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Document 62022CJ0101

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 11 de maio de 2023.
    Comissão Europeia contra Sopra Steria Benelux e Unisys Belgium.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Artigo 169.o — Recurso que tem por objeto o dispositivo da decisão do Tribunal Geral — Contratos públicos de serviços — Processo de concurso — Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 — Artigo 170.o, n.o 3 — Ponto 23 do anexo I — Proponente preterido que dá conhecimento à Comissão Europeia dos indícios relativos ao caráter anormalmente baixo da proposta selecionada — Alcance do dever de fundamentação que incumbe à entidade adjudicante.
    Processo C-101/22 P.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:396

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

    11 de maio de 2023 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Artigo 169.o — Recurso que tem por objeto o dispositivo da decisão do Tribunal Geral — Contratos públicos de serviços — Processo de concurso — Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 — Artigo 170.o, n.o 3 — Ponto 23 do anexo I — Proponente preterido que dá conhecimento à Comissão Europeia dos indícios relativos ao caráter anormalmente baixo da proposta selecionada — Alcance do dever de fundamentação que incumbe à entidade adjudicante»

    Processo C‑101/22 P,

    que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.odo Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 10 de fevereiro de 2022,

    Comissão Europeia, representada por L. André e M. Ilkova bem como por O. Verheecke, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    sendo as outras partes no processo:

    Sopra Steria Benelux, com sede em Bruxelas (Bélgica),

    Unisys Belgium, com sede em Bruxelas,

    representadas por: L. Masson e G. Tilman, advogados,

    recorrentes em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

    composto por: M. Safjan, presidente de secção, N. Piçarra e M. Gavalec (relator), juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 1 de dezembro de 2021, Sopra Steria Benelux e Unisys Belgium/Comissão (T‑546/20, a seguir «acórdão recorrido, EU:T:2021:846), no qual este anulou a sua Decisão de 2 de julho de 2020 que, por um lado, rejeitou a proposta comum apresentada, no que respeita ao lote A, pela Sopra Steria Benelux e pela Unisys Belgium (a seguir, em conjunto, as «sociedades S2U») no âmbito do processo de concurso com a referência TAXUD/2019/OP/0006 e que abrange serviços destinados à especificação, desenvolvimento, manutenção e assistência do terceiro nível das plataformas informáticas da Direção‑Geral «Fiscalidade e União Aduaneira» e, por outro, adjudicou o contrato relativo a esse lote ao outro consórcio que apresentou uma proposta (a seguir «decisão controvertida»).

    Quadro jurídico

    Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça

    2

    Sob a epígrafe «Pedidos, fundamentos e argumentos do recurso», o artigo 169.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça dispõe:

    «1.   Os pedidos do recurso devem ter por objeto a anulação, total ou parcial, da decisão do Tribunal Geral, tal como figura no dispositivo dessa decisão.

    2.   Os fundamentos e argumentos jurídicos invocados devem identificar com precisão os pontos da fundamentação da decisão do Tribunal Geral que são contestados.»

    3

    Sob a epígrafe «Pedidos no caso de ser dado provimento ao recurso», o artigo 170.o deste Regulamento de Processo prevê, no seu n.o 1:

    «Os pedidos formulados no recurso devem ter por objeto, no caso de lhe ser dado provimento, o acolhimento, no todo ou em parte, dos pedidos apresentados em primeira instância, não sendo permitido formular pedidos novos. No recurso não pode ser alterado o objeto do litígio perante o Tribunal Geral.»

    Regulamento Financeiro

    4

    O Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013 (UE) n.o 1301/2013 (UE) n.o 1303/2013, (UE) n.o 1304/2013 (UE) n.o 1309/2013 (UE) n.o 1316/2013 (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro») dispõe, no seu artigo 161.o, sob a epígrafe «Anexo relativo à contratação pública e à delegação de poderes»:

    «No anexo I do presente regulamento, mencionam‑se as regras pormenorizadas relativas à contratação pública. A fim de garantir que, as instituições da União, ao adjudicarem contratos por conta própria, apliquem as mesmas normas que as normas impostas às entidades adjudicantes abrangidas pela Diretiva 2014/23/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1)] e pela Diretiva 2014/24/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65)], a Comissão fica habilitada a adotar atos delegados nos termos do artigo 269.o do presente regulamento para alterar o anexo I do presente regulamento a fim de o adaptar às alterações dessas diretivas e de nele introduzir as necessárias adaptações técnicas.»

    5

    Sob a epígrafe «Decisão de adjudicação e informação aos candidatos ou aos proponentes», o artigo 170.o desse regulamento prevê, nos seus n.os 2 e 3:

    «2.   A autoridade adjudicante comunica a todos os candidatos ou proponentes cujos pedidos de participação ou propostas tenham sido rejeitados os fundamentos da decisão correspondente e a duração dos períodos de reflexão referidos no artigo 175.o, n.o 2, e no artigo 178.o, n.o 1.

    […]

    3.   A entidade adjudicante informa cada um dos proponentes que não se encontre numa situação de exclusão referida no artigo 136.o, n.o 1, que não tenha sido rejeitado nos termos do artigo 141.o, cuja proposta seja conforme com os documentos do concurso e que apresente um pedido por escrito, de um dos seguintes elementos:

    a)

    O nome do proponente, ou proponentes no caso de um contrato‑quadro, a quem o contrato é adjudicado e, exceto no caso de um contrato específico ao abrigo de um contrato‑quadro sujeito a reabertura de concurso, as características e as vantagens relativas da proposta selecionada, o preço pago ou o valor do contrato, conforme o caso;

    […]

    No entanto, a entidade adjudicante pode decidir reter certas informações caso a sua divulgação possa obstar à aplicação da lei, ser contrária ao interesse público, lesar os legítimos interesses comerciais dos operadores económicos ou prejudicar a concorrência leal entre eles.»

    6

    Intitulado «Propostas anormalmente baixas», o ponto 23 do anexo I do referido regulamento tem a seguinte redação:

    «23.1. Se, em relação a um determinado contrato, o preço ou os custos constantes da proposta se afigurarem anormalmente baixos, a entidade adjudicante solicita por escrito os esclarecimentos que entender necessários sobre os elementos constitutivos do preço ou os custos e concede ao proponente a oportunidade de apresentar as suas observações.

    A entidade adjudicante pode, nomeadamente, tomar em consideração observações relacionadas com:

    a)

    Os dados económicos do processo de fabrico, da prestação dos serviços ou do método de construção;

    b)

    As soluções técnicas escolhidas ou as condições excecionalmente favoráveis de que o proponente dispõe;

    c)

    A originalidade da proposta;

    d)

    O cumprimento, pelo proponente, das obrigações aplicáveis em matéria de direito ambiental, social e laboral;

    e)

    O cumprimento, pelos subcontratantes, das obrigações aplicáveis em matéria de direito ambiental, social e laboral;

    f)

    A possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente nos termos das regras aplicáveis.

    23.2. A entidade adjudicante só pode rejeitar a proposta quando os meios de prova fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos preços ou custos propostos.

    A entidade adjudicante rejeita a proposta caso determine que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações aplicáveis em matéria de direito ambiental, social e laboral.

    […]»

    Antecedentes do litígio

    7

    Os antecedentes do litígio são apresentados como se segue nos n.os 1 a 8 do acórdão recorrido:

    «1 Em 6 de dezembro de 2019, a Comissão Europeia publicou no Suplemento do Jornal Oficial da União Europeia (JO 2019/S 236‑577462) um anúncio de concurso público relativo ao concurso, com a referência TAXUD/2019/OP/0006, e relativo aos serviços com vista à especificação, desenvolvimento, manutenção e apoio de 3.o nível das plataformas TI da Direção‑Geral «Fiscalidade e União Aduaneira» da Comissão. O referido procedimento incluía dois lotes, o lote A, «Serviços de evolução para a plataforma CCN/CSI», e o lote B, «Serviços de evolução para as plataformas [CCN2(ng),] SPEED2(ng), CDCO/TSOAP e SSV», e tinha como critério de adjudicação a melhor relação qualidade‑preço, a qualidade técnica e o preço contando, respetivamente, 70 % e 30 % para a avaliação das propostas. Para cada um destes dois lotes, a Comissão devia celebrar um contrato‑quadro por um período de 36 meses, renovável três vezes por períodos sucessivos de 12 meses, com o proponente que apresentasse a melhor relação preço-qualidade, desde que preenchesse determinados critérios mínimos relativos à elegibilidade, à não exclusão, à capacidade e à conformidade da proposta.

    2 Em 27 de fevereiro de 2020, [as sociedades S2U] apresentaram uma proposta conjunta ao abrigo de um consórcio liderado pela Sopra. A única outra proposta apresentada para o lote A dentro do prazo foi a do consórcio ARHS‑IBM, constituído pela ARHS Developments SA e a International Business Machines of Belgium SA.

    3 Por carta de 2 de julho de 2020, a Comissão comunicou [às sociedades S2U] a exclusão da sua proposta para o lote A, por não ser a proposta economicamente mais vantajosa, e que tinha adjudicado o contrato a outro proponente […]. Anexou um excerto do relatório de avaliação da proposta das recorrentes, com indicação da classificação atribuída, juntamente com explicações, e informou‑as de que, mediante pedido escrito, lhes poderia ser comunicado as características e as vantagens relativas da proposta selecionada, o valor do contrato, bem como o nome do adjudicatário. As [sociedades S2U] apresentaram tal pedido nesse mesmo dia.

    4 Resulta do excerto do relatório de avaliação que a proposta d[as sociedades S2U] obteve a classificação total de 90,81 pontos […]

    […]

    5 Por carta de 3 de julho de 2020, a Comissão informou [as sociedades S2U] que o contrato tinha sido adjudicado ao consórcio ARHS‑IBM e remeteu‑lhes um excerto do relatório de avaliação da proposta deste último, indicando a classificação atribuída, juntamente com explicações.

    6 Resulta de tal excerto do relatório de avaliação que a proposta do adjudicatário obteve uma pontuação total de 98,53 pontos […]

    […]

    7 Por carta de 10 de julho de 2020 [(a seguir “pedido de 10 de julho de 2020”)], [as sociedades S2U] contestaram o resultado do procedimento de concurso e, relativamente ao preço indicado na proposta selecionada, manifestaram dúvidas quanto à viabilidade, sem o risco de “dumping social”, de um preço muito inferior ao que tinham proposto e que consideravam razoável e compatível com as condições de mercado. Assim, pediram à entidade adjudicante que, nomeadamente, confirmasse que tinha verificado que a proposta do adjudicatário não apresentava nenhum risco nesse sentido.

    8 Por carta de 20 de julho de 2020, [(a seguir “resposta de 20 de julho de 2020”)], a Comissão respondeu, nomeadamente, que uma análise financeira detalhada da proposta selecionada tinha revelado que estava em conformidade com as condições de mercado dos países a partir dos quais os contratantes e os seus subcontratantes prestariam os serviços solicitados.»

    Recurso para o Tribunal Geral e acórdão recorrido

    8

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de setembro de 2020, as sociedades S2U interpuseram um recurso de anulação da decisão controvertida.

    9

    Em apoio do seu recurso invocaram dois fundamentos. O primeiro é relativo à violação do ponto 23 do anexo I do Regulamento Financeiro e a um erro manifesto de apreciação; o segundo, à falta de fundamentação da decisão controvertida relativamente ao eventual caráter anormalmente baixo da proposta selecionada.

    10

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente o segundo fundamento, que tinha decidido examinar a título preliminar.

    11

    Nos n.os 38 a 54 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sintetizou as regras relativas ao dever de fundamentação da entidade adjudicante nos procedimentos de adjudicação de contratos públicos da União, conforme resultam principalmente do artigo 170.o do Regulamento Financeiro e do ponto 23 do seu anexo I, bem como da jurisprudência a ele relativa.

    12

    Decorre, mais especificamente, dos n.os 47 a 49 desse acórdão que a apreciação, pela entidade adjudicante, da existência de propostas anormalmente baixas é efetuada em duas fases. Num primeiro momento, a entidade adjudicante aprecia prima facie, e não com base numa análise detalhada da composição de cada proposta, se o preço ou os custos indicados na proposta «se afiguram» anormalmente baixos. Na ausência de indícios suscetíveis de levantar suspeitas de que possa ser anormalmente baixa, a entidade adjudicante pode prosseguir a sua avaliação e o procedimento de adjudicação do contrato. Em contrapartida, perante tais indícios, a entidade adjudicante deve, num segundo momento, verificar de forma mais detalhada a composição dessa proposta, a fim de se certificar de que não é anormalmente baixa. Para esse efeito, deve, antes do mais, dar ao proponente em causa a possibilidade de expor as razões pelas quais considera que a sua proposta não é anormalmente baixa. A entidade adjudicante deve, em seguida, apreciar as explicações dadas e determinar se a proposta em questão apresenta um caráter anormalmente baixo, caso em que tem a obrigação de a rejeitar.

    13

    Nos n.os 51 a 53 do referido acórdão, o Tribunal Geral recordou que o dever de fundamentação que incumbe à entidade adjudicante quando considera que a proposta selecionada não se afigura anormalmente baixa tem um alcance restrito. Em especial, quando uma entidade adjudicante escolhe uma proposta, não está obrigada a indicar expressamente, em resposta a qualquer pedido de fundamentação que lhe seja apresentado ao abrigo do artigo 170.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro, as razões pelas quais a proposta que escolheu não lhe pareceu anormalmente baixa. Com efeito, o facto de selecionar uma proposta demonstra, implícita mas necessariamente, a inexistência de indícios que revelem que a proposta era anormalmente baixa. Em contrapartida, deve ser dada a conhecer uma fundamentação explícita ao proponente preterido que o solicite expressamente, a fim de o informar de um aspeto importante das características e das vantagens relativas da proposta selecionada, na aceção do artigo 170.o, n.o 3, deste regulamento. A este respeito, o Tribunal Geral considerou, no n.o 54 do mesmo acórdão, que não basta que a entidade adjudicante se limite a constatar que a proposta selecionada no âmbito do procedimento de adjudicação não é anormalmente baixa.

    14

    No n.o 55 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, no caso em apreço, a Comissão se limitou, num primeiro momento, em conformidade com o artigo 170.o do Regulamento Financeiro e com o ponto 31 do anexo I desse regulamento, a informar as sociedades S2U de que a sua proposta tinha sido rejeitada, anexando um excerto do relatório da comissão de avaliação relativo à sua proposta. Num segundo momento, na sequência de um pedido escrito destas últimas, a Comissão limitou‑se a comunicar‑lhes o nome do adjudicatário, o preço da proposta selecionada, a sua pontuação financeira e a sua relação qualidade/preço tal como expressa pela sua pontuação final. Para o Tribunal Geral, os pormenores assim comunicados não incidiam, de modo algum, sobre o exame do preço da proposta selecionada à luz do seu eventual caráter anormalmente baixo.

    15

    No n.o 59 desse acórdão, o Tribunal Geral recordou que foi devido à diferença significativa entre os preços propostos pelas sociedades S2U e pelo adjudicatário que este ganhou o contrato. Foi neste contexto que as sociedades S2U pediram à Comissão, como foi recordado no n.o 56 do referido acórdão, que confirmasse, nomeadamente, que tinha verificado que, à luz do seu preço, a proposta selecionada não comportava nem um risco de «dumping social» nem de riscos relativos à execução do contrato.

    16

    Nos n.os 57 e 66 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, embora as sociedades S2U não tenham invocado expressamente o conceito de «proposta anormalmente baixa», tinham claramente evocado as consequências potenciais inerentes à apresentação dessa proposta, a saber, um risco de dumping social e um risco para a continuidade da prestação dos serviços.

    17

    No n.o 58, há que salientar que a Comissão se limitou a responder, na sua carta de 20 de julho de 2020, que uma análise financeira detalhada sobre a dimensão financeira da proposta do adjudicatário tinha revelado que esta estava em conformidade com as condições do mercado dos países a partir dos quais os contratantes e os seus subcontratantes prestariam os serviços solicitados.

    18

    Nos n.os 60 e 61 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que tal constatação era insuficiente, tendo em conta o facto de apenas terem sido apresentadas duas propostas para o lote A e que só havia um único termo de comparação que permitisse determinar se existia um indício de que o preço da proposta selecionada podia ser considerado anormalmente baixo. Com efeito, dado que o critério do preço foi determinante na classificação das propostas e que o preço da proposta selecionada constituía a sua única vantagem, a Comissão deveria ter fornecido, pelo menos, as informações relativas à percentagem correspondente à parte do contrato que seria executada em subcontratação, bem como aos países a partir dos quais os serviços em causa seriam executados.

    19

    Se a Comissão tivesse, além disso, comunicado essas informações, como fez na sua contestação e na audiência realizada no Tribunal Geral, as sociedades S2U teriam podido compreender melhor as razões da diferença de preços entre as duas propostas. Tais informações teriam ainda permitido às recorrentes dispor de elementos suficientes para conhecerem as razões pelas quais a Comissão considerou que a proposta selecionada não se afigurava anormalmente baixa e, portanto, contestar eventualmente o mérito dessa apreciação.

    20

    No n.o 68 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que não se pode admitir que uma entidade adjudicante se limite a invocar o ponto 23.1 do anexo I do Regulamento Financeiro e se subtraia assim à obrigação, prevista no artigo 170.o, n.o 3, deste regulamento, de comunicar ao proponente preterido que o solicite por escrito as características e as vantagens da proposta selecionada, nomeadamente os motivos pelos quais essa proposta não se revelou anormalmente baixa. Segundo o Tribunal Geral, a Comissão não podia, portanto, limitar‑se a constatar que não tinha considerado que a proposta selecionada se afigurava anormalmente baixa, sem precisar às sociedades S2U, que tinham feito o pedido expresso, os fundamentos que a levaram a essa conclusão.

    21

    Por último, no n.o 69 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou extemporâneas as explicações fornecidas pela Comissão no decurso da instância, segundo as quais uma grande parte das prestações previstas pela proposta selecionada seriam subcontratadas, essencialmente na Grécia e na Roménia, pelo que as diferenças salariais ligadas aos lugares de execução das prestações explicavam a diferença de preço, substancial, entre as propostas apresentadas. O Tribunal Geral recordou que só podem ser tomadas em consideração as informações recebidas pelas sociedades S2U antes da interposição do recurso, não podendo a fundamentação, em princípio, ser explicitada pela primeira vez e a posteriori perante o juiz.

    22

    Tendo em conta as considerações precedentes, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 70 e 71 desse acórdão, que, tendo em conta as informações que a Comissão lhe tinha fornecido, as sociedades S2U não puderam ter conhecimento de todas as informações relativas à composição da proposta do adjudicatário que permitiram à Comissão considerar que a mesma não se afigurava anormalmente baixa. Por conseguinte, o Tribunal Geral julgou procedente o segundo fundamento das sociedades S2U e anulou a decisão controvertida, sem considerar necessário examinar o primeiro fundamento do recurso.

    Pedidos das partes

    23

    Através do seu recurso, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular os n.os 52 a 57, 60, 61, 66, 68 e 69 do acórdão recorrido,

    julgar o pedido de anulação improcedente, e

    condenar as sociedades S2U a suportarem as despesas no presente processo no Tribunal de Justiça e no processo no Tribunal Geral.

    24

    Na réplica, a Comissão pede igualmente que o Tribunal de Justiça se digne:

    declarar o recurso admissível na sua totalidade;

    anule o acórdão recorrido.

    25

    As sociedades S2U pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

    a título principal, negar provimento à totalidade do recurso e condenar a Comissão na totalidade das despesas do processo e

    a título subsidiário, na hipótese de o recurso ser julgado procedente, remeter o processo ao Tribunal Geral.

    Quanto ao recurso

    Quanto à exceção de inadmissibilidade suscitada pelas sociedades S2U

    Argumentos das partes

    26

    As sociedades S2U invocam a inadmissibilidade do recurso devido à violação dos artigos 169.o e 170.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça por parte da Comissão. Com efeito, a Comissão pede apenas a anulação dos n.os 52 a 57, 60, 61, 66, 68 e 69 do acórdão recorrido, sem pedir, por conseguinte, a anulação, total ou parcial, da decisão tal como figura no dispositivo desse acórdão, na aceção do artigo 169.o, n.o 1, daquele regulamento.

    27

    A Comissão também não contesta os n.os 70 e 71 do acórdão recorrido e deve, portanto, considerar‑se que os subscreveu. Ora, estes contêm a conclusão da argumentação que conduziu, em substância, o Tribunal Geral a constatar, por um lado, que as sociedades S2U não tiveram conhecimento das informações relativas à composição da proposta do adjudicatário a partir das quais a Comissão considerou que essa proposta não se afigurava anormalmente baixa e, por outro, que a Comissão tinha exposto insuficientemente os fundamentos suscetíveis de justificar essa conclusão, pelo que a decisão controvertida devia ser anulada sem ser necessário examinar o primeiro fundamento.

    28

    As sociedades S2U pedem igualmente a inadmissibilidade do novo pedido, formulado pela Comissão na réplica, destinado, por um lado, a que seja declarado admissível o recurso na sua totalidade e, por outro, à anulação desse acórdão.

    29

    A Comissão conclui pela improcedência da exceção de inadmissibilidade.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    30

    A título preliminar, há que salientar, como a Comissão alega na réplica, que as sociedades S2U não apresentam nenhum argumento que permita sustentar uma violação do artigo 170.o do Regulamento de Processo. Daqui resulta que a exceção de inadmissibilidade só deve ser examinada à luz do seu artigo 169.o

    31

    A este respeito, o princípio fundamental segundo o qual o recurso deve ser dirigido contra o dispositivo da decisão do Tribunal Geral, sem se poder limitar a visar a alteração de determinados fundamentos desta decisão, decorre do n.o 1 desta última disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de novembro de 2012, Al‑Aqsa/Conselho e Países Baixos/Al‑Aqsa, C‑539/10 P e C‑550/10 P, EU:C:2012:711, n.os 43 a 45, e de 16 de julho de 2020, Inclusion Alliance for Europe/ Comissão, C‑378/16 P, EU:C:2020:575, n.o 57). No entanto, o Tribunal de Justiça especificou igualmente que um formalismo excessivo na aplicação desta regra seria contrário a esta jurisprudência (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Inclusion Alliance for Europe/Comissão, C‑378/16 P, EU:C:2020:575, n.os 59 e 60).

    32

    No caso em apreço, na parte do seu recurso intitulada «Pedidos», a Comissão apenas pediu ao Tribunal de Justiça que anulasse os n.os 52 a 57, 60, 61, 66, 68 e 69 do acórdão recorrido, que negasse provimento ao recurso de anulação interposto pelas sociedades S2U no Tribunal Geral e que condenasse as sociedades S2U na totalidade das despesas.

    33

    No entanto, resulta claramente da página de entrada do recurso interposto pela Comissão que esta pede formalmente a anulação do acórdão recorrido. Além disso, embora esta última não tenha pedido expressamente a anulação desse acórdão no número final do seu recurso, identificou, para efeitos dos desenvolvimentos consagrados a cada um dos três fundamentos apresentados em apoio do seu recurso, os números desse acórdão que lhe pareciam viciados por um erro de direito e daí deduziu expressamente que o n.o 1 do dispositivo do referido acórdão devia igualmente ser anulado, posto que os números em questão constituíam o seu apoio.

    34

    Nestas condições, ainda que os pedidos stricto sensu do recurso não visem expressamente a anulação do n.o 1 do dispositivo do acórdão recorrido, não podem ser vistos de outra forma senão como tendo, em substância, o mesmo resultado. A este respeito, é patente, da leitura das contestações e da tréplica apresentadas pelas sociedades S2U que estas últimas compreenderam perfeitamente o raciocínio desenvolvido pela Comissão no seu recurso e as suas implicações relativamente ao n.o 1 da parte decisória do acórdão recorrido.

    35

    Quanto ao argumento relativo ao facto de a Comissão não ter contestado os n.os 70 e 71 desse acórdão, não pode ser acolhido. Com efeito, estes dois pontos da fundamentação têm apenas caráter declarativo e limitam‑se a retirar as consequências dos pontos que a Comissão expressamente contestou. Assim, mesmo que fosse preferível que a Comissão os pusesse igualmente em causa, esta omissão não pode ter consequências.

    36

    Cumpre, por conseguinte, julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pelas sociedades S2U.

    Quanto ao mérito

    37

    A Comissão invoca três fundamentos de recurso. Com o seu primeiro fundamento, acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao qualificar o pedido de 10 de julho de 2020 de «pedido expresso» destinado a obter os fundamentos que levaram a entidade adjudicante a não considerar a proposta selecionada como sendo anormalmente baixa. O segundo fundamento é relativo a uma desvirtuação do conteúdo da resposta de 20 de julho de 2020. Com o seu terceiro fundamento, a Comissão alega uma violação do alcance do dever de fundamentação que incumbe à entidade adjudicante por força do artigo 296.o TFUE e do artigo 170.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao qualificar o pedido de 10 de julho de 2020 de «pedido expresso» destinado a obter os motivos pelos quais a entidade adjudicante não considerou anormalmente baixa a proposta selecionada

    – Argumentos das partes

    38

    No âmbito do seu primeiro fundamento, a Comissão sustenta que os n.os 52 a 57 do acórdão recorrido enfermam de uma contradição que conduziu, nos n.os 66 e 68 do mesmo, a uma qualificação jurídica errada dos factos feita pelo Tribunal Geral.

    39

    Com efeito, resulta do Acórdão de 4 de julho de 2017, European Dynamics Luxembourg e o./Agência Ferroviária da União Europeia (T‑392/15, EU:T:2017:462, n.o 93) que só perante um pedido expresso de um proponente, a saber, um pedido que invoca expressamente o caráter anormalmente baixo da proposta selecionada pela entidade adjudicante, é que esta última deve justificar a razão pela qual considera que a proposta que escolheu não lhe parece anormalmente baixa.

    40

    Ora, esta exigência de um pedido expresso, que é sublinhada nos n.os 52 e 63 a 65 do acórdão recorrido, não existe no caso em apreço, uma vez que o Tribunal Geral declarou, no n.o 57 desse acórdão, que, no pedido de 10 de julho de 2020, «as [sociedades S2U] não invocaram explicitamente o conceito de proposta anormalmente baixa».

    41

    Para a Comissão, o facto de um proponente mencionar «uma das consequências potenciais inerentes à apresentação de uma proposta anormalmente baixa, a saber, um risco de dumping social […] e um risco para a continuidade da prestação dos serviços» não pode ser equiparado a um pedido expresso nem suficiente para fazer nascer, na esfera jurídica da entidade adjudicante, o dever de fundamentar as razões pelas quais uma proposta não lhe pareceu anormalmente baixa. Com efeito, os dois riscos invocados não são equiparáveis nem equivalentes ao conceito de proposta anormalmente baixa.

    42

    A este respeito, o conceito de «dumping social», que não está definido no direito da União, não é mencionado no ponto 23.1 do anexo I do Regulamento Financeiro que enumera os elementos a tomar em consideração para apreciar o caráter anormalmente baixo de uma proposta. Além disso, embora as sociedades S2U tenham invocado, no seu pedido de 10 de julho de 2020, o risco de continuidade na prestação de serviços, esse risco também não é mencionado nesta disposição. Por outro lado, as sociedades S2U só interrogaram a entidade adjudicante sobre a existência de um risco de dumping social.

    43

    Por conseguinte, o Tribunal Geral obrigaria a entidade adjudicante, mesmo quando lhe é submetido um pedido não expresso, a empenhar‑se numa interpretação teleológica das questões colocadas pelo proponente em vez de se cingir a uma interpretação literal dessas questões, como resulta do Acórdão de 26 de abril de 2018, European Dynamics Luxembourg e Evropaïki Dynamiki/Comissão (T‑752/15, não publicado, EU:T:2018:233, n.os 78 a 81). Esta nova interpretação geraria, além disso, insegurança jurídica, as entidades adjudicantes ignorando se devem equiparar qualquer pedido que invoque uma das «consequências potenciais da proposta anormalmente baixa» a um pedido expresso destinado a conhecer os motivos pelos quais a entidade adjudicante não tinha dúvidas quanto ao caráter anormalmente baixo da proposta selecionada.

    44

    Por outro lado, a Comissão não concordou com a qualificação do pedido de 10 de julho de 2020 como pedido expresso relativo ao caráter anormalmente baixo de uma proposta, como resulta dos n.os 66 e 68 do acórdão recorrido.

    45

    As sociedades S2U alegam que o primeiro fundamento do recurso é inadmissível, porquanto convida o Tribunal de Justiça a efetuar uma apreciação factual do conceito de «pedido expresso». A título subsidiário, este fundamento deve ser julgado improcedente.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    46

    Com o seu primeiro fundamento, que tem por objeto os n.os 52 a 57, 66 e 68 do acórdão recorrido, a Comissão acusa, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao considerar o pedido de 10 de julho de 2020 como um pedido expressamente destinado a que a entidade adjudicante exponha os motivos pelos quais a proposta selecionada não lhe pareceu ser anormalmente baixa.

    47

    A este respeito, uma vez que as sociedades S2U sustentam que o primeiro fundamento é inadmissível uma vez que convida o Tribunal de Justiça a fazer uma apreciação factual do conceito de «pedido expresso», importa recordar que a qualificação jurídica de um facto ou de um ato, efetuada pelo Tribunal Geral, é uma questão de direito que pode ser suscitada no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdãos de 19 de outubro de 1995, Rendo e o./Comissão, C‑19/93 P, EU:C:1995:339, n.o 26, e de 12 de maio de 2022, Klein/Comissão, C‑430/20 P, EU:C:2022:377, n.o 41). Daqui resulta que a questão de saber se o pedido de 10 de julho de 2020 constitui um pedido «expresso», ou seja, um pedido que visa as razões pelas quais a entidade adjudicante não considerou anormalmente baixa a proposta selecionada, na aceção do artigo 170.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento Financeiro, lido em conjugação com o ponto 23 do anexo I deste regulamento, é uma questão de direito que pode ser examinada em sede de recurso. Por conseguinte, este fundamento é admissível.

    48

    Quanto ao mérito, há que salientar que o artigo 170.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento Financeiro confere a possibilidade a qualquer proponente que não se encontre numa situação de exclusão, que não seja preterida e cuja proposta tenha sido considerada conforme com os documentos do concurso, de solicitar por escrito à entidade adjudicante informações como o nome do proponente a quem foi adjudicado o contrato, bem como as características e as vantagens relativas da proposta selecionada, o preço pago ou o valor do contrato, conforme adequado.

    49

    Um proponente preterido pode assim utilizar a faculdade conferida por esta disposição para convidar a entidade adjudicante a justificar a sua decisão de não considerar a proposta selecionada como uma proposta anormalmente baixa, na aceção do ponto 23 do anexo I deste regulamento. Essa interrogação pode revelar‑se útil na medida em que, ao selecionar uma proposta, se considera que a entidade adjudicante considerou, pelo menos implicitamente, que não existiam indícios que revelassem que a mesma era anormalmente baixa.

    50

    A faculdade assim conferida pelo artigo 170.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento Financeiro, lido em conjugação com o ponto 23 do anexo I deste regulamento, visa proteger qualquer proponente preterido, na última fase de um procedimento de adjudicação do contrato, da arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre os proponentes (v., por analogia, Acórdão de 27 de novembro de 2001, Lombardini e Mantovani, C‑285/99 e C‑286/99, EU:C:2001:640, n.os 44 e 57).

    51

    Foi portanto com razão que o Tribunal Geral declarou, no n.o 52 do acórdão recorrido, que uma entidade adjudicante só é obrigada a indicar expressamente as razões pelas quais a proposta que escolheu não lhe pareceu anormalmente baixa se um proponente preterido tiver feito um pedido expresso nesse sentido.

    52

    A este respeito, embora seja preferível que esse proponente se refira literalmente ao conceito de «proposta anormalmente baixa», na aceção do ponto 23 do anexo I do Regulamento Financeiro, quando pretende interrogar a entidade adjudicante a esse respeito, não se afigura, todavia, indispensável uma referência expressa a este conceito. Com efeito, por um lado, um «pedido expresso», para efeitos do artigo 170.o, n.o 3, alínea a), deste regulamento não pode ser confundido com a menção explícita da expressão «proposta anormalmente baixa». Por outro lado, uma vez que o artigo 170.o, n.o 3, alínea a), do referido regulamento não faz diretamente uso desta expressão, antes se referindo aos termos gerais de «características e as vantagens relativas da proposta selecionada», é suficiente que o pedido expresso vise com suficiente precisão e clareza tais características e vantagens sem retomar necessariamente a terminologia exata de outras disposições do mesmo regulamento.

    53

    No entanto, é crucial que o pedido do proponente preterido seja formulado de tal forma que não deixe pairar nenhuma dúvida sobre a sua intenção de levar a entidade adjudicante a justificar a sua decisão de não considerar a proposta selecionada anormalmente baixa. É o que acontece quando, como no caso em apreço, um proponente preterido assinala à entidade adjudicante duas consequências potenciais notoriamente conhecidas da escolha de uma proposta anormalmente baixa, como o risco de dumping social e o risco de pôr em perigo a continuidade dos serviços.

    54

    A relação entre esses riscos e o conceito de «proposta anormalmente baixa» resulta claramente do ponto 23.1, alíneas a), b), d) e e), do anexo I do Regulamento Financeiro, que prevê, a este respeito, que a entidade adjudicante pode, para determinar se uma proposta não é anormalmente baixa, designadamente tomar em consideração a economia do processo de fabrico, da prestação de serviços ou do processo de construção; às soluções técnicas escolhidas ou às condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha; e o cumprimento, pelo proponente ou pelos seus subcontratantes, das obrigações aplicáveis nos domínios do direito ambiental, social e laboral.

    55

    Por conseguinte, foi com razão que o Tribunal Geral considerou, nos n.os 56 e 57 do acórdão recorrido, que as sociedades S2U tinham claramente evocado as consequências potenciais inerentes à apresentação de uma proposta anormalmente baixa. Para chegar a essa conclusão, o Tribunal Geral salientou que as sociedades S2U tinham invocado o preço realista e competitivo da sua própria proposta, tendo em conta as condições de mercado, a sua experiência de cocontratante da Comissão e os riscos relativos à execução do contrato que implicaria uma proposta cujo preço era consideravelmente inferior ao que propunham.

    56

    Além disso, o Tribunal Geral sublinhou que as sociedades S2U tinham convidado a Comissão a confirmar, nomeadamente, que tinha verificado que, tendo em conta o seu preço, a proposta selecionada não comportava um risco de «dumping social». Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral considerou, com razão, que as sociedades S2U pretendiam salientar que a proposta selecionada era suscetível de não respeitar a legislação dos países em que os serviços deviam ser executados em matéria de remuneração do pessoal, de contribuições para o regime de segurança social e de segurança e de saúde no trabalho, pelo que essa proposta podia igualmente representar um risco para a continuidade da prestação dos serviços.

    57

    Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao qualificar, nos n.os 66 e 68 do acórdão recorrido, o pedido de 10 de julho de 2020 de «pedido expresso» abrangendo as razões pelas quais a entidade adjudicante não considerou a proposta selecionada anormalmente baixa.

    58

    O primeiro fundamento deve assim ser julgado improcedente.

    Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação do alcance do dever de fundamentação que incumbe à entidade adjudicante por força do artigo 296.o TFUE e do artigo 170.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro

    – Argumentos das partes

    59

    A Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao ignorar o alcance do dever de fundamentação que incumbe à entidade adjudicante por força do artigo 296.o TFUE e do artigo 170.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro.

    60

    Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral, por um lado, nos n.os 51 e 52 desse acórdão e, por outro, nos n.os 53, 54, 60, 61 e 68 do mesmo, contém contradições no que respeita ao alcance do dever de fundamentação e leva a ignorar a avaliação em duas fases, pela entidade adjudicante, das propostas que se afigurem anormalmente baixas, conforme previsto no ponto 23 do anexo I do Regulamento Financeiro. Além disso, ao instituir um dever de fundamentação tão amplo, o Tribunal Geral excede o disposto no artigo 170.o, n.o 3, deste regulamento, que não menciona o caráter anormalmente baixo de uma proposta como um elemento da fundamentação.

    61

    No n.o 51 do referido acórdão, o Tribunal Geral confirma que, na primeira fase da análise, a saber, quando a entidade adjudicante considerou que uma proposta não se afigurava anormalmente baixa, o dever de fundamentação tem apenas um alcance restrito. Dar um alcance mais completo ao dever de fundamentação, nesta fase da análise que assenta numa apreciação prima facie, equivaleria a impor uma probatio diabolica à entidade adjudicante.

    62

    Por conseguinte, só em presença de uma dúvida relativa ao caráter anormalmente baixo da proposta é que a entidade adjudicante é obrigada a consultar o proponente em causa, a fim de dispor de mais elementos relativos à composição do preço e dos custos. Nesta segunda fase da análise, tendo a entidade adjudicante podido proceder a uma verificação detalhada da proposta, o alcance do dever de fundamentação seria completo, como o Tribunal Geral declarou no seu Acórdão de 4 de julho de 2017, European Dynamics Luxembourg e o./Agência Ferroviária da União Europeia (T‑392/15, EU:T:2017:462, n.o 91).

    63

    No entanto, em contradição com o alcance restrito do dever de fundamentação, sublinhado no n.o 51 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu, na última frase do n.o 52 desse acórdão, que, no caso de a proposta não se revelar anormalmente baixa, os fundamentos que justificam essa falta de aparência devem ser comunicados se for dirigido um pedido expresso à entidade adjudicante e que esses fundamentos, bem como a argumentação que lhe subjaz, constituem características e vantagens, na aceção do artigo 170.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro. A argumentação do Tribunal Geral é contraditória, uma vez que implica que o simples pedido expresso de um proponente preterido, relativo ao caráter anormalmente baixo de uma proposta, conduza à supressão de qualquer distinção entre o alcance do dever de fundamentação na primeira fase, que é alegadamente limitado, e na segunda fase da análise, em que os fundamentos e a argumentação devem ser apresentados.

    64

    Esta contradição levou o Tribunal Geral a concluir, erradamente, nos n.os 60 e 61 do acórdão recorrido, pela insuficiência da fundamentação apresentada pela Comissão e, portanto, que esta última «devia, a fim de responder adequadamente ao pedido das [sociedades S2U], ter fornecido, pelo menos, as informações relativas à percentagem correspondente à parte do contrato que seria executada em subcontratação, bem como a indicação dos países a partir dos quais os serviços em causa seriam prestados».

    65

    Em segundo lugar, a Comissão salienta que, no n.o 69 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral a acusa de só no decurso da instância ter prestado às sociedades S2U explicações suplementares sobre a diferença de preço substancial entre as propostas. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral confunde o dever de fundamentação na fase administrativa do processo de concurso com a obrigação de a Comissão, enquanto recorrida, prestar explicações e informações no âmbito da fiscalização jurisdicional, tornando deste modo mais pesado, e sem nenhum fundamento legal, o dever de fundamentação que incumbe à Comissão.

    66

    No entanto, o Tribunal de Justiça já declarou, no Acórdão de 14 de outubro de 2020, Close e Cegelec/Parlamento (C‑447/19 P, não publicado, EU:C:2020:826, n.os 43 e 44), que, «tendo em conta os papéis respetivos dos proponentes e das instâncias de controlo, não se pode exigir que haja uma perfeita identidade entre a informação que uma entidade adjudicante deve fornecer a um proponente preterido ao abrigo do dever de fundamentação que lhe incumbe e a informação que essa entidade adjudicante deve prestar às instâncias jurisdicionais no âmbito da fiscalização, por estas, da legalidade da decisão de adjudicação de um contrato. Por outro lado, o facto de os documentos transmitidos ao Tribunal Geral no âmbito de uma diligência de instrução serem, posteriormente, igualmente transmitidos à recorrente, eventualmente numa versão não confidencial, está abrangido pelo princípio do contraditório e não significa, no entanto, que a entidade adjudicante deveria ter fornecido esses documentos já no âmbito da fundamentação ao abrigo das disposições do direito da União.»

    67

    As sociedades S2U alegam que o terceiro fundamento é improcedente.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    68

    O Tribunal de Justiça considera oportuno examinar o terceiro fundamento antes do segundo.

    69

    Em primeiro lugar, há que examinar o argumento da Comissão segundo o qual o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral, por um lado, nos n.os 51 e 52 do acórdão recorrido e, por outro, nos n.os 53, 54, 60, 61 e 68 do mesmo, contém contradições quanto ao alcance do dever de fundamentação e conduz à violação tanto do artigo 170.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro quanto do ponto 23 do seu anexo I.

    70

    A título preliminar, importa salientar que, nos n.os 51 a 54 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral resumiu a sua própria jurisprudência relativa ao dever de a entidade adjudicante fundamentar a sua decisão de não considerar a proposta selecionada anormalmente baixa.

    71

    Estes números devem todavia ser lidos à luz dos n.os 47 a 50 desse acórdão que se limitam a concretizar e que não são contestados pela Comissão. O Tribunal Geral neles sublinhou que a apreciação, pela entidade adjudicante, da existência de propostas anormalmente baixas é efetuada em duas fases. Numa primeira fase, a entidade adjudicante aprecia se o preço ou os custos constantes na proposta se «afigur[am]» anormalmente baixos. A utilização do verbo «afigurar» no ponto 23.1 do anexo I do Regulamento Financeiro implica que a entidade adjudicante proceda a uma apreciação prima facie do caráter anormalmente baixo de uma proposta, e não que proceda, oficiosamente, a uma análise detalhada da composição de cada proposta para determinar que não constitui uma proposta anormalmente baixa.

    72

    Portanto, nesta primeira fase, a entidade adjudicante deve unicamente determinar se as propostas apresentadas contêm um indício de que possam ser anormalmente baixas. É o que acontece designadamente quando o preço indicado numa proposta é significativamente inferior ao das outras propostas ou ao preço habitual do mercado. Se as propostas apresentadas não contiverem esse indício e, portanto, não se revelarem anormalmente baixas, a entidade adjudicante pode continuar a avaliação dessa proposta e o procedimento do concurso.

    73

    Num segundo momento, se existirem indícios de que uma proposta pode ser anormalmente baixa, a entidade adjudicante deve proceder à verificação da composição dessa proposta para se certificar de que não o é efetivamente. Para este efeito, deve, antes do mais, dar ao proponente em causa a possibilidade de expor as razões pelas quais considera que a sua proposta não é anormalmente baixa.

    74

    A entidade adjudicante deve depois apreciar as explicações dadas e determinar se a proposta em questão apresenta um caráter anormalmente baixo, caso em que tem a obrigação de a rejeitar. Para fundamentar de forma suficiente do facto de que, após uma análise aprofundada, a proposta selecionada não é anormalmente baixa, a entidade adjudicante deve expor o raciocínio no termo do qual, por um lado, concluiu que, pelas suas características, principalmente financeiras, essa proposta respeita nomeadamente a legislação do país em que os serviços devem ser prestados em matéria de remuneração do pessoal, de contribuição para o regime de segurança social e de respeito pelas normas de segurança e de saúde no trabalho e, por outro, verificou que o preço proposto integra todos os custos induzidos pelos aspetos técnicos da referida proposta.

    75

    O n.o 51 do acórdão recorrido diz respeito à primeira etapa do controlo, conforme evocada no n.o 48 desse acórdão. A este respeito, o Tribunal Geral precisou que, uma vez que só é exigido à entidade adjudicante um controlo prima facie, ou seja, um controlo baseado nas aparências, aquela apenas está sujeita a um dever de fundamentação de alcance restrito, que se pode bastar com uma fundamentação tácita. Com efeito, como resulta do n.o 52 do referido acórdão, o simples facto de uma entidade adjudicante escolher uma proposta significa, implícita mas necessariamente, segundo o Tribunal Geral, que não existiam indícios de que esta fosse anormalmente baixa.

    76

    É certo que a última frase deste n.o 52 não é desprovida de ambiguidade. Com efeito, o Tribunal Geral afirma aí, em substância, que a entidade adjudicante deve levar ao conhecimento do proponente preterido que o requeira expressamente os motivos pelos quais a proposta que escolheu não lhe pareceu anormalmente baixa. Ora, tal formulação não especifica se esses motivos designam aqueles que incitaram a entidade adjudicante a considerar a proposta selecionada como não sendo anormalmente baixa prima facie ou, pelo contrário, na sequência de uma análise detalhada.

    77

    A Comissão sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao exigir, nos n.os 60, 61 e 68 do acórdão recorrido, que apresentasse, logo na primeira fase da análise, uma fundamentação detalhada ao proponente preterido que tivesse expressamente solicitado as razões pelas quais aquela não tinha considerado que a proposta selecionada tinha um caráter anormalmente baixo.

    78

    Esta interpretação da última frase do n.o 52 do acórdão recorrido deve, todavia, ser afastada.

    79

    Embora seja certo, como o Tribunal Geral sublinhou no n.o 48 desse acórdão, que uma entidade adjudicante pode proceder a uma simples apreciação prima facie do caráter anormalmente baixo de uma proposta, esse controlo sumário é apenas para utilização interna e não pode ser oposto a um proponente preterido que apresente as suas dúvidas a respeito dessa apreciação.

    80

    Daqui resulta que, quando um proponente preterido, que não se encontra numa situação de exclusão e que cumpre os critérios de seleção, pede, por escrito e de forma fundamentada, à entidade adjudicante que exponha as razões pelas quais não considerou a proposta selecionada anormalmente baixa, esta última é obrigada a fornecer uma resposta detalhada.

    81

    Com efeito, o ponto 23.1 do anexo I do Regulamento Financeiro prevê que, se, em relação a um determinado contrato, o preço ou os custos constantes da proposta se afigurarem anormalmente baixos, a entidade adjudicante solicita por escrito os esclarecimentos que entender necessários sobre os elementos constitutivos do preço ou os custos e concede ao proponente a oportunidade de apresentar as suas observações. A redação desta disposição não exclui que as dúvidas quanto ao caráter anormalmente baixo da proposta selecionada possam ter sido suscitadas por um proponente preterido. A circunstância de esse proponente referir, de forma fundamentada, a existência de dúvidas sobre o caráter anormalmente baixo da proposta selecionada tem, assim, por consequência que a entidade adjudicante passe à segunda fase do controlo.

    82

    Excetuando a hipótese de os argumentos apresentados pelo proponente preterido serem desprovidos de pertinência ou de fundamentação, a entidade adjudicante está portanto obrigada, por um lado, a proceder a uma análise detalhada da proposta selecionada para demonstrar que esta não apresenta efetivamente um caráter anormalmente baixo e, por outro, a comunicar as suas grandes linhas ao proponente preterido que o interrogou expressamente sobre este ponto.

    83

    Qualquer outra interpretação seria suscetível de privar o proponente preterido do seu direito à ação garantido pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Com efeito, seria impossível a um proponente apreciar o mérito da decisão da entidade adjudicante segundo a qual a proposta selecionada não apresenta um caráter anormalmente baixo se essa entidade adjudicante se pudesse limitar a salientar perentoriamente e sem apresentar a menor justificação que essa proposta lhe parecia estar em conformidade com as condições de mercado dos países a partir dos quais os serviços em causa devem ser prestados pelos contratantes e pelos seus subcontratantes ou ainda que o preço da proposta selecionada não apresenta um caráter anormalmente baixo.

    84

    No caso em apreço e como o Tribunal Geral salientou, no n.o 60 do acórdão recorrido, isto é tanto mais assim quanto apenas tinham sido apresentadas duas propostas à entidade adjudicante, que o critério do preço era determinante na classificação das propostas e que o preço da proposta selecionada era a única vantagem relativa que a caracterizava. Além disso, como resulta do n.o 56 desse acórdão, a experiência das sociedades S2U enquanto cocontratantes da Comissão deveria igualmente tê‑la levado a conceder crédito aos receios expressos por estas de que a proposta selecionada comporta um risco de «dumping social», bem como riscos relativos à execução do contrato, visto que o preço proposto pelo adjudicatário era consideravelmente inferior ao da sua proposta.

    85

    Foi, portanto, com razão que o Tribunal Geral decidiu, no n.o 68 do acórdão recorrido, que a Comissão não podia limitar‑se a constatar que a proposta selecionada não lhe parecia anormalmente baixa, sem precisar às sociedades S2U, que tinham apresentado um pedido expresso, os fundamentos que a levaram a essa conclusão.

    86

    Em segundo lugar, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter confundido, nos n.os 60 e 69 do acórdão recorrido, o dever de fundamentação que incumbe à entidade adjudicante e a prerrogativa desta última, enquanto recorrida, de invocar os seus direitos de defesa, conforme consagrados no artigo 47.o, n.o 2, da Carta.

    87

    Esta argumentação é manifestamente improcedente.

    88

    Com efeito, a circunstância de a Comissão ter apresentado as razões da decisão controvertida no decurso da instância não pode compensar a insuficiência da fundamentação inicial dessa decisão. Ora, a fundamentação não pode ser explicitada pela primeira vez e a posteriori perante o juiz, salvo circunstâncias excecionais que, não existindo urgência, não estão reunidas no caso em apreço (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 1981, Michel/Parlamento, 195/80, EU:C:1981:284, n.o 22; de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 463, e de 11 de junho de 2020, Comissão/Di Bernardo, C‑114/19 P, EU:C:2020:457, n.o 51).

    89

    Permitir que a instituição posta em causa difira o seu dever de fundamentar a sua decisão de considerar que a proposta selecionada não é anormalmente baixa afetaria o direito a uma proteção jurisdicional efetiva dos proponentes preteridos, na medida em que estes devem conhecer os fundamentos de um ato, não apenas para defenderem os seus direitos nas melhores condições possíveis, mas também para poderem decidir, com pleno conhecimento de causa, se é útil para eles recorrer ao órgão jurisdicional competente (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 1987, Heylens e o., 222/86, EU:C:1987:442, n.o 15, e de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.o 120).

    90

    Além disso, o Tribunal Geral não exigiu de forma nenhuma que a Comissão assegurasse uma perfeita identidade entre, por um lado, a informação que deve fornecer a um proponente preterido e, por outro, o juiz da União. Por conseguinte, o argumento por analogia retirado do Acórdão de 14 de outubro de 2020, Close e Cegelec/Parlamento (C‑447/19 P, não publicado, EU:C:2020:826, n.o 43) é irrelevante.

    91

    Consequentemente, há que julgar o quarto fundamento improcedente na íntegra.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma desvirtuação dos factos ao apreciar de forma errada o conteúdo da resposta de 20 de julho de 2020

    – Argumentos das partes

    92

    Com o seu segundo fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral desvirtuou o conteúdo da resposta de 20 de julho de 2020, o que o levou a considerar erradamente que a Comissão violou o dever de fundamentação que lhe incumbia por força do artigo 170.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro. Após ter salientado, com razão, no n.o 8 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha afirmado, nessa resposta, «que uma análise financeira detalhada da proposta selecionada tinha revelado que estava em conformidade com as condições de mercado dos países a partir dos quais os contratantes e os seus subcontratantes prestariam os serviços solicitados», o Tribunal Geral considerou, erradamente, nos n.os 61 e 68 desse acórdão, que, na referida resposta, a Comissão se limitou a constatar ou justificar através de uma simples afirmação de que o preço da proposta selecionada não apresentava um caráter anormalmente baixo. Ao fazê‑lo, não precisou às sociedades S2U, que tinham feito o pedido expresso, as razões que a levaram a esta conclusão.

    93

    A Comissão alega que, na resposta de 20 de julho de 2020, não tomou posição sobre a questão de saber se a proposta selecionada apresentava ou não um caráter anormalmente baixo. Limitou‑se a responder à questão colocada pelas sociedades S2U sobre o dumping social, declarando que uma análise detalhada da proposta financeira que escolheu tinha revelado que a proposta vencedora está em conformidade com as condições de mercado dos países a partir dos quais os contratantes e os seus subcontratantes prestarão os serviços pretendidos.

    94

    Esta desvirtuação do conteúdo da resposta de 20 de julho de 2020, conjugada com o erro cometido na qualificação do pedido de 10 de julho de 2020, levou o Tribunal Geral a concluir erradamente, no n.o 68 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cumprido o seu dever de fundamentação.

    95

    As sociedades S2U contrapõem que este fundamento deve ser julgado improcedente.

    – Apreciação do Tribunal de Justiça

    96

    Com o seu segundo fundamento, a Comissão sustenta, em substância, que, uma vez que as sociedades S2U não lhe submeteram um pedido expressamente destinado a que lhe fossem comunicadas as razões pelas quais tinha considerado que a proposta selecionada não apresentava um caráter anormalmente baixo, limitou‑se a responder ao pedido das sociedades S2U quanto à existência de um risco de dumping social. Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou, erradamente, que a resposta de 20 de julho de 2020 afirmava que o preço da proposta selecionada não apresentava um caráter anormalmente baixo, tendo assim desvirtuado o conteúdo dessa resposta.

    97

    Ora, dado que resulta da análise do primeiro fundamento que as sociedades S2U apresentaram efetivamente à Comissão um «pedido expresso» relativo ao caráter anormalmente baixo da proposta selecionada, esta instituição devia submeter‑se às exigências particulares de fundamentação resultantes do artigo 170.o, n.o 3, e do ponto 23 do anexo I do Regulamento Financeiro. Assim, para garantir o direito à ação garantido no artigo 47.o às sociedades S2U da Carta ao proponente preterido, a Comissão, na sua qualidade de entidade adjudicante, não se podia limitar a alegar, de forma perentória e sem apresentar a menor justificação nesse sentido, que a proposta selecionada não apresentava um risco de dumping social.

    98

    A este respeito, há que recordar que o direito à ação garantido neste artigo 47.o basta por si só e que não tem de ser precisado por disposições do direito da União para conferir aos particulares um direito invocável enquanto tal (Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 78, e de 14 de julho de 2022, EPIC Financial Consulting, C‑274/21 e C‑275/21, EU:C:2022:565, n.o 83).

    99

    Nestas condições, mesmo admitindo que o Tribunal Geral, ao considerar que a resposta de 20 de julho de 2020 afirmava simplesmente que o preço da proposta selecionada não apresentava um caráter anormalmente baixo, tenha desvirtuado o conteúdo dessa resposta, tal desvirtuação não pode pôr em causa a conclusão que figura no n.o 97 do presente acórdão, segundo a qual a Comissão devia respeitar as exigências particulares de fundamentação resultantes do artigo 170.o, n.o 3, e do ponto 23 do anexo I do Regulamento Financeiro, e que não se podia limitar a afirmar, sem a menor justificação, que a proposta selecionada não apresentava um risco de dumping social.

    100

    Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

    101

    Não tendo sido julgado procedente nenhum dos fundamentos de recurso invocados pelas recorrentes, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

    Quanto às despesas

    102

    Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas.

    103

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as sociedades S2U pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: francês.

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