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Document 62022CC0175

Conclusões da advogada-geral Ćapeta apresentadas em 25 de maio de 2023.


Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:436

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 25 de maio de 2023 ( 1 )

Processo C‑175/22

BK,

sendo intervenientes:

Spetsializirana prokuratura

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva 2012/13/UE — Direito à informação em processo penal — Artigo 6.o, n.o 4 — Direito a ser informado sobre a alteração da qualificação jurídica de uma infração penal por um órgão jurisdicional nacional — Artigo 47.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a um processo equitativo — Imparcialidade judicial»

I. Introdução

1.

De acordo com relatórios recentes, todos os anos mais de 9 milhões de pessoas enfrentam processos penais em toda a União Europeia ( 2 ). Para o efeito, a União Europeia adotou vários instrumentos jurídicos que estabelecem determinados direitos processuais comuns aplicáveis em processo penal.

2.

Um desses instrumentos é a Diretiva 2012/13/UE relativa ao direito à informação em processo penal ( 3 ), que estabelece regras relativas ao direito das pessoas de serem informadas dos seus direitos processuais, incluindo da acusação contra elas formulada.

3.

O presente processo resulta de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) relativamente à interpretação da referida diretiva, em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

4.

A principal questão levantada por este processo é essencialmente a de saber se a Diretiva 2012/13 se opõe a uma legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional condenar um acusado por uma infração penal cuja qualificação jurídica foi por si alterada sem informar o acusado antes de proferir a sentença. Este processo também levanta questões relacionadas com o facto de a informação sobre a alteração da qualificação da infração penal partir do órgão jurisdicional poder ser contrário às garantias de imparcialidade judicial consagradas no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

II. Matéria de facto do processo principal, questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça

5.

A Spetsializirana prokuratura (Procuradoria do Ministério Público Especializada, Bulgária) deduziu acusação contra o acusado BK no Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial), o órgão jurisdicional de reenvio do presente processo.

6.

A Spetsializirana prokuratura (Procuradoria do Ministério Público Especializada) acusou BK de ter cometido um crime de corrupção na sua qualidade de investigador da polícia. Nos termos do Código Penal búlgaro ( 4 ), o referido crime é punido com uma pena privativa da liberdade de 3 a 15 anos, uma multa de 25000 leva (BGN) (cerca de 12500 euros), confiscação de metade dos bens e perda de direitos.

7.

A defesa de BK contestou a referida qualificação jurídica, alegando que os factos em questão não se enquadravam no âmbito das responsabilidades de BK enquanto investigador da polícia, mas constituíam, em vez disso, crime de fraude. Nos termos do Código Penal búlgaro ( 5 ), o referido crime é punível com uma pena privativa da liberdade não superior a cinco anos.

8.

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a sua decisão sobre o objeto do processo deve, em princípio, ser proferida em relação à acusação formulada pelo Ministério Público. Se considerar que o tipo de crime objeto da acusação não está preenchido, deverá proferir uma absolvição. Contudo, se considerar provados os factos alegados pelo Ministério Público, deverá averiguar se os mesmos configuram um tipo de crime diferente, punido com uma pena que não seja mais grave.

9.

O órgão jurisdicional de reenvio explica que, em tal caso, a legislação búlgara relevante ( 6 ) tem sido interpretada na jurisprudência no sentido de que permite a um órgão jurisdicional alterar oficiosamente a qualificação jurídica da infração penal sem informar previamente o acusado. É o que acontece quando não há alteração substancial dos factos descritos na acusação e a nova qualificação jurídica não implica a aplicação de uma pena mais grave ( 7 ). Na prática, o acusado só tem conhecimento da nova qualificação jurídica quando é proferida a decisão do órgão jurisdicional.

10.

O órgão jurisdicional de reenvio considera, portanto, que, nos termos da legislação nacional, seria possível alterar a qualificação jurídica da infração imputada a BK e, assim, considerar provada a prática de um crime de fraude, tal como alegado pela defesa da BK. O órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente outro crime possível, o de tráfico de influência, punível, nos termos do Código Penal búlgaro ( 8 ), com pena privativa de liberdade até seis anos ou multa até 5000 BGN (aproximadamente 2500 euros).

11.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade da legislação nacional, tal como interpretada na jurisprudência, com o artigo 6.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2012/13, uma vez que o acusado é privado de qualquer oportunidade de apresentar uma defesa contra a nova qualificação jurídica e não tem conhecimento da mesma até à condenação. O órgão jurisdicional de reenvio não tem, no entanto, a certeza sobre se o facto de a nova qualificação jurídica não implicar uma pena mais grave poderá justificar essa legislação nacional.

12.

O órgão jurisdicional de reenvio observa ainda que, se o Tribunal de Justiça considerar que a Diretiva 2012/13 se opõe à referida legislação nacional, seria obrigado a informar BK da possibilidade de uma condenação com base numa qualificação jurídica diferente da indicada pelo Ministério Público e a dar‑lhe a oportunidade de preparar a sua defesa. Neste caso, o órgão jurisdicional de reenvio teme que possa perder a sua neutralidade se considerar que uma determinada qualificação jurídica é concebível e depois condenar o acusado com base nessa qualificação, mesmo que tenha previamente dado a oportunidade a essa pessoa de se preparar para tal. Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se o facto de as informações sobre a requalificação da infração partirem do órgão jurisdicional, e não do Ministério Público, poderá pôr em causa a imparcialidade do órgão jurisdicional, conforme garantida pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

13.

Nestas circunstâncias, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) decidiu suspender a instância no processo principal e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«(1)

Os n.os 3 e 4 do artigo 6.o da Diretiva [2012/13] opõem‑se a que a jurisprudência interprete disposições de direito nacional — os artigos 301.o, n.o 1, ponto 2, em conjugação com o artigo 287.o, n.o 1, do [NKP] — no sentido de que o órgão jurisdicional pode, na sentença, efetuar uma alteração da qualificação jurídica da conduta que constava da acusação, desde que a conduta não seja mais [gravemente] punida, se o acusado não tiver sido devidamente notificado da nova qualificação jurídica, antes de proferida a sentença, e não tiver tido a possibilidade de se defender da mesma?

(2)

Em caso de resposta afirmativa: o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta proíbe o órgão jurisdicional de informar os acusados de que a decisão do processo poderá vir a ser proferida com base noutra qualificação jurídica da conduta e, além disso, de conferir‑lhes a possibilidade de preparar a sua defesa relativamente à mesma, por a iniciativa da alteração da qualificação jurídica não provir do Ministério Público?»

14.

Por carta de 5 de agosto de 2022, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária) informou o Tribunal de Justiça de que, na sequência de uma alteração legislativa que entrou em vigor em 27 de julho de 2022, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) tinha sido extinto e de que determinados processos penais pendentes neste último órgão jurisdicional, incluindo o presente processo, tinham sido transferidos a partir dessa data para o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia).

15.

A República Checa e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estas partes apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 2 de março de 2023.

III. Apreciação

16.

As duas questões submetidas ao Tribunal de Justiça decorrem das particularidades do direito processual penal búlgaro relativamente à possibilidade de um órgão jurisdicional alterar a qualificação jurídica de uma infração penal em determinadas circunstâncias sem informar o acusado. Na prática, o acusado só toma conhecimento da nova qualificação jurídica da infração penal no momento da prolação da sentença pelo órgão jurisdicional, não tendo assim oportunidade de se defender contra a nova qualificação jurídica no processo penal. Contudo, tal alteração da qualificação jurídica só é permitida quando não houver alteração substancial dos factos da acusação e a nova qualificação jurídica não implicar a aplicação de uma pena mais grave. Estas particularidades são o resultado da interpretação judicial da legislação búlgara pertinente.

17.

As questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre a conformidade da referida legislação nacional com o direito da União exigem a interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2012/13 e do direito fundamental a um tribunal imparcial, garantido pelo artigo 47.o da Carta. Abordarei sucessivamente cada uma das duas questões.

A.   Primeira questão

18.

A primeira questão refere‑se ao direito do acusado de ser informado da alteração da qualificação jurídica da infração penal. Esta questão exige, a meu ver, a interpretação do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, embora o órgão jurisdicional de reenvio também mencione o artigo 6.o, n.o 3, da referida diretiva na sua questão ( 9 ).

19.

Proponho, por conseguinte, que o Tribunal de Justiça reformule a primeira questão, perguntando essencialmente se o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 se opõe a uma legislação nacional que permite que um órgão jurisdicional informe o acusado, apenas no momento da prolação do acórdão, de que alterou a qualificação jurídica da infração penal.

20.

Esta questão implica que o órgão jurisdicional possa alterar oficiosamente a qualificação jurídica da infração. Gostaria de esclarecer, desde já, que, no presente processo, o Tribunal de Justiça não é convidado a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de tal poder do órgão jurisdicional nacional com o direito da União ( 10 ). A primeira questão refere‑se apenas ao momento em que a informação sobre a alteração deve ser comunicada ao acusado.

21.

Como a resposta a esta questão exige a interpretação da Diretiva 2012/13, começarei por dizer algumas palavras sobre a diretiva e o seu artigo 6.o

1. Diretiva 2012/13 e seu artigo 6.o

22.

A Diretiva 2012/13 é uma das seis diretivas «direitos processuais» ou «Roteiro» decorrentes da Resolução do Conselho de 2009 sobre um roteiro para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais ( 11 ). Este último foi aprovado pelo Programa de Estocolmo do Conselho Europeu sobre o espaço de liberdade, segurança e justiça ( 12 ). As referidas diretivas baseiam‑se na competência da União Europeia ao abrigo do artigo 82.o, n.o 2, alínea b), TFUE para promulgar regras mínimas relativas aos direitos individuais em processo penal ( 13 ).

23.

A principal justificação das referidas regras comuns é a facilitação do reconhecimento mútuo das decisões judiciais em matéria penal ( 14 ). Tal reflete‑se muito claramente no preâmbulo da Diretiva 2012/13 ( 15 ).

24.

A Diretiva 2012/13 estabelece regras mínimas comuns relativas ao direito à informação dos suspeitos e acusados em processo penal ( 16 ). O direito à informação em processo penal é um aspeto fundamental do direito a um processo equitativo ( 17 ), uma vez que o julgamento só pode ser justo se os arguidos tiverem conhecimento dos seus direitos ( 18 ).

25.

O artigo 6.o da Diretiva 2012/13, que é pertinente no presente caso, contribui para garantir um processo equitativo ao estabelecer regras relativas a um aspeto do direito a ser informado ( 19 ). Trata‑se do direito dos suspeitos ou acusados de saberem de que são acusados. Tem o seguinte teor:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados recebam informações sobre o ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados ter cometido. Estas informações são prestadas prontamente e com os detalhes necessários, a fim de garantir a equidade do processo e de permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados que sejam detidos ou presos sejam informados das razões para a sua detenção ou prisão, incluindo o ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados ter cometido.

3.   Os Estados‑Membros asseguram que, pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal, sejam prestadas informações detalhadas sobre a acusação, incluindo a natureza e qualificação jurídica da infração penal, bem como a natureza da participação do acusado.

4.   Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados sejam prontamente informados das alterações nas informações prestadas nos termos do presente artigo caso tal seja necessário para salvaguardar a equidade do processo».

26.

O considerando 27 da Diretiva 2012/13 especifica que as pessoas que forem acusadas de terem cometido uma infração penal deverão receber todas as informações necessárias sobre a acusação contra elas formulada a fim de lhes permitir preparar a sua defesa e garantir a equidade do processo.

27.

O considerando 29 da Diretiva 2012/13 refere ainda que, caso, no decurso do processo penal, os detalhes da acusação sejam de tal modo alterados que a posição dos suspeitos ou acusados seja substancialmente afetada, tal deverá ser‑lhes comunicado caso seja necessário para salvaguardar a equidade do processo e para, em tempo útil, lhes permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

2. Quanto à primeira questão

28.

É contrário ao artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 informar o acusado de que a acusação contra si formulada foi alterada apenas no momento da prolação da sentença pela qual o referido acusado é condenado pela acusação alterada?

29.

A resposta óbvia é a resposta afirmativa porque ao acusado não foi dada a oportunidade de se defender da acusação pela qual foi condenado. Contudo, será a resposta tão óbvia se a nova acusação e a acusação original apresentarem os mesmos elementos constitutivos do tipo? Pode‑se partir do princípio de que, numa tal situação, o acusado não poderia ter‑se defendido?

30.

A República Checa considera que o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa, se a nova qualificação jurídica não for mais grave nem inesperada. Baseia o seu argumento na formulação da referida disposição, segundo a qual os suspeitos ou acusados só precisam de ser informados das alterações «caso tal seja necessário para salvaguardar a equidade do processo». Na audiência, a República Checa deu o exemplo dos crimes de furto e de roubo. A mesma explicou que o furto é geralmente definido como a apropriação de bens pertencentes a outra pessoa e que o roubo designa geralmente o furto com utilização de violência. Se a qualificação jurídica original do crime for roubo e depois for alterada para furto, o órgão jurisdicional não é obrigado a informar o acusado porque a qualificação jurídica de roubo engloba todos os elementos constitutivos do tipo de crime de furto e a oportunidade de apresentar a defesa já existia anteriormente. Contudo, se a qualificação jurídica original do crime for furto, não poderá ser alterada para roubo sem que se informe o acusado e lhe seja dada a oportunidade de apresentar defesa, uma vez que o crime de furto não contém todos os elementos constitutivos do crime de roubo.

31.

A Comissão alega que o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa. Entende, contudo, que, numa situação em que os elementos constitutivos do tipo da infração cuja qualificação jurídica foi alterada já estivessem incluídos na infração original, não seria necessário informar o acusado antes da prolação da sentença. Nesse caso, o acusado não precisaria de alterar a sua estratégia de defesa. Esta não é, no entender da Comissão, a situação do presente caso.

32.

Tanto a República Checa como a Comissão referem a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»). Afirmam que a declaração de uma violação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») depende da salvaguarda da equidade do processo, razão pela qual se deve ter em conta o facto de o acusado ter tido conhecimento, no decurso do processo, da possibilidade de uma nova qualificação jurídica. A interpretação do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 e, em especial, da formulação «necessário para salvaguardar a equidade do processo» deve ser entendida de forma semelhante.

33.

É, portanto, necessário começar por examinar a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça, identificada abaixo por alínea a) e a do TEDH, identificada abaixo por alínea b).

a) Jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça

34.

O Acórdão Kolev e o ( 20 ). visava fundamentalmente a interpretação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2012/13. O Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, declarou que o objetivo do artigo 6.o da Diretiva 2012/13 de assegurar o exercício efetivo dos direitos de defesa e a equidade do processo determina que o acusado receba informações detalhadas sobre a acusação num momento que lhe permita preparar eficazmente a sua defesa. O Tribunal de Justiça declarou ainda, com relevância para o presente processo, que o referido requisito não exclui que as informações relativas à acusação transmitidas à defesa possam ser objeto de alterações posteriores, nomeadamente no que respeita à qualificação jurídica dos factos imputados, conforme previsto no artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13. O Tribunal de Justiça salientou que tais alterações e elementos devem, no entanto, ser comunicados ao arguido ou ao seu advogado num momento em que estes disponham ainda da oportunidade de reagir de maneira efetiva, antes da fase de deliberação ( 21 ).

35.

No Acórdão Moro ( 22 ), o Tribunal de Justiça repetiu as conclusões acima mencionadas e declarou que a informação de qualquer alteração no que respeita à acusação diz respeito não só a alterações nos factos pelos quais a pessoa é acusada, mas também à alteração da qualificação jurídica desses factos. Tal é necessário, nos termos do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, para que o acusado possa exercer os seus direitos de defesa de forma concreta e efetiva ( 23 ).

36.

Consequentemente, parece resultar claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, num contexto em que exista uma alteração da qualificação jurídica da infração penal, o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 impõe que o acusado seja informado dessa alteração num momento em que o mesmo tenha a oportunidade de reagir contra esta nova acusação e que deve ser anterior à fase de deliberação do tribunal.

37.

A referida jurisprudência suporta, por conseguinte, o entendimento de que a legislação nacional em causa no presente processo é incompatível com o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13. Contudo, não foi pedido ao Tribunal de Justiça, em nenhum dos casos anteriores, que se pronunciasse sobre a questão de saber se deviam ser prestadas informações ao acusado sobre a alteração da qualificação jurídica da infração penal no caso de a nova qualificação jurídica se basear nos mesmos elementos constitutivos do tipo da qualificação original. Por conseguinte, não é possível considerar que a jurisprudência anterior contenha uma resposta conclusiva para efeitos do presente processo.

b) Jurisprudência do TEDH nesta matéria

38.

Tal como explicado (v. n.o 32 das presentes conclusões), tanto a República Checa como a Comissão se baseiam na jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 6.o, n.o 3, alínea a), da CEDH, que prevê o direito da pessoa em causa de ser informada, no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ela formulada.

39.

Desde logo, o TEDH declarou que o artigo 6.o, n.o 3, alínea a), da CEDH confere à pessoa o direito de ser informada não só do fundamento da acusação (ou seja, dos atos que alegadamente cometeu e nos quais a acusação se baseia), mas também da qualificação jurídica atribuída a esses atos. Tal é considerado importante para garantir a equidade do processo ( 24 ). Consequentemente, o âmbito do artigo 6.o, n.o 3, alínea a), da CEDH é analisado à luz do direito mais geral a um processo equitativo garantido pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH e do direito da pessoa de dispor do tempo e de condições adequadas para a preparação da sua defesa nos termos do artigo 6.o, n.o 3, alínea b), da mesma ( 25 ).

40.

Quanto às alterações da acusação, o acusado deve ser devida e plenamente informado das mesmas, e deve também dispor do tempo e das condições necessárias para a elas reagir e organizar a sua defesa com base em qualquer nova informação ou alegação ( 26 ). Conforme declarado reiteradamente pelo TEDH, se os tribunais têm, quando tal direito é reconhecido no direito interno, a possibilidade de alterar a qualificação jurídica dos factos em relação aos quais foram devidamente chamados a pronunciar‑se, os mesmos devem assegurar que o acusado tenha tido a oportunidade de exercer os seus direitos de defesa a este respeito de forma concreta e efetiva. Tal implica que a referida pessoa seja informada de forma pormenorizada e em tempo útil, não só dos factos materiais em que a acusação se baseia, mas também da qualificação jurídica atribuída a esses factos ( 27 ).

41.

Com base nas referidas considerações, o TEDH considerou que tinha ocorrido uma violação do artigo 6.o, n.o 3, alíneas a) e b), da CEDH, em conjugação com o artigo 6.o, n.o 1, da mesma, nas situações em que um órgão jurisdicional alterou a qualificação jurídica da infração penal e o acusado não teve a oportunidade de se defender contra a nova qualificação jurídica de forma prática e efetiva e em tempo útil ( 28 ). Em especial, o TEDH salientou que se a informação é dada quando o acusado já não tem a oportunidade de preparar a sua defesa contra a nova acusação e se foi só através da decisão do órgão jurisdicional que este tomou conhecimento da alteração da qualificação jurídica, a informação é demasiado tardia ( 29 ).

42.

Além disso, o facto de a alteração da qualificação jurídica dizer respeito à aplicação de uma pena menos grave não foi considerado relevante pelo TEDH ( 30 ).

43.

Por exemplo, no Acórdão Pélissier e Sassi c. França ( 31 ), o TEDH, reunido em Grande Secção, considerou que havia violação da CEDH numa situação em que o órgão jurisdicional alterou a qualificação jurídica do crime de insolvência dolosa para o crime de incitamento e comparticipação na insolvência dolosa e em que os acusados não foram informados dessa acusação. Nesse contexto, o TEDH analisou a questão de saber se os acusados deveriam ter tido conhecimento da possibilidade de serem condenados pela nova acusação. Tendo em conta as diferenças nos elementos a provar, o TEDH concluiu que a referida nova acusação pelos crimes de incitamento e comparticipação não constituía um elemento intrínseco da acusação inicial de que tinham conhecimento desde o início do processo. Embora não lhe competisse avaliar o mérito da defesa que os referidos acusados teriam podido invocar se tivessem tido a oportunidade de apresentar observações sobre a nova acusação, o TEDH observou que era, no entanto, plausível sustentar que a defesa teria sido diferente. Consequentemente, ao utilizar um direito que lhe é conferido pela legislação nacional para alterar a qualificação jurídica constante da acusação, o órgão jurisdicional deveria ter dado aos acusados a oportunidade de prepararem a sua defesa contra a nova acusação. O conhecimento da alteração da qualificação jurídica apenas através da sentença foi demasiado tardio.

44.

Do mesmo modo, o TEDH declarou a existência de uma violação da CEDH no Acórdão Penev c. Bulgária ( 32 ). O TEDH salientou que o acusado não poderia ter tido conhecimento de que o órgão jurisdicional poderia pronunciar‑se com base numa nova qualificação jurídica, que os elementos do tipo da infração antiga e da nova infração eram diferentes e que os elementos do tipo da nova infração nunca foram debatidos no processo, uma vez que foi apenas através da decisão do órgão jurisdicional que o acusado tomou conhecimento da nova qualificação jurídica. O TEDH também rejeitou os argumentos de que a qualificação jurídica da infração fosse pouco importante se a condenação alternativa se baseasse nos mesmos factos, e reiterou que a CEDH exige que o acusado seja informado de forma pormenorizada, não só dos atos que alegadamente cometeu mas também da qualificação jurídica que lhes foi atribuída.

45.

O processo D.M.T. e D.K.I. c. Bulgária ( 33 ) parece ser o mais semelhante ao presente processo porque se referia a uma alteração da qualificação jurídica do crime de corrupção para o crime de fraude. O TEDH declarou a existência de uma violação da CEDH, uma vez que o acusado não foi informado, em nenhum momento do processo, da alteração da qualificação jurídica; foi apenas através da decisão do órgão jurisdicional que tomou conhecimento das novas acusações formuladas contra si. Segundo o TEDH, o acusado não poderia ter previsto tal alteração da qualificação jurídica, uma vez que os elementos do tipo dos dois crimes eram diferentes, pelo que era plausível que a defesa teria sido diferente.

46.

Considero importante observar que, nos referidos casos, havia diferenças nos elementos constitutivos do tipo a provar das infrações penais originais e daquelas cuja qualificação jurídica foi alterada.

47.

Em contrapartida, o TEDH declarou a inexistência de violação da CEDH em situações em que o acusado tenha tido a oportunidade de reagir à nova qualificação jurídica da infração penal ( 34 ). É o caso, por exemplo, das situações em que o acusado foi informado da possibilidade de alteração da acusação durante o exame do processo pelo órgão jurisdicional competente e teve a oportunidade de apresentar argumentos contra a nova acusação antes da prolação da sentença ( 35 ). Esta situação difere, contudo, da situação do presente processo, em que o acusado só teve conhecimento da alteração da qualificação jurídica da infração depois de proferida a sentença.

48.

Em alguns casos, o TEDH declarou a inexistência de violação da CEDH por considerar que o acusado teve conhecimento dos elementos do tipo da nova qualificação jurídica e pôde defender‑se contra a infração penal que lhe foi imputada no processo.

49.

No Acórdão Salvador Torres c. Espanha ( 36 ), o TEDH declarou a inexistência de violação do direito do acusado ao abrigo do artigo 6.o, n.o 3, alínea a), da CEDH numa situação em que o crime tinha sido alterado de desfalque simples para desfalque simples com a circunstância agravante de ter tirado partido da natureza pública do cargo. A natureza pública do cargo do acusado era um elemento intrínseco da acusação original e, portanto, conhecido do acusado desde o início do processo. O acusado teve, portanto, a oportunidade de abordar essa questão no âmbito do processo.

50.

Do mesmo modo, no Acórdão Marilena‑Carmen Popa c. Roménia ( 37 ), o TEDH declarou a inexistência de violação da CEDH numa situação em que o órgão jurisdicional alterou a qualificação jurídica do crime de falsificação na forma continuada para um único crime de falsificação. O TEDH considerou que o único ato de falsificação pelo qual a pessoa foi condenada era um elemento intrínseco da acusação inicial que tinha sido formulada contra ela por atos de falsificação na forma continuada. Assim, a acusada teve conhecimento desde o início do processo penal e pôde, durante todo o processo, expressar os seus pontos de vista e apresentar observações e provas em sua defesa relativamente a cada ato de falsificação de que foi acusada. Nas referidas circunstâncias, o TEDH considerou que a acusada tinha tido forçosamente pleno conhecimento da possibilidade de ser condenada pelos tribunais nacionais pela nova qualificação jurídica da infração.

51.

Finalmente, por exemplo no Acórdão Gea Catalán c. Espanha ( 38 ), o TEDH declarou a inexistência de violação da CEDH numa situação em que a discrepância denunciada foi o resultado de um erro material cometido pelo Ministério Público, mas em que o acusado tinha sido devidamente informado de todos os elementos da acusação no processo.

52.

Consequentemente, a jurisprudência do TEDH supramencionada pode ser classificada em dois grupos. No primeiro grupo de casos, os elementos constitutivos do tipo da infração original e os da infração já com alteração da qualificação jurídica diferiam. Nesses casos, o TEDH considerou que o acusado não tinha tido a oportunidade de se defender antes da prolação da decisão que o condenou pela infração já com alteração da qualificação jurídica. O presente caso parece decorrer de uma situação desse tipo, mas cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar. O segundo grupo de casos são aqueles em que os elementos constitutivos do tipo da infração original abrangem todos os elementos constitutivos do tipo da infração com alteração da qualificação jurídica (como o exemplo da República Checa dos crimes de furto e de roubo mencionado no n.o 30 das presentes conclusões). A jurisprudência do TEDH parece sugerir que, em tais situações, o acusado já teve a oportunidade de se defender e que a sua estratégia de defesa não seria diferente. Por conseguinte, informar o acusado apenas no momento da prolação da sentença não constitui uma violação da CEDH.

c) Como deve o Tribunal de Justiça interpretar o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13?

53.

A República Checa e a Comissão sublinharam que, ao interpretar o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, o Tribunal de Justiça deveria adotar uma abordagem semelhante à adotada pelo TEDH na sua jurisprudência que avalia as alegadas violações do artigo 6.o, n.o 3, alínea a), da CEDH.

54.

Será, de facto, assim?

55.

No entanto, a obrigação de interpretar a Diretiva 2012/13 de forma coerente com os direitos fundamentais significa que os direitos contidos na referida diretiva não podem oferecer uma proteção inferior à garantida pela Carta e pela CEDH. Tal não significa que o legislador da UE não possa conceder aos acusados direitos mais amplos. Além disso, se o direito derivado da UE prevê tais direitos mais amplos, tal não significa automaticamente que o nível da Carta seja superior ao da Convenção. Significa apenas que a solução legislativa é ainda mais benéfica do que a exigida pela norma dos direitos fundamentais na UE, não podendo o legislador da UE ficar abaixo desse limite, mais podendo ir mais além.

56.

Por conseguinte, ainda que a jurisprudência do TEDH deva ser interpretada no sentido de que permite a alteração da qualificação jurídica da infração penal sem dar ao arguido a oportunidade de reagir a essa alteração em determinadas circunstâncias, tal não significa necessariamente que o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 deva ser interpretado desse modo.

57.

Ao interpretar o direito derivado da União, além de ter em consideração a proteção dos direitos fundamentais como limiar mínimo, o Tribunal de Justiça também tem de ter em consideração a finalidade do ato jurídico a interpretar.

58.

Tal como expresso no seu preâmbulo ( 39 ), a Diretiva 2012/13 visa harmonizar as legislações nacionais com vista a reforçar a confiança mútua e, consequentemente, permitir o reconhecimento mútuo no domínio da cooperação judiciária em matéria penal.

59.

Este importante objetivo subjacente à Diretiva 2012/13 influencia necessariamente o método da sua interpretação, da mesma forma que influencia a interpretação de outras diretivas adotadas com base no artigo 82.o, n.o 2, TFUE. No processo Covaci, o primeiro processo em que o Tribunal de Justiça foi convidado a interpretar a Diretiva 2012/13, o advogado‑geral Y. Bot propôs que «as regras adotadas com base no artigo 82.o, n.o 2, TFUE devem ser interpretadas no sentido adequado a proporcionar‑lhes um efeito útil pleno, na medida em que essa interpretação, que reforçará a proteção dos direitos, reforçará ao mesmo tempo a confiança mútua e, consequentemente, facilitará o mecanismo do reconhecimento mútuo ( 40 )». Considerou ainda que, «[r]estringir o alcance dessas regras por uma leitura literal dos textos pode ter o efeito de contrariar esse mecanismo do reconhecimento mútuo e, por conseguinte, a construção do espaço de liberdade, segurança e justiça.» ( 41 )

60.

Concordo com a referida posição do advogado‑geral Y. Bot. As regras comuns estabelecidas pela Diretiva 2012/13 devem ser interpretadas de forma a melhor alcançar o objetivo de reforçar a confiança mútua. Tal objetivo favorece soluções simples. Contudo, o Tribunal de Justiça está vinculado pelos limites de interpretação aceitável impostos pela redação do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13.

61.

Neste contexto, importa analisar quais são as possíveis interpretações da formulação «necessário para salvaguardar a equidade do processo» do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13. Se existir mais do que uma opção, como creio que existe, o Tribunal de Justiça deverá escolher a opção que melhor alcance o objetivo de reforçar a confiança mútua.

62.

Na minha opinião, a redação do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 deixa em aberto (pelo menos) duas opções.

63.

De acordo com a primeira opção interpretativa, a equidade do processo é salvaguardada nas situações em que há coincidência entre os elementos constitutivos do tipo da infração original e os da infração cuja qualificação jurídica foi alterada, mesmo que o acusado não seja informado dessa alteração antes da prolação da sentença. Esta opção reflete a jurisprudência do TEDH. Baseia‑se na premissa de que, em tais situações, o órgão jurisdicional está convencido de que o acusado já tinha a oportunidade de se defender e que a estratégia de defesa não seria diferente.

64.

É compreensível que uma tal abordagem casuística possa parecer aceitável na jurisprudência do TEDH. Ao TEDH é confiada a tarefa de avaliar a posteriori se a forma como um determinado processo penal foi conduzido violou direitos baseados na CEDH. O TEDH pode, portanto, avaliar retroativamente, tendo em consideração todas as circunstâncias do caso particular, se um órgão jurisdicional, que não deu ao acusado a oportunidade de apresentar uma defesa contra uma acusação cuja qualificação jurídica foi alterada, violou ou não a CEDH.

65.

No entanto, se a Diretiva 2012/13 deve reforçar a confiança mútua, esta opção interpretativa apresenta inconvenientes. Tal abordagem casuística baseia‑se na avaliação (subjetiva) por um órgão jurisdicional de que o acusado (e o seu advogado) não poderiam beneficiar de uma estratégia de defesa diferente. Na minha opinião, tal exigência imposta a um órgão jurisdicional de avaliar possíveis estratégias de defesa em casos concretos é problemática, e pode até ser mais suscetível de entrar em conflito com a imparcialidade judicial do que a situação considerada pelo órgão jurisdicional nacional na segunda questão prejudicial submetida (v. n.os 77 a 84 das presentes conclusões).

66.

Nas circunstâncias do presente processo, os elementos constitutivos do tipo da infração original e os da infração cuja qualificação jurídica foi alterada parecem ser diferentes, pelo que uma legislação nacional que permita ao órgão jurisdicional informar o acusado sobre a alteração da qualificação jurídica da infração apenas no momento da prolação da sentença não seria coerente com o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, mesmo ao abrigo da primeira opção interpretativa. No entanto, se os elementos constitutivos do tipo das duas infrações coincidissem, a primeira opção interpretativa não se oporia a uma legislação nacional que permitisse ao acusado ser informado sobre a alteração da qualificação jurídica da infração apenas no momento da prolação da sentença. Tal significa que, no exemplo checo dos crimes de furto e de roubo (v. n.o 30 das presentes conclusões), o órgão jurisdicional teria de concluir que a estratégia de defesa não seria diferente. Imagine‑se, contudo, que uma pessoa acusada do crime de roubo concentrou a sua defesa na contestação da utilização da violência, porque seria absolvida do crime de roubo se esse elemento faltasse. A referida pessoa poderia não se ter concentrado no elemento da apropriação dos bens de outra pessoa. Se o acusado soubesse que o crime era o de furto, poderia ter dado maior ênfase à contestação dessa parte da acusação. Podia um órgão jurisdicional concluir, com alguma certeza, que uma estratégia de defesa diferente não seria útil ao acusado? Dada a incerteza relacionada com esta opção interpretativa, a mesma não contribuirá de forma útil para consolidar a confiança que os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro têm relativamente à prática dos órgãos jurisdicionais de outros Estados‑Membros.

67.

Pode‑se mesmo afirmar que o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 é supérfluo se apenas reafirma o direito que decorre da Carta e da CEDH. As regras da primeira opção interpretativa já vinculam os Estados‑Membros e os seus tribunais. Reconheço que não se pode negar que, por vezes, a mera expressão no direito derivado da União das regras adotadas pelos tribunais na interpretação dos direitos fundamentais possa contribuir para a visibilidade dessas regras ( 42 ). Contudo, a segunda opção interpretativa conduz a uma regra ainda mais clara e é, por conseguinte, mais eficaz para reforçar a confiança mútua.

68.

A segunda opção interpretativa defende que, para efeitos do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, informar o arguido de que a qualificação jurídica da infração foi (ou pode ser) alterada em tempo útil que permita reagir à nova infração é sempre «necessário para salvaguardar a equidade do processo». A conclusão mantém‑se, não obstante o acusado poder ter tido conhecimento de que a alteração da qualificação jurídica da infração era possível ( 43 ) e o facto de todos os elementos constitutivos do tipo da nova infração estarem incluídos na infração original.

69.

Se tal interpretação fosse aceite, isso significaria que um órgão jurisdicional que considere que a qualificação jurídica da infração deve ser alterada deve dar a oportunidade ao acusado de apresentar uma nova defesa. Tal prolongamento do processo não deve ser motivo para rejeitar a interpretação proposta, especialmente se ponderada relativamente à garantia de que o processo seja equitativo.

70.

A referida interpretação do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13, mesmo que possa prolongar o processo, é muito mais simples na medida em que não implica avaliações subjetivas por parte do órgão jurisdicional. Impõe, pelo contrário, uma regra clara: se este considerar necessário alterar a qualificação jurídica da infração, deve informar o acusado da nova acusação e permitir‑lhe reagir à acusação com a qualificação jurídica alterada, apresentando uma nova defesa.

71.

Encontro apenas um argumento contra a segunda opção interpretativa. Este argumento baseia‑se nos trabalhos preparatórios do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 ( 44 ). Um dos documentos institucionais do Conselho da União Europeia ( 45 ) parece sugerir que este procurou seguir a abordagem adotada na jurisprudência do TEDH. Assim, o Conselho propôs o considerando que é atualmente o considerando 29 e que utiliza as expressões «substancialmente afetada» e «caso seja necessário para salvaguardar a equidade do processo» retiradas diretamente da linguagem da jurisprudência do TEDH.

72.

Contudo, dado que não é certo que a formulação «necessário para salvaguardar a equidade do processo» do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13 tenha sido mantida na versão final da diretiva para refletir a intenção do legislador da União de apenas reafirmar o direito à informação sobre a acusação desenvolvido na jurisprudência do TEDH, parece‑me que não há razão para dar mais peso a esse argumento do que àquele que se baseia no objetivo da Diretiva 2012/13 de reforçar a confiança mútua.

73.

Finalmente, não considero que a intenção de apenas reafirmar o nível de proteção garantido pela CEDH possa ser inferida do considerando 40 da Diretiva 2012/13, que explica que a diretiva apenas fixa regras mínimas. Vale a pena citar este considerando na íntegra:

«A presente diretiva fixa regras mínimas. Os Estados‑Membros podem alargar os direitos nela previstos a fim de proporcionarem um nível de proteção mais elevado igualmente em casos que não sejam expressamente abrangidos pela presente diretiva. O nível de proteção nunca deverá ser inferior ao das normas previstas na CEDH, tal como têm vindo a ser interpretadas pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.»

74.

Conforme resulta claramente do referido considerando, a expressão «regras mínimas» significa que os Estados‑Membros podem fixar um nível mais elevado de proteção do que o imposto pela Diretiva 2012/13. Não significa que as regras estabelecidas na diretiva tenham de ser as regras mais mínimas possível. A terceira frase explica claramente que a CEDH, tal como interpretada pelo TEDH, fixa o limite mínimo, incluindo nas situações não abrangidas pela Diretiva 2012/13. Nada no considerando sugere que os direitos conferidos pela Diretiva 2012/13 não possam ser mais extensivos do que os conferidos pela CEDH.

75.

Com base nas razões acima expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que escolha a segunda opção ao interpretar o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13. Assim, a referida disposição deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não permite ao acusado apresentar a sua defesa contra a infração objeto de uma alteração da qualificação jurídica após ter sido informado dessa alteração. Esta interpretação não é afetada pelo facto de a nova qualificação jurídica não implicar uma pena mais grave.

B.   Segunda questão

76.

Se o Tribunal de Justiça responder afirmativamente à primeira questão, tal como é por mim proposto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, com a sua segunda questão, se as garantias da imparcialidade judicial consagradas no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta se opõem a uma legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional informar o acusado de uma possível alteração da qualificação jurídica da infração penal quando a iniciativa dessa alteração não parta do Ministério Público.

77.

Como já expliquei (v. n.o 20 das presentes conclusões), o presente processo não se refere à possibilidade de os tribunais, por oposição ao Ministério Público, alterarem a qualificação jurídica da infração penal em processo penal. Pelo contrário, como explicou um autor, «é bem possível que, ao abrigo do direito interno, um órgão jurisdicional não esteja vinculado pela qualificação jurídica dada pelo Ministério Público ao facto punível, mas tal apenas transfere o dever de informar do segundo para o primeiro — se for prevista uma tal alteração, o órgão jurisdicional deve informar a defesa e adiar a audiência para lhe permitir adaptar a sua defesa à nova acusação». [tradução livre] ( 46 )

78.

A segunda questão deve, portanto, ser entendida no sentido de procurar saber se a obrigação imposta a um órgão jurisdicional nacional de informar o acusado sobre a alteração da qualificação jurídica da infração penal é contrária ao requisito da imparcialidade judicial.

79.

O requisito de imparcialidade judicial, enquanto faceta da independência judicial ( 47 ), tem dois aspetos. Por um lado, o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente imparcial, isto é, nenhum dos seus membros deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, presumindo‑se a imparcialidade pessoal até prova em contrário. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional deve ser objetivamente imparcial, ou seja, deve oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima a este respeito ( 48 ).

80.

O órgão jurisdicional de reenvio parece estar preocupado com os dois aspetos da imparcialidade.

81.

A meu ver, o facto de o órgão jurisdicional informar o acusado de que decidiu ou está a considerar alterar a qualificação jurídica da infração penal não interfere com a sua imparcialidade. Assim é, em especial se o órgão jurisdicional, depois de anunciar (a possibilidade de) alteração da qualificação jurídica da infração, permitir ao acusado apresentar uma nova defesa.

82.

O entendimento de que a imparcialidade do órgão jurisdicional não é afetada pelo simples facto de este informar o acusado da alteração da qualificação jurídica da infração pode ser apoiado pelo Acórdão do TEDH Bäckström e Andersson c. Suécia ( 49 ). No referido acórdão, o TEDH considerou que a intervenção de um órgão jurisdicional para informar as partes sobre a possibilidade de uma alteração da qualificação jurídica da infração não lançava dúvidas sobre a sua imparcialidade para efeitos do direito a um processo equitativo nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH.

83.

Não vendo qualquer necessidade de aprofundar a questão, considero que a resposta a dar à segunda questão é a de que as garantias de imparcialidade judicial consagradas no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta não se opõem a uma legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional informar o acusado da possível alteração da qualificação jurídica da infração penal, inclusive quando a iniciativa de tal alteração não parta do Ministério Público, mas do órgão jurisdicional.

IV. Conclusão

84.

À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) da seguinte forma:

1)

O artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal, opõe‑se a uma legislação nacional que não permite ao acusado apresentar a sua defesa contra a alteração da qualificação jurídica da infração após ter sido informado da alteração. Esta interpretação não é afetada pelo facto de a nova qualificação jurídica não implicar uma pena mais grave.

2)

O artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não se opõe a uma legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional informar o acusado da possível alteração da qualificação jurídica da infração penal, inclusive quando a iniciativa desta alteração não parta do Ministério Público, mas do órgão jurisdicional.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) V. Comissão Europeia, «Factsheet — Your rights if accused or suspected of criminal offences in the EU», 2018, disponível em inglês em: https://commission.europa.eu/strategy‑and‑policy/policies/justice‑and‑fundamental‑rights/criminal‑justice/rights‑suspects‑and‑accused_en#documents.

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de maio de 2012 (JO 2012, L 142, p. 1).

( 4 ) Segundo a decisão de reenvio, os factos em causa foram juridicamente qualificados como crime nos termos do artigo 302.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), em conjugação com o artigo 301.o, n.o 3 e n.o 1, do Nakazatelen kodeks (Código Penal, a seguir «NK»), mais especificamente crime de corrupção por investigador da polícia, sob a forma de extorsão e com abuso de poder.

( 5 ) Segundo o despacho de reenvio, existe fraude nos termos do artigo 209.o, n.o 2, do NK (a disposição mencionada pela defesa de BK) quando o agente causa um dano patrimonial, tirando partido do erro, inexperiência ou falta de conhecimento da vítima que dispõe do seu património.

( 6 ) A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio invoca o artigo 301.o, n.o 1, ponto 2, em conjugação com o artigo 287.o, n.o 1, do Nakazatelno protsesualen kodeks (Código de Processo Penal búlgaro; a seguir «NPK»). O artigo 301.o, n.o 1, ponto 2, do NPK prevê o seguinte: «Ao proferir a sentença, o órgão jurisdicional aprecia e decide sobre as seguintes questões: […] se a atuação constitui uma infração penal e sobre a sua qualificação jurídica». O artigo 287.o, n.o 1, do NPK enuncia: «O Ministério Público deduz uma nova acusação quando, no decurso do inquérito penal, constate que existem razões para proceder a uma alteração substancial dos factos da acusação ou que é aplicável uma norma que prevê penas mais graves».

( 7 ) No despacho de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio explica mais pormenorizadamente a fundamentação da referida jurisprudência. Uma vez que, por lei, o Ministério Público pode alterar a qualificação jurídica da infração se a nova qualificação comportar uma pena mais grave, tudo indica que o órgão jurisdicional não está impedido de condenar o acusado com base numa qualificação jurídica diferente que oficiosamente considere correta, por sua própria iniciativa, desde que: 1) não exista uma alteração substancial dos factos da acusação e 2) a nova qualificação jurídica não diga respeito a uma infração penal à qual corresponda uma pena mais grave.

( 8 ) Segundo o despacho de reenvio, constitui o crime de tráfico de influência previsto no artigo 304.o‑B, n.o 1, do NK a conduta do agente que exige ou recebe um benefício a que não tem direito, para influenciar a decisão de um funcionário público, relacionada com o exercício das suas funções.

( 9 ) V., por analogia, Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.os 44 a 47), em que o Tribunal de Justiça considerou pertinente para a interpretação do artigo 6.o, n.o 4, e não do artigo 6.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2012/13, uma situação de alteração da qualificação jurídica dos factos em que se baseava a acusação relativamente a um pedido de sanção penal negociada (menos grave) nos termos do direito nacional.

( 10 ) Na sua jurisprudência, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aceitou indiretamente que um órgão jurisdicional pode alterar a qualificação jurídica da infração penal se a legislação nacional o permitir. V., por exemplo, TEDH, 25 de março de 1999, Pélissier e Sassi c. França (CE:ECHR:1999:0325JUD002544494, § 62); 11 de dezembro de 2007, Drassich c. Itália (CE:ECHR:2007:1211JUD002557504, § 34); e 24 de julho de 2012, D.M.T. e D.K.I. c. Bulgária (CE:ECHR:2012:0724JUD002947606, § 75). No Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 55), o Tribunal de Justiça referiu essa jurisprudência.

( 11 ) Resolução do Conselho, de 30 de novembro de 2009, sobre um Roteiro para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais (JO 2009, C 295, p. 1). V. considerandos 11 e 14 da Diretiva 2012/13. Para uma análise aprofundada, v. ainda, por exemplo, Mitsilegas, V., EU Criminal Law, Second edition, Hart, 2022, em especial pp. 254 a 295.

( 12 ) Conselho Europeu, «Programa de Estocolmo — Uma Europa Aberta e Segura que Sirva e Proteja os Cidadãos», n.o 2.4 (JO 2010 C 115, p. 1). V. considerando 12 da Diretiva 2012/13.

( 13 ) V. considerando 9 da Diretiva 2012/13.

( 14 ) V., por exemplo, o Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação da [Diretiva 2012/13], Bruxelas, COM(2018) 858 final, 18.12.2018, n.o 1.1.

( 15 ) V., a este respeito, os considerandos 3, 4 e 10 da Diretiva 2012/13.

( 16 ) Diretiva 2012/13, artigo 1.o.

( 17 ) V. Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 43).

( 18 ) V., por exemplo, Sayers, D., «Article 48 (Criminal Law) — Presumption of Innocence and Right of Defence», in Peers, S.., Hervey, T., Kenner, J. and Ward, A. (editores), The EU Charter of Fundamental Rights: A Commentary, 2.a Edição, Hart, 2021, p. 1413, em especial p. 1444.

( 19 ) V. Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 43), ou, mais recentemente, Acórdão de 21 de outubro de 2021, ZX (regularização da acusação) (C‑282/20, EU:C:2021:874, n.o 25).

( 20 ) V. Acórdão de 5 de junho de 2018 (C‑612/15, EU:C:2018:392).

( 21 ) Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o. (C‑612/15, EU:C:2018:392, em especial n.os 95 e 96) V. também Acórdão de 21 de outubro de 2021, ZX (regularização da acusação) (C‑282/20, EU:C:2021:874, n.o 29).

( 22 ) V. Acórdão de 13 de junho de 2019 (C‑646/17, EU:C:2019:489).

( 23 ) Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2012:489, em especial n.os 52, 53, 56 e 70).

( 24 ) V. TEDH, 25 de março de 1999, Pélissier e Sassi c. França (CE:ECHR:1999:0325JUD002544494, §§ 51 e 52). O Tribunal de Justiça reconheceu a referida jurisprudência do TEDH nos Acórdãos de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489, n.o 55); de 6 de outubro de 2021, Prokuratura Rejonowa Łódź‑Bałuty (C‑338/20, EU:C:2021:805, n.o 36); e de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio) (C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 122).

( 25 ) V., por exemplo, TEDH, 25 de março de 1999, Pélissier e Sassi c. França (CE:ECHR:1999:0325JUD002544494, §§ 52 e 54); 7 de janeiro de 2010, Penev c. Bulgária (CE:ECHR:2010:0107JUD002049404, §§ 33 a 35); e 24 de julho de 2012, D.M.T. e D.K.I. c. Bulgária (CE:ECHR:2012:0724JUD002947606, §§ 73 a 75).

( 26 ) V., por exemplo, TEDH, 25 de julho de 2000, Mattoccia c. Itália (CE:ECHR:2000:0725JUD002396994, § 61), e 26 de junho de 2018, Pereira Cruz e o. c. Portugal (CE:ECHR:2018:0626JUD005639612, § 198).

( 27 ) V., por exemplo, TEDH, 11 de dezembro de 2007, Drassich c. Itália (CE:ECHR:2007:1211JUD002557504, § 34), e 24 de julho de 2012, D.M.T. e D.K.I. c. Bulgária (CE:ECHR:2012:0724JUD002947606, § 75).

( 28 ) V., designadamente, TEDH, 25 de março de 1999, Pélissier e Sassi c. França (CE:ECHR:1999:0325JUD002544494, §§ 55 a 63) (este tribunal procedeu à alteração da qualificação jurídica do crime de insolvência dolosa para o de incitamento e comparticipação na insolvência dolosa); 20 de abril de 2006, I.H. e o. c. Áustria (CE:ECHR:2006:0420JUD004278098, §§ 32 a 39) (alteração da qualificação jurídica do crime de violação nos termos do artigo 201.o, n.o 2, do Código Penal austríaco para o crime de violação nos termos do artigo 201.o, n.o 1, do referido código); 25 de setembro de 2008, Seliverstov c. Rússia (CE:ECHR:2008:0925JUD001969202, §§ 16 a 24) (alteração da qualificação jurídica do crime de aceitação de suborno na forma tentada para o crime de fraude em larga escala na forma tentada); 7 de janeiro de 2010, Penev c. Bulgária (CE:ECHR:2010:0107JUD002049404, §§ 37 a 45) (alteração da qualificação jurídica do crime de abuso de poder para o crime de celebração deliberada de um contrato desvantajoso); 25 de janeiro de 2011, Block c. Hungria (CE:ECHR:2011:0125JUD005628209, §§ 22 a 25) («dupla» alteração da qualificação jurídica em que o órgão jurisdicional de recurso alterou a qualificação do crime de preparação de dinheiro falso para o crime de falsificação de documentos públicos, advertindo, simultaneamente, da possível alteração da qualificação jurídica para o crime de fraude agravada na forma tentada, e o Tribunal Superior condenou o acusado pelos crimes de fraude e de falsificação de documentos na forma tentada); 24 de julho de 2012, D.M.T. e D.K.I. c. Bulgária (CE:ECHR:2012:0724JUD002947606, §§ 76 a 84) (alteração da qualificação jurídica do crime de corrupção passiva para o crime de fraude); e 7 de novembro de 2019, Gelenidze c. Geórgia (CE:ECHR:2019:1107JUD007291610, §§ 35 a 38) (alteração da qualificação jurídica do crime de emissão de uma decisão judicial ilegal para o crime de abuso de poder, conforme proposto pelo Ministério Público durante o processo de recurso, o que também foi considerado violar o princípio da igualdade de armas).

( 29 ) V. TEDH, 25 de março de 1999, Pélissier e Sassi c. França (CE:ECHR:1999:0325JUD002544494, § 62); 12 de abril de 2011, Constantin c. Roménia (CE:ECHR:2011:0412JUD002117503, § 22); e 5 de março de 2013, Varela Geis c. Espanha (CE:ECHR:2013:0305JUD006100509, § 54); v., também, TEDH, 17 de julho de 2001, Sadak e o. c. Turquia (N.o 1) (CE:ECHR:2001:0717JUD002990096, § 57) (que declara que os acusados só foram informados da nova alteração no último dia do julgamento, imediatamente antes de a decisão ser proferida, o que manifestamente foi demasiado tarde).

( 30 ) V., a este respeito, TEDH, 25 de setembro de 2008, Seliverstov c. Rússia (CE:ECHR:2008:0925JUD001969202, § 19): «Além disso, na medida em que o Governo argumentou que tinha sido aplicada uma disposição menos grave, o TEDH considera que este facto é irrelevante para o caso em apreço, uma vez que a essência da queixa do requerente não é a gravidade da pena, mas a alegada violação do seu direito de ser informado das acusações formuladas contra ele e a sua capacidade para preparar a defesa e que, em todo o caso, o órgão jurisdicional de reenvio manteve a pena de prisão do requerente» [tradução livre].

( 31 ) V. TEDH, 25 de março de 1999 (EC:ECHR:1999:0325JUD002544494, §§ 55 a 63).

( 32 ) V. TEDH, 7 de janeiro de 2010 (EC:ECHR:2010:0107JUD002049404, §§ 37 a 45).

( 33 ) V. TEDH, 24 de julho de 2012 (EC:ECHR:2012:0724JUD002947606, §§ 76 a 84).

( 34 ) Compare‑se, em especial, TEDH, 11 de dezembro de 2007, Drassich c. Itália (CE:ECHR:2007:1211JUD002557504, §§ 36 a 43) (que declara a existência de uma violação da CEDH com base na alteração da qualificação jurídica de um crime de simples corrupção para o crime de corrupção para atos judiciais, não tendo a pessoa sido informada em nenhuma fase do procedimento nem tido a oportunidade de se defender contra a nova acusação), com TEDH, 22 de fevereiro de 2018, Drassich c. Itália (N.o 2) (CE:ECHR:2018:0222JUD006517309, §§ 67 a 74) (que declara a inexistência de violação da CEDH tendo a instância sido reaberta para dar à pessoa a oportunidade de se defender da nova qualificação jurídica da infração).

( 35 ) V., por exemplo, TEDH, 5 de setembro de 2006, Bäckström e Andersson c. Suécia, p. 8‑11 [cuja situção é distinta da do TEDH, 24 de julho de 2012, D.M.T. e D.K.I. c. Bulgária (CE:ECHR:2012:0724JUD002947606, § 81)]; 26 de junho de 2018, Pereira Cruz e o. c. Portugal (CE:ECHR:2018:0626JUD005639612, §§ 204 a 209); 26 de fevereiro de 2019, Ujlaki e Piskóti c. Hungria (CE:ECHR:2019:0226DEC000666814, §§ 19 a 21); e 23 de junho de 2020, Filimon c. Roménia (CE:ECHR:2020:0623DEC005460014, §§ 34 a 43).

( 36 ) V. TEDH, 24 de outubro de 1996 (EC:ECHR:1996:1024JUD002152593, §§ 30 a 33).

( 37 ) V. TEDH, 18 de fevereiro de 2020 (EC:ECHR:2020:0218JUD000181411, §§ 36 a 49).

( 38 ) V. TEDH, 10 de fevereiro de 1995 (EC:ECHR:1995:0210JUD001916091, §§ 28 a 30).

( 39 ) V. considerandos 1, 3 e 4 da Diretiva 2012/13.

( 40 ) Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Covaci (C‑216/14, EU:C:2015:305, n.o 33).

( 41 ) Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Covaci (C‑216/14, EU:C:2015:305, n.o 33).

( 42 ) O considerando 7 da Diretiva 2012/13 pode ser interpretado nesse sentido. O referido considerando refere: «Apesar de todos os Estados‑Membros serem partes na CEDH, a experiência demonstrou que esta adesão por si só nem sempre permite assegurar um grau de confiança suficiente nos sistemas de justiça penal dos outros Estados‑Membros.»

( 43 ) No presente processo, o acusado podia, de facto, estar ciente de que a qualificação jurídica do crime poderia ser alterada para o crime de fraude, dado que ele próprio propôs a opção.

( 44 ) Na proposta original da Comissão, não havia uma disposição correspondente ao artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2012/13. V. Comissão Europeia, proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito à informação nos processos penais, Bruxelas, COM(2010) 392 final, 20 de julho de 2010, artigo 6.o proposto, p. 18. A referida disposição foi o resultado de uma alteração proposta pelo Parlamento Europeu. V. Parlamento Europeu, Relatório sobre a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao direito de informação nos processos penais, A7‑0408/2011, 25 de novembro de 2011, artigo 6.o, n.o 3‑A, proposto; Documento do Conselho 10114/1/11 REV 1, Bruxelas, 17 de maio de 2011, p. 5 a 7.

( 45 ) V. Documento do Conselho 14631/11, Bruxelas, 26 de setembro de 2011, p. 4 e 5.

( 46 ) Trechsel, S., Human Rights in Criminal Proceedings, Oxford University Press, 2005, p. 195.

( 47 ) V., por exemplo, Acórdãos de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587, n.os 49 a 52), e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 121 e 122).

( 48 ) V., por exemplo, Acórdãos de 4 de dezembro de 2019, H/Conselho (C‑413/18 P, não publicado,EU:C:2019:1044, n.o 55), e de 24 de março de 2022, Wagenknecht/Comissão (C‑130/21 P, EU:C:2022:226, n.o 16).

( 49 ) V. TEDH, 5 de setembro de 2006, pp. 6 a 11.

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