acórdão exige que a Hungria adote todas as medidas necessárias para garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de proteção internacional.

    66

    Ora, na data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir, a saber, 9 de agosto de 2021, a Hungria não tinha cumprido esta exigência.

    67

    A este respeito, contrariamente ao que sustenta a Hungria, o encerramento das zonas de trânsito de Röszke e de Tompa não basta para garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de proteção internacional. Com efeito, é pacífico entre as partes que, na data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir, o regime aplicável ao acesso ao procedimento de proteção internacional era o que resultava da Lei de 2020.

    68

    A este respeito, no n.o 1 do dispositivo do Acórdão Comissão/Hungria de 2023, o Tribunal de Justiça declarou que, ao ter sujeitado a possibilidade de determinados nacionais de países terceiros ou apátridas que se encontram no território da Hungria ou nas fronteiras deste Estado‑Membro apresentarem um pedido de proteção internacional à entrega prévia de uma declaração de intenções numa embaixada húngara situada num país terceiro e à concessão de um documento de viagem que lhes permita entrar no território húngaro, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 6.o da Diretiva 2013/32.

    69

    Resulta dos n.os 8 a 13 e 37 desse acórdão que esta conclusão diz respeito às disposições da Lei de 2020 relativas ao acesso ao procedimento de proteção internacional, cuja aplicação não pode, por conseguinte, ser considerada uma execução válida do Acórdão Comissão/Hungria de 2020.

    70

    Cumpre esclarecer que as medidas necessárias para dar execução de um acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento devem necessariamente ser compatíveis com as disposições do direito da União cuja violação foi declarada nesse acórdão, a saber, no caso em apreço, o artigo 6.o da Diretiva 2013/32, e permitir a correta aplicação dessas disposições. Ora, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão Comissão/Hungria de 2023, não é esse o caso, no processo em apreço, das disposições da Lei de 2020 relativas ao acesso ao procedimento de proteção internacional.

    71

    Nestas circunstâncias, há que declarar que a Hungria não tomou as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020 no que respeita ao concerne ao procedimento de proteção internacional.

    72

    Em segundo lugar, no que respeita ao afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular na Hungria, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 1, terceiro travessão, do dispositivo do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, que, ao permitir o afastamento de todos os nacionais de países terceiros em situação irregular no território nacional, com exceção daqueles que são suspeitos de terem cometido uma infração, sem respeitar os procedimentos e garantias previstos no artigo 5.o, no artigo 6.o, n.o 1, no artigo 12.o, n.o 1, e no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas disposições.

    73

    A Hungria não contesta que o artigo 5.o, n.o 1 B, da Lei relativa às Fronteiras do Estado, identificada no n.o 254 desse acórdão como sendo a disposição nacional que justifica essa declaração, ainda estava em vigor na data do termo do prazo fixado na notificação para cumprir, a saber, 9 de agosto de 2021. Todavia, este Estado‑Membro considera que esta situação se justifica devido à pressão migratória na «rota migratória dos Balcãs Ocidentais» e ao número de pessoas deslocadas provenientes da Ucrânia.

    74

    Ora, um Estado‑Membro não pode invocar dificuldades práticas, administrativas, financeiras ou de ordem interna para justificar a inobservância das obrigações resultantes do direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2023, Comissão/Eslováquia (Direito de rescisão sem taxa), C‑540/21, EU:C:2023:450, n.o 86 e jurisprudência referida].

    75

    Em terceiro lugar, no que respeita ao direito de os requerentes de proteção internacional, numa situação que não a situação de crise provocada por uma imigração em massa, permanecerem no território húngaro até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo e, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso, no Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a conclusão de que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32 resulta do n.o 1, quarto travessão, do dispositivo desse acórdão.

    76

    Esta conclusão baseia‑se na declaração, feita nos n.os 289 e 301 do referido acórdão, de que quando um Estado‑Membro decide fixar modalidades de exercício do direito de permanecer no seu território, como é consagrado no artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32, estas modalidades devem ser definidas de maneira suficientemente clara e precisa a fim de que o requerente de proteção internacional possa conhecer o alcance exato de tal direito e que se possa apreciar se tais modalidades são compatíveis, designadamente, com as Diretivas 2013/32 e 2013/33.

    77

    Resulta do n.o 297 do mesmo acórdão que, segundo a Hungria, os requisitos a que se refere o artigo 5.o, n.o 1, da Lei relativa ao Direito de Asilo consistem em exigir que o interessado se conforme com o estatuto de requerente definido pela lei e respeite, além disso, a obrigação que lhe é imposta, sendo caso disso, de residir num local determinado.

    78

    Por um lado, como foi declarado no n.o 298 do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a Hungria não identifica uma disposição da Lei relativa ao Direito de Asilo que disponha precisamente que o direito de permanecer no território de um Estado‑Membro está subordinado ao respeito de um requisito de residência.

    79

    Por outro lado, como foi declarado no n.o 300 desse acórdão, o requisito que impõe o respeito do estatuto de requerente de proteção internacional definido pela lei e ao qual, segundo as próprias afirmações da Hungria, está igualmente sujeito o direito de permanência decorrente do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Lei relativa ao Direito de Asilo, presta‑se a várias interpretações e remete para outros requisitos que não foram identificados por este Estado‑Membro.

    80

    Deste modo, a execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 exige, no que concerne à infração em causa, alterações da legislação nacional, independentemente da circunstância invocada pela Hungria, segundo a qual, na prática, as autoridades húngaras não procedem a nenhuma expulsão enquanto a decisão das autoridades que indefere o pedido de asilo não se tiver tornado definitiva.

    81

    A este respeito, há que recordar que simples práticas administrativas, por natureza modificáveis por vontade da Administração e desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas uma execução válida das obrigações decorrentes do direito da União (Acórdão de 24 de outubro de 2013, Commissão/Espanha, C‑151/12, EU:C:2013:690, n.o 36 e jurisprudência referida).

    82

    Ora, no termo do prazo fixado na notificação para cumprir, a saber, 9 de agosto de 2021, o artigo 5.o, n.o 1, alínea a), da Lei relativa ao Direito de Asilo continuava em vigor sem ter sido alterado, o que a Hungria não contesta.

    83

    Em face do exposto, há que concluir que, não tendo tomado as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 260.o, n.o 1, TFUE.

    Quanto às sanções pecuniárias

    Argumentos das partes

    84

    Considerando que a Hungria ainda não cumpriu o Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a Comissão pede a condenação desse Estado‑Membro no pagamento de uma quantia fixa no montante de 5468,45 euros multiplicada pelo número de dias que decorreram entre a data da prolação desse acórdão e a data de execução do referido acórdão pela Hungria ou a data da prolação do presente acórdão se esta última for anterior à data de execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, entendendo‑se que o montante mínimo deve ser de 1044000 euros.

    85

    Essa instituição pede também que o Tribunal de Justiça condene a Hungria no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 16393,16 euros por dia a contar da data da prolação do presente acórdão e até à data da execução pela Hungria do Acórdão Comissão/Hungria de 2020.

    86

    Remetendo para a sua Comunicação SEC(2005) 1658, de 12 de dezembro de 2005, intitulada «Aplicação do artigo [260.o TFUE]», conforme atualizada, nomeadamente, pela sua Comunicação de 13 de abril de 2021, intitulada «Ajustamento do cálculo da quantia fixa e das sanções pecuniárias propostas pela Comissão no âmbito de processos por infração no Tribunal de Justiça, na sequência da saída do Reino Unido da União Europeia» (JO 2021, C 129, p. 1), a Comissão propõe que o montante da sanção pecuniária compulsória mencionada no n.o 84 do presente acórdão seja determinado multiplicando um montante fixo de base uniforme de 895 euros por um coeficiente de gravidade. O resultado obtido seria multiplicado por um fator «n», tendo em conta, nomeadamente, a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em questão, e pelo número de dias em que subsiste o incumprimento. No que concerne ao cálculo do montante da sanção pecuniária compulsória mencionada no n.o 85 do presente acórdão, o montante fixo de base é fixado num montante de 2683 euros por dia e deve ser multiplicado por esse coeficiente de gravidade, por um coeficiente de duração e por esse fator «n».

    87

    Em primeiro lugar, no que concerne à gravidade do incumprimento em causa, a Comissão propõe a aplicação de um coeficiente de gravidade de 13, numa escala de 1 a 20.

    88

    Segundo esta instituição, a importância das regras da União que foram objeto dos incumprimentos em causa é elevada. Por um lado, os artigos 6.o e 46.o da Diretiva 2013/32 são essenciais para assegurar a efetividade dos direitos garantidos pela Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], que entrou em vigor em 22 de abril de 1954, conforme completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967, bem como pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), particularmente o direito de asilo, o respeito do princípio da não repulsão e o direito a um recurso efetivo. Por outro lado, a infração relativa aos afastamentos ilícitos afeta várias disposições fundamentais da Diretiva 2008/115.

    89

    A inexecução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 tem efeitos significativos para o interesse público e para interesses particulares. Por um lado, a Comissão indica ter iniciado, desde 2015, sete processos de infração contra a Hungria em matéria de asilo, quatro dos quais remetidos ao Tribunal de Justiça. A continuação do incumprimento do direito da União poderia criar um precedente para outros Estados‑Membros e comprometer o Sistema Europeu Comum de Asilo, transferindo a responsabilidade pelo acolhimento dos requerentes de proteção internacional para outros Estados‑Membros e reforçando o tráfico ilícito de seres humanos. Por outro lado, as infrações em causa têm uma incidência grave nos nacionais de países terceiros.

    90

    Além disso, a Comissão identifica circunstâncias agravantes. A Hungria não cooperou com essa instituição na fase pré‑contenciosa, já que não indicou nenhuma alteração ou revogação das disposições declaradas contrárias ao direito da União. Além disso, as repetidas violações do direito da União em matéria de migração e de asilo, a manifesta inobservância do princípio do primado do direito da União e a recusa explícita de dar cumprimento a um Acórdão do Tribunal de Justiça constituem fatores agravantes extremamente graves.

    91

    Em segundo lugar, no que concerne à duração da infração, essa instituição propõe a aplicação de um coeficiente de duração de 1 numa escala de 1 a 3, tendo em conta o prazo de dez meses decorrido entre a data da prolação do Acórdão Comissão/Hungria e aquela em que essa instituição decidiu instaurar a ação no Tribunal de Justiça, a saber, 12 de novembro de 2021.

    92

    Em terceiro lugar, no que respeita ao fator «n», embora tomando nota dos ensinamentos do Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel) (C‑51/20, EU:C:2022:36), do qual resulta que o produto interno bruto (PIB) do Estado‑Membro em causa constitui o fator predominante, ao passo que a tomada em consideração do peso institucional deste não é, em contrapartida, indispensável, a Comissão baseia, todavia, o seu pedido nos parâmetros expostos nas comunicações mencionadas no n.o 86 do presente acórdão. Neste contexto, essa instituição propõe fixar, para a Hungria, o fator «n» em 0,47.

    93

    A Hungria entende que a Comissão fez uma apreciação errada da gravidade da infração em causa, ao não ter em conta o encerramento das zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, a nova legislação húngara em matéria de asilo, a pressão crescente da migração ilegal e as consequências da agressão russa contra a Ucrânia. Devido, particularmente, ao encerramento dessas zonas de trânsito, a infração imputada à Hungria é muito mais limitado do que o que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020, o que deve constituir uma consideração fundamental na avaliação da gravidade da infração em causa. Além disso, devido ao processo que deu origem ao Acórdão Comissão/Hungria de 2023, a questão da conformidade das disposições da Lei de 2020 com o artigo 6.o da Diretiva 2013/32 não pode ser tida em conta para apreciar a gravidade desta infração.

    94

    Por outro lado, a Hungria entende que não inobservou o princípio do primado do direito da União. A este respeito, a instauração do processo no Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) mencionada no n.o 17 do presente acórdão, a fim de assegurar o respeito da Lei Fundamental da Hungria, não pode ser considerada uma circunstância agravante. O Governo Húngaro não condicionou a execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 à decisão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) mencionada no n.o 20 do presente acórdão, tendo simplesmente aguardado essa decisão. Além disso, este Governo não recusou explicitamente dar cumprimento ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020, tendo simplesmente tido em conta, contrariamente à Comissão, circunstâncias externas.

    95

    Por último, referindo‑se ao n.o 55 do Acórdão de 30 de maio de 2013, Comissão/Suécia (C‑270/11, EU:C:2013:339), a Hungria pede ao Tribunal de Justiça que tenha em conta, como circunstância atenuante, o facto de, até agora, nunca ter deixado de executar um acórdão do Tribunal de Justiça.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    96

    A título preliminar, há que recordar que o procedimento previsto no artigo 260.o, n.o 2, TFUE tem por objetivo incitar um Estado‑Membro inadimplente a executar um acórdão de incumprimento e, portanto, a assegurar a aplicação efetiva do direito da União, e que as medidas previstas nesta disposição, a saber, a sanção pecuniária compulsória e a quantia fixa, visam ambas esse mesmo objetivo [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 50 e jurisprudência referida].

    97

    Recorde‑se, também, que incumbe ao Tribunal de Justiça, em cada processo e em função das circunstâncias do caso que deve apreciar, bem como do nível de persuasão e de dissuasão que considere necessário, decretar as sanções pecuniárias adequadas, nomeadamente para evitar a repetição de infrações ao direito da União análogas [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 51 e jurisprudência referida].

    – Quanto à quantia fixa

    98

    Segundo jurisprudência constante, a condenação ao pagamento de uma quantia fixa e a fixação do montante eventual dessa quantia devem, em cada caso concreto, depender de todos os elementos pertinentes relativos às características do incumprimento declarado e à atitude do Estado‑Membro em causa no processo instaurado com fundamento no artigo 260.o TFUE. A este respeito, este investe o Tribunal de Justiça de um amplo poder de apreciação para decidir da aplicação, ou não, de uma sanção dessa natureza e determinar, se for caso disso, o seu montante [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 78 e jurisprudência referida].

    99

    No presente processo, o conjunto dos elementos jurídicos e factuais que levaram à declaração do incumprimento constitui um indicador de que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas ao direito da União pode requerer a adoção de uma medida dissuasiva, como a aplicação de uma quantia fixa.

    100

    Nestas circunstâncias, cabe ao Tribunal de Justiça, no exercício do seu poder de apreciação, estipular o montante desta quantia fixa, para que a mesma seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcionada às infrações cometidas [v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 80 e jurisprudência referida].

    101

    Entre os fatores pertinentes a este respeito figuram elementos como a gravidade e a duração das infrações detetadas, bem como a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa [v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 81 e jurisprudência referida].

    102

    Em primeiro lugar, no que respeita à gravidade das infrações em causa, uma não execução prolongada de um acórdão do Tribunal de Justiça constitui em si uma infração grave ao princípio da legalidade e à força de caso julgado numa União de direito.

    103

    A este respeito, apesar do encerramento das zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, a Hungria não tomou as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020 no que concerne a vários elementos essenciais desse acórdão, a saber, o acesso ao procedimento de proteção internacional, o afastamento dos nacionais de países terceiros em situação irregular e o direito de os requerentes de proteção internacional permanecerem no território húngaro até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo e, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso.

    104

    Neste contexto, impõe‑se sublinhar a importância das disposições objeto do incumprimento declarado no n.o 83 do presente acórdão.

    105

    Primeiro, o respeito do artigo 6.o da Diretiva 2013/32 é necessário para assegurar, em conformidade com o direito de asilo reconhecido no artigo 18.o da Carta, a efetividade das outras disposições desta diretiva e, por conseguinte, da política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária no seu conjunto.

    106

    Com efeito, a violação desta disposição fundamental impede sistematicamente o acesso ao procedimento de proteção internacional, tornando impossível, no que concerne ao Estado‑Membro em causa, a aplicação da totalidade desta política, conforme estabelecida no artigo 78.o TFUE.

    107

    Cumpre salientar que o facto de um Estado‑Membro contornar deliberadamente a aplicação de uma política comum no seu conjunto constitui uma violação inédita e excecionalmente grave do direito da União, que representa uma ameaça importante para a unidade deste direito e para o princípio da igualdade dos Estados‑Membros, recordado no artigo 4.o, n.o 2, TUE.

    108

    No que se refere ao caso específico da política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, tal violação afeta de modo particularmente grave tanto o interesse público como os interesses dos nacionais de países terceiros e dos apátridas que pretendem pedir proteção internacional. O facto, especialmente, de evitar sistematicamente a apresentação de pedidos de proteção internacional priva do essencial dos seus efeitos, no que concerne ao Estado‑Membro em causa, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, conforme completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, da qual todos os Estados‑Membros são partes e que constitui a pedra basilar do regime jurídico internacional de proteção dos refugiados [v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 36 e jurisprudência referida]. Além disso, a impossibilidade de os nacionais de países terceiros ou os apátridas apresentarem um pedido de proteção internacional na fronteira húngara priva essas pessoas do gozo efetivo do seu direito, conforme garantido no artigo 18.o da Carta, de requerer asilo na Hungria (v., neste sentido, Acórdão Comissão/Hungria de 2023, n.o 52).

    109

    Segundo, o respeito do artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32 é, por sua vez, indispensável para assegurar, no que concerne aos requerentes de proteção internacional, a efetividade do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, que constitui um princípio geral do direito da União decorrente das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, consagrado nos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e atualmente afirmado no artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2023, Asociaţia Forumul Judecătorilor din România, C‑216/21, EU:C:2023:628, n.o 59).

    110

    Terceiro, os artigos 5.o, 6.o, 12.o e 13.o da Diretiva 2008/115 estabelecem garantias fundamentais, nomeadamente à luz do direito à proteção em caso de afastamento e de expulsão, consagrado no artigo 19.o da Carta, para a aplicação desta diretiva.

    111

    Ora, ao permitir, sem respeitar essas garantias, o afastamento de todos os nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território, com exceção daqueles que são suspeitos de terem cometido uma infração, um Estado‑Membro inobserva o essencial das exigências relativas aos procedimentos aplicáveis ao regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular, questão que constitui, por força do artigo 79.o, n.o 2, alínea c), TFUE, uma componente primordial da política comum de imigração.

    112

    Por outro lado, o facto de um processo dizer respeito à inexecução de um acórdão relativo a uma prática de natureza geral e persistente tende a reforçar a gravidade do incumprimento em causa (Acórdão de 2 de dezembro de 2014, Comissão/Itália, C‑196/13, EU:C:2014:2407, n.o 100).

    113

    Ora, importa salientar que, ao não tomar as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a Hungria subtrai‑se, de forma sistemática e deliberada, à aplicação da política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, bem como às regras relativas, no âmbito da política comum de imigração, ao regresso das pessoas em situação irregular, o que constitui uma violação do direito da União com gravidade excecional.

    114

    Impõe‑se acrescentar que o comportamento da Hungria tem nomeadamente por efeito transferir para os outros Estados‑Membros a responsabilidade que lhe incumbe, inclusive no plano financeiro, de assegurar o acolhimento de requerentes de proteção internacional na União, instruir os pedidos de acordo com os procedimentos de concessão e retirada dessa proteção, bem como garantir modalidades de regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular conformes com o direito da União.

    115

    Tal comportamento constitui uma violação extremamente grave do princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros, inclusive no plano financeiro, que rege, em conformidade com o artigo 80.o TFUE, a política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, bem como a política comum em matéria de imigração [v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional), C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257, n.o 80 e jurisprudência referida].

    116

    A este respeito, importa recordar que o princípio da solidariedade constitui um dos princípios fundamentais do direito da União e faz parte dos valores, comuns aos Estados‑Membros, nos quais a União se funda, por força do artigo 2.o TUE (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 129 e jurisprudência referida).

    117

    O facto de um Estado‑Membro romper unilateralmente o equilíbrio entre as vantagens e os encargos que decorrem da sua pertença à União põe em causa o respeito do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante o direito da União Este incumprimento dos deveres de solidariedade aceites pelos Estados‑Membros devido à sua adesão à União afeta as próprias bases essenciais da ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdão de 7 de fevereiro de 1979, Comissão/Reino Unido, 128/78, EU:C:1979:32, n.o 12).

    118

    Resulta do exposto que a inexecução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 afeta de forma extraordinariamente grave tanto o interesse público como os interesses privados, nomeadamente os dos nacionais de países terceiros e dos apátridas que pretendam pedir proteção internacional.

    119

    É certo que há que ter em conta o facto de a Hungria não ter sido, anteriormente, objeto de nenhum processo instaurado com fundamento no artigo 260.o TFUE [v., por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 63 e jurisprudência referida].

    120

    Todavia, além da gravidade excecional do incumprimento em causa, há também que tomar em consideração, como circunstância agravante, a repetição do comportamento que constitui uma infração por parte desse Estado‑Membro [v., por analogia, Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.o 103], que deu origem a diversas outras condenações em matéria de proteção internacional [Acórdãos de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional), C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257; e de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência aos requerentes de asilo), C‑821/19, EU:C:2021:930, e Acórdão Comissão/Hungria de 2023].

    121

    Por outro lado, cumpre ter em conta o facto de o Governo Húngaro ter indicado que se justificava aguardar, antes de executar o Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a conclusão do processo, mencionado no n.o 17 do presente acórdão, que tinha instaurado no Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional), e a decisão deste último mencionada no n.o 44 do presente acórdão.

    122

    A este respeito, importa recordar que, por força do princípio do primado do direito da União, o facto de um Estado‑Membro invocar disposições de direito nacional, ainda que de ordem constitucional, não pode afetar a unidade e a eficácia do direito da União. O respeito das obrigações decorrentes deste princípio é nomeadamente necessário para assegurar o respeito da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados e constitui uma expressão do princípio de cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE [v. Acórdão 5 de junho de 2023, Comissão/Polónia (Independência e vida privada dos juízes), C‑204/21, EU:C:2023:442, n.o 77 e jurisprudência referida].

    123

    Além disso, na sequência do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a Hungria, em vez de assegurar a plena execução desse acórdão, prorrogou a aplicabilidade ratione temporis das disposições da Lei de 2020, as quais também eram incompatíveis com o artigo 6.o da Diretiva 2013/32, como foi declarado no Acórdão Comissão/Hungria de 2023.

    124

    Nestas condições, o comportamento da Hungria demonstra que esse Estado‑Membro não agiu em conformidade com o seu dever de cooperação leal para pôr termo ao incumprimento declarado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Comissão/Hungria de 2020, o que constitui uma circunstância agravante suplementar [v., por analogia, Acórdão de 12 de novembro de 2019, Comissão/Irlanda (Parque eólico de Derrybrien), C‑261/18, EU:C:2019:955, n.o 120].

    125

    Por último, há que precisar que os movimentos migratórios dos últimos anos, nomeadamente os que se seguiram à agressão russa contra a Ucrânia, não podem ser considerados, no caso em apreço, uma circunstância atenuante, uma vez que a Hungria não demonstrou, nas suas observações escritas ou na audiência, em que medida tinha sido impedida, devido a esses movimentos migratórios, de adotar as medidas necessárias para dar execução do Acórdão Comissão/Hungria de 2020.

    126

    Em segundo lugar, no que respeita à duração das infrações em causa, impõe‑se recordar que esta deve ser avaliada tendo em consideração o momento em que o Tribunal de Justiça aprecia os factos [Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.o 105 e jurisprudência referida].

    127

    Para determinar se o incumprimento que é imputado à demandada perdurou até ao exame dos factos do caso em apreço efetuado pelo Tribunal de Justiça, há que apreciar as medidas que, segundo essa parte demandada, foram adotadas depois do prazo fixado na notificação para cumprir [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 53 e jurisprudência referida].

    128

    Ora, a Hungria não indicou nenhuma medida, adotada entre a data do termo desse prazo e o termo da fase escrita do processo, suscetível de pôr em causa a conclusão efetuada no n.o 83 do presente acórdão. Na audiência, indicou que não tinha ocorrido nenhuma alteração na regulamentação nacional pertinente desde o fim da fase escrita do processo.

    129

    Por conseguinte, está demonstrado que o incumprimento tem uma duração superior a três anos após a data da prolação do Acórdão Comissão/Hungria de 2020, o que constitui uma duração considerável.

    130

    Com efeito, apesar de o artigo 260.o, n.o 1, TFUE não especificar o prazo em que deve ser dada execução a um acórdão, o interesse na aplicação imediata e uniforme do direito da União, segundo jurisprudência constante, exige que essa execução seja iniciada imediatamente e concluída no mais breve prazo possível [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 67 e jurisprudência referida].

    131

    Em terceiro lugar, no que respeita à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa, há que tomar como base o seu PIB como fator predominante, sem ter em conta o seu peso institucional. A este respeito, importa igualmente ter em conta a evolução recente do PIB desse Estado‑Membro, tal como se apresenta à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 69 e jurisprudência referida].

    132

    Tendo em conta as considerações precedentes, e especialmente a gravidade excecional das infrações em causa e a falta de cooperação leal da Hungria para lhe pôr termo, o Tribunal de Justiça considera adequada a aplicação de uma quantia fixa cujo montante deve ser fixado em 200000000 euros.

    133

    Por conseguinte, há que condenar a Roménia a pagar à Comissão uma quantia fixa no montante de 200000000 euros.

    – Quanto à sanção pecuniária compulsória

    134

    Segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça está habilitado, no exercício do poder de apreciação que lhe é conferido no domínio considerado, a aplicar cumulativamente uma sanção pecuniária compulsória e uma quantia fixa [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 77 e jurisprudência referida].

    135

    A aplicação de uma sanção só se justifica, em princípio, se o incumprimento relativo à não execução de um acórdão anterior perdurar até à apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 52 e jurisprudência referida].

    136

    No caso em apreço, como foi demonstrado no n.o 129 do presente acórdão, o incumprimento imputado à Hungria mantém‑se até à apreciação dos factos do caso em apreço pelo Tribunal de Justiça.

    137

    Nestas condições, a condenação da Hungria no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória constitui um meio financeiro adequado a fim de incitar esse Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para pôr fim ao incumprimento declarado e para assegurar a execução completa do Acórdão Comissão/Hungria de 2020 [v., por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 55 e jurisprudência referida].

    138

    A este respeito, é jurisprudência constante que esta sanção deve ser determinada em função do grau de persuasão necessário para que o Estado‑Membro em causa altere o seu comportamento e ponha termo à infração imputada [v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 56 e jurisprudência referida].

    139

    No exercício do seu poder de apreciação na matéria, incumbe ao Tribunal de Justiça fixar a sanção pecuniária compulsória de modo que esta seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcionada ao incumprimento declarado e à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 57 e jurisprudência referida].

    140

    As propostas da Comissão relativas ao montante da sanção pecuniária compulsória não vinculam o Tribunal de Justiça e constituem apenas uma base de referência útil. O Tribunal de Justiça tem de ter liberdade para fixar a sanção pecuniária compulsória aplicada no montante e sob a forma que considerar adequados para incitar esse Estado‑Membro a pôr termo ao incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do direito da União [Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 58 e jurisprudência referida].

    141

    Para efeitos da fixação do montante da sanção pecuniária compulsória, os critérios de base que têm de ser tomados em consideração para assegurar a natureza coerciva desta última, com vista a uma aplicação uniforme e efetiva do direito da União, são, em princípio, a gravidade das infrações, a sua duração e a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa. Para aplicar estes critérios, importa ter em conta, especialmente, as consequências da inexecução para os interesses privados e públicos e a urgência em levar o Estado‑Membro em causa a cumprir as suas obrigações [v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2023, Comissão/Roménia (Encerramento de aterros), C‑109/22, EU:C:2023:991, n.o 59 e jurisprudência referida].

    142

    No presente processo, tendo em conta todos os elementos jurídicos e factuais que levaram à declaração do incumprimento, bem como as considerações que figuram nos n.os 102 a 131 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça considera adequada a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 900000 euros por dia no que concerne ao artigo 6.o e ao artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32, bem como a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100000 euros por dia no que concerne aos artigos 5.o, 6.o, 12.o e 13.o da Diretiva 2008/115.

    143

    Por conseguinte, há que condenar a Hungria a pagar à Comissão uma sanção pecuniária compulsória no montante de 900000 euros por cada dia de atraso na aplicação das medidas necessárias para dar cumprimento ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a contar da data da prolação do presente acórdão e até integral execução do primeiro acórdão no que concerne ao artigo 6.o e ao artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32. Há também que condenar a Hungria a pagar à Comissão uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100000 euros por cada dia de atraso na aplicação das medidas necessárias para dar cumprimento ao Acórdão Comissão/Hungria de 2020, a contar da data da prolação do presente acórdão e até integral execução do primeiro acórdão no que concerne aos artigos 5.o, 6.o, 12.o e 13.o da Diretiva 2008/115.

    Quanto às despesas

    144

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Hungria sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

     

    1)

    Ao não ter adotado todas as medidas necessárias para dar execução ao Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029), a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 260.o, n.o 1, TFUE.

     

    2)

    A Hungria é condenada a pagar à Comissão Europeia uma quantia fixa no montante de 200000000 euros.

     

    3)

    A Hungria é condenada a pagar à Comissão Europeia uma sanção pecuniária compulsória no montante de 900000 euros por dia a contar da prolação do presente acórdão até à data da execução do Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Commissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029), no que concerne ao artigo 6.o e ao artigo 46.o, n.o 5, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional.

     

    4)

    A Hungria é condenada a pagar à Comissão Europeia uma sanção pecuniária compulsória no montante de 100000 euros por dia a contar da prolação do presente acórdão até à data da execução do Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Commissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029), no que concerne aos artigos 5.o, 6.o, 12.o e 13.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular.

     

    5)

    A Hungria é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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