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Document 62022CC0115

Conclusões da advogada-geral T. Ćapeta apresentadas em 14 de setembro de 2023.
SO.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Unabhängige Schiedskommission Wien.
Reenvio prejudicial — Admissibilidade — Artigo 267.o TFUE — Conceito de “órgão jurisdicional” — Comissão arbitral nacional competente em matéria de luta contra a dopagem no domínio desportivo — Critérios — Independência do organismo de reenvio — Princípio da tutela jurisdicional efetiva — Inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial.
Processo C-115/22.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:676

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 14 de setembro de 2023 ( 1 )

Processo C‑115/22

SO

sendo intervenientes:

Nationale Anti‑Doping Agentur Austria GmbH (NADA),

Österreichischer Leichtathletikverband (ÖLV),

Agência Mundial Antidopagem (AMA)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Unabhängige Schiedskommission (Comissão Arbitral Independente, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Definição de “órgão jurisdicional” — Reenvio apresentado por um tribunal antidopagem nacional — Proteção de dados pessoais — Regulamento (UE) 2016/679 — Artigo 5.o — Artigo 6.o — Licitude e necessidade da publicação em linha de dados pessoais do autor de uma infração às normas antidopagem — Artigo 9.o — Questão de saber se as infrações às normas antidopagem constituem “dados relativos à saúde” — Artigo 10.o — Questão de saber se as infrações às normas antidopagem constituem “dados pessoais relacionados com condenações penais” — Questão de saber se um tribunal nacional constitui uma “autoridade pública”»

I. Introdução

1.

Citius, Altius, Fortius; mais rápido, mais alto, mais forte. Como poucos, o lema olímpico capta o desejo humano de alcançar novos patamares. No entanto, a pressão para ganhar pode acarretar a tentação de melhorar o desempenho através da utilização de determinadas substâncias proibidas.

2.

O presente processo insere‑se neste contexto. A demandante é uma atleta profissional austríaca. Foi condenada pela infração às normas antidopagem. Consequentemente, a autoridade nacional antidopagem austríaca publicou o seu nome, os detalhes da infração em causa e o período de suspensão no seu sítio Web acessível ao público.

3.

Esta prática é compatível com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (a seguir «RGPD») ( 2 )? Esta é, em suma, a principal questão de mérito submetida ao Tribunal de Justiça. Contudo, uma vez que o reenvio prejudicial provém de um órgão que não é um órgão jurisdicional «clássico» no âmbito da organização do sistema judiciário austríaco, o presente processo suscita igualmente a questão da admissibilidade.

II. Antecedentes do litígio e questões prejudiciais

4.

Embora a utilização de estimulantes para melhorar o desempenho físico tenha historicamente sido sempre uma característica da competição humana ( 3 ), o sistema de controlo antidopagem, tal como o conhecemos, remonta apenas a 1999 com a criação da Agência Mundial Antidopagem (a seguir «AMA») e a entrada em vigor, em 2004, do Código Mundial Antidopagem (a seguir «CMA») ( 4 ). A sua última versão data de 2021.

5.

Ainda que o CMA seja um instrumento jurídico privado, a sua eficácia é assegurada pela Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto, das Nações Unidas, de 2005 ( 5 ). Todos os Estados‑Membros são signatários desta convenção. O seu artigo 4.o dispõe que as disposições do CMA não fazem parte integrante da Convenção e não têm efeito direto no direito nacional. No entanto, através da mesma disposição, os Estados partes comprometeram‑se a respeitar os princípios enunciados no CMA. Este compromisso, que inclui a exigência do CMA de publicação em linha das infrações às normas antidopagem é transposto para os ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros de diferentes formas ( 6 ).

6.

O presente processo tem origem na Áustria, onde o controlo antidopagem é regulado pela Anti‑Doping‑Bundesgesetz 2021 (Lei Federal Austríaca de Antidopagem de 2021) (a seguir «ADBG»).

7.

Entre 1998 e 2015, SO (a seguir «demandante») foi atleta profissional na Áustria. A demandante representou o seu país em competições internacionais como membro da equipa da Federação Austríaca de Atletismo. Além disso, exerceu funções de direção e de representação em vários clubes desportivos austríacos.

8.

Em 2021, com base nos resultados de uma investigação conduzida pelo Bundeskriminalamt (Serviço Federal de Polícia Judiciária, Áustria), a Unabhängige Dopingkontrolleinrichtung (Autoridade Independente Antidopagem, Áustria; a seguir «NADA») submeteu um pedido de exame à Österreichische Anti‑Doping‑Rechtskommission (Comissão Antidopagem Austríaca; a seguir «ÖADR»).

9.

Por Decisão de 31 de maio de 2021 (a seguir «decisão impugnada»), a ÖADR considerou a demandante culpada da violação da norma 32.2, alíneas b) e f), das regras de competição da International Association of Athletics Federations (IAAF) [Associação Internacional das Federações de Atletismo (a seguir «IAAF)»] de 2015 e dos artigos 2.2 e 2.6 das regas antidopagem da IAAF de 2017. Estas regras proíbem o «uso ou tentativa de uso de uma substância proibida ou de um método proibido» e a «posse de uma substância proibida ou método proibido» ( 7 ). Mais precisamente, a ÖADR concluiu que, entre maio de 2015 e abril de 2017, a demandante esteve na posse das substâncias Eritropoetina (também conhecida por EPO), Genotropin ou Omnitrope e Testosterol (sob a forma de Androgel), tendo‑as consumido, pelo menos em parte, no ano de 2015. Estas substâncias constam todas das listas de substâncias proibidas da AMA de 2015 a 2017. Por conseguinte, era proibido o seu uso por praticantes desportivos profissionais que atuam ao abrigo das regras de competição da IAAF.

10.

Em resultado desta conclusão, na decisão impugnada, a ÖADR declarou inválidos todos os resultados que a demandante obteve entre 10 de maio de 2015 e a data de entrada em vigor dessa decisão e retirou‑lhe todos os prémios em dinheiro e de participação. Além disso, impôs à demandante uma suspensão, pelo período de quatro anos, com efeitos a partir de 31 de maio 2021, da participação em qualquer tipo de competição desportiva.

11.

No processo que correu termos na ÖADR, a demandante tinha apresentado um pedido para que a decisão impugnada não fosse divulgada ao público através de uma publicação em linha acessível ao público. Este pedido foi indeferido pela ÖADR na decisão impugnada.

12.

A demandante apresentou um pedido de reexame da decisão impugnada à Unabhängige Schiedskommission (Comissão Arbitral Independente, Áustria; a seguir «USK»).

13.

Por Decisão de 21 de dezembro de 2021, a USK confirmou as conclusões quanto ao mérito da ÖADR, as infrações às regras antidopagem cometidas pela demandante e a sanção aplicada.

14.

Simultaneamente, a USK reservou a sua decisão sobre o pedido da demandante para que se abstivesse de publicar a decisão impugnada em linha, o que equivalia a divulgá‑la ao público ( 8 ).

15.

Esta obrigação de publicação baseia‑se nos § 21, n.o 3, e § 23, n.o 14, da ADBG. Ao abrigo destas disposições, a ÖADR e a USK, respetivamente, «deve[m] informar a [Organização Federal Austríaca do Desporto], as organizações desportivas, os praticantes desportivos, outras pessoas e o organizador de competições, bem como o público, das suas decisões» mediante a indicação dos nomes das pessoas em causa, da duração da suspensão e dos motivos da mesma, sem que possam ser inferidos dados relativos à saúde da pessoa afetada.

16.

A publicação desta informação é obrigatória no caso de praticantes desportivos profissionais e, em alguns casos, também para os praticantes desportivos recreativos. Noutros casos, quando a infração for cometida por praticantes desportivos recreativos, menores de idade ou pessoas vulneráveis, a publicação não é obrigatória.

17.

Embora a obrigação de informar o público recaia sobre os órgãos de decisão, ou seja, a ÖADR e a USK, a ADBG prevê que a NADA execute esta tarefa em nome da ÖADR e da USK ( 9 ). Para dar cumprimento a esta obrigação, a NADA publica um quadro no seu sítio Web, acessível ao público ( 10 ). A respetiva inscrição nesse quadro é composta pelo nome e apelido da pessoa em causa; o tipo de desporto que pratica; o tipo de violação; o tipo de suspensão que lhe foi imposta; e as datas de início e termo da suspensão.

18.

Segundo entendo, esta informação está disponível no sítio Web da NADA apenas durante a suspensão do praticante desportivo em questão.

19.

A USK tem dúvidas sobre a compatibilidade com o RGPD da prática que consiste na divulgação dos dados pessoais da demandante ao público, através de uma publicação em linha acessível ao público no sítio Web da NADA. A fim de poder tomar uma decisão sobre o pedido da demandante no sentido de os seus dados pessoais não serem publicados nesse sítio Web, decidiu, por conseguinte, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve entender‑se que a informação de que uma determinada pessoa cometeu uma determinada infração em matéria de dopagem e que, por esse motivo, a sua participação em competições (nacionais e internacionais) está suspensa consubstancia um “dado relativo à saúde”, na aceção do artigo 9.o do [RGPD]?

2)

Opõe‑se o [RGPD], tendo especialmente em consideração o seu artigo 6.o, n.o 3, segundo parágrafo, a uma regulamentação nacional que prevê a publicação do nome das pessoas afetadas pela decisão da [USK], da duração da suspensão e dos motivos da mesma, sem que possam ser inferidos dados relativos à saúde da pessoa afetada? Neste caso, é relevante que, nos termos da regulamentação nacional, só se possa omitir a divulgação ao público destas informações se a pessoa afetada for um praticante desportivo recreativo, se for menor ou se for uma pessoa que, pela divulgação de informações ou outras indicações, tenha contribuído significativamente para o esclarecimento de potenciais infrações em matéria de dopagem?

3)

Exige o [RGPD], tendo especialmente em consideração os princípios previstos no seu artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e c), que, previamente à divulgação de cada situação, seja feita uma ponderação entre, por um lado, os interesses de personalidade da pessoa envolvida que sejam afetados e, por outro, o interesse do público na informação sobre as infrações em matéria de dopagem cometidas pelo praticante desportivo?

4)

A informação de que uma determinada pessoa cometeu uma determinada infração em matéria de dopagem e de que, devido a essa dopagem, a sua participação em competições (nacionais e internacionais) está suspensa consubstancia um tratamento de dados pessoais relacionados com condenações penais e infrações, na aceção do artigo 10.o do [RGPD]?

5)

Em caso de resposta afirmativa à quarta questão: A [USK] constituída nos termos do § 8 da [ADBG] é uma autoridade pública na aceção do artigo 10.o do [RGPD]?»

20.

Foram apresentadas observações escritas pela demandante, pela NADA, pela AMA, pelos Governos belga, francês, letão, luxemburguês e polaco, bem como pela Comissão Europeia. Com exceção dos Governos belga, francês, luxemburguês e polaco, as referidas partes também apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 2 de maio de 2023.

III. Admissibilidade

21.

A principal função do processo de reenvio prejudicial consiste em assegurar a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados‑Membros. No entanto, embora os vários órgãos nacionais (administrativos, reguladores ou outros tipos de órgãos) sejam obrigados a aplicar o direito da União e possam não ter a certeza do seu significado, o artigo 267.o TFUE permite apenas aos «órgãos jurisdicionais» solicitar ao Tribunal de Justiça uma interpretação do direito da União. Em princípio, quando é recebido um pedido de decisão prejudicial de um órgão jurisdicional nacional considerado parte do sistema judiciário do Governo do respetivo Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça considerará o pedido admissível. Contudo, quando esse pedido é apresentado por um órgão que não pertence ao sistema judiciário, na aceção clássica do termo, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não o rejeita automaticamente. Em vez disso, verifica se o órgão de reenvio pode, apesar de tudo, ser considerado um «órgão jurisdicional» na aceção da referida disposição.

22.

O presente processo foi submetido ao Tribunal de Justiça pela USK. Esta última não é um dos órgãos que, à primeira vista, pertence ao sistema judiciário austríaco. Por conseguinte, nas suas observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, a Comissão questiona se a USK preenche os requisitos para ser qualificada de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE. Consequentemente, a primeira questão que o Tribunal de Justiça precisa de analisar antes de se debruçar sobre o mérito do presente processo é a de saber se pode «falar» com a USK.

23.

Na minha opinião, a USK é um «órgão jurisdicional» para efeitos do artigo 267.o TFUE. A fim de explicar a minha posição, começarei por descrever sucintamente as regras que regulam a organização e as funções da USK (III.A). Neste contexto, demonstrarei que preenche os requisitos desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para ser considerada um «órgão jurisdicional» (III.B).

A.   Quanto à organização e à estrutura da USK

24.

A USK é um órgão permanente constituído em conformidade com o § 8 da ADBG.

25.

Na sua decisão de reenvio, este órgão explica que exerce as funções de tribunal arbitral «supremo» austríaco competente em matéria de infrações às normas antidopagem. Trata‑se do tribunal superior no sistema de dois níveis para sancionar as infrações às normas antidopagem estabelecido pela ADBG. Em primeira instância, a constatação de uma infração às normas antidopagem aplicáveis e a aplicação de uma sanção são confiadas, por iniciativa da NADA, à ÖADR ( 11 ). O pedido de reexame de uma decisão da ÖADR pode ser apresentado à USK. Nesse caso, as partes no processo são, por um lado, o praticante desportivo (ou outra pessoa) a quem se aplica a decisão da ÖADR e, por outro, a NADA ( 12 ).

26.

A USK toma decisões com base num sistema de votação por maioria ( 13 ), num procedimento regido pelo Código de Processo Civil Austríaco ( 14 ) e pelo seu próprio Regulamento de Processo. Este último é divulgado ao público ( 15 ).

27.

O § 8, n.o 1, da ADBG estabelece especificamente que a USK deve ser independente dos órgãos estatais, dos particulares e da NADA. Além disso, dispõe que os membros da USK não estão autorizados a participar nas investigações da NADA sobre eventuais infrações às normas antidopagem aplicáveis, na decisão final da NADA, na decisão de apresentação de um pedido de exame à ÖADR e no próprio processo de exame. A USK deve desempenhar as suas funções de forma autónoma e independente ( 16 ).

28.

Em conformidade com o § 8, n.o 2, da ADBG, a USK é composta por um presidente e sete membros. O presidente e o seu adjunto devem ter sido aprovados no exame de acesso à magistratura ou de admissão à Ordem dos Advogados. Dois membros da comissão devem ser licenciados em direito e ter experiência na condução de processos formais de investigação. Dois outros membros devem ser peritos em química analítica ou toxicologia. Por último, dois membros devem ser peritos em medicina desportiva.

29.

A mesma disposição explica também que, para cada processo, a composição da USK é renovada: o presidente ou o seu adjunto deve designar, de entre os membros da USK, pelo menos um membro licenciado em direito e com experiência em processos formais de investigação, pelo menos um perito em química analítica ou toxicologia e pelo menos um membro que seja perito em medicina desportiva ( 17 ).

30.

Em conformidade com o § 8, n.o 3, da ADBG e como explicado na decisão de reenvio, o presidente e os membros permanentes da USK são nomeados pelo Ministro Federal da Arte, da Cultura, da Função Pública e do Desporto (a seguir «Ministro do Desporto») para um mandato de quatro anos, podendo ser reconduzidos ( 18 ). O Ministro do Desporto só pode destituir um membro da USK antes do termo do seu mandato «por motivos graves» ( 19 ).

31.

No caso de litígios relativos a eventos desportivos austríacos ou a praticantes desportivos austríacos, os processos devem ser instaurados na USK ( 20 ). Por outras palavras, o recurso de uma decisão da ÖADR só pode, nesses casos, ser interposto na USK ( 21 ).

32.

O § 23, n.o 3, da ADBG exige que a USK aplique as normas antidopagem aplicáveis da associação desportiva internacional competente quando aprecia a legalidade de uma decisão da ÖADR. Se considerar uma decisão ilegal, pode anulá‑la, alterá‑la ou substituí‑la pela sua própria decisão ( 22 ).

33.

Como foi explicado na audiência, os recursos de decisões da USK podem ser interpostos junto dos órgãos jurisdicionais civis austríacos competentes — quando disserem respeito a questões de direito civil. Nesses casos, a USK não é parte no processo no órgão jurisdicional civil competente. Pelo contrário, as partes continuam a ser a NADA e o praticante desportivo (ou outra pessoa).

34.

No entanto, como também foi explicado na audiência e não foi contestado por nenhuma das partes, a legalidade da publicação, no sítio Web da NADA, da decisão da USK que contém dados pessoais da demandante não parece ser da competência dos órgãos jurisdicionais civis austríacos. Na mesma altura, foi também explicado que as decisões da USK não são suscetíveis de recurso nos órgãos jurisdicionais administrativos austríacos. Por conseguinte, afigura‑se que, ao decidir sobre a legalidade de uma decisão de publicação dos dados pessoais de um praticante desportivo, a USK é a última instância para a resolução de litígios na Áustria.

35.

Os praticantes desportivos podem recorrer a uma via diferente, que não envolva a USK, apresentando uma reclamação à Datenschutzbehörde (Autoridade para a Proteção de Dados Austríaca). As decisões desta última são suscetíveis de recurso nos órgãos jurisdicionais administrativos da Áustria.

36.

Por último, e embora os elementos constantes dos autos do Tribunal de Justiça não o esclareçam totalmente, afigura‑se que um praticante desportivo pode decidir interpor recurso da decisão da USK para o TAD, quando a reclamação disser respeito a questões relacionadas com a aplicação correta das normas antidopagem da respetiva associação desportiva internacional e/ou do CMA ( 23 ).

37.

Tendo em conta o que precede, passo a analisar se a USK é um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE.

B.   A USK é um «órgão jurisdicional»?

38.

Há já algum tempo ‑ desde o Acórdão Vaassen‑Göbbels ‑ o Tribunal de Justiça considerou que o significado do conceito de «órgão jurisdicional» que figura no (atual) artigo 267.o TFUE deve ser apreciado exclusivamente à luz do direito da União ( 24 ). Esta abordagem permite ao Tribunal de Justiça conhecer de pedidos de decisão prejudicial provenientes de órgãos que, como a USK, não são considerados órgãos jurisdicionais no quadro da divisão constitucional «clássica» de poderes dos Estados‑Membros entre o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial, mas que são, no entanto, dotados de competência para resolver litígios através da aplicação do direito da União. Permitir que um leque mais vasto de órgãos do que os órgãos jurisdicionais, no sentido «clássico» do termo, efetue esses reenvios reforça o objetivo principal do processo de reenvio prejudicial que consiste em assegurar a aplicação uniforme do direito da União. Assim, desde cedo, o Tribunal de Justiça permitiu também o reenvio proveniente de órgãos que não são tradicionalmente descritos como «clássicos»«órgãos jurisdicionais». No entanto, o mecanismo não foi disponibilizado a todos os órgãos que devem aplicar o direito da União, mas apenas àqueles que podem ser considerados «órgãos jurisdicionais».

39.

O Tribunal de Justiça nunca apresentou uma definição do conceito de «órgão jurisdicional» que figura no artigo 267.o TFUE ( 25 ). No entanto, ao longo dos anos, tem desenvolvido uma série de critérios que tem em consideração quando determina se um reenvio pode ou não ser admitido. Entre esses critérios constam os seguintes: a origem legal do órgão, a sua permanência, o caráter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência (interna e externamente) ( 26 ). Embora estes critérios tenham sido aplicados com diferentes graus de rigor ao longo dos anos, recentemente, possivelmente sob a influência dos acórdãos relativos ao Estado de direito ( 27 ), tem‑se verificado um reforço da exigência de independência. No Acórdão Banco de Santander ( 28 ), por exemplo, o Tribunal de Justiça considerou necessário alterar a sua posição relativamente à admissibilidade dos reenvios do Tribunal Económico‑Administrativo Central (Tribunal Económico e Administrativo Central, Espanha; a seguir «TEAC»), considerando, contrariamente ao que tinha acontecido vários anos antes ( 29 ), que este órgão não cumpre a exigência de independência.

40.

É de facto a exigência de independência que é controversa em relação à USK. Antes de explicar as razões pelas quais considero que, no caso em apreço, o órgão de reenvio cumpre este critério, começarei por demonstrar que cumpre outros critérios utilizados pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE.

1. «Origem legal» e «permanência»

41.

A exigência de que o órgão de reenvio tenha origem legal implica que a sua base legal deve constar da legislação nacional, seja a nível primário ou secundário ( 30 ). O critério de permanência exige que, enquanto instituição, o órgão seja permanente, independentemente do facto de poder adotar uma nova composição para cada processo ou de ter uma composição variável ( 31 ).

42.

No presente processo, estes critérios estão claramente cumpridos: como expliquei, a USK é constituída pela ADBG, a legislação federal austríaca. Os seus membros permanentes são nomeados por um período renovável de quatro anos e, mesmo que a composição do painel responsável pela tomada de decisão sofra alterações, esta é composta de acordo com as regras previstas na lei e de entre a lista dos membros permanentes da USK (v. n.os 28 e 29 das presentes conclusões).

2. «Caráter obrigatório da jurisdição»

43.

A exigência de que a jurisdição do órgão de reenvio tenha caráter obrigatório tem sido aplicada na jurisprudência de duas formas. O Tribunal de Justiça exigiu, por vezes, que as partes no processo que lhe foi submetido não possam escolher se o processo deve ser tratado por esse órgão ( 32 ) e, por vezes, que as decisões do órgão em causa sejam vinculativas para as partes ( 33 ). O critério do caráter obrigatório da jurisdição considera‑se ainda cumprido quando o direito nacional concede às partes a opção de interporem recurso para o órgão em causa ou para os órgãos jurisdicionais «comuns» dessa jurisdição ( 34 ). O que é importante é que a competência do órgão de reenvio não dependa do acordo das partes contrárias quanto à sua competência, uma vez que esta se estabelece automaticamente quando uma das partes interpõe recurso.

44.

A USK cumpre o critério do caráter obrigatório da jurisdição nas duas formas de utilização. Importa esclarecer que, apesar do seu nome, este órgão não é um «tribunal arbitral» no sentido de que a sua competência decorre de uma convenção entre as partes. Pelo contrário, como expliquei nos n.os 24 e 31 das presentes conclusões, e como explicam tanto a decisão de reenvio como as partes, na Áustria, a USK atua com base numa lei federal, como instância obrigatória para conhecer dos pedidos de reexame das decisões da ÖADR.

45.

As decisões da USK são vinculativas para as partes do litígio. Provavelmente, é precisamente por esta razão que a legislação austríaca prevê a possibilidade de recurso das suas decisões em matéria de direito civil para os órgãos jurisdicionais civis austríacos, por um lado, e em matéria de normas antidopagem internacionais para os órgãos jurisdicionais civis austríacos ou para o TAS, por outro. Contudo, afigura‑se que, ao abrigo do direito austríaco, não existe um órgão jurisdicional de segunda instância para o qual se possa interpor recurso de uma decisão da USK sobre a compatibilidade com o RGPD de uma decisão de publicação dos dados pessoais de um praticante desportivo. Por conseguinte, afigura‑se adequado considerar este órgão como um «órgão jurisdicional» que tem, em conformidade com o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, a obrigação de apresentar um pedido de decisão prejudicial quando considerar que a aplicação do RGPD não é clara quando aplicada às circunstâncias do litígio que lhe foi submetido.

3. «Natureza contraditória do processo»

46.

A exigência de natureza contraditória do processo não é um critério absoluto ( 35 ). No entanto, deve haver a possibilidade das partes serem ouvidas ( 36 ), sem necessidade de uma audiência inter partes ( 37 ).

47.

Para efeitos do presente processo este critério também se encontra preenchido: resulta claramente dos autos que a USK promoveu extensas trocas de alegações escritas entre as partes, bem como duas audiências realizadas na ÖADR em março e em maio de 2021.

4. «Decisões baseadas em normas de direito»

48.

Um órgão de reenvio pode ser qualificado de «órgão jurisdicional» se as suas decisões forem tomadas em aplicação de normas de direito. Esta exigência diz respeito às normas materiais ( 38 ) e às normas processuais do órgão em causa ( 39 ).

49.

No presente processo, o processo de tomada de decisão da USK é regido por normas materiais e processuais predeterminadas. Ao rever as decisões da ÖADR, a USK deve aplicar as normas antidopagem relevantes da ADBG, bem como as da associação desportiva internacional competente (ou associações) (neste caso, a IAAF e o CMA) ( 40 ). Enquanto instituição de um Estado‑Membro, a USK deve também aplicar as normas relevantes do direito da União. É precisamente devido a esta obrigação que a USK decidiu reenviar o presente processo ao Tribunal de Justiça para solicitar uma interpretação do RGPD.

50.

Em termos de normas processuais aplicáveis, como descrito no n.o 26 das presentes conclusões, o procedimento da USK é regido pelas regras austríacas de processo civil, bem como pelo seu próprio Regulamento de Processo. Esta tem a obrigação de respeitar os direitos de defesa das partes ( 41 ). A sua decisão deve ser proferida num prazo preestabelecido ( 42 ). Por conseguinte, as competências da USK são regidas por um conjunto de normas processuais e materiais preestabelecidas que devem ser respeitadas.

5. «Independência»

51.

Para decidir se o Tribunal de Justiça deve admitir o presente reenvio proveniente da USK, o único critério suscetível de não estar preenchido é a exigência de independência.

52.

Embora a ideia de independência seja um elemento inerente à função judicial ( 43 ), só em 1987 é que o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão X (igualmente conhecido como processo «Pretore di Salò») ( 44 ), considerou que um órgão de reenvio deve atuar de forma independente para poder beneficiar da possibilidade de dialogar com o Tribunal de Justiça no âmbito de um processo de decisão prejudicial.

53.

Embora a independência seja uma característica necessária para que o órgão possa ser qualificado de «órgão jurisdicional», como previsto ao abrigo do artigo 267.o TFUE, quando os pedidos decisão prejudicial foram apresentados por órgãos jurisdicionais integrados na organização judiciária estabelecida dos Estados‑Membros, o Tribunal de Justiça não pôs em causa a sua independência. A independência estava automaticamente implícita. Assim, a questão da «independência» só era analisada quando os reenvios eram apresentados por órgãos não pertencentes ao sistema judiciário de um Estado‑Membro. Nessas circunstâncias, não era necessário desenvolver o conteúdo exato da exigência de independência conforme imposta pelo direito da União ( 45 ).

54.

Foi o que aconteceu até há relativamente pouco tempo, quando, devido a tentativas de alterações legislativas ou à sua aplicação, a independência do poder judicial foi posta em causa em alguns Estados‑Membros. O «retrocesso do Estado de direito», como é frequentemente designado ( 46 ), exigiu que o Tribunal de Justiça explicasse de forma muito mais pormenorizada o que se entende por exigência de «independência» dos órgãos jurisdicionais. Os acórdãos relevantes, resultantes quer de ações por incumprimento, quer de pedidos de decisão prejudicial ( 47 ), levantaram a questão de saber se a legislação dos Estados‑Membros, no papel e conforme aplicada na prática, oferecia garantias suficientes para uma tomada de decisão autónoma e independente por parte dos juízes. Ao decidir sobre essa questão, o Tribunal de Justiça teve de aprofundar o conceito de independência.

55.

Esta linha jurisprudencial abriu um debate ( 48 ) em torno da questão de saber se o critério de independência é (e deve continuar a ser) o mesmo (i) quando o Tribunal de Justiça decide se um órgão é um «órgão jurisdicional» para efeitos do artigo 267.o TFUE; ou (ii) quando o Tribunal de Justiça decide sobre a independência em diferentes contextos, como alegadas violações ao artigo 19.o TUE por um Estado‑Membro, ou num processo que envolva a exigência de independência imposta por determinados atos legislativos da União ( 49 ). No Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses ( 50 ), o Tribunal de Justiça associou expressamente o critério de «independência» previsto no artigo 19.o TUE, ao artigo 47.o da Carta e ao artigo 267.o TFUE. O Acórdão Banco de Santander poderá sem dúvida ser interpretado no sentido de que aplica os critérios desenvolvidos no âmbito do artigo 19.o TUE para determinar o conceito de «independência» no âmbito do artigo 267.o do TFUE ( 51 ).

56.

Alguns autores manifestaram o receio de que a ligação entre a jurisprudência relativa ao artigo 19.o TUE e a relativa ao conceito de «órgão jurisdicional» que figura no artigo 267.o TFUE possa suprimir a possibilidade de prosseguir o diálogo quando são apresentados pedidos de decisão prejudicial por órgãos jurisdicionais de Estados‑Membros em que foi constatada a existência de deficiências sistémicas na garantia da independência do poder judicial ( 52 ). Ao mesmo tempo, alguns advogados‑gerais salientaram que, no que respeita à apreciação da independência, o contexto é importante ( 53 ).

57.

É certamente verdade que o contexto ou, por outras palavras, a razão pela qual o Tribunal de Justiça aprecia as normas aplicáveis a uma instituição é importante. No entanto, não vejo como é que isso implica automaticamente uma diferença na norma substantiva de independência em cada um dos diferentes cenários mencionados. Embora o entendimento do conceito de independência no direito da União tenha evoluído, isso não significa que existem necessariamente conceitos diferentes de independência. Na minha opinião, a exigência de independência é a mesma para qualquer órgão que pretenda ser qualificado de «órgão jurisdicional», quer para efeitos de cumprimento das exigências do artigo 19.o TUE ou as do artigo 267.o TFUE.

58.

A aplicação das mesmas exigências desenvolvidas nos processos relativos ao artigo 19.o TUE para apreciar se um órgão é um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE não poria, a meu ver, em perigo o diálogo judicial previsto no artigo 267.o TFUE. Pelo contrário, como explicarei nas circunstâncias do presente processo, essa abordagem é necessária para garantir que, ao criar órgãos especializados com a tarefa de julgar determinadas categorias limitadas de litígios, os Estados‑Membros não contornam a exigência significativa de independência que a ordem jurídica da União impõe aos sistemas judiciários nacionais. A independência garante a imparcialidade para as partes num litígio, tanto no seu aspeto interno como no externo ( 54 ). Trata‑se, portanto, de uma característica necessária da tutela jurisdicional efetiva, entendida como um direito fundamental de cada pessoa em todos os tipos de litígios suscetíveis de serem resolvidos por via judicial. Tal não significa que o método utilizado pelo Tribunal de Justiça para examinar a admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial deva mudar. Quando o reenvio provém de um órgão judicial «clássico», a presunção continua a ser a de que esse órgão é um órgão jurisdicional, não sendo necessária qualquer outra análise adicional. Só no caso de uma parte no processo suscitar dúvidas quanto à independência dos membros desse órgão, ou se as mesmas chegarem ao conhecimento do Tribunal de Justiça de outra forma é que a independência do órgão de reenvio deve ser verificada. Em contrapartida, a independência de outros órgãos de reenvio tem de ser provada antes de o reenvio poder ser admitido.

59.

No estado atual da jurisprudência, a independência tem aspetos «externos» e «internos» ( 55 ). Os primeiros exigem que o decisor possa decidir de forma autónoma ( 56 ), sem estar sujeito a instruções externas. Para o efeito, o direito da União impõe certas normas relativas à nomeação e destituição dos membros do «órgão jurisdicional». Mesmo que os membros decisores do órgão em causa possam ser nomeados por uma pessoa ou por um órgão externo, incluindo um ministro de um governo, após a sua nomeação, devem estar livres da influência dessa pessoa ou órgão. A este respeito, o Tribunal de Justiça exige e considera — essencial — que as normas que impedem a destituição estejam ancoradas em salvaguardas legislativas para lá das meras leis administrativas ou laborais ( 57 ). Por outras palavras, as pessoas ou os órgãos que nomeiam os membros do «órgão jurisdicional» em causa devem ser impedidos de os substituir pelo simples facto de não concordarem com o seu ponto de vista.

60.

Isso não significa que a destituição deva ser totalmente impossível ou que as pessoas ou órgãos que nomeiam esses membros não possam também ter competência para os destituir. Pelo contrário, as razões para a destituição de um membro antes do termo do seu mandato devem assentar em «motivos legítimos e imperiosos […], no respeito do princípio da proporcionalidade» ( 58 ). Além disso, as razões e os procedimentos adequados para a destituição devem ser claramente definidos.

61.

Os membros da USK são nomeados pelo Ministro do Desporto para um mandato renovável de quatro anos ( 59 ). A nomeação por um ministro não deve, por si só, constituir um problema, desde que, após a nomeação, os membros não devam lealdade a esse ministro. Não parece ser esse o caso em apreço. Por força da ADBG, os membros da USK não podem receber instruções do Governo, de órgãos administrativos antidopagem (como a NADA), nem de participantes em atividades desportivas. Além disso, até à data, o Tribunal de Justiça não considerou incompatível com a independência judicial o simples facto de um mandato ser renovável.

62.

No presente processo, o Ministro do Desporto poderia ter uma influência indireta nos processos de tomada de decisão da USK se pudesse destituir prematuramente os membros relevantes. No entanto, como já expliquei, os membros da USK não podem ser destituídos antes do termo do seu mandato pelo simples facto de o Ministro do Desporto não gostar deles ou discordar das suas opiniões. Por força do § 8, n.o 3, da ADBG, esta destituição só pode ocorrer por «motivos graves». Não consta dos autos nenhuma informação sobre os motivos que podem ser considerados «graves». No entanto, no âmbito do exame dos poderes de destituição do Ministro do Desporto ao abrigo da ADBG, a NADA explicou que, segundo o direito austríaco, poucos motivos podem ser qualificados dessa forma. Além disso, a demandante sugeriu que apenas as infrações dolosas ou as puníveis com uma pena mínima de um ano poderiam ser qualificadas como «graves». Por conseguinte, as partes parecem estar de acordo quanto ao facto de os membros da USK não poderem ser destituídos por vontade ou segundo o critério arbitrário do Ministro do Desporto ou de qualquer outro órgão.

63.

Este tipo de proteção contra a destituição arbitrária dos membros da USK deve ser distinguido da situação dos membros do TEAC, que estava em causa no Acórdão Banco de Santander. A sua destituição era possível devido à falta de regras específicas estabelecidas a esse respeito ( 60 ). A falta de tais regras manifestou‑se, como observou o advogado-geral G. Hogan nesse processo, no facto de os membros do TEAC terem sido destituídos «por motivos que o então governo entendeu convenientes» ( 61 ).

64.

Por último, é também necessário considerar a questão relativa à informação em que o Tribunal de Justiça se deve basear ao apreciar a independência do órgão de reenvio. Na minha opinião, o Tribunal de Justiça só se pode basear na legislação que rege esse órgão. No entanto, se forem suscitadas preocupações quanto à prática da aplicação dessa legislação no processo que lhe foi submetido, será necessário que o Tribunal de Justiça aprecie mais atentamente as circunstâncias pertinentes. Dito isto, no presente processo, não foram manifestadas essas preocupações. Pelo contrário, foi confirmado que, até à data, não foi utilizado o poder teórico de destituição previsto no § 8, n.o 3, da ADBG ( 62 ).

65.

Por conseguinte, no caso em apreço considero que o critério da independência «externa» está preenchido.

66.

Chegamos assim à segunda vertente do critério da independência, a vertente «interna». Essa exigência está ligada à imparcialidade do órgão de reenvio ( 63 ). Exige que esse órgão atue como um terceiro independente em relação ao processo que lhe é submetido ( 64 ).

67.

Em suma, os membros decisores não devem ter nenhum interesse no resultado do litígio. Isto significa, em primeiro lugar, que as pessoas ligadas às partes no litígio não podem ser membros do órgão decisor. Para apreciar esta vertente da independência, importa examinar as regras aplicáveis à organização do «órgão jurisdicional» a fim de verificar se existe um vínculo funcional entre o órgão de resolução de litígios e a administração cujas decisões são revistas pelo primeiro ( 65 ). Por outras palavras, o Tribunal de Justiça deve apreciar se as funções do órgão em causa e as da administração são claramente distintas ou se se confundem. Neste último caso, o órgão em causa não é considerado suficientemente «independente» da administração ( 66 ).

68.

A este respeito, a Comissão chama a atenção para o facto de a USK fazer parte da mesma estrutura institucional que a NADA e a ÖADR. Explica, especificamente, que o § 8, n.o 1, da ADBG dispõe que a USK é «constituída» na NADA. Assim, o argumento é de que a USK está a julgar a própria instituição a que pertence em termos organizativos.

69.

Tendo em conta os elementos que constam dos autos, não considero que estas alegações sejam justificadas. A jurisprudência do Tribunal de Justiça demonstra que simples vínculos institucionais não são suficientes, sem elementos adicionais, para pôr em causa a independência do órgão que apresenta o pedido de decisão prejudicial. Assim, por exemplo, no Acórdão MT Højgaard e Züblin ( 67 ), o Tribunal de Justiça refutou o argumento segundo o qual a Klagenævnet for Udbud (Comissão Dinamarquesa de Recursos em Matéria de Contratos Públicos) não era independente pelo simples facto de partilhar o secretariado com o Ministério das Empresas e do Crescimento dinamarquês. Da mesma forma, no Acórdão Dorsch Consult, apesar das alegações da Comissão relativas ao facto de a comissão de fiscalização em causa ter sido reconhecida como estando «vinculada à estrutura organizacional da Bundeskartellamt (Autoridade Federal da Concorrência, Alemanha)» ( 68 ), o Tribunal de Justiça explicou que «a comissão de fiscalização exerce a sua missão de modo independente e sob a sua própria responsabilidade» ( 69 ).

70.

No presente processo, creio que nem os autos nem as observações das partes revelam qualquer indicação de uma interligação funcional entre a USK e a NADA, a ÖADR, o Governo Austríaco ou qualquer federação desportiva.

71.

Com efeito, como expliquei no n.o 27 das presentes conclusões, a USK atua de forma independente da NADA e da ÖADR. Como a NADA confirmou na audiência, a USK não tem poderes para fiscalizar oficiosamente as decisões da ÖADR. Por oposição (pertinente) ao Acórdão Banco de Santander, também não existe prova de que os membros da NADA ou de qualquer organização desportiva participem no julgamento de processos em que intervenham como partes ( 70 ). Também não foi alegado que esses órgãos pudessem influenciar de qualquer outra forma o funcionamento dos processos submetidos à USK.

72.

No caso em apreço, considero, portanto, que o critério de independência «interna» está igualmente preenchido.

73.

Por último, é necessário responder à última preocupação suscitada pela Comissão, relativa à composição da USK que — além de profissionais jurídicos — inclui também peritos noutros domínios conexos (química, toxicologia e medicina desportiva). O Tribunal de Justiça já admitiu reenvios prejudiciais provenientes de órgãos compostos, em parte, por peritos no respetivo domínio de competência ( 71 ), desde que exerçam as suas funções de forma autónoma ( 72 ). Nenhum dos participantes no presente processo alegou no Tribunal de Justiça que os membros da USK que não são advogados poderiam estar sujeitos a instruções externas ou ser parciais na sua tomada de decisões. Por conseguinte, não considero que a composição mista da USK dê origem, por si só, a quaisquer preocupações relativas à independência desse órgão ( 73 ).

6. A USK como «órgão jurisdicional» de última instância

74.

Antes de concluir a análise da questão da admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial, gostaria de sugerir que a USK é, nas circunstâncias do presente processo, não só um «órgão jurisdicional» mas igualmente um «órgão jurisdicional» cujas decisões não são suscetíveis de recurso e que, por conseguinte, em conformidade com o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, não só está habilitada mas também obrigada a apresentar um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

75.

Como já expliquei nos n.os 33 e 34 das presentes conclusões, algumas questões decididas pela USK podem ser objeto de recurso nos órgãos jurisdicionais civis austríacos. No entanto, afigura‑se que os órgãos jurisdicionais civis austríacos não são efetivamente competentes para apreciar questões de direito relacionadas com a infração das regras em matéria de proteção de dados, incluindo o RGPD e a lei austríaca relativa à proteção de dados. Presumo que foi também isso que a demandante quis dizer quando afirmou que a publicação dos seus dados não está sujeita a fiscalização judicial pelos órgãos jurisdicionais civis competentes.

76.

Por outro lado, uma decisão da USK também não pode ser objeto de recurso para um órgão jurisdicional administrativo. A NADA explicou na audiência que é o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria) que é normalmente competente para julgar recursos contra as autoridades públicas em matéria de proteção de dados. Afigura‑se, no entanto, que a ADBG não prevê a possibilidade de interpor recurso nesse órgão jurisdicional de uma decisão da USK.

77.

Se, de facto, for essa a situação do direito austríaco, a USK seria o único e último órgão judicial perante o qual poderia ser suscitada a compatibilidade com o RGPD da publicação das decisões da ÖADR ou da USK no sítio Web da NADA. Tal significaria que o presente pedido de decisão prejudicial da USK constitui a única possibilidade de salvaguardar a interpretação uniforme do RGPD no âmbito dos processos antidopagem na Áustria. Consequentemente, no que diz respeito a esta questão jurídica, a USK teria assumido as funções de «órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno», na aceção do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE.

78.

A ação paralela intentada pela demandante (bem como por vários outros antigos praticantes desportivos), primeiro junto da autoridade austríaca para a proteção de dados e agora no Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) não pode negar a utilidade das indicações que o Tribunal de Justiça pode dar no presente processo ( 74 ). Esta ação paralela baseia‑se num recurso interposto contra a decisão que indefere a reclamação apresentada à autoridade nacional de controlo competente, na aceção dos artigos 77.o e 78.o do RGPD. No entanto, o que a demandante pretende com o presente reenvio prejudicial é uma «ação judicial contra uma autoridade de controlo», na aceção do artigo 79.o do RGPD. Como o Tribunal de Justiça explicou recentemente no Acórdão Nemzeti Adatvédelmi és Információszabadság Hatóság, as vias de recurso previstas nos artigos 77.o, 78.o 79.o do RGPD devem poder ser «exercidas de modo concorrente e independente», cabendo aos sistemas nacionais dos Estados‑Membros assegurar que não decorra nenhuma incoerência dessa aplicação concorrente ( 75 ). É precisamente porque esta possibilidade de dualidade de processos está prevista no próprio RGPD e parece ter sido transposta como tal para o direito austríaco ( 76 ), que o presente processo distingue‑se dos casos em que o Tribunal de Justiça considerou que só pode ser aberta uma única via para requerer a tutela jurisdicional dos direitos conferidos pelo direito da União ( 77 ). Por outras palavras, uma reclamação apresentada à autoridade austríaca para a proteção de dados não pode substituir a possibilidade, para a demandante, de invocar diretamente os seus direitos ao abrigo do RGPD nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes.

79.

Ao que parece, o legislador austríaco optou por constituir a USK como o único «órgão jurisdicional» competente para apreciar os pedidos apresentados em litígios em matéria de antidopagem em relação às alegadas violações de direitos ao abrigo do RGPD. Afigura‑se que nenhum outro órgão tem essa competência. Devido à autonomia processual para organizar o seu sistema judiciário, o legislador nacional pode certamente fazê‑lo. Por conseguinte, para voltar ao meu argumento segundo o qual as exigências de independência devem ser as mesmas no âmbito do artigo 267.o TFUE e do artigo 19.o TUE, permitir que a USK cumpra um critério de independência inferior para efeitos de decisão sobre a questão da admissibilidade no presente processo não estaria em conformidade com a escolha do legislador austríaco de inserir esse órgão na sua estrutura judicial.

7. Conclusão intermédia

80.

Pelas razões acima expostas, considero que a USK preenche os requisitos para ser qualificada de «órgão jurisdicional» ao abrigo do artigo 267.o TFUE. Assim, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

IV. Quanto ao mérito

81.

No presente processo, a demandante contesta, com base no RGPD, uma operação de tratamento através da qual o seu nome, bem como, nomeadamente, os seus atos de infração às normas antidopagem e a sua subsequente suspensão, foram colocados na parte acessível ao público do sítio Web da NADA, sob a forma de uma inscrição no quadro de pessoas que infringiram as normas antidopagem (a seguir «operação de tratamento em causa»).

82.

Como foi esclarecido na audiência, o presente processo não diz respeito às duas operações de tratamento acessórias e relacionadas de (i) divulgação dos mesmos dados pessoais no sítio Web da NADA acessível ao público sob a forma de um comunicado de imprensa, ou (ii) distribuição, por correio eletrónico, desse comunicado de imprensa a uma lista de distribuição fechada, mas aparentemente de acesso livre.

A.   Quanto à aplicabilidade do RGPD às circunstâncias do presente processo

83.

As atividades contestadas pela demandante correspondem à descrição das atividades a que o RGPD se aplica: (i) o tratamento de (ii) dados pessoais que (iii) é total ou parcialmente realizado por meios automatizados ( 78 ). Em primeiro lugar, a divulgação em linha de dados pessoais constitui um «tratamento» ( 79 ). Em segundo lugar, a operação de tratamento em causa utiliza «dados pessoais»: afinal, é o nome da demandante que é objeto de divulgação pública pela NADA, bem como a sanção que lhe foi aplicada e os seus atos de infração às normas antidopagem em causa ( 80 ). Em terceiro lugar, ao serem disponibilizados no sítio Web da NADA, os dados pessoais da demandante passam por um servidor. Esta passagem constitui um tratamento por «meios automatizados» ( 81 ).

84.

No entanto, o RGPD aplica‑se a essas operações de tratamento nas circunstâncias do presente processo?

85.

O RGPD foi adotado com base no artigo 16.o, n.o 2, TFUE, a base jurídica que habilita o legislador da União a regular o tratamento de dados pessoais pelos Estados‑Membros «no exercício de atividades relativas à aplicação do direito da União». O mesmo limite à competência da União está expresso no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), do RGPD, que exclui a aplicação do RGPD ao tratamento de dados pessoais efetuado no exercício de atividades não sujeitas à aplicação do direito da União.

86.

O advogado-geral M. Szpunar sugeriu que a «aplicação do direito da União» a que se refere o artigo 16.o, n.o 2, TFUE deve ir além das hipóteses de «aplicação do direito da União», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 82 ). Estou de acordo com este entendimento. É precisamente porque a Carta não se destina a aumentar o âmbito das competências da União, que foi incluída no texto do Tratado uma competência expressa para regulamentar a privacidade e a proteção de dados. No entanto, esta inclusão não atribui competência geral à União para regulamentar o tratamento de dados nos Estados‑Membros. A União está habilitada para regulamentar as atividades dos Estados‑Membros apenas relativas à aplicação do direito da União. Deve ser atribuído algum significado a esse limite de competência da União expresso no Tratado e no próprio RGPD. Na minha opinião, se uma atividade de tratamento de dados num Estado‑Membro não puder ser associada (mesmo vagamente) a um domínio abrangido pelo direito da União, o RGPD não se aplica.

87.

O tratamento de dados pessoais para efeitos de aplicação da legislação antidopagem de um Estado‑Membro não é, a meu ver, uma atividade que, no estado atual do direito da União, enquadre essa atividade de tratamento no âmbito de aplicação desse direito.

88.

A União Europeia não tem competência para regulamentar o desporto. Tal não sofreu alterações com a introdução da competência de apoio no domínio do desporto pelo artigo 165.o TFUE ( 83 ). Contudo, o Tribunal de Justiça considerou que o direito da União se aplica ao desporto quando este é entendido como uma atividade económica ( 84 ). Em todos os processos relevantes, o direito primário da União foi aplicado às restrições policiais à circulação transfronteiriça ou à concorrência no mercado interno ( 85 ). É verdade que as normas antidopagem nacionais podem ser interpretadas como um obstáculo à livre circulação. No entanto, o presente processo não diz respeito a uma situação deste tipo.

89.

As normas antidopagem regulamentam, principalmente, o desporto enquanto desporto. Têm por objeto as funções social e educativa do desporto e não os seus aspetos económicos, ainda que as primeiras possam influenciar os segundos. Todavia, ainda que a União Europeia não tenha competência regulamentar no domínio do desporto, poderia, teoricamente, harmonizar as normas antidopagem nacionais se tal se justificasse por ser necessário para eliminar obstáculos à circulação transfronteiriça. No entanto, no estado atual do direito, não existem normas jurídicas da União que estejam relacionadas, mesmo que indiretamente, com as políticas antidopagem dos Estados‑Membros.

90.

Em tal situação, considero difícil estabelecer a ligação necessária com o direito da União para considerar as circunstâncias do presente processo como uma atividade de um Estado‑Membro relativa ao âmbito de aplicação do direito da União. Por conseguinte, considero que o RGPD não se aplica ao presente processo.

91.

Caso o Tribunal de Justiça considere que, apesar disso, o RGPD se aplica, passo agora a abordar a interpretação das suas disposições, como solicitado pela USK.

92.

No essencial, o órgão de reenvio questiona o seguinte: em primeiro lugar, se a lei austríaca (a ADBG), que impõe que as decisões que constatam infrações às normas antidopagem sejam divulgadas ao público, sem fiscalização individualizada da proporcionalidade quando se trata de praticantes desportivos profissionais, está em conformidade com o RGPD; e, em segundo lugar, se é necessária a opção da NADA de implementar essa obrigação de publicação colocando os dados na parte disponível ao público do seu sítio Web.

93.

Por esta razão, o órgão de reenvio coloca várias questões sobre a interpretação do RGPD. Considero a segunda e a terceira questões, que devem ser examinadas em conjunto, como as mais importantes e complexas. Por conseguinte, abordarei primeiro as outras questões, antes de me debruçar sobre as questões de legalidade e proporcionalidade suscitadas pela USK.

B.   Quanto à primeira questão

94.

Com a sua primeira questão, a USK pretende, em substância, saber se a publicação da informação de que uma determinada pessoa cometeu uma infração específica em matéria de dopagem constitui um «dado relativo à saúde», na aceção do artigo 9.o do RGPD.

95.

A meu ver, a resposta a esta questão pode decorrer tanto da definição do conceito de «dados relativos à saúde» como da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

96.

Em conformidade com a definição que figura no artigo 4.o, n.o 15, do RGPD, entende‑se por «dados relativos à saúde» dados pessoais relacionados com a saúde física ou mental de uma pessoa singular, incluindo a prestação de serviços de saúde, que revelem informações sobre o seu estado de saúde.

97.

Todas as partes, com a exceção da demandante, observam corretamente que esta definição é composta por dois elementos. O primeiro é a exigência de que os dados pessoais em causa estejam relacionados com a saúde física ou mental de uma pessoa singular. O segundo é o facto de esses dados revelarem informações sobre o estado de saúde da pessoa singular. Por outras palavras, os dados pessoais em causa devem estar de alguma forma relacionados com a saúde do titular dos dados (implicando, assim, uma relação vaga), como também devem permitir deduzir dessa informação o estado de saúde do titular dos dados (implicando, assim, um aspeto personalizado da informação em causa).

98.

No presente processo, não estou convencido de que o último critério, que funciona como elemento operativo em relação ao estado de saúde subjetivo do titular dos dados, esteja preenchido.

99.

Com efeito, a constatação de que a demandante consumiu ou esteve na posse de certas substâncias proibidas não diz nada sobre o seu estado de saúde física ou mental. Tal como o consumo de álcool não diz nada sobre se uma pessoa sofre de dependência do álcool, o consumo ou a posse pela demandante das substâncias em causa no presente processo não revela nenhuma relação lógica ou clara com a sua saúde física ou mental.

100.

Também não considero que se possa tirar uma conclusão diferente do considerando 35 do RGPD ( 86 ). O primeiro período do mesmo esclarece, em substância, que o conceito de «dados relativos à saúde» não tem «prazo de validade». O segundo período enumera, em seguida, as informações que podem fazer parte desse conceito, sem, contudo, fornecer nenhuma indicação de que o âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 15, do RGPD deva ser interpretado de forma diferente.

101.

Embora seja verdade que o Tribunal de Justiça, no Acórdão Lindqvuist, considerou que deve ser dada ao conceito de «dados relativos à saúde» ( 87 ) uma interpretação ampla, essa interpretação foi feita tendo como contexto a Diretiva relativa à Proteção de Dados ( 88 ), antecessora do RGPD, que não continha uma definição específica do conceito de «dados relativos à saúde». A interpretação do Tribunal de Justiça também não exigiu que fosse estabelecida uma ligação entre os dados em causa e o estado de saúde do titular dos dados. Como tal, embora o Acórdão Lindqvist possa fornecer algumas orientações sobre a interpretação do conceito, não pode certamente prevalecer sobre a inserção legislativa específica do legislador da União para estabelecer uma ligação entre os dados de saúde do titular dos dados e o seu estado de saúde ( 89 ).

102.

Em conclusão, em resposta à primeira questão, proponho que o Tribunal de Justiça declare que a informação de que um praticante desportivo profissional cometeu uma infração às normas antidopagem relacionadas com o uso, a tentativa de uso ou a posse de uma substância ou de um método proibidos não consubstancia, em si mesma, um «dado relativo à saúde», na aceção do artigo 9.o do RGPD.

C.   Quanto à quarta questão

103.

Com a sua quarta questão, a USK pergunta, em substância, se a divulgação pública do nome da demandante, da infração às normas antidopagem em causa e da sanção que lhe foi aplicada consubstancia um tratamento de «dados pessoais relacionados com condenações penais e infrações», na aceção do artigo 10.o do RGPD.

104.

A NADA, a AMA e os Governos belga, francês e polaco contestam a classificação de natureza «penal» das sanções aplicadas à demandante. Com efeito, concluem que o artigo 10.o do RGPD não é aplicável às circunstâncias do presente processo.

105.

Contudo, a demandante, o Governo letão e a Comissão alegam o contrário. A sua argumentação assenta, em substância, no facto de que a suspensão devido à dopagem aplicada à demandante tem um impacto pessoal significativo. Na sua opinião, a sanção implica não só consequências financeiras e uma suspensão profissional relativamente significativa mas também consequências indiretas decorrentes da ridicularização e estigmatização inerentes à publicação (sem restrições) do nome da demandante, bem como dos atos de infração às normas antidopagem e da sanção aplicada. Esta combinação é o que faria com que a sanção em causa no presente processo assumisse natureza «penal». Com efeito, a demandante alega ainda, por conseguinte, que a ÖADR constituiria uma «autoridade pública», na aceção do artigo 10.o do RGPD.

106.

Concordo com a demandante, com o Governo letão e com a Comissão que, no presente processo, a sanção aplicada pela infração às normas antidopagem em causa reveste natureza penal, na aceção do artigo 10.o do RGPD.

107.

É claro que a interpretação de qualquer um dos dois conceitos «penais» que figuram no artigo 10.o do RGPD («condenações penais» e «infrações penais») exige uma interpretação autónoma ( 90 ). Além disso, tendo em conta que ambos os conceitos partilham a mesma base etimológica (a palavra em latim, «criminalis») e que o legislador da União procurou limitar a proteção reforçada prevista no artigo 10.o do RGPD apenas ao domínio penal ( 91 ), a aplicabilidade desta disposição depende fundamentalmente da questão de saber se a sanção aplicada é de natureza penal ( 92 ).

108.

Para determinar se uma sanção tem caráter penal, o Tribunal de Justiça tem em consideração três critérios: o primeiro é a qualificação jurídica da infração no direito interno; o segundo, a própria natureza da infração; e, o terceiro, o grau de severidade da sanção suscetível de ser aplicada ao interessado ( 93 ). Os dois últimos destes critérios assumem, provavelmente, um maior peso ( 94 ).

109.

No presente processo, resulta dos autos que a publicação da informação relativa à suspensão por dopagem da demandante está relacionada com a posse e o uso parcial de substâncias proibidas. Como explica a Comissão, e sob reserva de confirmação, a posse e/ou o uso de tais substâncias constituem uma infração penal por força do § 28, n.os 1 e 2, da ADBG. De acordo com o pedido de decisão prejudicial, as consequências desta infração implicam a perda de títulos e de prémios em dinheiro, bem como a suspensão por quatro anos de todas as competições (nacionais e internacionais). Afigura‑se igualmente que o § 24, n.o 4, da ADBG proíbe o emprego remunerado da demandante em organizações desportivas durante o período da sua suspensão.

110.

Como é aceite por todas as partes no presente processo, essas sanções têm o objetivo claro de penalizar a demandante pelos seus atos, bem como de a dissuadir (e a outros praticantes desportivos) de praticar a mesma conduta.

111.

A combinação não só da perda de títulos e da perda de prémios em dinheiro (correção de ganhos passados indevidamente obtidos), mas também de uma suspensão profissional por um período de tempo limitado, acrescenta um elemento penalizador que aumenta drasticamente a gravidade da consequência global das ações da demandante.

112.

Por outras palavras, a sanção em causa no presente processo não tem apenas por objeto reparar os prejuízos causados, mas prossegue a finalidade específica de penalizar a demandante pelos seus atos ( 95 ). Tem também uma função preventiva — a de dissuadir outros praticantes desportivos de cometerem infrações em matéria de dopagem.

113.

É esta combinação de fatores que é indicativa de uma infração que reveste natureza penal e que ultrapassa o limiar do que de outra forma seria considerado uma infração disciplinar desportiva ( 96 ).

114.

Isto, evidentemente, como o Governo Letão observa corretamente, sem prejuízo da qualificação nacional das infrações em causa. Esta conclusão também não significa que, num conjunto diferente de circunstâncias, o limiar para considerar uma sanção individual de natureza «penal» seja necessariamente atingido ( 97 ). No entanto, como expliquei no número anterior, considero que a sanção específica imposta à demandante tem uma natureza que permite alcançar o limiar do que é considerado uma condenação ou infração penal para efeitos do artigo 10.o do RGPD.

115.

Contrariamente às afirmações da AMA, não creio que seja útil considerar, de um modo geral, as infrações às normas antidopagem, como as que estão em causa no presente processo, como meras infrações às regras (privadas) de clubes ou organizações desportivas individuais. No caso da demandante, a posse ou o uso de substâncias ultrapassa largamente a eventual violação, por exemplo, dos estatutos do clube de xadrez de Knin (Croácia) ( 98 ).

116.

Este comportamento é proibido pelo direito nacional ‑ pela ADBG ‑ e não (apenas) pelas regras privadas de um clube ou de uma organização desportiva. Além disso, os efeitos indiretos sobre a situação pessoal e profissional da demandante, decorrentes da desaprovação social e da estigmatização associadas à constatação de uma infração às normas antidopagem, vão muito além do mundo do desporto ( 99 ). Por último, o facto de a infração a esse direito poder igualmente constituir uma infração disciplinar ao abrigo das regras de um clube ou de uma organização desportiva privados que visam regulamentar a conduta dos seus membros (no caso em apreço, as normas antidopagem e as regras de competição da IAAF) não impede que a mesma infração e as mesmas sanções decorram igualmente do direito público de um Estado‑Membro.

117.

Pelas razões acima expostas, considero que a operação de tratamento em causa diz respeito a «dados pessoais relacionados com condenações penais ou infrações», na aceção do artigo 10.o do RGPD.

118.

Quais as consequências desta conclusão?

119.

Como expliquei anteriormente, a conclusão de que uma operação de tratamento é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 10.o do RGPD exige que seja atribuído mais peso aos interesses do titular dos dados num exercício de ponderação sobre a divulgação ( 100 ). Em virtude da redação desta disposição, este tratamento deve ocorrer sob o controlo de uma «autoridade pública» ou ao abrigo do direito da União ou do direito nacional que preveja garantias adequadas dos direitos e liberdades do titular dos dados.

120.

Por conseguinte, em resposta à quarta questão, proponho que o Tribunal de Justiça declare que o artigo 10.o do RGPD deve ser interpretado no sentido de que se aplica ao tratamento de dados pessoais relacionados com a posse e o uso parcial por um praticante desportivo profissional, no âmbito de uma atividade desportiva, de substâncias constantes da lista de substâncias proibidas da AMA.

D.   Quanto à quinta questão

121.

Com a sua quinta questão, que só se coloca em caso de resposta afirmativa à quarta questão, a USK pretende determinar, em substância, se o tratamento dos dados pessoais da demandante relacionados com as suas infrações às normas antidopagem faz da USK uma «autoridade pública», na aceção do artigo 10.o do RGPD.

122.

Como já expliquei, nas circunstâncias do presente processo, a USK trata efetivamente «dados pessoais relacionados com condenações penais e infrações», na aceção do artigo 10.o do RGPD. No entanto, no exercício dessa atividade, a USK não atua como «autoridade pública» que controla o tratamento desses dados.

123.

Pelo contrário, decorre do § 5, n.o 6, e do § 6, n.os 1 a 5, da ADBG que o legislador austríaco habilitou a NADA a assumir o papel de «autoridade pública» para, nomeadamente, controlar as atividades de tratamento efetuadas pela USK em relação ao tipo de dados pessoais abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 10.o do RGPD.

124.

A responsabilidade substantiva pelo tratamento correto dos dados pessoais no âmbito das funções da USK, incluindo a publicação dos resultados das suas decisões, parece, assim, caber à NADA.

125.

Consequentemente, o simples facto de a USK tratar dados pessoais abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 10.o do RGPD não torna automaticamente este órgão numa «autoridade pública», na aceção desta disposição.

126.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça declare, em resposta à quinta questão, que o facto de encarregar um órgão do reexame de uma decisão que constata uma infração a uma norma antidopagem não torna esse órgão automaticamente numa «autoridade pública», na aceção do artigo 10.o do RGPD, se o direito nacional atribuir a outra instituição a responsabilidade pelo controlo desse tratamento de dados.

E.   Quanto à segunda e terceira questões

127.

Com a sua segunda e terceira questões, que proponho analisar em conjunto, a USK questiona, em substância, se a divulgação ao público, através da publicação num sítio Web acessível ao público, dos dados pessoais de um praticante desportivo profissional, bem como do ato de infração às normas antidopagem relevantes cometida por esse praticante desportivo e da suspensão que lhe foi aplicada, é compatível com os requisitos de licitude e de minimização dos dados previstas no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e c), e no artigo 6.o, n.o 3, do RGPD.

128.

Nos termos da ADBG, a ÖADR ( 101 ) ou, se for apresentado um pedido de reexame da sua decisão, a USK ( 102 ), deve tornar pública a sua decisão final relativa a determinadas infrações às normas antidopagem. Essas informações devem incluir o nome do praticante desportivo, o desporto em que compete, a infração às normas antidopagem aplicáveis e as sanções que dela resultaram. Por força do § 5, n.o 6, ponto 4, da ADBG, a publicação é confiada à NADA, que é designada como responsável pelo tratamento dos dados para esse efeito. A ADBG torna essa divulgação automática no caso de praticantes desportivos profissionais e, de um modo geral, opcional no caso de praticantes desportivos recreativos. A ADBG não regulamenta, ela própria, as modalidades de divulgação. Por conseguinte, a escolha da publicação na Internet foi uma decisão exclusiva da NADA.

129.

As questões submetidas pela USK suscitam, a meu ver, vários problemas. Em primeiro lugar, o RGPD exige uma análise da proporcionalidade por um responsável pelo tratamento de dados em cada caso concreto antes da divulgação de dados pessoais ao público me geral ou a proporcionalidade da referida publicação pode ser decidida antecipadamente pela lei geral? No caso da primeira opção, ou seja, se for necessária uma análise individualizada da proporcionalidade, parece que a ADBG viola o RGPD, uma vez que a ADBG não parece permitir esse nível individualizado de análise. Em segundo lugar, se a análise da proporcionalidade puder, em princípio, ser efetuada in abstrato pelo direito nacional e impuser uma obrigação automática ao responsável pelo tratamento, a segunda questão que se coloca ao Tribunal de Justiça é a de saber se a ADBG cumpre a exigência de proporcionalidade imposta pelo artigo 6.o, n.o 3, do RGPD. Em terceiro lugar, se a divulgação automática ao público de informações relacionadas com uma decisão relativa a uma infração em matéria de dopagem for proporcional ao(s) objetivo(s) legítimo(s) que a lei tenta alcançar, é necessário colocar essas informações na parte acessível ao público do sítio Web de uma organização antidopagem? Abordarei sucessivamente cada uma destas questões.

1. O RGPD exige uma análise da proporcionalidade pelo responsável pelo tratamento em cada caso concreto?

130.

Ao aplicar o RGPD, é necessário, em primeiro lugar, determinar quem é o responsável pelo tratamento no que respeita a uma determinada operação de tratamento. O artigo 5.o, n.o 2, deste regulamento prevê que o responsável pelo tratamento é responsável pelo cumprimento dos princípios do tratamento de dados conforme enumerados no artigo 5.o, n.o 1, do RGPD.

131.

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 7, do RGPD, o responsável pelo tratamento é a pessoa que determina as finalidades e os meios de tratamento de dados pessoais. Na segunda parte da mesma disposição, precisa‑se que «sempre que as finalidades e os meios desse tratamento sejam determinados pelo direito da União ou de um Estado‑Membro, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos aplicáveis à sua nomeação podem ser previstos pelo direito da União ou de um Estado‑Membro.» No presente processo, as finalidades, mas não necessariamente os meios, da operação de tratamento em causa são determinados pela ADBG (ou, pelo menos, estão tacitamente na ADBG), que, ao mesmo tempo, designou a NADA como responsável pelo tratamento.

132.

Por conseguinte, a NADA é um responsável para efeitos do tratamento dos dados pessoais da demandante, ao colocá‑los no seu sítio Web. A meu ver, tal não impede que a USK seja também qualificada de responsável pelo tratamento relativamente à mesma operação de tratamento ( 103 ). No fim de contas, segundo a ADBG, a NADA está apenas a cumprir a obrigação de divulgação da USK decorrente da ADBG. Este aspeto pode tornar‑se importante se o Tribunal de Justiça considerar (contrariamente ao que proporei) que a análise da proporcionalidade deve ser efetuada pelo responsável pelo tratamento em cada caso concreto. Colocar‑se‑ia então a questão de saber se deve ser a NADA ou a USK a efetuar a referida análise da proporcionalidade.

133.

Para ser considerado lícito, qualquer tratamento de dados pessoais deve, em conformidade com o RGPD, ser efetuado com base num dos motivos previstos no seu artigo 6.o Sem tentar explicar nesta sede a diferença entre o artigo 6.o, n.o 1, alíneas c) e e), é facto assente que no presente processo a NADA estaria a agir ao abrigo de uma destas disposições, ou mesmo de ambas, ao colocar os dados pessoais da demandante no seu sítio Web ( 104 ).

134.

Quando o fundamento jurídico para o tratamento assenta numa das duas disposições que mencionei no número anterior, o artigo 6.o, n.o 3, do RGPD prevê que a lei que exige o tratamento de dados pessoais, neste caso a ADBG, prossiga um objetivo de interesse público e seja proporcional ao objetivo legítimo prosseguido.

135.

Se o legislador tiver, de facto, ponderado os diferentes interesses em causa na consecução de um determinado interesse público e tiver decidido que um determinado tratamento é justificado, deverá mesmo assim o responsável pelo tratamento proceder a uma análise em separado da proporcionalidade em cada caso concreto? Ou a sua obrigação por força do artigo 5.o, n.o 2, do RGPD de comprovar o respeito do princípio da proporcionalidade, como expresso no princípio da minimização dos dados estaria cumprida por referência à obrigação imposta pelo legislador?

136.

A meu ver, o RGPD não exige que seja realizada uma análise da proporcionalidade em cada caso concreto de tratamento de dados por um responsável pelo tratamento. Em vez disso, o responsável pelo tratamento pode basear‑se — diria mesmo que deve — na análise da proporcionalidade efetuada pelo legislador. Um exercício de proporcionalidade por parte do legislador não pode ser individualizado. No entanto, esse exercício pode, em abstrato, ter em conta os interesses de proteção de dados de um determinado grupo de pessoas e equilibrá‑los em relação a outros interesses sociais em causa.

137.

A legislação que permite (ou exige) o tratamento de dados pode adotar uma abordagem diferente. Pode permitir que um determinado tratamento de dados seja efetuado se o responsável pelo tratamento o considerar necessário num contexto predeterminado. Nesse caso, o exercício da proporcionalidade terá de ser realizado pelo responsável pelo tratamento em cada caso concreto. Contudo, a legislação pode também, como no presente processo, impor um certo tipo de tratamento de dados para alcançar um determinado objetivo. Numa tal situação, não consigo encontrar nenhuma disposição no RGPD que exija, ou que permita, que o responsável pelo tratamento em causa questione a análise da proporcionalidade efetuada pelo legislador. Nesse caso, o RGPD não exige uma análise adicional da proporcionalidade em cada caso concreto. É claro que o exercício da proporcionalidade realizado pelo legislador, enquanto tal, pode ser impugnado nos órgãos jurisdicionais, quer pelos titulares dos dados, quer mesmo pelos responsáveis pelo tratamento. No entanto, a não ser que impugne com ganho de causa o exercício da proporcionalidade do legislador, o responsável pelo tratamento tem, numa situação como a do presente processo, a obrigação de efetuar o tratamento dos dados.

138.

Este tipo de interpretação do RGPD está em conformidade com o princípio da democracia e não infringe o disposto nesse regulamento.

139.

Numa sociedade democrática, é precisamente ao legislador que compete encontrar o equilíbrio adequado entre os direitos e interesses em conflito. Deixar esse exercício nas mãos de uma instituição independente, mas sem responsabilidade a nível político, mesmo que por vezes seja necessário, constitui uma solução menos democrática.

140.

Além disso, e como a AMA assinalou corretamente, fazer depender a publicação das infrações às normas antidopagem da decisão discricionária de órgãos nacionais antidopagem em cada caso concreto poderia resultar em abusos e corrupção, especialmente tendo em conta o interesse significativo dos praticantes desportivos, dos clubes ou mesmo dos governos em impedir essa publicação. Também pode resultar numa desigualdade de tratamento entre praticantes desportivos que, no que diz respeito à prática de infrações às normas antidopagem, se encontram, de facto, numa situação comparável.

141.

Além disso, o próprio texto do RGPD permite, e até exige, que a análise da proporcionalidade seja efetuada pelo legislador. O artigo 4.o, n.o 7, do RGPD prevê a possibilidade de as finalidades e os meios de tratamento dos dados pessoais serem determinados pelo direito da União ou de um Estado‑Membro, e não pelo responsável pelo tratamento. O artigo 6.o, n.o 3, do RGPD exige que a lei que permite o tratamento de dados seja sujeita a uma análise da proporcionalidade.

142.

Por conseguinte, considero que o RGPD não exige que a NADA (ou a USK) aprove a publicação de uma infração a uma norma antidopagem por praticantes desportivos profissionais em cada caso concreto.

143.

Este facto leva‑me ao segundo problema suscitado pelas segunda e terceira questões — o de saber se o legislador austríaco encontrou um equilíbrio admissível entre os diferentes interesses em causa quando exigiu que fossem disponibilizados ao público os dados pessoais da demandante, bem como a infração às normas antidopagem aplicável e a suspensão que lhe foi aplicada.

2. A divulgação ao público exigida pela ADBG é justificada?

144.

Em suma, a ADBG prevê que a USK (ou a ÖADR) deve notificar o público das suas decisões, indicando o nome das pessoas em causa, bem como a duração da suspensão e os motivos da mesma. Esta obrigação diz respeito, em primeiro lugar, aos praticantes desportivos profissionais e, em certos casos, aos praticantes desportivos recreativos. Além disso, a ADBG permite uma análise adicional da proporcionalidade quando são tomadas decisões sobre a publicação de infrações às normas cometidas por praticantes desportivos recreativos e pessoas vulneráveis.

145.

A demandante questiona se a divulgação da informação ao público é justificada no seu caso concreto. A NADA, a AMA e a Comissão, bem como os Estados‑Membros que participam no presente processo, não veem nenhum problema nesta divulgação.

146.

Embora possam existir razões suplementares para o fazer, a maioria dos debates (na fase escrita e oral do processo) centrou‑se em duas possíveis justificações para informar o público: i) dissuadir qualquer pessoa que pratique desporto de cometer uma infração a normas antidopagem; e ii) impedir que as suspensões sejam contornadas, mediante a informação de qualquer pessoa que possa patrocinar ou contratar o praticante desportivo em questão sobre a referida suspensão.

147.

Tem de ser efetuada uma avaliação da proporcionalidade ( 105 ) relativamente a cada justificação proposta. Por conseguinte, analisarei sucessivamente a questão de saber se a divulgação ao público pode ser justificada por um ou por ambos os objetivos declarados. A análise da proporcionalidade à luz de cada justificação implica várias etapas. O Tribunal de Justiça deve apreciar se a divulgação ao público é apropriada para alcançar o objetivo declarado. Em caso afirmativo, o Tribunal de Justiça tem ainda de verificar se essa medida é necessária o que, por sua vez, exige que se avalie se já existe outra medida disponível que permita alcançar o mesmo objetivo, mas que seja menos intrusiva para o direito fundamental do titular dos dados à proteção de dados. Por último, o Tribunal de Justiça pode considerar que a intrusão na vida privada dessa pessoa é tão significativa que não pode ser justificada pelo benefício a alcançar com o objetivo proclamado.

a) Quanto à primeira justificação: prevenção através de dissuasão

148.

Na minha opinião, a disponibilização ao público de informações personalizadas sobre a infração a uma norma antidopagem e às suas consequências é suscetível de dissuadir os praticantes desportivos profissionais e recreativos de cometerem infrações semelhantes. A medida é também adequada a título preventivo, uma vez que sensibiliza os jovens, que acabaram de entrar no mundo do desporto e que podem querer tornar‑se praticantes desportivos profissionais, para as consequências da decisão de recorrer a substâncias proibidas para obter melhores resultados. Por conseguinte, não tenho dúvidas quanto à adequação da medida em causa em relação ao objetivo proclamado.

149.

A questão mais difícil é a de saber se a informação ao público do nome do praticante desportivo concreto é necessária para dissuadir outros praticantes desportivos de praticarem infrações semelhantes às normas antidopagem. A este respeito, importa ter em conta o parecer do Grupo de Trabalho para a Proteção de Dados do artigo 29.o (a seguir «GT do artigo 29.o»), o antecessor do atual Comité Europeu para a Proteção de Dados, no qual examinou a proporcionalidade de normas semelhantes do CMA ( 106 ). Assim, o GT do artigo 29.o considerou que, para dissuadir outros praticantes desportivos, seria suficiente publicar informações anónimas sobre as infrações e as sanções ( 107 ).

150.

Não concordo com este entendimento. É verdade que já existe um efeito dissuasor devido à gravidade das sanções em causa. No entanto, o facto de se saber que o nome de uma pessoa pode ser publicado no que respeita a uma infração às normas antidopagem tem um efeito dissuasor adicional e mais forte. Enquanto um jovem atleta que tenta fazer carreira pode calcular que vale a pena arriscar se a sanção prevista for uma suspensão de alguns meses ou mesmo de alguns anos, pode pensar duas vezes quando se aperceber de que o público tomará conhecimento da sua infração. A publicação anónima não pode, por isso, ser considerada uma medida que alcança o mesmo objetivo de modo igualmente eficaz ( 108 ).

151.

O GT do artigo 29.o considerou igualmente que uma publicação única imediatamente depois de uma decisão que confirma a infração às normas antidopagem poderia ser uma medida adequada, embora menos restritiva. Discordo também deste ponto. A disponibilidade da informação ao longo da duração da suspensão tem mais hipóteses de chegar ao público‑alvo. Além disso, não vejo como é que a publicação, por exemplo, de um único comunicado de imprensa na Internet seria menos intrusiva do que a publicação de um quadro com a mesma informação. Esse comunicado de imprensa poderia, de facto, permanecer disponível durante muito mais tempo do que o quadro que expõe os praticantes desportivos suspensos, uma vez que este último seria retirado após o termo da suspensão. É verdade que, como salienta a demandante, se a suspensão for vitalícia, a inscrição no quadro em causa também permanece em linha para sempre. No entanto, desde que contenha informações exatas, este tipo de ingerência no direito à proteção de dados do titular dos dados não é excessivamente severo (mesmo que se possa questionar se a suspensão vitalícia é excessiva, mas essa é uma questão diferente), ao passo que o benefício de dissuadir jovens atletas, alertando‑os para essa possibilidade, não pode ser subestimado. De qualquer modo, no caso em apreço, a suspensão tem uma duração de quatro anos, após os quais as informações pessoais da demandante que figuram no quadro em causa serão suprimidas.

152.

Por último, podemos perguntar o seguinte: é necessário publicar todas as infrações em matéria antidopagem; apenas as infrações mais graves devem ser dadas a conhecer ao público; apenas os infratores reincidentes devem ser expostos pelo nome; deve ter‑se em consideração o nível em que o praticante desportivo compete ou outros fatores adicionais?

153.

Na minha opinião, é necessário deixar ao legislador uma certa margem de apreciação na avaliação destes fatores. Pode acontecer, por exemplo, que a publicação de apenas algumas infrações facilite a decisão de cometer outras infrações. A publicação apenas de infrações repetidas pode entrar nos cálculos dos jovens atletas, que podem decidir que vale a pena correr o risco uma vez, já que os seus nomes não serão tornados públicos por uma única infração ( 109 ). Há várias preocupações e argumentos que podem ser invocados.

154.

O legislador austríaco parece ter tido em consideração diferentes preocupações a fim de alcançar o objetivo preventivo de dissuadir eventuais infrações às normas antidopagem. A ponderação dos interesses em causa resultou em algumas exceções e limites à norma, o que obviamente não prejudicou o objetivo desejado. Excluiu os menores, as pessoas vulneráveis e, na maior parte dos casos, os praticantes desportivos recreativos. Não foi apresentado ao Tribunal de Justiça nenhum argumento convincente que lhe permitisse questionar a avaliação do legislador de que a norma em causa era necessária para fins preventivos no caso dos praticantes desportivos profissionais.

155.

Por conseguinte, considero que a medida que exige a divulgação personalizada ao público das infrações às normas antidopagem cometidas por praticantes desportivos profissionais é adequada e necessária para dissuadir os praticantes desportivos atuais e futuros de cometerem tais infrações.

156.

Por último, a ingerência nos direitos dos praticantes desportivos profissionais não é tão significativa que não possa ser justificada pelo objetivo preventivo da medida em causa. As informações publicadas são o nome, o desporto em que participa, a infração às normas antidopagem cometida e a duração da suspensão que dela resultou. Estas informações não revelam nada para lá da vida profissional do praticante desportivo em questão, limitando‑se a indicar as consequências do comportamento ilegal que já eram conhecidas pelo praticante desportivo quando decidiu cometer a infração em questão.

b) Quanto à segunda justificação: impedir que a suspensão seja contornada

157.

A outra justificação apresentada no decurso do presente processo é a necessidade de informar as partes interessadas relevantes de que o praticante desportivo em questão não pode participar em nenhum tipo de compromisso relacionado com qualquer desporto enquanto a suspensão estiver em vigor. Desta forma, a eficácia da sanção e a prevenção de que seja contornada são alcançadas.

158.

Uma publicação acessível ao público é certamente adequada para informar as pessoas que podem desejar patrocinar um praticante desportivo, convidá‑lo a competir numa competição organizada ou contratá‑lo em qualquer qualidade relacionada com o desporto. Por esta razão, estas partes interessadas devem ter conhecimento da suspensão do praticante desportivo. Por conseguinte, a medida prevista pela ADBG é adequada para o objetivo pretendido.

159.

Também neste caso, a questão mais difícil é a de saber se essa medida é necessária.

160.

Nenhum argumento relativo à anonimização pode ser apresentado no contexto deste objetivo público. Para informar as partes interessadas visadas, é necessário indicar o nome do praticante desportivo suspenso.

161.

Invocando o parecer do GT do artigo 29.o, a demandante considera, contudo, que, para o objetivo declarado, não é necessário informar o público. Seria suficiente informar as organizações desportivas e os patrocinadores atuais ou potenciais. Em resposta, a AMA e a NADA afirmam que é impossível saber antecipadamente quem deve ser informado. Além disso, a qualquer momento, uma nova parte interessada pode tornar‑se o alvo dessa informação, por exemplo, o proprietário de um ginásio recentemente criado.

162.

O GT do artigo 29.o propôs uma medida potencialmente de menor gravidade suscetível de impedir que a suspensão seja contornada com base na introdução de um «certificado de boa conduta» ( 110 ). Entendo que esta proposta se refere a um procedimento segundo o qual, antes de convidar uma pessoa a participar em competições, de lhe oferecer um emprego no desporto ou de decidir patrocinar um praticante desportivo, os organizadores de competições, os potenciais empregadores e os patrocinadores solicitariam ao praticante desportivo em questão que apresentasse o referido certificado. Para desempenhar a sua função, esse certificado teria de ser fornecido a nível mundial e internacional e, por conseguinte, envolveria diferentes questões de tratamento de dados, como a transferência desses dados para uma organização internacional. Em todo o caso, esse sistema não existe atualmente. Como mensagem à AMA para que considere a introdução de um tal sistema, a sugestão do GT do artigo 29.o poderá ter algum peso. No entanto, enquanto esse sistema não for instituído, o legislador austríaco não pode utilizá‑lo como medida menos restritiva para informar as partes interessadas.

163.

Tendo em conta que as informações específicas não são eficazes, uma vez que não se sabe quem poderá precisar dessas informações, e que não existe atualmente um sistema adequado de certificados de honorabilidade, considero que a medida em causa é adequada e necessária para alcançar o objetivo de impedir que a suspensão seja contornada.

164.

É possível acrescentar um outro argumento ao que precede, conforme invocado pela NADA na audiência, segundo o qual a contratação do praticante desportivo suspenso constitui, por si só, uma infração às normas antidopagem ( 111 ). Por conseguinte, afigura‑se igualmente necessário conhecer a situação dos praticantes desportivos suspensos, a fim de evitar possíveis infrações indiretas às normas antidopagem.

165.

Por último, o quadro com os nomes, os atos de infração às normas antidopagem e a suspensão dos praticantes desportivos, publicado no sítio Web da NADA é atualizado periodicamente. A informação é retirada após o termo da suspensão em causa. Isto significa que os dados pessoais da demandante não permanecerão no referido sítio Web mais tempo do que o necessário para impedir que a sua suspensão seja contornada.

3. A publicação na Internet faz diferença?

166.

A ADBG exige que a informação solicitada seja divulgada ao público, mas não especifica o método a utilizar para esse efeito. Foi a NADA quem decidiu colocar as informações em questão no seu sítio Web.

167.

A demandante contestou essa decisão, considerando que a publicação em linha é demasiado intrusiva e que a publicação por outros meios que não em linha ou, pelo menos, a introdução de um sistema de início de sessão e palavra‑passe para aceder à informação publicada representariam medidas menos lesivas para os direitos fundamentais dos praticantes desportivos.

168.

A ideia de que a publicação na Internet é demasiado intrusiva foi afirmada por outros, por exemplo, pelo GT do artigo 29.o ( 112 ) ou pela minoria dissidente no Acórdão L.B. c. Hungria, do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ( 113 ).

169.

Posso ser muito breve a este respeito. Se a obrigação de disponibilizar ao público informação que inclua dados pessoais for considerada justificada, a única forma de essa obrigação ser cumprida na sociedade moderna é através da publicação na Internet. Da mesma forma que ninguém pediria a uma pessoa que andasse de porta em porta a anunciar notícias após a invenção da imprensa por Gutenberg, com a criação da Internet, a publicação impressa (como, por exemplo, um boletim informativo) deixou de ser um meio adequado para disponibilizar informações ao público. Pedir a publicação por outros meios que não em linha equivale a pedir autorização para contornar a obrigação de informar o público.

170.

No seu Parecer 4/2009, o GT do artigo 29.o declarou que a publicação na Internet é considerada mais intrusiva que a publicação por outros meios que não em linha ( 114 ). O seu principal argumento foi que a primeira significa que qualquer pessoa pode consultar os dados. Tal é verdade, mas é precisamente essa a ideia subjacente à obrigação de que a informação seja disponibilizada ao público. O segundo argumento apresentado pelo GT do artigo 29.o dizia respeito ao facto de as informações na Internet poderem ser utilizadas para outros fins e ser objeto de um tratamento posterior. É verdade que é mais fácil reutilizar informações que já estão na Internet. No entanto, em última análise, não existe diferença entre a possibilidade de reutilizar informações colocadas na Internet e a possibilidade de reutilizar informações impressas num boletim informativo. As informações sobre infrações em matéria de antidopagem publicadas num boletim informativo são igualmente suscetíveis de serem utilizadas, por exemplo, por jornalistas e de serem colocadas num portal de notícias em linha.

4. Conclusão intermédia

171.

Por conseguinte, considero que a publicação obrigatória da infração às normas antidopagem aplicável cometida por um praticante desportivo profissional no sítio Web acessível ao público de uma autoridade antidopagem é adequada e necessária para cumprir a função preventiva de dissuadir os praticantes desportivos atuais e futuros de cometerem uma infração semelhante a essas normas, bem como para impedir que os praticantes desportivos contornem as suspensões.

172.

Com base no que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda e à terceira questões no sentido de que o artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 6.o, n.o 3, do RGPD não se opõem à prática, por uma autoridade nacional responsável pela promoção, coordenação e acompanhamento de um programa nacional de controlo de dopagem, de divulgar, no seu sítio Web, de forma acessível ao público, os dados pessoais de um praticante desportivo profissional relacionados com uma infração às normas antidopagem.

V. Conclusão

173.

Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pela Unabhängige Schiedskommission (Comissão Arbitral Independente, Áustria) do seguinte modo:

1.

A informação de que um praticante desportivo profissional cometeu uma infração às normas antidopagem relacionadas com o uso, a tentativa de uso ou a posse de uma substância ou de um método proibidos não consubstancia, em si mesma, um «dado relativo à saúde», na aceção do artigo 9.o do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados).

2.

O artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento 2016/679

devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à prática, por parte de uma autoridade nacional responsável pela promoção, coordenação e acompanhamento de um programa nacional de controlo de dopagem, de divulgar, no seu sítio Web, de forma acessível ao público, os dados pessoais de um praticante desportivo profissional relacionados com uma infração às normas antidopagem.

3.

O artigo 10.o do Regulamento 2016/679

deve ser interpretado no sentido de que se aplica ao tratamento de dados pessoais relacionados com a posse e o uso parcial por um praticante desportivo profissional, no âmbito de uma atividade desportiva, de substâncias constantes da lista de substâncias proibidas da Agência Mundial Antidopagem.

4.

Encarregar um órgão do reexame de uma decisão que constata uma infração a uma norma antidopagem não torna automaticamente esse órgão numa «autoridade pública», na aceção do artigo 10.o do Regulamento 2016/679.

No entanto, tal é o caso desde que o controlo por um órgão designado como tal seja assegurado de outra forma pelo direito nacional.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1).

( 3 ) Müller, R.K., «History of Doping and Doping Control», in Thieme, D., e Hemmersbach, P. (eds), Doping in Sports, Vol. 195, Springer, 2010, p. 2 (que explica que a utilização de medicamentos e substâncias para melhorar o desempenho atlético remonta ao final do século III a.c.).

( 4 ) V., van der Sloot, B., Paun, M., Leenes, R., «Athletes' Human Rights and the Fight Against Doping: A Study of the European Legal Framework», Springer, 2020, p. 14.

( 5 ) «Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto», Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, Paris, 2005.

( 6 ) De acordo com um estudo de 2017 realizado para a Comissão Europeia, o CMA é juridicamente vinculativo em alguns Estados‑Membros, mas não noutros. V. Comissão, Direção‑Geral da Educação, da Juventude, do Desporto e da Cultura, McNally, P., Paun, M., Sloot, B., et al., «Anti‑doping & data protection: an evaluation of the anti‑doping laws and practices in the EU Member States in the light of the General Data Protection Regulation», Serviço das Publicações da União Europeia, 2017, https://data.europa.eu/doi/10.2766/042641, p. 77.

( 7 ) Tanto as regras de competição da IAAF de 2015 como as regras antidopagem da IAAF de 2017 definem «uso» como «utilização, aplicação, ingestão, injeção ou consumo, por qualquer meio, de uma substância proibida ou de um método proibido».

( 8 ) Existem duas decisões da USK datadas de 21 de dezembro de 2021. A primeira decisão confirma as conclusões de mérito da ÖADR e suspende o processo na parte relativa à não divulgação ao público do nome da demandante, da sanção e da infração às normas antidopagem; a segunda decisão constitui a decisão prejudicial do presente processo.

( 9 ) V. § 5, n.o 6, ponto 4, da ADBG.

( 10 ) A demandante observa que este quadro está disponível em https://www.nada.at/de/recht/suspendierungen‑sperren.

( 11 ) A ÖADR foi constituída como órgão independente pelo § 7 da ADBG.

( 12 ) § 23, n.o 2, da ADBG. A NADA é o órgão que apresentou o pedido de exame à ÖADR. V. § 18 da ADBG.

( 13 ) § 8, n.o 3, da ADBG.

( 14 ) § 23, n.o 3, da ADBG.

( 15 ) § 23, n.o 3, da ADBG. O regulamento de processo da USK está disponível em: https://www.schiedskommission.at/files/doc/Gesetze‑Richtlinien‑und‑Bestimmungen/USK‑Verfahrensordnung‑2021.pdf (a seguir «Regulamento de Processo da USK»).

( 16 ) § 1, n.o 3, do Regulamento de Processo da USK.

( 17 ) V. § 8, n.o 2, da ADBG.

( 18 ) Estes elementos constam igualmente do § 8, n.o 3, da ADBG.

( 19 ) § 8, n.o 3, da ADBG.

( 20 ) Quando estiver em causa a participação numa competição internacional ou estiverem envolvidos praticantes desportivos internacionais, a ação pode ser intentada diretamente no Internationaler Sportgerichtshof (Tribunal Arbitral do Desporto; a seguir «TAD»). V. § 23, n.o 4, da ADBG. No entanto, esta exceção não parece aplicar‑se ao caso em apreço.

( 21 ) V. § 23, n.os 1 e 4, da ADBG e ponto IV, n.o 3, da decisão de reenvio. Este último explica que o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria) declarou que o recurso para os órgãos jurisdicionais civis, em matéria de infração às normas antidopagem, exige que a decisão da ÖADR tenha sido objeto de recurso prévio na USK.

( 22 ) § 23, n.o 1, da ADBG.

( 23 ) Contudo, o § 23, n.o 4, da ADBG apenas menciona expressamente que a AMA, o Comité Olímpico Internacional, o Comité Paraolímpico Internacional e qualquer federação internacional de desporto competente podem interpor recurso para o TAD.

( 24 ) Acórdão de 30 de junho de 1966 (61/65, EU:C:1966:39, p. 273).

( 25 ) Há quem tenha criticado o Tribunal de Justiça por não ter dado uma definição abrangente do conceito de «órgão jurisdicional». V., por exemplo, Conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer no processo De Coster (C‑17/00, EU:C:2001:366, n.o 14) ou Broberg, M., e Fenger, N., Preliminary References to the European Court of Justice, 2.a edição, Oxford University Press, Oxford, 2014, p. 70. Outros, e eu concordo com esta posição, consideram que a divergência e a constante evolução das instituições dos Estados‑Membros da União exigem flexibilidade para determinar se uma instituição pode ser qualificada de «órgão jurisdicional». V., por exemplo, Conclusões do advogado-geral N. Wahl nos processos apensos Torresi (C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:265, n.o 27), e Wahl, N., e Prete, L., «The Gatekeepers of Article 267 TFEU: On Jurisdiction and Admissibility of References for Preliminary Rulings», Common Market Law Review, Vol. 55(2), 2018, pp. 511 a 548, na p. 522.

( 26 ) V., por exemplo, Acórdão de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 23). Mais recentemente, v. Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 51 e jurisprudência referida).

( 27 ) V., por exemplo, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 42 e segs.); de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 54 e segs.); e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 74 e segs.).

( 28 ) Acórdão de 21 de janeiro de 2020 (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 55, mas v. também toda a análise da independência nos n.os 51 a 77).

( 29 ) Acórdão de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o. (C‑110/98 a C‑147/98, EU:C:2000:145, n.o 39).

( 30 ) V. Acórdão de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme (C‑203/14, EU:C:2015:664, n.o 18).

( 31 ) V., por exemplo, Acórdão de 12 de junho de 2014, Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta (C‑377/13, EU:C:2014:1754, n.o 26) (concluindo que embora «a composição das formações de julgamento [do tribunal] seja efémera e a sua atividade termine após decidirem[;], […] no seu todo, o [tribunal] apresenta caráter permanente»).

( 32 ) V., por exemplo, Acórdãos de 23 de março de 1982, Nordsee (102/81, EU:C:1982:107, n.o 11) e de 17 de outubro de 1989, Handels‑ og Kontorfunktionærernes Forbund i Danmark (109/88, EU:C:1989:383, n.o 7).

( 33 ) V., por exemplo, Despacho de 17 de julho de 2014, Emmeci (C‑427/13, EU:C:2014:2121, n.os 25, 30 e 31) (que conclui que um órgão que emite pareceres consultivos não cumpre o critério do «caráter obrigatório da jurisdição»).

( 34 ) V., por exemplo, Acórdãos de 6 de outubro de 2015, Consorci Sanitari del Maresme (C‑203/14, EU:C:2015:664, n.o 24), e de 26 de janeiro de 2023, Construct (C‑403/21, EU:C:2023:47, n.o 41) (que declara admissível o reenvio prejudicial proveniente de órgãos cuja competência seja equivalente aos órgãos jurisdicionais administrativos competentes, no caso de o requerente, ao abrigo da lei aplicável, ter a possibilidade de optar por recorrer ao órgão de reenvio).

( 35 ) V. Acórdãos de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 31), e de 29 de novembro de 2001, De Coster (C‑17/00, EU:C:2001:651, n.o 14) (salientando a natureza não absoluta do requisito relativo a um processo inter partes, de tal modo que mesmo um processo sem tais características pode preencher o requisito para que o órgão pertinente seja considerado um «órgão jurisdicional» por força do artigo 267.o TFUE).

( 36 ) V. Acórdão de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 31).

( 37 ) V., por exemplo, Acórdão de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos) (C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 63).

( 38 ) Esta exigência é cumprida mesmo que existam critérios adicionais com base nos quais um órgão toma uma decisão. V. Acórdão de 27 de abril de 1994, Almelo (C‑393/92, EU:C:1994:171, n.o 23) (declarar admissível o reenvio prejudicial proveniente de um órgão que, além de aplicar as normas de direito, efetua o seu reexame com base na equidade e na razoabilidade).

( 39 ) As normas processuais que o órgão aplica não têm de ser determinadas por um diploma legal, podendo ser adotadas pelo próprio órgão. V., por exemplo, Acórdão de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 33) (que rejeita uma alegação segundo a qual as normas processuais em causa foram adotadas pelo próprio órgão de reenvio, estas normas não produzem efeitos em relação a terceiros e ainda não foram publicadas).

( 40 ) V. § 23, n.o 3, da ADBG. V. também §11 do Regulamento de Processo da USK.

( 41 ) V. § 8 do Regulamento de Processo da USK.

( 42 ) De acordo com o § 23, n.o 4, da ADBG, o processo deve estar integralmente concluído no prazo de seis meses.

( 43 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Corbiau (C‑24/92, EU:C:1993:59, n.o 10).

( 44 ) Acórdão de 11 de junho de 1987, X (14/86, EU:C:1987:275, n.o 7). No entanto, já muito antes disso, o advogado-geral J. Gand, nas suas conclusões no processo Vaassen‑Göbbels (61/65, EU:C:1966:25, p. 281), considerou a independência como uma característica importante do conceito de «órgão jurisdicional».

( 45 ) No entanto, alguns advogados‑gerais consideraram a abordagem do Tribunal de Justiça sobre a questão da independência do órgão de reenvio demasiado flexível. V., por exemplo, Conclusões do advogado-geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo De Coster (C‑17/00, EU:C:2001:366, n.os 19 a 28) (que explica que houve uma flexibilização gradual da jurisprudência em relação à exigência de independência).

( 46 ) V., por exemplo, Pech, L., e Scheppele, K.L., «Illiberalism Within: Rule of Law Backsliding in the EU», Cambridge Yearbook of European Legal Studies, Vol. 19, Cambridge University Press, 2017, pp. 3 a 47; Priebus, S., «The Commission's Approach to Rule of Law Backsliding: Managing Instead of Enforcing Democratic Values?», Journal of Common Market Studies, Vol. 60(6), University Association for Contemporary European Studies and John Wiley & Sons Ltd, 2022, pp. 1684 a 1700.

( 47 ) Para uma síntese dos acórdãos relevantes, v. Parlamento Europeu, Direção‑Geral das Políticas Internas da União, Pech, L., «The European Court of Justice's jurisdiction over national judiciary‑related measures», 2023, disponível em: https://democracyinstitute.ceu.edu/articles/european‑parliament‑publishes‑study‑laurent‑pech.

( 48 ) V., por exemplo, Broberg, M., Fenger, N., «The European Court of Justice's Transformation of its Approach towards Preliminary References from Member State Administrative Bodies», Cambridge Yearbook of European Legal Studies, Vol. 24, Cambridge University Press, 2022, p. 2 e segs.

( 49 ) Exemplo deste último é o Acórdão de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587), no qual o Tribunal de Justiça desenvolveu o que se entende por independência externa e interna dos órgãos jurisdicionais. O Tribunal de Justiça interveio no âmbito de um reenvio prejudicial relativo à apreciação da conformidade da legislação nacional com as exigências de independência previstas no artigo 9.o da Diretiva 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 1998, tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional (JO 1998, L 77, p. 36), noutras palavras, sobre a livre circulação dos advogados. Esta disposição exige que os Estados‑Membros prevejam recursos nos «órgãos jurisdicionais» contra as decisões relativas à inscrição dos advogados.

( 50 ) V., nomeadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018 (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 34 a 38 e 42 e 43).

( 51 ) Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 55 e segs.). V. também Broberg, M., Fenger, N., «The European Court of Justice's Transformation of its Approach towards Preliminary References from member State Administrative Bodies», Cambridge Yearbook of European Legal Studies, Vol. 24, Cambridge University Press, 2022, p. 21 e segs. (que aprecia o desenvolvimento do conceito de «independência» ao abrigo do artigo 267.o TFUE e os efeitos colaterais da jurisprudência relativa ao artigo 19.o, n.o 1, TUE e ao artigo 47.o da Carta).

( 52 ) V., por exemplo, Reyns, C., «Saving judicial independence: a threat to the preliminary ruling mechanism?», European Constitutional Law Review, Vol. 17(1), Cambridge University Press, 2021, pp. 26 a 52.

( 53 ) V., a este respeito, Conclusões do advogado-geral N. Wahl nos processos apensos Torresi (C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:265, n.os 46 a 54), e do advogado-geral M. Bobek no processo Pula Parking (C‑551/15, EU:C:2016:825, n.os 76 a 107).

( 54 ) A jurisprudência descreve habitualmente o aspeto «interno» da independência, ou imparcialidade, como importante para garantir a igualdade de condições entre as partes. V., por exemplo, Acórdão de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587, n.o 52). Assim, os decisores não podem ter nenhum interesse pessoal no resultado do litígio. Sou da opinião de que o aspeto «externo» da independência, que exige a ausência de qualquer influência externa sobre os decisores, contribui para o mesmo objetivo de garantir a imparcialidade para ambas as partes num litígio. A pressão externa também conduz ao resultado de um litígio que não decorre de uma decisão autónoma do decisor, mas sim de um interveniente externo que influenciou o decisor, muito provavelmente em benefício de uma das partes.

( 55 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587, n.os 49 a 52), e de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.os 57 a 62).

( 56 ) V., por exemplo, Acórdão de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 109 e jurisprudência referida).

( 57 ) V. Acórdãos de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 60 e jurisprudência referida), e de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos) (C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 49).

( 58 ) V. Acórdãos de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 59 e jurisprudência referida), e de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos) (C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o48).

( 59 ) § 8, n.o 3, da ADBG. Pelo contrário, os membros da ÖADR, enquanto decisor de primeira instância em processos antidopagem, são nomeados pela NADA. V. § 7, n.o 3, da ADBG.

( 60 ) Acórdão de 21 de janeiro de 2020 (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 66).

( 61 ) Conclusões do advogado-geral G. Hogan no processo Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2019:802, n.o 38).

( 62 ) V., por analogia, Acórdãos de 13 de janeiro de 2022, Ministerstwo Sprawiedliwości (C‑55/20, EU:C:2022:6, n.o 77), e de 26 de janeiro de 2023, Construct (C‑403/21, EU:C:2023:47) (no que respeita ao facto de nunca ter sido exercido um poder de destituição de um membro de um conselho disciplinar como um critério a ter em conta na apreciação da probabilidade de esse poder ser suscetível de pôr em causa a vertente «externa» da independência de um órgão de reenvio).

( 63 ) V., por exemplo, Acórdão de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 110 e jurisprudência referida).

( 64 ) V., por exemplo, Acórdão de 3 de maio de 2022, CityRail (C‑453/20, EU:C:2022:341, n.os 52 e 64 a 69 e jurisprudência referida) (relativo a uma autoridade administrativa que, através do exercício de poderes de fiscalização oficiosos, podia «interpor recurso» para si própria e assim rever as decisões administrativas tomadas pela entidade reguladora nacional do setor ferroviário).

( 65 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.o 61 e segs. e jurisprudência referida).

( 66 ) V., por exemplo, Acórdão de 31 de maio de 2005, Syfait e o. (C‑53/03, EU:C:2005:333, n.os 31 a 37), ou Acórdão de 30 de maio de 2002, Schmid (C‑516/99, EU:C:2002:313, n.os 34 a 38).

( 67 ) Acórdão de 24 maio de 2016 (C‑396/14, EU:C:2016:347).

( 68 ) Acórdão de 17 de setembro de 1997 (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 34).

( 69 ) Acórdão de 17 de setembro de 1997 (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 35).

( 70 ) V. Acórdão de 21 de janeiro de 2020 (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.os 67 e 77).

( 71 ) V., por exemplo, Acórdãos de 6 de outubro de 1981, Broekmeulen (246/80, EU:C:1981:218, n.o 9) (em que o órgão em causa era composto, em parte, por médicos), e de 24 de maio de 2016, MT Højgaard e Züblin (C‑396/14, EU:C:2016:347, n.os 27 a 29) (em que o órgão em causa era composto, em parte, por leigos e juízes).

( 72 ) V., por exemplo, Acórdãos de 24 de maio de 2016, MT Højgaard e Züblin (C‑396/14, EU:C:2016:347, n.o 27), e de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos) (C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 55).

( 73 ) V. também, a este respeito, Conclusões do advogado-geral M. Bobek no processo Ministerstwo Sprawiedliwości (C‑55/20, EU:C:2021:500, n.os 58 e 59).

( 74 ) Como resulta do processo nacional, este processo está registado com o número de referência W108 2250401‑1/10Z e foi suspenso pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) na pendência do presente processo.

( 75 ) Acórdão de 12 de janeiro de 2023 (C‑132/21, EU:C:2023:2, n.o 57).

( 76 ) Esta conclusão é sustentada pela doutrina sobre a matéria; v. Bresich, R.; Dopplinger, L.; Dörnhöfer, S.; Kunnert, G.; Riedl, E., Datenschutzgesetz — Kommentar, Linde Verlag, 2018, p. 201; e Schwamberger, S., in Jahnel, D. (ed.), Jahrbuch 19 Datenschutzrecht, Neuer Wissenschaftlicher Verlag, 2019, p. 267, com referências ao direito nacional.

( 77 ) V., por analogia, no que diz respeito à Diretiva 2001/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2001, relativa à repartição de capacidade da infraestrutura ferroviária e à aplicação de taxas de utilização da infraestrutura ferroviária (JO 2001, L 75, p. 29), Acórdãos de 9 de novembro de 2017, CTL Logistics (C‑489/15, EU:C:2017:834, n.o 87), e de 27 de outubro de 2022, DB Station & Service (C‑721/20, EU:C:2022:832, n.os 60, 80 e 81) (que explicam que, antes de ser intentada qualquer ação judicial, os litígios relativos a taxas ferroviárias devem ser previamente submetidos à entidade reguladora instituída nos termos da Diretiva 2001/14).

( 78 ) Artigo 2.o, n.o 1, do RGPD.

( 79 ) V., por exemplo, Acórdãos de 6 de novembro de 2003, Lindqvist (C‑101/01, EU:C:2003:596, n.o 25), e de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 26) (que concluem que a operação que consiste em fazer constar dados pessoais numa página Internet consubstancia um tratamento).

( 80 ) Essa informação pode ser utilizada para identificar a demandante como uma pessoa que agiu em violação das normas e, por isso, é claramente «relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do RGPD.

( 81 ) V., por exemplo, Acórdão de 6 de novembro de 2003, Lindqvist (C‑101/01, EU:C:2003:596, n.o 26).

( 82 ) Conclusões do advogado-geral M. Szpunar no processo WK (C‑33/22, EU:C:2023:397, n.o 78).

( 83 ) Sobre o papel do artigo 165.o TFUE, v. Conclusões do advogado-geral M. Szpunar no processo Royal Antwerp Football Club (C‑680/21, EU:C:2023:188, n.os 48 a 55).

( 84 ) V., sobre esta matéria, Weatherill, S., «Saving Football from Itself: Why and How to Re‑make EU Sports Law», Cambridge Yearbook of European Legal Studies, Vol. 24, 2022, pp. 8 e 9.

( 85 ) Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, EU:C:1995:463, n.os 73 e segs.); de 18 de julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão (C‑519/04 P, EU:C:2006:492, n.os 22 e segs); de 1 de julho de 2008, MOTOE (C‑49/07, EU:C:2008:376, n.os 20 a 26); de 16 de março de 2010, Olympique Lyonnais (C‑325/08, EU:C:2010:143, n.os 27 e segs.); e de 13 de junho de 2019, TopFit e Biffi (C‑22/18, EU:C:2019:497, n.os 27 e segs.), bem como Conclusões do advogado-geral A. Rantos no processo International Skating Union/Comissão (C‑124/21 P, EU:C:2022:988, n.os 36 a 43); do advogado-geral A. Rantos no processo European Superleague Company (C‑333/21, EU:C:2022:993, n.os 39 a 42); e do advogado-geral M. Szpunar no processo Royal Antwerp Football Club (C‑680/21, EU:C:2023:188, n.os 34 a 36).

( 86 ) A parte relevante deste considerando tem a seguinte redação: «Deverão ser considerados dados pessoais relativos à saúde todos os dados relativos ao estado de saúde de um titular de dados que revelem informações sobre a sua saúde física ou mental no passado, no presente ou no futuro. O que precede inclui […] as informações obtidas a partir de análises ou exames de uma parte do corpo ou de uma substância corporal, incluindo a partir de dados genéticos e amostras biológicas».

( 87 ) V. Acórdão de 6 de novembro de 2003 (C‑101/01, EU:C:2003:596, n.o 50).

( 88 ) Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31) (a seguir «Diretiva relativa à Proteção de Dados»).

( 89 ) Inicialmente redigido de forma ainda mais restritiva do que a que figura na versão final do texto. V., a este respeito, Conselho da União Europeia, Grupo do Intercâmbio de Informações e da Proteção de Dados, «Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados — Projeto revisto dos Capítulos I e II (doc. 6828/13, de 26 de fevereiro de 2013, p. 10) (que contém uma sugestão de redação que visava exigir que os dados relativos à saúde em causa «revelem informações sobre problemas de saúde significativos, tratamentos e condições sensíveis de uma […] pessoa»).

( 90 ) V. Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 85 e jurisprudência referida) (que estabelece a natureza autónoma deste conceito no direito da União).

( 91 ) Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504, n.os 77 e 78) (que conclui que, contrariamente ao artigo 8.o, n.o 5, da Diretiva 95/46, o âmbito de aplicação do artigo 10.o do RGPD está limitado apenas ao domínio penal).

( 92 ) Consequentemente, não é necessário, para efeitos do presente processo, decidir se a demandante foi objeto de uma condenação adicional.

( 93 ) Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 87 e jurisprudência referida).

( 94 ) Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 88 e jurisprudência referida) (que recorda que mesmo as infrações que não são qualificadas de «penais» pelo direito nacional podem ser consideradas «penais», na aceção do direito da União, com base na própria natureza da infração e no grau de severidade das sanções).

( 95 ) V. Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504, n.o 89) (que explica que a característica própria de uma sanção «penal» não é a mera reparação dos prejuízos causados).

( 96 ) Sobre esta matéria, entendo, assim, que a presente situação ultrapassa a base geral aceite pela jurisprudência tanto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) como do TAD, segundo a qual, em termos gerais, os litígios disciplinares relacionados com o desporto não podem ser qualificados como sendo de natureza penal. V., a este respeito, TAD, Decisão arbitral de 22 de agosto de 2011, Stichting Anti‑Doping Autoriteit Nederland (NADO) & Koninklijke Nederlandsche Schaatsenrijders Bond (KNSB) c. W. (2010/A/2311 e 2312, n.o 33) (que conclui que tanto o direito suíço como a jurisprudência do TAD consideram, de um modo geral, os litígios relacionados com o desporto como sendo de natureza civil).

( 97 ) O Governo francês remete para o Acórdão do TEDH de 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal [CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, nomeadamente n.o 67 (suspensão das funções de juiz por um período consecutivo de 240 dias) e n.o 127 (essa suspensão não alcança o limiar penal do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH].

( 98 ) Isto não quer dizer que o clube de xadrez de Knin não seja uma instituição respeitável. Muito pelo contrário, segundo o folclore croata, o rei medieval croata Stjepan Držislav, que governou o primeiro Estado croata a partir da Fortaleza de Knin, foi capturado nessa região pelo Doge de Veneza Pedro II Orseolo. Para recuperar a sua liberdade, Držislav jogou uma partida de xadrez de três jogos contra o Doge de Veneza, ganhou todos os jogos e, em troca, ganhou a liberdade não só para si mas para todas as cidades croatas ao longo da costa do Adriático. Para celebrar a sua vitória, Držislav colocou o padrão axadrezado no seu brasão.

( 99 ) V., a este respeito, Acórdão do TEDH de 2 de outubro de 2018, Mutu e Pechstein c. Suíça (CE:ECHR:2018:1002JUD004057510, n.o 182) (que explica que um exame público, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, era necessário, uma vez que a suspensão de dois anos por dopagem aplicada à demandante «acarretava um grau de estigma e era suscetível de afetar negativamente a sua honra e reputação profissionais»).

( 100 ) V. as minhas Conclusões no processo Norra Stockholm Bygg (C‑268/21, EU:C:2022:755, n.o 81).

( 101 ) § 21, n.o 3, da ADBG.

( 102 ) § 23, n.o 14, da ADBG.

( 103 ) V., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Fashion ID (C‑40/17, EU:C:2019:629, n.o 67 e jurisprudência referida) (que explica que o conceito de responsável pelo tratamento pode dizer respeito a vários atores que participam no tratamento de dados pessoais).

( 104 ) A este respeito, o Tribunal de Justiça já reconheceu que a mesma operação de tratamento pode responder a vários fundamentos de tratamento legítimo. V., a este respeito, Acórdão de 9 de março de 2017, Manni (C‑398/15, EU:C:2017:197, n.o 42). V. também Acórdão de 1 de agosto de 2022, Vyriausioji tarnybinės etikos komisija (C‑184/20, EU:C:2022:601, n.o 71), em que o Tribunal de Justiça considerou que uma única legitimação é suficiente ao abrigo do artigo 6.o do RGPD.

( 105 ) A análise da proporcionalidade é uma etapa necessária que o Tribunal de Justiça tem de executar para considerar justificada uma restrição de um direito fundamental (artigo 52.o, n.o 1, da Carta). Relativamente ao direito fundamental à proteção de dados, o princípio da proporcionalidade é reafirmado no artigo 5.o, n.o 1, alínea c) (princípio da minimização dos dados), e no artigo 6.o, n.o 3, do RGPD.

( 106 ) Grupo de Trabalho para a Proteção de Dados do Artigo 29.o, «Segundo parecer 4/2009 sobre a Norma Internacional relativa à proteção da privacidade e dos dados pessoais da Agência Mundial Antidopagem (AMA), sobre as disposições pertinentes do Código AMA e sobre outros aspetos relacionados com a privacidade no contexto da luta contra a dopagem no desporto por parte da AMA e de outras organizações antidopagem (nacionais)» (WP 162, adotado em 6 de abril de 2009, 0746/09/PT) (a seguir «Parecer 4/2009 do GT do artigo 29.o»).

( 107 ) Parecer 4/2009 do GT do artigo 29.o, p. 17, n.o 3.6.2.

( 108 ) O Tribunal de Justiça já utilizou o critério de saber se uma medida alternativa seria igualmente eficaz para avaliar a necessidade de uma medida. V., a este respeito, Acórdão de 1 de agosto de 2022, Vyriausioji tarnybinės etikos komisija (C‑184/20, EU:C:2022:601, n.o 85 e jurisprudência referida).

( 109 ) Não é possível retirar automaticamente conclusões de um contexto diferente, como, por exemplo, o que estava em causa no Acórdão de 22 de junho de 2021, Latvijas Republikas Saeima (Pontos de penalização) (C‑439/19, EU:C:2021:504), relativo à questão de saber se é desproporcionada a publicação de informação sobre infratores que cometem uma infração pela primeira vez (idem, n.o 115). Nesse caso, a publicação de pontos de penalização impostos por infrações às regras da circulação rodoviária foi considerada desnecessária no caso de infratores que cometem uma infração pela primeira vez. Contudo, a justificação no contexto da qual o Tribunal de Justiça estava a decidir era a de melhorar a segurança (idem, n.o 107). Com efeito, os infratores que cometem uma infração rodoviária pela primeira vez poderão não pôr em perigo a circulação rodoviária. No entanto, a publicação de informações sobre os infratores de normas antidopagem que cometem uma infração pela primeira vez pode ser considerada necessária para dissuadir os jovens atletas de sequer tentarem usar substâncias proibidas.

( 110 ) Parecer 4/2009 do GT do artigo 29.o, p. 17, n.o 3.6.1.

( 111 ) O § 1, n.o 2, ponto 10, da ADBG estipula que é considerada uma infração distinta o facto de uma «outra pessoa» ajudar ou tentar ajudar um praticante desportivo suspenso a contornar o período de suspensão desse praticante desportivo.

( 112 ) Parecer 4/2009 do GT do artigo 29.o, p. 17, n.o 3.6.2.

( 113 ) Acórdão do TEDH de 9 de março de 2023, (CE:ECHR:2023:0309JUD003634516).

( 114 ) Parecer 4/2009 do GT do artigo 29.o, p. 17, n.o 3.6.2.

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