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Document 62021TJ0403

Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção alargada) de 17 de julho de 2024 (Extratos).
Norddeutsche Landesbank – Girozentrale contra Conselho Único de Resolução.
União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 — Dever de fundamentação — Igualdade de tratamento — Proporcionalidade — Margem de apreciação do CUR — Erro manifesto de apreciação — Exceção de ilegalidade — Margem de apreciação da Comissão — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo.
Processo T-403/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2024:485

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada)

17 de julho de 2024 ( *1 )

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 — Dever de fundamentação — Igualdade de tratamento — Proporcionalidade — Margem de apreciação do CUR — Erro manifesto de apreciação — Exceção de ilegalidade — Margem de apreciação da Comissão — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo»

No processo T‑403/21,

Norddeutsche Landesbank — Girozentrale, com sede em Hanôver (Alemanha), representada por J. Seitz e C. Marx, advogados,

recorrente,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. Kerlin, T. Wittenberg e C. De Falco, na qualidade de agentes, assistidos por G. Coppo, S. Reinart e K. Bongs, advogados,

recorrido,

apoiado por

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, G. De Baere, D. Petrlík (relator), K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 8 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

1

Por meio do presente recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Norddeutsche Landesbank — Girozentrale, pede a anulação da Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução (a seguir «decisão recorrida»), na parte em que lhe diz respeito enquanto sucessora legal da Deutsche Hypothekenbank AG (a seguir «Deutsche Hypo»).

[OMISSIS]

III. Pedidos das partes

20

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão recorrida, incluindo os seus anexos, na parte em que lhe diz respeito enquanto sucessora legal da Deutsche Hypo;

condenar o CUR nas despesas.

21

O CUR conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas;

a título subsidiário, em caso de anulação da decisão recorrida, manter os efeitos desta decisão até à sua substituição ou, pelo menos, durante um período de seis meses a contar da data em que o acórdão transitar em julgado.

22

A Comissão Europeia conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

IV. Questão de direito

[OMISSIS]

A.   Quanto às exceções de ilegalidade do artigo 7.o e do anexo I do Regulamento Delegado 2015/63

[OMISSIS]

3. Quanto ao décimo primeiro fundamento, relativo à ilegalidade do anexo I, sob o título «Etapa 2», do Regulamento Delegado 2015/63, uma vez que o método de compartimentação aí previsto viola as normas hierarquicamente superiores

101

A recorrente invoca a ilegalidade do anexo I, sob o título «Etapa 2», do Regulamento Delegado 2015/63, uma vez que o método de compartimentação aí previsto viola o «princípio da orientação para o perfil de risco» resultante do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59.

102

Em especial, o método de compartimentação prevê que os compartimentos devem incluir, se possível, o mesmo número de instituições repartidas segundo o valor de risco de cada uma delas. Ora, esse método reflete erradamente o perfil de risco individual das instituições em causa. Com efeito, este método pode levar ao reagrupamento, num mesmo compartimento, de instituições com valores para o indicador de risco em causa que apresentam perfis de risco diferentes uns dos outros. Por exemplo, no caso da Deutsche Hypo, isto teria conduzido, para o indicador de risco [confidencial] ( 2 ), à sua atribuição em [confidencial] compartimentos apesar de um valor, declarado a título deste indicador, inferior ao valor médio de todas as instituições.

103

O CUR e a Comissão contestam esta argumentação.

104

À semelhança do que foi apurado no n.o 66, supra, não é necessário pronunciar‑se sobre a existência, no direito da União, de um «princípio da orientação para o perfil de risco». Com efeito, a recorrente alega com este fundamento, conforme especificado em sede de audiência, que a Comissão cometeu um erro de apreciação quando estabeleceu o método de compartimentação, uma vez que este método impede o CUR de adaptar, de maneira adequada, as contribuições anuais de base ao perfil de risco real das instituições.

105

A este respeito, resulta dos n.os 47 a 53, supra, que a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação no que respeita à aplicação do artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, pelo que incumbe à recorrente demonstrar que, ao prever o método de compartimentação, o Regulamento Delegado 2015/63 enferma de um erro manifesto de apreciação.

106

Em aplicação deste método, cabe ao CUR calcular, num primeiro momento, um número de compartimentos para comparar as instituições tendo em conta os diferentes indicadores e subindicadores de risco. Num segundo momento, cabe ao CUR atribuir, em princípio, o mesmo número de instituições a cada compartimento, começando por atribuir ao primeiro compartimento as instituições para as quais os valores do indicador bruto são os mais baixos. Num terceiro momento, cabe ao CUR atribuir a todas as instituições que figuram num determinado compartimento a mesma pontuação, denominada «indicador discretizado», que deve ter em conta para o resto do cálculo do seu coeficiente de ajustamento.

107

Não está, é certo, excluído, como resulta do anexo II da decisão recorrida, que a aplicação deste método possa conduzir, de facto, a situações em que instituições que apresentam, para um dado indicador de risco, valores que demonstram ter perfis menos arriscados para este indicador do que o valor médio das instituições em causa, sejam, no entanto, afetas, para o indicador em causa, a um dos compartimentos que são compostos por instituições relativamente mais arriscadas. Esta consequência resulta, nomeadamente, do facto de, como explicou o CUR, algumas instituições terem valores ditos «extremos», ou seja, valores que apresentam um grande desvio em relação à média.

108

Do mesmo modo, devido à existência destes valores extremos, não é de excluir que a aplicação do método de compartimentação — e, em especial, a aplicação da regra prevista no anexo I, sob o título «Etapa 2», n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/63, segundo a qual o CUR atribui, em princípio, o mesmo número de instituições a cada compartimento — possa conduzir, de facto, a situações em que instituições com valores para um determinado indicador de risco próximos dos das instituições afetas ao compartimento anterior são, no entanto, afetas ao compartimento seguinte, que contém instituições com valores para este mesmo indicador de risco que poderiam, por vezes, ser consideravelmente mais elevados.

109

Contudo, a ocorrência dos fenómenos descritos nos n.os 107 e 108, supra, não significa que o método de compartimentação enferma de um erro manifesto de apreciação.

110

A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que o Regulamento Delegado 2015/63 previu, de acordo com o artigo 103.o, n.o 7, da Diretiva 2014/59, um método de ajustamento das contribuições ex ante ao perfil de risco das instituições que tem por base comparação dos seus perfis de risco. É facto assente, por um lado, que este método implica a comparação de um número significativo de dados provenientes das instituições em causa com base em valores que estas instituições obtêm para uma série de indicadores de risco e, por outro, que estes dados podem incluir valores extremos para determinadas instituições.

111

Ora, como resulta do estudo empírico realizado antes da adoção do Regulamento Delegado 2015/63, cujos resultados foram resumidos no estudo técnico do JRC, o método de compartimentação figura entre os métodos que são suscetíveis de permitir efetuar essa comparação, sendo mesmo considerado o método mais adequado para este efeito.

112

Com efeito, o método de compartimentação é um método estatístico reconhecido para efeitos do tratamento dos valores extremos, uma vez que evita, na medida do possível, que a presença destes valores conduza a comparações que seriam desvirtuadas. No presente caso, o referido método permite evitar, como resulta do estudo técnico do JRC, que as instituições com valores elevados para certos indicadores de risco recebam, no entanto, uma pontuação que indica um perfil de risco baixo para estes indicadores, uma vez que existem algumas instituições com valores extremos.

113

Em segundo lugar, o método de compartimentação é um método fácil para comparar um grande número de dados declarados pelas instituições cuja contribuição ex ante é ajustada ao seu perfil de risco.

114

A este respeito, importa especificar que o anexo I, sob o título «Etapa 2», ponto 2, do Regulamento Delegado 2015/63 prevê a regra segundo a qual o número de compartimentos é calculado com base numa fórmula aí enunciada. Em seguida, o anexo I, sob o título «Etapa 2», ponto 3, deste regulamento delegado prevê a regra segundo a qual o CUR afeta, em princípio, o mesmo número de instituições a cada compartimento, começando por colocar as instituições com os indicadores brutos mais baixos no primeiro compartimento.

115

Daqui resulta que o método de compartimentação prevê regras objetivas suscetíveis de ser facilmente aplicáveis pelo CUR, o que constitui, aliás, um objetivo que pode ser legitimamente prosseguido pela regulamentação da União (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de fevereiro de 2015, Sopora, C‑512/13, EU:C:2015:108, n.o 33, e de 7 de março de 2017, RPO, C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 60).

116

Em terceiro lugar, as consequências da ocorrência dos fenómenos descritos nos n.os 107 e 108, supra, são relativizadas pelas quatro circunstâncias seguintes. Primeiro, o ajustamento das contribuições ex ante só pode ser realizado dentro do intervalo de um coeficiente compreendido entre 0,8 e 1,5, por força do artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2015/63. A contribuição anual de base continua, assim, a ser o elemento preponderante para a determinação da contribuição ex ante à luz do perfil de risco das instituições.

117

Segundo, como resulta, em substância, do estudo técnico do JRC, estes fenómenos são circunscritos, visto que tendem a ocorrer sobretudo nos últimos compartimentos, e não na grande maioria destes.

118

Terceiro, é facto assente que as instituições que se encontram nestes últimos compartimentos têm valores mais elevados para o indicador de risco em causa que as instituições afetas aos compartimentos inferiores.

119

Quarto, o método de ajustamento das contribuições ex ante para o perfil de risco tem em conta uma multiplicidade de indicadores de risco, tal como resulta do artigo 6.o do Regulamento Delegado 2015/63. Uma instituição está afeta, no total, a uma multiplicidade de compartimentos em função dos seus valores e dos das outras instituições para cada indicador de risco.

120

Ora, como resulta do estudo técnico do JRC, as instituições tendem a encontrar‑se em diferentes compartimentos para diferentes indicadores de risco. Por este motivo, se uma instituição se encontrar no último compartimento para um determinado indicador de risco, e for assim colocada em pé de igualdade com instituições com valores consideravelmente mais elevados, o mesmo não acontece, regra geral, para outros indicadores de risco, uma vez que permite proceder a uma comparação global das instituições em causa.

121

De resto, o fenómeno descrito nos n.os 119 e 120, supra, é ilustrado pelo cálculo da contribuição ex ante da Deutsche Hypo para o período de contribuição de 2021, como demonstra a sua ficha individual. Com efeito, no que respeita à parte da sua contribuição ex ante calculada numa base nacional, a Deutsche Hypo encontra‑se no [confidencial] compartimento para [confidencial]. Em contrapartida, para nenhum dos indicadores [confidencial] encontra‑se no [confidencial] compartimento, ao passo que [confidencial]. Além disso, encontra‑se no [confidencial] compartimento para [confidencial].

122

Nestas circunstâncias, a recorrente não pode alegar que, ao instituir o método de compartimentação, o Regulamento Delegado 2015/63 enferma de um erro manifesto de apreciação.

123

Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da recorrente segundo os quais o Regulamento Delegado 2015/63 deveria ter previsto três correções ao método de compartimentação. Primeiro, deveria ter dado ao CUR a possibilidade de estabelecer compartimentos adicionais e, por conseguinte, mais restritos ou de lhe permitir atribuir um número diferente de instituições a cada compartimento. Segundo, no âmbito do método de compartimentação para o pilar de risco III, seria necessário ter em conta outros indicadores de risco, como a dimensão da instituição, o total do seu balanço ou o seu modelo de negócio individual. Terceiro, uma vez que o quadro jurídico nacional tem uma influência determinante no modelo de negócio das instituições, teria sido necessário proceder a uma diferenciação por Estado‑Membro no âmbito do pilar de risco «estabilidade e diversidade das fontes de financiamento» previsto no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado 2015/63 (a seguir «pilar de risco II») e do pilar de risco IV.

124

Com os argumentos mencionados no n.o 123, supra, a recorrente sustenta, assim, na realidade, que existem métodos de substituição do método de compartimentação, conforme previsto no Regulamento Delegado 2015/63, que são mais adequados do que este último, em vez de demonstrar que o mesmo enferma de erros manifestos de apreciação. Ora, mesmo admitindo que existam tais métodos alternativos, resulta da jurisprudência que não compete ao Tribunal Geral determinar se o método de compartimentação previsto no Regulamento Delegado 2015/63 é o único ou o melhor possível, mas se está viciado por um erro manifesto de apreciação (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 12 de julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, EU:C:2001:420, n.o 83).

125

Além disso, e em todo o caso, a recorrente não demonstrou que os elementos mencionados no n.o 123, supra, teriam permitido ter o perfil de risco real das instituições no âmbito do método de compartimentação mais bem em conta.

126

No que respeita, primeiro, ao argumento relativo ao estabelecimento de compartimentos adicionais, basta salientar que o anexo I, sob o título «Etapa 2», ponto 2, do Regulamento Delegado 2015/63 determina o número de compartimentos com base numa fórmula matemática que se aplica de forma objetiva e indiferenciada e que se apoia, como decorre do estudo técnico do JRC, em dados científicos em matéria estatística que visam fixar previamente o número adequado de compartimentos. Ora, a recorrente não formulou nenhuma crítica específica relativamente a esta fórmula. Tampouco demonstrou que o estabelecimento de compartimentos adicionais, casuisticamente, fosse de modo manifesto mais adequado do que o método adotado.

127

Segundo, no que respeita ao argumento da recorrente relativo à alegada necessidade de ter em conta determinados indicadores de risco adicionais, já se referiu no n.o 116, supra, que o método de cálculo das contribuições ex ante atribui uma importância considerável à contribuição anual de base, sendo certo que esta também reflete a dimensão das instituições.

128

Do mesmo modo, a recorrente sustenta, erradamente, que a Comissão devia ter tido mais em consideração o modelo comercial individual das instituições. A este respeito, resulta do artigo 6.o, n.o 6, do Regulamento Delegado 2015/63 que o CUR é obrigado a tê‑lo em conta através do indicador de risco «Atividades de negociação, posições em risco extrapatrimoniais, derivados, complexidade e resolubilidade». Ora, a recorrente não fornece nenhum elemento concreto que faça parte do modelo de negócio individual das instituições que a Comissão deveria ter tido em conta.

129

Terceiro, no que respeita ao argumento relativo à alegada necessidade de fazer uma distinção entre cada Estado‑Membro no quadro dos pilares de risco II e IV, resulta da jurisprudência que a adoção de uma regulamentação num domínio de ação específico pode, sem ser discriminatória, ter repercussões diferentes para determinados operadores económicos, tendo em conta a sua situação individual ou as regras nacionais às quais estão sujeitos, desde que esta regulamentação se baseie em critérios objetivos, adaptados aos objetivos por si prosseguidos (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Panellinios Syndesmos Viomichanion Metapoiisis Kapnou, C‑373/11, EU:C:2013:567, n.o 34 e jurisprudência referida).

130

No presente caso, a recorrente não apresentou ao Tribunal Geral nenhum elemento que permita concluir que os indicadores de risco abrangidos pelos pilares de risco II e IV não se baseiam nestes critérios objetivos ou que não são adaptados aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento Delegado 2015/63. Nestas circunstâncias, não se pode basear em alegadas diferenças entre os Estados‑Membros para demonstrar um erro manifesto de apreciação relativamente aos referidos pilares de risco.

131

Tendo em conta o que precede, o décimo primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

B.   Quanto aos fundamentos relativos à legalidade da decisão recorrida

1. Quanto à fundamentação do nível‑alvo anual

132

A título preliminar, importa recordar que a falta ou a insuficiência de fundamentação constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34 e jurisprudência referida).

133

Através de uma medida de organização do processo e em sede de audiência, o Tribunal Geral interrogou oficiosamente as partes sobre as eventuais faltas de fundamentação de que estaria ferida a decisão recorrida no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

134

Para examinar se a decisão recorrida enferma desse vício, importa recordar que, de acordo com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, até ao termo de um período inicial de oito anos a partir de 1 de janeiro de 2016 (a seguir «período inicial»), os meios financeiros disponíveis no FUR devem atingir o nível‑alvo final, que corresponde, pelo menos, a 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes (a seguir «nível‑alvo final»).

135

De acordo com o artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, durante o período inicial, as contribuições ex ante devem ser escalonadas ao longo do tempo da forma mais equilibrada possível até que seja atingido o nível‑alvo final mencionado no n.o 134, supra, mas tendo devidamente em conta a fase do ciclo económico e o impacto que as contribuições pró‑cíclicas podem ter na posição financeira das instituições.

136

O artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 especifica que, todos os anos, as contribuições devidas por todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes não excedem 12,5 % do nível‑alvo final.

137

No que respeita ao método de cálculo das contribuições ex ante, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 prevê que o CUR determina o seu montante com base no nível‑alvo anual, tendo em conta o nível‑alvo final, e com base no valor médio dos depósitos cobertos registado no ano precedente, calculado trimestralmente, de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.

138

No caso em apreço, como resulta do considerando 48 da decisão recorrida, o CUR fixou, para o período de contribuição de 2021, o montante do nível‑alvo anual em 11287677212,56 euros.

139

Nos considerandos 36 e 37 da decisão recorrida, o CUR explicou, em substância, que o nível‑alvo anual devia ser determinado com base numa análise que tem por objeto a evolução dos depósitos cobertos nos anos anteriores, toda e qualquer evolução pertinente da situação económica, bem como uma análise sobre os indicadores relativos à fase do ciclo económico e os efeitos que as contribuições pró‑cíclicas teriam na situação financeira das instituições. Posteriormente, o CUR considerou adequado fixar um coeficiente que se baseava nesta análise e nos meios financeiros disponíveis no FUR (a seguir «coeficiente»). O CUR aplicou este coeficiente a um oitavo do montante médio dos depósitos cobertos em 2020, para efeitos de obter o nível‑alvo anual.

140

O CUR expôs os trâmites seguidos para fixar o coeficiente nos considerandos 38 a 47 da decisão recorrida.

141

No considerando 38 da decisão recorrida, o CUR verificou uma tendência constante de aumento dos depósitos cobertos de todas as instituições dos Estados‑Membros participantes. Em especial, o montante médio destes depósitos, calculado trimestralmente, ascendia a 6,689 biliões de euros para o ano de 2020.

142

Nos considerandos 40 e 41 da decisão recorrida, o CUR apresentou o prognóstico da evolução dos depósitos cobertos para os restantes três anos do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Estimou que as taxas anuais de crescimento dos depósitos cobertos até ao final do período inicial se situariam entre 4 % e 7 %.

143

Nos considerandos 42 a 45 da decisão recorrida, o CUR apresentou uma avaliação da fase do ciclo económico e do potencial efeito pró‑cíclico que as contribuições ex ante poderiam ter na situação financeira das instituições. Para o efeito, indicou ter tido em conta vários indicadores, como a previsão de crescimento do produto interno bruto da Comissão e as projeções do BCE a este respeito ou o fluxo de crédito do setor privado em percentagem do produto interno bruto.

144

No considerando 46 da decisão recorrida, o CUR concluiu que, embora fosse razoável esperar a continuação do crescimento dos depósitos cobertos na União Bancária, o ritmo deste crescimento seria inferior ao de 2020. A este respeito, o CUR indicou, no considerando 47 da decisão recorrida, ter adotado uma «abordagem prudente» no que dizia respeito às taxas de crescimento dos depósitos cobertos para os próximos anos até 2023.

145

À luz destas considerações, o CUR fixou, no considerando 48 da decisão recorrida, o valor do coeficiente em 1,35 %. Em seguida, calculou o montante do nível‑alvo anual, multiplicando o montante médio dos depósitos cobertos em 2020 por este coeficiente e dividindo o resultado deste cálculo por oito, em conformidade com a seguinte fórmula matemática, que figura no considerando 48 da referida decisão:

«Alvo0 [montante do nível‑alvo anual] = Total de depósitos cobertos2020 * 0,0135 * ⅛ = 11287677212,56 euros».

146

Na audiência, o CUR indicou, no entanto, que tinha determinado o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 do seguinte modo.

147

Primeiro, com base numa análise prospetiva, o CUR fixou o montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes, com prognóstico para o final do período inicial de cerca de 7,5 biliões de euros. Para chegar a este montante, o CUR teve em conta o montante médio dos depósitos cobertos em 2020, a saber, 6,689 biliões de euros, uma taxa de crescimento anual dos depósitos cobertos de 4 %, bem como o número de períodos de contribuição restantes até ao final do período inicial, a saber, três.

148

Segundo, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR calculou 1 % destes 7,5 biliões de euros para obter o montante estimado do nível‑alvo final que devia ser alcançado em 31 de dezembro de 2023, a saber, cerca de 75 mil milhões de euros.

149

Terceiro, o CUR deduziu deste último montante os recursos financeiros já disponíveis no FUR em 2021, ou seja, cerca de 42 mil milhões de euros, para obter o montante que faltava cobrar durante os períodos de contribuição restantes antes do final do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Este montante ascendia a cerca de 33 mil milhões de euros.

150

Quarto, o CUR dividiu este último montante por três para o repartir uniformemente entre os referidos três períodos de contribuição restantes. O nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 foi assim fixado no montante mencionado no n.o 138, supra, ou seja, cerca de 11287 mil milhões de euros.

151

O CUR também afirmou, na audiência, que tinha tornado públicas certas informações em que se tinha baseado o método descrito nos n.os 147 a 150, supra, e que teriam permitido à recorrente compreender o método de determinação do nível‑alvo anual. Em especial, especificou que tinha publicado no seu sítio Internet, em maio de 2021, ou seja, após a adoção da decisão recorrida, mas antes da interposição do presente recurso, uma ficha descritiva denominada «Fact Sheet 2021» (a seguir «ficha descritiva»), que indicava o montante estimado do nível‑alvo final. Do mesmo modo, o CUR afirmou que o montante dos meios financeiros disponíveis no FUR também estava disponível no seu sítio Internet, bem como através de outras fontes públicas, e isto muito antes da adoção da decisão recorrida.

152

Para analisar se o CUR respeitou o seu dever de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, importa recordar, antes de mais, que a falta ou insuficiência de fundamentação constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o Tribunal Geral pode, ou mesmo deve, ter também em conta outras faltas de fundamentação além das invocadas pela recorrente, nomeadamente, quando estas se manifestem no decurso do processo.

153

Para o efeito, as partes foram ouvidas, na fase oral do processo, sobre todas as eventuais faltas de fundamentação de que estaria ferida a decisão recorrida no que respeita à determinação do nível‑alvo anual. Em especial, expressamente questionado em várias ocasiões a este respeito, o CUR descreveu o método que tinha efetivamente seguido para determinar o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021, tal como exposto nos n.os 147 a 150, supra.

154

Em seguida, importa recordar que a fundamentação de uma decisão de uma instituição, órgão, serviço ou organismo da União tem uma importância especial, uma vez que permite ao interessado decidir com pleno conhecimento de causa se pretende recorrer desta decisão e permite ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização, constituindo assim uma das condições para a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 103 e jurisprudência referida).

155

Essa fundamentação deve ser adaptada à natureza do ato em causa e ao contexto em que foi adotado. A este respeito, não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, dado que a suficiência de uma fundamentação deve ser apreciada não apenas à luz da sua redação, mas também do seu contexto, bem como do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa e, especialmente, do interesse que as pessoas afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Por conseguinte, um ato lesivo está suficientemente fundamentado quando tiver sido praticado num contexto que é do conhecimento do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida tomada a seu respeito (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 104 e jurisprudência referida).

156

Por outro lado, esta fundamentação deve ser, designadamente, desprovida de contradições que permitam aos interessados conhecer os fundamentos reais desta decisão, para permitir a defender os seus direitos no órgão jurisdicional competente, e a este último exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 169 e jurisprudência referida; de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 20 e 45 a 47; e de 16 de dezembro de 2015, Grécia/Comissão, T‑241/13, EU:T:2015:982, n.o 56).

157

Do mesmo modo, quando o autor da decisão recorrida fornece determinadas explicações relativas aos seus fundamentos no decurso do processo perante o juiz da União, estas explicações devem ser coerentes com as considerações expostas nesta decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 45 a 47, e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 54 e 55).

158

Com efeito, se as considerações expostas na decisão recorrida não forem coerentes com essas explicações fornecidas durante o processo judicial, a fundamentação da decisão em causa não cumpre as funções recordadas nos n.os 154 e 155, supra. Em especial, tal incoerência impede, por um lado, os interessados de conhecerem os fundamentos reais da decisão recorrida, antes da interposição do recurso, e de prepararem a sua defesa à luz dos mesmos e, por outro, o juiz da União de identificar os fundamentos que serviram de verdadeiro suporte jurídico a esta decisão e de examinar a sua conformidade com as regras aplicáveis.

159

Por último, há que lembrar que, quando o CUR adota uma decisão que fixa as contribuições ex ante, deve dar a conhecer às instituições envolvidas o método de cálculo destas contribuições (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 122).

160

O mesmo se aplica ao método de determinação do nível‑alvo anual, revestindo este montante uma importância essencial na sistemática de tal decisão. Com efeito, como resulta do n.o 16, supra, o modo de cálculo das contribuições ex ante consiste na repartição do referido montante entre todas as instituições em causa, pelo que um aumento ou uma redução deste mesmo montante implica um aumento ou uma redução correspondente da contribuição ex ante de cada uma destas instituições.

161

Resulta do exposto que, embora o CUR seja obrigado a fornecer às instituições, através da decisão recorrida, explicações sobre o método de determinação do nível‑alvo anual, estas explicações devem ser coerentes com as explicações fornecidas pelo CUR durante o processo judicial e relativas ao método efetivamente aplicado.

162

Ora, tal não sucede no presente processo.

163

Com efeito, importa, antes de mais, salientar que a decisão recorrida expôs, no considerando 48, uma fórmula matemática que esta apresentou como estando na base da determinação do nível‑alvo anual. Ora, verifica‑se que esta fórmula não integra os elementos do método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência. Com efeito, como resulta dos n.os 147 a 150, supra, o CUR obteve o montante do nível‑alvo anual, no âmbito deste método, deduzindo do nível‑alvo final os meios financeiros disponíveis no FUR, com vista a calcular o montante que faltava cobrar até ao final do período inicial e dividindo este último montante por três. Ora, estas duas etapas do cálculo não estão expressas na referida fórmula matemática.

164

Por outro lado, esta constatação não pode ser posta em causa pela afirmação do CUR de que publicou, em maio de 2021, a ficha descritiva, que continha um intervalo que indicava os eventuais montantes do nível‑alvo final, e, no seu sítio Internet, o montante dos meios financeiros disponíveis no FUR. Com efeito, independentemente da questão de saber se a recorrente tinha efetivamente conhecimento destes montantes, estes não são, por si só, suscetíveis de lhe permitir compreender que as duas operações mencionadas no n.o 163, supra, tinham sido efetivamente executadas pelo CUR, sendo que, além disso, a fórmula matemática prevista no considerando 48 da decisão recorrida nem sequer as menciona.

165

Incoerências semelhantes afetam também a forma como foi fixado o coeficiente de 1,35 %, que desempenha, no entanto, um papel primordial nesta fórmula matemática mencionada no n.o 164, supra. Com efeito, este coeficiente pode ser entendido no sentido de que se baseia, entre outros parâmetros, no crescimento previsível dos depósitos cobertos durante os anos restantes do período inicial. Ora, isso é incoerente com as explicações fornecidas pelo CUR na audiência, das quais resulta que este coeficiente foi fixado para poder justificar o resultado do cálculo do montante do nível‑alvo anual, ou seja, depois de o CUR ter calculado este montante em aplicação das quatro etapas acima expostas nos n.os 147 a 150 e, nomeadamente, dividindo por três o montante resultante da dedução dos meios financeiros disponíveis no FUR do nível‑alvo final. Ora, esta diligência não resulta de modo nenhum da decisão recorrida.

166

Além disso, importa recordar que, segundo a ficha descritiva, o montante do nível‑alvo final estimado se situava num intervalo compreendido entre 70 e 75 mil milhões de euros. Ora, este intervalo afigura‑se incoerente com o intervalo da taxa de crescimento dos depósitos cobertos compreendido entre 4 % e 7 % que figura no considerando 41 da decisão recorrida. Com efeito, o CUR indicou na audiência que, para efeitos da determinação do nível‑alvo anual, tinha tido em conta a taxa de crescimento dos depósitos cobertos de 4 % — que era a taxa mais baixa do segundo intervalo — e que tinha, assim, obtido o nível‑alvo final estimado de 75 mil milhões de euros — que constituía o valor mais elevado do primeiro intervalo. Afigura‑se, assim, que existe uma discordância entre estes dois intervalos. Com efeito, por um lado, o intervalo que tem por objeto a taxa de evolução dos depósitos cobertos inclui também valores superiores à taxa de 4 %, cuja aplicação conduziu, no entanto, a um montante estimado do nível‑alvo final superior aos incluídos no intervalo relativo a este nível‑alvo. Por outro lado, é impossível para a recorrente compreender a razão pela qual o CUR incluiu no intervalo relativo ao referido nível‑alvo montantes inferiores a 75 mil milhões de euros. Com efeito, para chegar a esse resultado, teria sido necessário aplicar uma taxa inferior a 4 %, que, no entanto, não está incluída no intervalo relativo à taxa de crescimento dos depósitos cobertos. Nestas circunstâncias, a recorrente não estava em condições de determinar a forma como o CUR tinha utilizado o intervalo relativo à taxa de evolução destes depósitos para chegar ao cálculo do nível‑alvo final estimado.

167

Daqui resulta que, no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, o método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado em sede de audiência, não corresponde ao descrito na decisão recorrida, pelo que os fundamentos reais, à luz dos quais foi fixado este nível‑alvo, não podiam ser identificados com base na decisão recorrida nem pelas instituições nem pelo Tribunal Geral.

168

Atendendo ao que precede, há que concluir que a decisão recorrida enferma de vícios de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

169

Tendo em conta as implicações jurídicas e económicas do presente processo, é no entanto do interesse de uma boa administração da justiça prosseguir com a análise dos outros fundamentos do recurso.

[OMISSIS]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

decide:

 

1)

É anulada a Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução na parte em que diz respeito à Norddeutsche Landesbank — Girozentrale enquanto sucessora legal da Deutsche Hypothekenbank AG.

 

2)

São mantidos os efeitos da Decisão SRB/ES/2021/22, na parte em que diz respeito à Norddeutsche Landesbank — Girozentrale enquanto sucessora legal da Deutsche Hypothekenbank, até à entrada em vigor, num prazo razoável que não deverá exceder seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão do CUR que fixe a contribuição ex ante para o Fundo Único de Resolução desta instituição para o ano de 2021.

 

3)

O CUR suportará, além das suas próprias despesas, as despesas da Norddeutsche Landesbank — Girozentrale.

 

4)

A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.

 

Kornezov

De Baere

Petrlík

Kecsmár

Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de julho de 2024.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

( 2 ) Dados confidenciais ocultados.

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