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Document 62021TJ0396

Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção alargada) de 17 de julho de 2024 (Extratos).
Deutsche Bank AG contra Conselho Único de Resolução.
União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 — Dever de fundamentação — Tutela jurisdicional efetiva — Igualdade de tratamento — Princípio da proporcionalidade — Margem de apreciação do CUR — Exceção de ilegalidade — Margem de apreciação da Comissão — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo.
Processo T-396/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2024:483

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada)

17 de julho de 2024 ( *1 )

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 — Dever de fundamentação — Tutela jurisdicional efetiva — Igualdade de tratamento — Princípio da proporcionalidade — Margem de apreciação do CUR — Exceção de ilegalidade — Margem de apreciação da Comissão — Limitação dos efeitos do acórdão no tempo»

No processo T‑396/21,

Deutsche Bank AG, com sede em Frankfurt am Main (Alemanha), representada por H. Berger, M. Weber e D. Schoo, advogados,

recorrente,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. Kerlin, T. Wittenberg e D. Ceran, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann, F. Louis, P. Gey e L. Hesse, advogados,

recorrido,

apoiado pelo

Parlamento Europeu, representado por U. Rösslein, M. Menegatti e G. Bartram, na qualidade de agentes,

pelo

Conselho da União Europeia, representado por J. Bauerschmidt, J. Haunold e A. Westerhof Löfflerová, na qualidade de agentes,

e pela

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

composto por: A. Kornezov, presidente, G. De Baere, D. Petrlík (relator), K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: S. Jund, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 7 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

1

Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Deutsche Bank AG, pede a anulação da Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução (a seguir «decisão recorrida»), na parte em que lhe diz respeito.

[OMISSIS]

III. Pedidos das partes

19

A recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

anular a decisão recorrida, incluindo os seus anexos, na parte em que lhe diz respeito;

condenar o CUR nas despesas.

20

O CUR conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas;

a título subsidiário, em caso de anulação da decisão recorrida, manter os efeitos da decisão recorrida até à sua substituição ou, pelo menos, durante um período de seis meses a contar da data em que o acórdão transitar em julgado.

21

O Parlamento Europeu conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso na parte em que assenta na exceção de ilegalidade do Regulamento n.o 806/2014;

condenar a recorrente nas despesas.

22

O Conselho da União Europeia conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

23

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

IV. Questão de direito

[OMISSIS]

A. Quanto às exceções de ilegalidade do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 e dos artigos 4.o a 9.o e 20.o, bem como do anexo I do Regulamento Delegado 2015/63

1.   Quanto à segunda e terceira partes do quarto fundamento, relativas a uma ilegalidade do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014

27

No âmbito do quarto fundamento, a recorrente invocou, em substância, três partes. A primeira diz respeito a uma violação, pela decisão recorrida, do artigo 4.o do Regulamento de Execução 2015/81, lido em conjugação com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, e será assim examinada no âmbito da apreciação da legalidade desta decisão. Por seu turno, as segunda e terceira partes são relativas à ilegalidade do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, na parte em que esta disposição é contrária, por um lado, ao «princípio do cálculo das contribuições adaptado ao risco» e, por outro, ao artigo 114.o TFUE.

28

A recorrente invocou a segunda e terceira partes no caso de o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 dever ser interpretado no sentido de que o cálculo do nível‑alvo final a atingir pela soma das contribuições ex ante cobradas até 31 de dezembro de 2023 (a seguir «nível‑alvo final») se baseia no montante dos depósitos cobertos no final do período inicial de oito anos a partir de 1 de janeiro de 2016 (a seguir «período inicial»). Antes de examinar as referidas partes, é, pois, necessário clarificar, desde logo, o alcance do artigo 69.o, n.o 1, do referido regulamento.

a)   Quanto ao alcance do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014

29

A recorrente sustenta que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 deve ser interpretado no sentido de que o nível‑alvo final deve ser determinado de forma «estática», ou seja, tendo em conta o montante dos depósitos cobertos no momento da entrada em vigor deste regulamento. Assim, segundo a referida disposição, este nível‑alvo não devia ser determinado à luz do nível dos depósitos cobertos no final do período inicial.

30

Antes de mais, os termos do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 apenas remetem, com efeito, ao prazo para a constituição dos meios financeiros do FUR. Em contrapartida, estes termos não significam que o nível‑alvo final deva ser definido à luz do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial.

31

Em seguida, os trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 806/2014 demonstram que, aquando da criação do FUR, foi previsto um nível‑alvo final «estático» de cerca de 55 mil milhões de euros, o que corresponderia a 1 % dos depósitos cobertos previstos de todas as instituições no momento da entrada em vigor deste regulamento.

32

Por último, à luz de uma interpretação teleológica e sistemática do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o risco coberto pelo FUR não devia ser medido por referência à evolução dos depósitos cobertos, uma vez que o aumento destes depósitos não conduz a um aumento do risco de utilização do FUR.

33

O CUR, o Parlamento, o Conselho e a Comissão contestam esta argumentação.

34

O artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 dispõe que, «até ao termo [do] período inicial», «os meios financeiros disponíveis do [FUR] devem atingir pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições de crédito autorizadas de todos os Estados‑Membros participantes».

35

Antes de mais, resulta da redação desta disposição que a data do termo do período inicial não só é determinante para fixar a data em que os meios financeiros disponíveis do FUR devem atingir, pelo menos, 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas em todos os Estados‑Membros participantes no MUR, ou seja, o nível‑alvo final, mas também para precisar o montante destes depósitos que deve ser tido em conta para efeitos do cálculo deste nível‑alvo.

36

Em seguida, decorre dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 806/2014 que, contrariamente ao que a recorrente alega, o artigo 69.o, n.o 1, deste regulamento se baseia numa abordagem dinâmica do nível‑alvo final, no sentido de que este último deve ser determinado à luz do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial. Com efeito, no ponto 4.3.2 da exposição de motivos da sua proposta COM(2013) 520 final, de 10 de julho de 2013, que conduziu à adoção do referido regulamento, a Comissão explicou que o nível‑alvo final permaneceria dinâmico e que aumentaria se o setor bancário se desenvolvesse.

37

Por último, a necessidade de ter em conta a evolução do montante dos depósitos cobertos explica‑se pela finalidade da cobrança das contribuições ex ante, que é de assegurar, numa lógica baseada na garantia, que o setor financeiro fornece recursos financeiros suficientes ao MUR para que este possa desempenhar as suas funções, como resulta do considerando 41 do Regulamento n.o 806/2014 (Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 113). O objetivo do MUR consiste, em conformidade com o considerando 12 deste regulamento, em aumentar, por sua vez, a estabilidade das instituições nos Estados‑Membros participantes e impedir a propagação de eventuais crises a Estados‑Membros não participantes.

38

A este respeito, resulta do ponto 4.3.2 da exposição de motivos da proposta COM(2013) 520 final que, à medida que a dimensão do setor bancário cresce ao longo do tempo, mais os recursos financeiros que devem ser colocados à disposição do FUR devem aumentar. Uma estimativa desta dimensão permite, assim, prever o montante dos meios financeiros que devem ser disponibilizados ao FUR para que este possa ser utilizado, em caso de crise que afete o setor bancário, para financiar os instrumentos de resolução e, assim, assegurar a sua aplicação eficaz, em conformidade com o artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, lido à luz do considerando 101 deste mesmo regulamento.

39

Ora, no âmbito do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o legislador da União optou por uma abordagem de que o montante dos depósitos cobertos se destina a estimar a dimensão do setor bancário e a calcular assim os recursos financeiros que devem ser colocados à disposição do FUR. Deste ponto de vista, um aumento eventual do montante dos depósitos cobertos entre o início e o fim do período inicial reflete um incremento na dimensão do setor bancário, o que implica um aumento dos meios financeiros exigidos pelo FUR no final deste período.

40

Resulta do exposto que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 deve ser interpretado no sentido de que o montante do nível‑alvo final, previsto nesta disposição, deve ser determinado à luz do montante dos depósitos cobertos existentes no final do período inicial.

b)   Quanto à legalidade do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014

1) Quanto à segunda parte, relativa ao facto de o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 violar o «princípio do cálculo das contribuições adaptado ao risco»

41

A recorrente sustenta que, se o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 for interpretado no sentido de que o nível‑alvo final é determinado à luz do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial, esta disposição viola o «princípio do cálculo das contribuições adaptado ao risco», que constitui a expressão do princípio da proporcionalidade e que decorre dos artigos 16.o, 17.o e 52.o da Carta, do artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 e do artigo 103.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/59.

42

Com efeito, à luz do crescimento significativo do montante dos depósitos cobertos durante os últimos anos, o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 impõe encargos injustificados e desproporcionados às instituições. As contribuições ex ante de todas as instituições aumentaram, assim, passando de cerca de 6,9 mil milhões de euros em 2016 a cerca de 11,3 mil milhões de euros em 2021, o que representa um crescimento de 64 %.

43

Ora, o risco coberto pelo MUR e pelo FUR não aumentou significativamente durante este período.

44

O CUR, o Parlamento, o Conselho e a Comissão contestam esta argumentação.

45

Tal como referido nos números 35 a 40, supra, o nível‑alvo final é definido, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, por referência ao montante dos depósitos cobertos de todas as instituições em causa no final do período inicial.

46

Embora, com vista a contestar este método de determinação do nível‑alvo final, a recorrente sustente que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 viola o «princípio do cálculo das contribuições adaptado ao risco», decorre das suas alegações escritas, nomeadamente da sua réplica e das suas observações sobre as alegações do Parlamento e do Conselho, que esta considera que este «princípio» decorre do princípio da proporcionalidade, tal como consagrado no artigo 5.o, n.o 4, TUE.

47

Nestas condições, não é necessário pronunciar‑se sobre a questão de saber se existe, no direito da União, um «princípio» autónomo denominado «cálculo das contribuições ex ante adaptado ao risco». Seguindo o argumento da recorrente, basta apreciar se o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 viola o princípio da proporcionalidade.

48

O princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições e dos órgãos da União sejam adequados à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não excedam os limites do que é necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdãos de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14, EU:C:2016:325, n.o 165, e de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.o 142).

49

No que respeita à fiscalização jurisdicional dos requisitos referidos no n.o 48, supra, importa recordar que, na determinação do modo de cálculo das contribuições ex ante, o legislador da União goza de um amplo poder de apreciação, uma vez que é levado a intervir num domínio que implica, da sua parte, escolhas de natureza política, económica e social, e em que é chamado a fazer apreciações complexas (Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.os 117 e118).

50

Nestas condições e em conformidade com a jurisprudência, a fiscalização pelo Tribunal Geral do respeito pelo princípio da proporcionalidade deve limitar‑se a examinar se as medidas adotadas pelo legislador da União são manifestamente inadequadas em relação ao objetivo prosseguido, se não vão manifestamente além do que é necessário para atingir esse objetivo ou se não acarreta inconvenientes manifestamente desproporcionados em relação ao objetivo prosseguido (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 79, 96 e 97).

51

No que diz respeito, primeiro, à adequação da regra prevista no artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, resulta do n.o 37, supra, que esta se destina a dotar o MUR de recursos suficientes para que este possa desempenhar as suas funções, entre as quais figura, nomeadamente, a implementação das resoluções de instituições em situação de insolvência.

52

A este respeito, com vista a demonstrar a manifesta inadequação do método de determinação do nível‑alvo final para atingir o objetivo enunciado no n.o 51, supra, a recorrente invoca, em substância, duas categorias de argumentos, a primeira relativa à pertinência dos depósitos cobertos como parâmetro para a definição deste nível‑alvo e a segunda relativa à tomada em consideração do montante destes depósitos no final do período inicial.

53

Assim, em primeiro lugar, a recorrente sustenta, em substância, que os depósitos cobertos não constituem um critério adequado para a determinação do nível‑alvo final, dado que estes depósitos não dão necessariamente origem a um risco de que o FUR seja utilizado no âmbito de um procedimento de resolução.

54

A este respeito, importa salientar que, a fim de atingir o objetivo enunciado no n.o 51, supra, e como resulta dos considerandos 101, 104 e 105 do Regulamento n.o 806/2014, cabia ao legislador da União dotar o FUR de recursos financeiros suficientes para lhe permitir intervir em caso de crise no setor bancário e financiar um eventual procedimento de resolução de instituições, no âmbito da missão que lhe é atribuída pelo artigo 76.o, n.o 1, deste mesmo regulamento.

55

Estes recursos financeiros, que correspondem ao nível‑alvo final, devem ser estimados à luz da dimensão do setor bancário, sendo especificado que o risco coberto pelo FUR é aquele que o conjunto deste setor constitui para a estabilidade do sistema financeiro (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.os 71 e 72).

56

A este respeito, o CUR explicou nas suas observações escritas, sem ser verdadeiramente contrariado pela recorrente, que os depósitos cobertos permitiam estimar, de forma aproximativa, a dimensão do setor bancário e assim calcular os recursos financeiros necessários para o FUR, para efeitos de financiar a aplicação dos instrumentos de resolução em caso de crise deste setor.

57

Com efeito, estes depósitos constituem compromissos assumidos pelas instituições, precisando‑se que, como a Comissão sustenta na sua alegação de intervenção, sem ser contrariada pela recorrente, estes depósitos até representam a maioria dos compromissos, pelo menos para as grandes instituições.

58

Nestas circunstâncias, não foi estabelecido que, enquanto categoria específica de compromissos assumidos pelas instituições, os depósitos cobertos são manifestamente inadequados para fazer uma estimativa da dimensão do setor bancário e, por conseguinte, para calcular os recursos exigidos pelo FUR.

59

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente de que, em caso de resolução, os depósitos cobertos estão protegidos pelos SGD [Sistemas de garantia de depósitos], pelo que o seu crescimento não implica um aumento do risco coberto pelo FUR.

60

Com efeito, sem que seja necessário examinar em que medida os depósitos cobertos apresentam um risco para a utilização dos meios financeiros do FUR, importa salientar que o argumento da recorrente se baseia, na realidade, na premissa de que estes depósitos podem aumentar de forma isolada, sem que este aumento seja acompanhado de um aumento de outros compromissos das instituições que podem implicar um risco para o FUR.

61

No entanto, nada indica que seja este o caso.

62

A este respeito, como afirmam, em substância, o CUR e o Parlamento nas suas observações escritas, sem que a recorrente apresente nenhum elemento concreto para contestar estas afirmações, o montante dos depósitos cobertos detidos por todas as instituições pode ser suscetível de refletir a evolução global do setor bancário. Em particular, nada indica que o eventual crescimento deste montante não possa ser acompanhado de um aumento de outros compromissos assumidos por estas instituições, como os depósitos não cobertos, que não são protegidos pelos SGD e que, por sua vez, implicam um aumento do risco coberto pelo FUR.

63

Neste contexto, a recorrente não pode pretender que os depósitos cobertos constituem uma medida manifestamente inadequada para calcular o nível‑alvo final, baseando‑se no considerando 105 do Regulamento n.o 806/2014, nos termos do qual:

«O nível‑alvo do [FUR] deverá ser estabelecido em percentagem do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições de crédito autorizadas nos Estados‑Membros participantes. No entanto, uma vez que o montante do passivo total dessas instituições seria, atendendo às funções do [FUR], um critério de referência mais adequado, a Comissão deverá avaliar se a base mais adequada são os depósitos cobertos ou o passivo e se o [FUR] deverá ter no futuro um montante absoluto mínimo, mantendo a igualdade de condições com a Diretiva [2014/59].»

64

Com efeito, o simples facto de outro critério poder ser tão adequado como o adotado na regulamentação em causa e de o legislador da União indicar que cabe à Comissão reavaliar a aplicação no futuro deste critério não significa que o critério adotado por este legislador com pleno conhecimento de causa seja manifestamente inadequado para atingir o objetivo legítimo visado. A este respeito, resulta da jurisprudência que não compete ao Tribunal Geral, no âmbito da fiscalização do respeito do princípio da proporcionalidade, verificar se a medida adotada pelo referido legislador era a única ou a melhor possível, mas se a mesma era manifestamente inadequada (Acórdão de 12 de julho de 2001, Jippes e o., C‑189/01, EU:C:2001:420, n.o 83).

65

Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a tomada em consideração do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial, para efeitos de determinação do nível‑alvo final, constitui uma medida manifestamente inadequada para alcançar o objetivo referido no n.o 51, supra, ou seja, dotar o MUR de recursos suficientes para que este possa desempenhar as suas funções.

66

A este respeito, decorre dos n.os 38 e 40, supra, que, para efeitos de permitir que o MUR cumpra eficazmente as suas funções, o legislador da União previu o financiamento do FUR tendo em conta a evolução do setor bancário, entendendo‑se que um eventual crescimento da dimensão deste setor ao longo do tempo também implica um aumento dos recursos financeiros que devem ser disponibilizados ao FUR e, consequentemente, do nível‑alvo final. No entanto, tendo em conta a constatação feita no n.o 58, supra, o montante dos depósitos cobertos no final do período inicial não é manifestamente irrelevante para refletir a dimensão futura do referido setor e, assim, garantir um financiamento suficiente do FUR em função da situação previsível deste mesmo setor.

67

Por outro lado, como foi acima salientado no n.o 62, não é manifestamente inadequado basear‑se na evolução dos depósitos cobertos para presumir um aumento dos outros compromissos assumidos pelas instituições e, assim, fazer uma estimativa do eventual aumento do risco coberto pelo FUR.

68

Neste contexto, a recorrente não pode, nomeadamente, basear‑se nos artigos 428.o‑M e 428.o‑N do Regulamento n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1), alegando que, segundo estas disposições, os depósitos cobertos reduzem o risco de liquidez das instituições, pelo que o seu crescimento não implica nenhum risco de utilização do FUR e, por conseguinte, não deve conduzir a um aumento do nível‑alvo final.

69

A este respeito, resulta do considerando 32 do Regulamento n.o 575/2013, lido em conjugação com o considerando 12 do Regulamento n.o 806/2014, que a regulamentação relativa aos requisitos prudenciais prossegue um objetivo diferente do objetivo da regulamentação relativa à resolução das instituições. Nestas condições, os artigos 428.o‑M e 428.o‑N do Regulamento n.o 575/2013 não são suscetíveis de estabelecer a manifesta inadequação do método de determinação do nível‑alvo final, uma vez que este método está abrangido pela regulamentação relativa à resolução das instituições.

70

Do mesmo modo, a recorrente não tem fundamento para alegar que o crescimento destes depósitos não deve conduzir a um aumento do nível‑alvo final, baseando‑se na circunstância de que a tomada em consideração da elevada liquidez em termos de depósitos cobertos aquando do cálculo do indicador de risco «rácio de cobertura de liquidez» ao abrigo do artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento Delegado 2015/63 conduziria a uma redução do coeficiente de ajustamento da instituição em causa.

71

Com efeito, esta circunstância, por si só, não é suscetível de demonstrar que a evolução do montante dos depósitos cobertos é manifestamente inadequada para refletir as alterações na dimensão do setor bancário e determinar em conformidade as necessidades financeiras do FUR e, particularmente, para fazer a estimativa do aumento dos compromissos que representam um risco para o FUR e, assim, medir este risco que o FUR seria chamado a cobrir no âmbito dos procedimentos de resolução.

72

Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que o método de determinação do nível‑alvo final, como está previsto no artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, era manifestamente inadequado para atingir o objetivo acima referido no n.o 51.

73

Segundo, a recorrente não explica como é que o método de determinação do nível‑alvo final, tal como decorre do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, vai manifestamente além do que é necessário para alcançar o objetivo referido no n.o 51, supra. Em especial, esta não apresenta elementos concretos com vista a demonstrar que este objetivo pode ser alcançado através de medidas tão eficazes como as previstas por esta disposição, mas menos gravosas para as instituições em causa do que a determinação deste nível‑alvo à luz do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial.

74

A este respeito, admitindo que a recorrente considera que a determinação do nível‑alvo final em função do montante dos depósitos cobertos no momento da entrada em vigor do Regulamento n.o 806/2014 constitui uma tal medida menos gravosa, a recorrente não estabelece de que forma esta medida permite ao FUR dispor de recursos financeiros suficientes para assegurar um funcionamento eficaz do MUR.

75

Do mesmo modo, a recorrente não pode sustentar que, para efeitos da determinação do nível‑alvo final, o legislador da União devia ter tido em conta a redução do risco de utilização do FUR em razão dos passivos elegíveis detidos pelas instituições, em conformidade com o requisito mínimo para os fundos próprios e para os passivos elegíveis (a seguir «MREL») e com o requisito de capacidade de absorção de perdas. A este respeito, a recorrente não explicou, nomeadamente, de que modo a tomada em consideração destes passivos, para efeitos de determinação das modalidades de cálculo do nível‑alvo final, implica menos encargos para as instituições em causa, permitindo ao mesmo tempo que o FUR disponha de recursos financeiros suficientes.

76

Por último, admitindo que o cálculo do nível‑alvo final à luz dos compromissos das instituições constitui uma medida adequada, a recorrente não demonstrou que este cálculo implicaria menos encargos para as instituições em causa do que a determinação deste nível‑alvo com base no montante dos depósitos cobertos no final do período inicial.

77

Terceiro, a recorrente não submeteu ao Tribunal Geral nenhum elemento concreto destinado a demonstrar que, ao determinar o nível‑alvo final por referência aos depósitos cobertos existentes no final do período inicial, o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 tinha causado inconvenientes às instituições que eram manifestamente desproporcionados em relação aos objetivos prosseguidos pelo legislador da União.

78

Tendo em conta o que precede, a presente parte deve ser julgada improcedente.

2) Quanto à terceira parte, relativa ao facto de o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 violar o artigo 114.o TFUE

79

A recorrente sustenta que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 não está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 114.o, n.o 1, TFUE. Em particular, ao determinar o nível‑alvo final com base na evolução dinâmica do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial, esta disposição não contribui para alcançar o objetivo de harmonização das condições do financiamento das resoluções à luz do risco que o setor bancário coloca. Com efeito, o aumento das contribuições ex ante na sequência do crescimento dos depósitos cobertos, apesar de uma redução do risco de resolução, conduziria a uma acumulação de recursos que não seria necessária para atingir este objetivo de harmonização. Em razão da falta de ligação entre o montante dos depósitos cobertos e o risco para o CUR, uma determinação dinâmica do nível‑alvo final resultaria num caráter desproporcionado deste último.

80

Além disso, a contribuição ex ante transformar‑se‑ia num imposto que não seria coberto pela competência de harmonização do legislador da União ao abrigo do artigo 114.o, n.o 2, TFUE.

81

O CUR, o Parlamento, o Conselho e a Comissão contestam esta argumentação.

82

A título preliminar, há que recordar que a escolha da base jurídica de um ato da União deve basear‑se em elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo do ato [v. Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017, EU:C:2017:592, n.o 76 e jurisprudência referida; Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão), C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 36].

83

Os atos legislativos adotados com base no artigo 114.o, n.o 1, TFUE devem, por um lado, incluir medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros e, por outro, ter como objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno (Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 100).

84

Em primeiro lugar, importa recordar que o artigo 114.o TFUE só é utilizado como base jurídica quando resulte objetiva e efetivamente de um ato jurídico que o seu objeto consiste na melhoria das condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno (v. Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 113 e jurisprudência referida).

85

No caso em apreço, decorre, nomeadamente, dos considerandos 1 e 3 do Regulamento n.o 806/2014 e do considerando 1 da Diretiva 2014/59 que este regulamento foi adotado num contexto de crise económica e financeira, o qual revelou, no caso da União, a falta dos instrumentos que permitem fazer face eficazmente ao risco que as instituições com dificuldades financeiras representam, o que obrigava os Estados‑Membros a utilizarem os meios financeiros públicos para apoiarem estas instituições.

86

Resulta também do considerando 1 do Regulamento n.o 806/2014 que esta crise demonstrou que o funcionamento do mercado interno dos serviços bancários está ameaçado, existindo um risco cada vez maior de fragmentação financeira. Este cenário suscitava preocupação no mercado interno, no qual os bancos deviam ter estado em condições de desenvolver atividades transfronteiriças significativas, apesar de estas atividades estarem a diminuir devido ao receio de contágio.

87

Por outro lado, o legislador da União sublinhou, nos considerandos 2 a 4 e 12 do Regulamento n.o 806/2014, que as divergências entre as regras nacionais de resolução e as correspondentes práticas administrativas, bem como a falta de um processo de tomada de decisões unificado para a resolução na União Bancária contribuíam para uma falta de confiança dos sistemas bancários nacionais em relação aos dos outros Estados‑Membros, incluindo os Estados‑Membros não participantes no MUR, e contribuíam para a instabilidade dos mercados, uma vez que não garantem previsibilidade quanto ao eventual resultado da situação de insolvência de um banco. Estas divergências podiam também conduzir certos bancos e os seus clientes a suportarem custos superiores pelos empréstimos obtidos apenas devido ao seu local de estabelecimento e independentemente da sua verdadeira fiabilidade creditícia.

88

Por último, o legislador da União salientou, nos considerandos 9 e 19 do Regulamento n.o 806/2014, que, enquanto as regras, práticas e abordagens em matéria de resolução para a repartição de encargos permanecerem ao nível nacional e os recursos financeiros necessários para o financiamento dos processos de resolução forem mobilizados e gastos ao nível nacional, o vínculo entre os Estados‑Membros e o setor bancário não seria completamente quebrado e o mercado interno manter‑se‑ia fragmentado. Tal restringiria as atividades transfronteiriças dos bancos, criando assim obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais e falseando a concorrência no mercado interno.

89

É à luz destas considerações que o Regulamento n.o 806/2014 se destina a limitar o vínculo existente entre a situação orçamental de cada Estado‑Membro e os custos de financiamento dos bancos e das empresas que aí operam, bem como a fazer recair a responsabilidade pelo financiamento da estabilização do sistema financeiro no setor financeiro no seu conjunto.

90

Assim, como previsto no seu artigo 1.o, o Regulamento n.o 806/2014 estabelece, nomeadamente, regras uniformes e um processo uniforme para a resolução das instituições, que devem ser aplicados pelo CUR para fazer face às ameaças acima referidas nos n.os 85 a 88.

91

Um elemento essencial destas regras e deste processo é o FUR, que permite, como resulta dos artigos 67.o e 76.o do Regulamento n.o 806/2014 e do considerando 107 deste regulamento, assegurar o eficiente exercício dos poderes de resolução e contribuir para o financiamento dos instrumentos de resolução, assegurando a sua aplicação eficaz.

92

Para garantir meios financeiros suficientes no FUR, este é financiado, à luz das considerações enunciadas nos n.os 85 a 88, supra, nomeadamente, pelas contribuições ex ante pagas pelas instituições e cujo montante depende do nível‑alvo final estabelecido em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

93

Por conseguinte, o pagamento dessas contribuições, determinado em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, assegura a aplicação eficaz das regras uniformes e do processo uniforme de resolução de instituições. As regras que fixam as referidas contribuições permitem, por sua vez, como resulta dos considerandos 12 e 19 do mesmo regulamento, evitar a criação de obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais ou a distorção da concorrência no mercado interno devido a práticas nacionais divergentes.

94

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente de que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 está dissociado do objetivo de harmonização, uma vez que o montante do nível‑alvo final, previsto por esta disposição, é determinado à luz do montante dos depósitos cobertos existentes no final do período inicial.

95

Com efeito, por um lado, o cálculo das contribuições ex ante à luz do nível‑alvo final destina‑se a dotar o FUR de recursos financeiros com base numa referência uniforme, tendo em vista a aplicação eficaz de medidas de resolução no âmbito de um procedimento uniforme. Este cálculo é, portanto, suscetível de quebrar o vínculo entre uma instituição e o Estado‑Membro em que tem a sua sede, contribuindo simultaneamente para o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno na aceção do artigo 114.o, n.o 1, TFUE. Por outro lado, tendo em conta as razões expostas nos n.os 66 e 67, supra, o facto de o nível‑alvo final ser determinado à luz do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial não pode ser considerado dissociado do objetivo de harmonização.

96

Atendendo às considerações precedentes, há que concluir que o Regulamento n.o 806/2014, nomeadamente o seu artigo 69.o, n.o 1, tem por objetivo melhorar as condições de estabelecimento e de funcionamento do mercado interno.

97

Em segundo lugar, importa recordar que, com a expressão «medidas relativas à aproximação» que figura no artigo 114.o TFUE, os autores do Tratado FUE quiseram conferir ao legislador da União, em função do contexto geral e das circunstâncias específicas da matéria a harmonizar, uma margem de apreciação quanto à técnica de aproximação mais adequada para alcançar o resultado pretendido, especialmente em domínios que se caracterizam por particularidades técnicas complexas (v. Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 102 e jurisprudência referida).

98

Por conseguinte, na sua escolha da técnica de aproximação e tendo em conta a margem de apreciação de que beneficia quanto às medidas previstas no artigo 114.o TFUE, o legislador da União pode delegar num órgão ou num organismo da União as competências destinadas a implementar a harmonização pretendida. É o que acontece, nomeadamente, quando as medidas a tomar se devam apoiar numa competência profissional e técnica particular, bem como numa capacidade de reação dessa entidade (Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 105).

99

Neste contexto, há que salientar que, como resulta dos n.os 85 a 88, supra, as medidas a tomar no domínio da resolução devem apoiar‑se numa competência profissional e técnica particular. Nestas condições, o legislador da União podia confiar ao CUR as competências para fixar, à luz do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o montante das contribuições ex ante e para gerir os meios financeiros do FUR em conformidade com o artigo 67.o, n.os 2 e 3, deste regulamento.

100

Além disso, como resulta dos n.os 92 e 93, supra, o artigo 69.o, n.o 1.o do Regulamento n.o 806/2014 é um elemento essencial das regras e do procedimento de resolução de instituições, que contribui para evitar a criação de obstáculos ao exercício das liberdades fundamentais ou a distorção da concorrência no mercado interno devido a práticas nacionais divergentes.

101

Nestas condições, o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 pode ser considerado uma disposição relativa à aproximação das disposições dos Estados‑Membros em matéria de resolução de instituições na União Bancária.

102

Decorre de todas as considerações precedentes que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 preenche os requisitos enunciados no artigo 114.o, n.o 1, TFUE.

103

Em segundo lugar, importa examinar o argumento do recorrente de que, devido à fixação do nível‑alvo final à luz do montante dos depósitos cobertos, a contribuição ex ante constitui, em substância, um imposto e, por conseguinte, não é abrangida pela competência de harmonização do legislador da União por força do artigo 114.o, n.o 2, TFUE.

104

O artigo 114.o, n.o 2, TFUE prevê que o n.o 1 desta disposição não se aplica, nomeadamente, às «disposições fiscais».

105

No que respeita à interpretação da expressão «disposições fiscais», há que observar que o Tratado FUE não contém uma definição desta última (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/Conselho, C‑338/01, EU:C:2004:253, n.o 63).

106

Não obstante, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma taxa paga pelos operadores económicos de um setor determinado não tem natureza fiscal numa situação em que, em particular, é direta e unicamente afeta ao financiamento das despesas desse setor e em que essas despesas são necessárias ao funcionamento deste último para, nomeadamente, o estabilizar (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 11 de julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter, 265/87, EU:C:1989:303, n.os 9 e 10).

107

Ora, este raciocínio também é válido no caso das contribuições ex ante, que seguem uma lógica baseada na garantia e que são pagas pelos operadores económicos de um setor determinado com vista a financiar exclusivamente as despesas desse setor.

108

Assim, no que se refere à natureza das contribuições ex ante, já foi salientado no n.o 85, supra, que o Regulamento n.o 806/2014 foi adotado num contexto de crise económica e financeira, o qual revelou, no caso da União, a falta dos instrumentos que permitem fazer face eficazmente ao risco que as instituições com dificuldades financeiras representam, o que obrigava os Estados‑Membros a utilizarem os meios financeiros públicos para apoiarem essas instituições. O MUR destina‑se a evitar os danos resultantes de situações de insolvência de instituições durante essas crises, uma vez que a insolvência de instituições num único Estado‑Membro pode afetar a estabilidade dos mercados financeiros como um todo, como decorre dos considerandos 8 e 12 deste regulamento.

109

Neste contexto, o legislador da União considerou que incumbia ao setor financeiro no seu conjunto financiar a estabilização do sistema financeiro, como resulta, nomeadamente, do considerando 100 do Regulamento n.o 806/2014.

110

Nesta ótica, a natureza específica das contribuições ex ante consiste, como confirmam os considerandos 105 a 107 da Diretiva 2014/59 e o considerando 41 do Regulamento n.o 806/2014, em assegurar, numa lógica baseada na garantia, que o setor financeiro fornece recursos financeiros suficientes ao MUR para que este possa desempenhar as suas funções (Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 113).

111

Por conseguinte, em conformidade com o artigo 67.o, n.os 2 e 4, e com o considerando 61 do Regulamento n.o 806/2014, as contribuições ex ante são cobradas aos operadores económicos do setor financeiro para alimentar o FUR, ao qual é permitido recorrer unicamente para assegurar a eficiente aplicação dos instrumentos de resolução e o eficiente exercício dos poderes de resolução, sempre que tais medidas sejam necessárias para alcançar o objetivo de estabilidade financeira desse setor.

112

A este respeito, há que salientar que, como decorre do artigo 1.o do Regulamento n.o 806/2014, as medidas acima mencionadas no n.o 111 só são aplicadas em benefício das instituições que são obrigadas a pagar as contribuições ex ante.

113

É certo que o Regulamento n.o 806/2014 não estabelece nenhuma relação automática entre o pagamento da contribuição ex ante e a resolução da instituição em causa. É por esta razão que as contribuições ex ante não podem ser consideradas prémios de seguro cuja mensalidade e reembolso são possíveis (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.os 70 e 73).

114

Não deixa de ser verdade que as instituições beneficiam duplamente do FUR, que é financiado precisamente pelas suas contribuições ex ante.

115

Por um lado, quando as instituições estão em situação ou em risco de insolvência, a sua situação financeira pode ser regularizada no âmbito de um procedimento de resolução que pode ser iniciado a seu favor se os outros requisitos previstos no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 também estiverem preenchidos. Tal procedimento permite, assim, utilizar meios financeiros do FUR a favor dessas instituições, entendendo‑se que esses meios foram alimentados pelas contribuições destas últimas.

116

Por outro lado, todas as instituições beneficiam das suas contribuições ex ante através da estabilidade do sistema financeiro, que é assegurada pelo FUR.

117

Com efeito, o risco coberto pelo FUR é aquele que o conjunto do setor financeiro constitui para a estabilidade do sistema financeiro (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.o 72).

118

Daqui resulta que o FUR visa, não numa perspetiva fiscal, mas de garantia, assegurar a estabilidade do setor financeiro no seu conjunto, tendo por objetivo garantir uma proteção contra a sua própria crise em benefício de todas as instituições.

119

Esta finalidade baseada na garantia reflete‑se também, aliás, no cálculo das contribuições ex ante, dado que estas não resultam da aplicação de uma taxa determinada a uma base, mas, em aplicação dos artigos 102.o e 103.o da Diretiva 2014/59 e dos artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014, da definição de um nível‑alvo final e depois de um nível‑alvo anual, que é seguidamente repartido entre as instituições (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 113). Esta repartição do nível‑alvo anual baseia‑se, nomeadamente, como resulta também do considerando 109 do Regulamento n.o 806/2014, no risco que cada instituição representa para a estabilidade do sistema financeiro, o que incentiva as instituições a adotarem modos de funcionamento de menor risco.

120

Decorre do que precede que as instituições pagam as contribuições ex ante numa lógica baseada na garantia, entendendo‑se que estas contribuições são direta e unicamente afetas ao financiamento das despesas do setor financeiro a que pertencem essas instituições e que essas despesas se revelam necessárias para o funcionamento deste setor, para, nomeadamente, o estabilizar em caso de situação de insolvência de certas instituições e de limitar efeitos de contágio.

121

Por conseguinte, as disposições do Regulamento n.o 806/2014 que obrigam as instituições a pagar contribuições ex ante e especificam as modalidades do seu cálculo, designadamente o seu artigo 69.o, n.o 1, não constituem «disposições fiscais» na aceção do artigo 114.o, n.o 2, TFUE.

122

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento da recorrente de que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 se dissocia do objetivo de harmonização, uma vez que o montante do nível‑alvo final previsto por esta disposição é determinado à luz do montante dos depósitos cobertos existentes no final do período inicial, pelo que a contribuição ex ante se transforma num imposto.

123

Com efeito, por um lado, pelas razões expostas no n.o 95, supra, um tal método de cálculo do nível‑alvo final não pode ser considerado dissociado do objetivo de harmonização. Por outro lado, as modalidades de cálculo deste montante não tem influência no facto de o produto das contribuições ex ante ser específica e diretamente afetado apenas ao financiamento das despesas do setor financeiro e de estas contribuições poderem ser consideradas necessárias para o funcionamento do referido setor, a fim de o estabilizar.

124

Resulta de todas as considerações precedentes que o artigo 114.o TFUE constituía uma base jurídica adequada para a adoção do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

125

Em face do exposto, há que julgar improcedente a terceira parte do quarto fundamento.

c)   Conclusão quanto à segunda e terceira partes do quarto fundamento

126

Resulta do que precede que o quarto fundamento deve ser rejeitado na parte em que assenta numa exceção de ilegalidade do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

[OMISSIS]

B. Quanto aos fundamentos relativos à legalidade da decisão recorrida

1.   Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de fundamentação

[OMISSIS]

d)   Quanto à segunda parte, relativa à fundamentação do nível‑alvo anual

338

Segundo a recorrente, a determinação do nível‑alvo anual não está devidamente fundamentada na decisão recorrida. Em especial, o CUR devia ter explicado em que medida teve em conta o eventual impacto das contribuições pró‑cíclicas na posição financeira das instituições em causa. Além disso, o CUR não comunicou o prognóstico de nível‑alvo final, nem a sua interpretação do limite máximo mencionado no artigo 70.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014. Ora, como demonstra a decisão que fixa as contribuições ex ante para o período de contribuição de 2022, o CUR considera‑se habilitado a aumentar livremente o nível‑alvo anual aplicando um coeficiente que não está previsto na regulamentação aplicável e a impor assim às instituições um encargo desproporcionado.

339

O CUR responde que resulta dos considerandos 35 a 48 da decisão recorrida que cumpriu o seu dever de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021.

340

Em particular, resulta dos considerandos 43 a 48 da decisão recorrida que o CUR teve em conta a pandemia de COVID‑19 no âmbito da análise da fase do ciclo conjuntural, bem como os potenciais efeitos pró‑cíclicos das contribuições na situação financeira das instituições contribuintes. A este respeito, o CUR explicou que antecipava uma recuperação económica no ano de 2021, mesmo que esta recuperação continuasse a ser dificilmente previsível.

341

Por outro lado, o CUR publicou no seu sítio Internet o prognóstico do nível‑alvo final e a recorrente teve conhecimento desta publicação. A alegada falta de divulgação da interpretação do CUR relativamente ao limite de 12,5 % previsto no artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 não é suscetível de afetar a legalidade da fundamentação da decisão recorrida.

342

A título preliminar, importa recordar que, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, até ao termo do período inicial, os meios financeiros disponíveis no FUR devem atingir o nível‑alvo final, que corresponde a pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.

343

Segundo o artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, durante o período inicial, as contribuições ex ante devem ser escalonadas ao longo do tempo da forma mais equilibrada possível até que seja atingido o nível‑alvo final mencionado no n.o 342, supra, mas tendo devidamente em conta a fase do ciclo económico e o impacto que as contribuições pró‑cíclicas podem ter na posição financeira das instituições.

344

O artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 precisa que, todos os anos, as contribuições devidas por todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes não excedem 12,5 % do nível‑alvo final.

345

No que respeita ao método de cálculo das contribuições ex ante, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2015/63 prevê que o CUR determina o seu montante com base no nível‑alvo anual, tendo em conta o nível‑alvo final, e com base no valor médio dos depósitos cobertos registado no ano precedente, calculado trimestralmente, de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes.

346

No caso em apreço, como resulta do considerando 48 da decisão recorrida, o CUR fixou, para o período de contribuição de 2021, o montante do nível‑alvo anual em 11287677212,56 euros.

347

Nos considerandos 36 e 37 da decisão recorrida, o CUR explicou, em substância, que o nível‑alvo anual devia ser determinado com base numa análise que tem por objeto a evolução dos depósitos cobertos nos anos anteriores, toda e qualquer evolução pertinente da situação económica, bem como uma análise sobre os indicadores relativos à fase do ciclo de atividades e os efeitos que as contribuições pró‑cíclicas teriam na situação financeira das instituições. Posteriormente, o CUR considerou adequado fixar um coeficiente que se baseava nesta análise e nos meios financeiros disponíveis no FUR (a seguir «coeficiente»). O CUR aplicou este coeficiente a um oitavo do montante médio dos depósitos cobertos em 2020, para efeitos de obter o nível‑alvo anual.

348

O CUR expôs os trâmites seguidos para fixar o coeficiente nos considerandos 38 a 47 da decisão recorrida.

349

No considerando 38 da decisão recorrida, o CUR verificou uma tendência constante para o aumento dos depósitos cobertos de todas as instituições dos Estados‑Membros participantes. Em particular, o montante médio destes depósitos, calculado trimestralmente, ascendia a 6,689 biliões de euros para o ano de 2020.

350

Nos considerandos 40 e 41 da decisão recorrida, o CUR apresentou o prognóstico da evolução dos depósitos cobertos nos restantes três anos do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Estimou que as taxas anuais de crescimento dos depósitos cobertos até ao final do período inicial se situariam entre 4 % e 7 %.

351

Nos considerandos 42 a 45 da decisão recorrida, o CUR apresentou uma avaliação da fase do ciclo de atividades e do potencial efeito pró‑cíclico que as contribuições ex ante poderiam ter na situação financeira das instituições. Para o efeito, indicou ter tido em conta vários indicadores, como a previsão de crescimento do produto interno bruto da Comissão e as projeções do BCE a este respeito ou o fluxo de crédito do setor privado em percentagem do produto interno bruto.

352

No considerando 46 da decisão recorrida, o CUR concluiu que, embora fosse razoável esperar a continuação do crescimento dos depósitos cobertos na União Bancária, o ritmo deste crescimento seria inferior ao de 2020. A este respeito, o CUR indicou, no considerando 47 da decisão recorrida, ter adotado uma «abordagem prudente» no que dizia respeito às taxas de crescimento dos depósitos cobertos nos próximos anos até 2023.

353

À luz destas considerações, o CUR fixou, no considerando 48 da decisão recorrida, o valor do coeficiente em 1,35 %. Em seguida, calculou o montante do nível‑alvo anual, multiplicando o montante médio dos depósitos cobertos em 2020 por este coeficiente e dividindo o resultado deste cálculo por oito, em conformidade com a seguinte fórmula matemática, que figura no considerando 48 da referida decisão:

«Alvo0 [montante do nível‑alvo anual] = Total de depósitos cobertos2020 * 0,0135 * ⅛ = 11287677212,56 euros».

354

Na audiência, o CUR indicou, no entanto, que tinha determinado o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 do seguinte modo.

355

Primeiro, com base numa análise prospetiva, o CUR fixou o montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de todos os Estados‑Membros participantes, com prognóstico para o final do período inicial de cerca de 7,5 biliões de euros. Para chegar a este montante, o CUR teve em conta o montante médio dos depósitos cobertos em 2020, a saber, 6,689 biliões de euros, uma taxa de crescimento anual dos depósitos cobertos de 4 %, bem como o número de períodos de contribuição restantes até ao final do período inicial, a saber, três.

356

Segundo, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR calculou 1 % destes 7,5 biliões de euros para obter o montante estimado do nível‑alvo final que devia ser alcançado em 31 de dezembro de 2023, a saber, cerca de 75 mil milhões de euros.

357

Terceiro, o CUR deduziu deste último montante os recursos financeiros já disponíveis no FUR em 2021, ou seja, cerca de 42 mil milhões de euros, para obter o montante que faltava cobrar durante os períodos de contribuição restantes antes do final do período inicial, a saber, de 2021 a 2023. Este montante ascendia a cerca de 33 mil milhões de euros.

358

Quarto, o CUR dividiu este último montante por três para o repartir uniformemente entre os referidos três períodos de contribuição restantes. O nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021 foi assim fixado no montante mencionado no n.o 346, supra, ou seja, cerca de 11,287 mil milhões de euros.

359

O CUR afirmou também, na audiência, que tinha tornado públicos os elementos de informação nos quais se tinha baseado o método descrito nos n.os 355 a 358, supra, e que permitiram à recorrente compreender o método de determinação do nível‑alvo anual. Em particular, este precisou que tinha publicado no seu sítio Internet, em maio de 2021, ou seja, após a adoção da decisão recorrida, mas antes da interposição do presente recurso, uma ficha descritiva denominada «Fact Sheet 2021» (a seguir «ficha descritiva»), que indicava o montante estimado do nível‑alvo final. Do mesmo modo, o CUR afirmou que o montante dos meios financeiros disponíveis no FUR também estava disponível no seu sítio Internet, bem como através de outras fontes públicas, e isto muito antes da adoção da decisão recorrida.

360

A fim de analisar se o CUR respeitou o seu dever de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, importa recordar, antes de mais, que a falta ou insuficiência de fundamentação constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o Tribunal Geral pode, ou mesmo deve, ter também em conta outras faltas de fundamentação além das invocadas pela recorrente, nomeadamente, quando estas se manifestem no decurso do processo.

361

Para o efeito, as partes foram ouvidas, na fase oral do processo, sobre todas as eventuais faltas de fundamentação de que estaria ferida a decisão recorrida no que respeita à determinação do nível‑alvo anual. Em particular, expressamente questionado em várias ocasiões a este respeito, o CUR descreveu, passo a passo, o método que efetivamente seguiu para determinar o nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2021, tal como acima exposto nos n.os 355 a 358.

362

No que respeita, em seguida, ao conteúdo do dever de fundamentação, resulta da jurisprudência que a fundamentação de uma decisão tomada por uma instituição ou um órgão da União deve ser, nomeadamente, desprovida de contradições para permitir aos interessados conhecer os fundamentos reais dessa decisão, com vista a defender os seus direitos perante o órgão jurisdicional competente, e a este último exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 169 e jurisprudência referida e de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 20 e 45 a 47, e de 16 de dezembro de 2015, Grécia/Comissão, T‑241/13, EU:T:2015:982, n.o 56).

363

Do mesmo modo, quando o autor da decisão recorrida fornece determinadas explicações relativas aos seus fundamentos no decurso do processo perante o juiz da União, essas explicações devem ser coerentes com as considerações expostas nessa decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de setembro de 2005, Suproco/Comissão, T‑101/03, EU:T:2005:336, n.os 45 a 47, e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 54 e 55).

364

Com efeito, se as considerações expostas na decisão recorrida não são coerentes com essas explicações fornecidas durante o processo judicial, a fundamentação da decisão em causa não cumpre as funções recordadas nos n.os 299 e 300, supra. Em especial, tal incoerência impede, por um lado, os interessados de conhecerem os fundamentos reais da decisão recorrida, antes da interposição do recurso, e de prepararem a sua defesa à luz dos mesmos e, por outro, o juiz da União de identificar os fundamentos que serviram de verdadeiro suporte jurídico a esta decisão e de examinar a sua conformidade com as regras aplicáveis.

365

Por último, há que lembrar que, quando o CUR adota uma decisão que fixa as contribuições ex ante, deve dar a conhecer às instituições envolvidas o método de cálculo dessas contribuições (v. Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 122).

366

O mesmo se aplica ao método de determinação do nível‑alvo anual, revestindo este montante uma importância essencial na sistemática de tal decisão. Com efeito, como resulta do n.o15, supra, o método de cálculo das contribuições ex ante consiste na repartição do referido montante entre todas as instituições em causa, pelo que um aumento ou uma redução deste mesmo montante implica um aumento ou uma redução correspondente da contribuição ex ante de cada uma destas instituições.

367

Resulta do exposto que, embora o CUR seja obrigado a fornecer às instituições, através da decisão recorrida, explicações sobre o método de determinação do nível‑alvo anual, estas explicações devem ser coerentes com as explicações fornecidas pelo CUR durante o processo judicial e relativas ao método efetivamente aplicado.

368

Ora, tal não sucede no presente processo.

369

Com efeito, importa, antes de mais, salientar que a decisão recorrida expôs, no considerando 48, uma fórmula matemática que esta apresentou como estando na base da determinação do nível‑alvo anual. Ora, verifica‑se que esta fórmula não integra os elementos do método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência. Com efeito, como acima resulta dos n.os 355 a 358, o CUR obteve o montante do nível‑alvo anual, no âmbito deste método, deduzindo do nível‑alvo final os meios financeiros disponíveis no FUR, com vista a calcular o montante que faltava cobrar até ao final do período inicial e dividindo este último montante por três. Ora, estas duas etapas do cálculo não estão expressas na referida fórmula matemática.

370

É certo que resulta da argumentação da recorrente, no âmbito do presente fundamento, que esta tinha conhecimento da ficha descritiva e, por conseguinte, dos eventuais montantes do nível‑alvo final indicados no intervalo que aí estava incluído. No entanto, admitindo que também tinha tido conhecimento do montante dos meios financeiros disponíveis no FUR, estas circunstâncias, por si só, não eram suscetíveis de lhe permitir compreender que as duas operações acima mencionadas no n.o 369 tinham sido efetivamente aplicadas pelo CUR, sendo precisado, além disso, que a fórmula matemática prevista no considerando 48 da decisão recorrida nem sequer as mencionava.

371

Incoerências semelhantes afetam também a forma como foi fixado o coeficiente de 1,35 %, que desempenha, no entanto, um papel primordial na fórmula matemática referida no n.o 370, supra. Com efeito, este coeficiente pode ser entendido no sentido de que se baseia, entre outros parâmetros, no crescimento previsto dos depósitos cobertos durante os restantes anos do período inicial. Ora, como o CUR reconheceu na audiência, este coeficiente foi fixado para poder justificar o resultado do cálculo do montante do nível‑alvo anual, ou seja, depois de o CUR ter calculado este montante em aplicação das quatro etapas acima expostas nos n.os 355 a 358 e, nomeadamente, dividindo por três o montante resultante da dedução dos meios financeiros disponíveis no FUR do nível‑alvo final. Ora, esta diligência não resulta de modo nenhum da decisão recorrida.

372

Além disso, importa recordar que, segundo a ficha descritiva, o montante do nível‑alvo final estimado se situava num intervalo compreendido entre 70 e 75 mil milhões de euros. Ora, este intervalo afigura‑se incoerente com o intervalo da taxa de crescimento dos depósitos cobertos compreendido entre 4 % e 7 % que figura no considerando 41 da decisão recorrida. Com efeito, o CUR indicou na audiência que, para efeitos da determinação do nível‑alvo anual, tinha tido em conta a taxa de crescimento dos depósitos cobertos de 4 % — que era a taxa mais baixa do segundo intervalo — e que tinha, assim, obtido o nível‑alvo final estimado de 75 mil milhões de euros — que constituía o valor mais elevado do primeiro intervalo. Afigura‑se, assim, que existe uma discordância entre estes dois intervalos. Com efeito, por um lado, o intervalo que tem por objeto a taxa de evolução dos depósitos cobertos inclui também valores superiores à taxa de 4 %, cuja aplicação conduziu, no entanto, a um montante estimado do nível‑alvo final superior aos incluídos no intervalo relativo a este nível‑alvo. Por outro lado, é impossível para a recorrente compreender a razão pela qual o CUR incluiu no intervalo relativo ao referido nível‑alvo montantes inferiores a 75 mil milhões de euros. Com efeito, para o conseguir, teria sido necessário aplicar uma taxa inferior a 4 %, que, no entanto, não está incluída no intervalo relativo à taxa de crescimento dos depósitos cobertos. Nestas condições, a recorrente não estava em condições de determinar a forma como o CUR tinha utilizado o intervalo relativo à taxa de evolução desses depósitos para chegar ao cálculo do nível‑alvo final estimado.

373

Daí resulta que, no que respeita à determinação do nível‑alvo anual, o método efetivamente aplicado pelo CUR, tal como explicitado na audiência, não corresponde ao descrito na decisão recorrida, pelo que os fundamentos reais, à luz dos quais foi fixado este nível‑alvo, não podiam ser identificados com base na decisão recorrida nem pelas instituições nem pelo Tribunal Geral.

374

Tendo em conta o que precede, há que concluir que a decisão recorrida enferma de vícios de fundamentação no que respeita à determinação do nível‑alvo anual.

375

A segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada procedente. Tendo em conta as implicações jurídicas e económicas do presente processo, é, no entanto, do interesse de uma boa administração da justiça prosseguir a análise dos outros fundamentos do recurso.

[OMISSIS]

3.   Quanto à primeira parte do quarto fundamento, relativo à violação do artigo 4.o do Regulamento de Execução 2015/81, lido em conjugação com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014

487

A recorrente sustenta, no contexto do primeiro fundamento invocado em apoio do quarto fundamento, que o CUR violou o artigo 4.o do Regulamento de Execução 2015/81, lido em conjugação com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, uma vez que, ao determinar o nível‑alvo final, teve em conta o montante previsto dos depósitos cobertos das instituições no final do período inicial. No entanto, à luz do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR devia ter determinado este nível‑alvo de forma «estática», tendo em conta o montante dos depósitos cobertos das instituições no momento da entrada em vigor deste último regulamento.

488

O CUR, o Parlamento, o Conselho e a Comissão contestam esta argumentação.

489

A este respeito, resulta dos n.os 35 a 40, supra, que o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 deve ser interpretado no sentido de que a determinação do nível‑alvo final deve ser feita à luz do montante dos depósitos cobertos no final do período inicial. Por conseguinte, é com razão que o CUR teve em conta, nos considerandos 38 a 41 da decisão recorrida, a evolução dos depósitos cobertos até ao final do período inicial, para determinar o nível‑objetivo final e, daí deduzir, em seguida, o nível‑alvo anual.

490

A primeira parte do quarto fundamento deve assim ser julgada improcedente.

[OMISSIS]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção Alargada),

decide:

 

1)

É anulada a Decisão SRB/ES/2021/22 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 14 de abril de 2021, relativa ao cálculo das contribuições ex ante para 2021 para o Fundo Único de Resolução na parte em que diz respeito à Deutsche Bank AG.

 

2)

São mantidos os efeitos da Decisão SRB/ES/2021/22, na parte em que diz respeito à Deutsche Bank AG, até à entrada em vigor, num prazo razoável que não deverá exceder seis meses a contar da data da prolação do presente acórdão, de uma nova decisão do CUR que fixe a contribuição ex ante para o Fundo Único de Resolução dessa instituição para o período de contribuição de 2021.

 

3)

O CUR suportará, além das suas próprias despesas, as despesas da Deutsche Bank AG.

 

4)

O Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

 

Kornezov

De Baere

Petrlík

Kecsmár

Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de julho de 2024.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

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