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Document 62021TJ0053

    Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção alargada) de 20 de dezembro de 2023 (Extratos).
    EVH GmbH contra Comissão Europeia.
    Concorrência – Concentrações – Mercados alemães da eletricidade e do gás – Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno – Dever de fundamentação – Conceito de “única concentração” – Direito a uma proteção jurisdicional efetiva – Direito de audiência – Delimitação do mercado – Período de análise – Apreciação dos efeitos da operação sobre a concorrência – Erros manifestos de apreciação – Compromissos – Dever de diligência.
    Processo T-53/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2023:834

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada)

    20 de dezembro de 2023 ( *1 )

    «Concorrência — Concentrações — Mercados alemães da eletricidade e do gás — Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno — Dever de fundamentação — Conceito de “concentração única” — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Direito de audiência — Delimitação do mercado — Período de análise — Apreciação dos efeitos da operação sobre a concorrência — Erros manifestos de apreciação — Compromissos — Dever de diligência»

    No processo T‑53/21,

    EVH GmbH, com sede em Halle‑sur‑Saale (Alemanha), representada por I. Zenke e T. Heymann, advogados,

    recorrente,

    contra

    Comissão Europeia, representada por G. Meessen e J. Szczodrowski, na qualidade de agentes, assistidos por T. Funke e A. Dlouhy, advogados,

    recorrida,

    apoiada por:

    E.ON SE, com sede em Essen (Alemanha), representada por C. Grave, C. Barth e D.‑J. dos Santos Goncalves, advogados,

    e por

    RWE AG, com sede em Essen, representada por U. Scholz, J. Ziebarth e J. Siegmund, advogados,

    intervenientes,

    O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada),

    composto por: M. van der Woude, Presidente, J. Svenningsen, C. Mac Eochaidh, J. Martín y Pérez de Nanclares (relator) e M. Stancu, juízes,

    secretário: S. Jund, administradora,

    vistos os autos,

    após a audiência de 18 de abril de 2023,

    profere o presente

    Acórdão ( 1 )

    1

    Por meio do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, a EVH GmbH, pede a anulação da Decisão C(2019) 6530 final da Comissão, de 17 de setembro de 2019, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo M.8870 ‑ E.ON/Innogy) (a seguir «decisão recorrida»).

    I. Antecedentes do litígio

    A. Empresas em causa

    2

    A E.ON SE é uma sociedade de direito alemão que, no momento da notificação da operação de concentração projetada, operava em toda a cadeia de fornecimento de energia, nomeadamente nos domínios da produção, da venda por grosso, do transporte, da distribuição, da venda a retalho e das atividades ligadas à energia (como a contagem, a eletromobilidade) (a seguir «mercado da energia»). A E.ON tem atividade em vários Estados europeus, incluindo a República Checa, a Dinamarca, a Alemanha, a Itália, a Hungria, a Polónia, a Roménia, a Eslováquia, a Suécia e o Reino Unido.

    3

    A Innogy SE (a seguir, conjuntamente com a E.ON, «partes na concentração»), uma filial da RWE AG, maioritariamente detida por esta última, é uma sociedade de direito alemão com atividade em toda a cadeia de fornecimento de energia, tanto a produção, a distribuição, a venda a retalho e atividades ligadas à energia, como a contagem ou a eletromobilidade. A Innogy tem atividade em vários Estados europeus, incluindo a Bélgica, a República Checa, a Alemanha, a Espanha, a França, a Croácia, a Itália, a Hungria, os Países Baixos, a Polónia, Portugal, a Roménia, a Eslovénia, a Eslováquia e o Reino Unido.

    4

    A recorrente é uma empresa de direito alemão com presença em todos os níveis da cadeia de fornecimento de energia. A distribuição de eletricidade e gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais faz parte das suas atividades principais. Explora redes de distribuição de eletricidade e de gás por intermédio da sociedade EVH Netz.

    B. Contexto da concentração

    5

    A concentração aqui em causa inscreve‑se no âmbito de uma troca complexa de elementos de ativos entre a RWE e a E.ON, anunciada em 11 e 12 de março de 2018 pelas duas empresas em causa (a seguir «operação global»). Assim, por meio da primeira operação, a RWE pretende adquirir o controlo exclusivo ou o controlo conjunto de certos ativos de produção da E.ON. A segunda operação, a saber, concentração ora em causa, consiste na aquisição pela E.ON do controlo exclusivo das atividades de distribuição e de comércio a retalho e ainda de certos ativos de produção da innogy, controlada pela RWE. Quanto à terceira operação, prevê que a RWE adquira 16,67 % das participações da E.ON.

    6

    A recorrente enviou, em 17 de abril de 2018, uma carta à Comissão Europeia na qual lhe indicou que pretendia participar no procedimento relativo às primeira e segunda operações de concentração e, por conseguinte, receber os documentos a elas referentes. Nessa ocasião, apresentou igualmente observações críticas sobre estas duas operações de concentração.

    7

    Em 26 de junho de 2018, realizou‑se uma reunião entre o representante da recorrente e a Comissão, na qual aquele manifestou à Comissão as preocupações da sua cliente face às primeira e segunda operações de concentração e o seu desejo de participar nos respetivos processos.

    8

    Em 28 de agosto de 2018, realizou‑se uma reunião individual entre a Comissão e a recorrente, em que esta apresentou as suas observações sobre as primeira e segunda operações de concentração.

    9

    A primeira operação de concentração foi notificada à Comissão em 22 de janeiro de 2019 (a seguir «concentração M.8871»). A Comissão, em face dessa primeira operação, adotou a Decisão C(2019) 1711 final, de 26 de fevereiro de 2019, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo M.8871 — RWE/E.ON Assets) a seguir «concentração M.8871»).

    10

    A terceira operação foi notificada ao Bundeskartellamt (Instituto Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, Alemanha), que a autorizou por Decisão de 26 de fevereiro de 2019 (processo B8‑28/19, a seguir «concentração B8‑28/19»).

    C. Procedimento administrativo

    11

    Em 31 de janeiro de 2019, foi notificada à Comissão uma proposta de concentração nos termos do artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1), através da qual a RWE pretendia adquirir, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, o controlo exclusivo das atividades de distribuição e de soluções para os consumidores e determinados ativos de produção e eletricidade da innogy, controlada pela RWE.

    12

    No âmbito da sua análise dessa concentração, a Comissão realizou um primeiro inquérito de mercado, dirigido aos concorrentes das partes na concentração (a seguir «primeiro inquérito de mercado»), e, portanto, transmitiu a certas empresas, entre as quais a recorrente, em 1 de fevereiro de 2019, um questionário a que esta respondeu, em 8 de fevereiro de 2019.

    13

    Em 8 de fevereiro de 2019, a Comissão publicou a notificação prévia dessa concentração no Jornal Oficial da União Europeia (processo M.8870 — E.ON/Innogy) (JO 2019, C 50, p. 13, a seguir «concentração M.8870»), de acordo com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004.

    14

    No mesmo dia, por carta, a recorrente reiterou o seu desejo de participar no procedimento conduzido pela Comissão e de, nessa ocasião, ser ouvida pela Comissão.

    15

    A concentração inclui duas etapas. A primeira etapa corresponde à aquisição da totalidade da innogy pela E.ON. A segunda etapa materializa‑se no facto de a E.ON, por um lado, se separar da maior parte das atividades de produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis da innogy, de onze instalações de armazenamento de gás exploradas pela innogy na República Checa e na Alemanha e da participação de 49 % da innogy na Kärntner Energieholding Beteiligungs GmbH e, por outro, transferir esses ativos para a RWE.

    16

    Por Decisão de 7 de março de 2019, a Comissão considerou que a concentração M.8870 suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»). Consequentemente, a Comissão decidiu dar início ao procedimento de exame aprofundado, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004.

    17

    Em 14 de março de 2019, a Comissão enviou à recorrente um pedido de informações, ao abrigo do artigo 11.o do Regulamento n.o 139/2004. Esse pedido de informações destinava‑se a obter os documentos relativos aos inquéritos efetuados pela recorrente aos seus clientes entre 2016 e 2018 sobre o fornecimento retalhista de eletricidade e gás na Alemanha (a seguir «pedido de informações»). A recorrente respondeu a esse pedido em 21 de março de 2019.

    18

    Em 18 de março de 2019, a Comissão publicou no Jornal Oficial o início do processo (JO 2019, C 102, p. 2), nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004.

    19

    Em 12 de abril de 2019, a recorrente enviou uma carta ao auditor, na qual lhe pediu para lhe reconhecer o estatuto de terceiro interessado a fim de ser ouvida no âmbito do processo relativo à concentração M.8870. Este deferiu esse pedido por carta de 23 de abril de 2019.

    20

    Numa reunião de balanço realizada em 27 de maio de 2019, a Comissão informou as partes na concentração dos resultados preliminares do estudo de mercado e da extensão das suas preocupações preliminares.

    21

    A fim de solucionar os problemas de concorrência identificados pela Comissão na reunião de balanço de 27 de maio de 2019, a E.ON apresentou, em 20 de junho de 2019, uma proposta de compromissos, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

    22

    A Comissão realizou um segundo inquérito de mercado, relativo aos compromissos propostos pela E.ON (a seguir «segundo inquérito de mercado»), e, por conseguinte, transmitiu a certas empresas, entre as quais a recorrente, em 21 de junho de 2019, dois questionários, um relativo aos compromissos propostos para o mercado da eletricidade utilizada para o aquecimento e o outro aos propostos para o mercado da eletromobilidade. A recorrente respondeu a esse inquérito em 26 de junho de 2019.

    23

    A E.ON apresentou uma versão final dos seus compromissos em 3 de julho de 2019.

    D. Decisão recorrida

    24

    Tendo a Comissão considerado que os compromissos apresentados pela E.ON eram suficientes para remover as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado interno, não enviou comunicação de acusações à E.ON e adotou a decisão recorrida. Através dessa decisão, cujo resumo foi publicado no Jornal Oficial (JO 2020, C 379, p. 16), a Comissão declarou a concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE.

    25

    A concentração implica grandes sobreposições das atividades da E.ON e da innogy, nomeadamente, na Alemanha. Por conseguinte, a Comissão examinou os efeitos da concentração nos mercados desse país.

    [Omissis]

    [Omissis]

    [Omissis]

    [Omissis]

    [Omissis]

    [Omissis]

    II. Pedidos das partes

    74

    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    anular a decisão recorrida;

    condenar a Comissão nas despesas,

    75

    A Comissão, apoiada pela RWE e pela E.ON, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar a recorrente nas despesas.

    III. Questão de direito

    76

    A recorrente invoca, em substância, seis fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a uma cisão errada da análise da operação global, o segundo, a uma violação do dever de fundamentação, o terceiro, a uma violação do seu direito de audiência, o quarto, a uma violação do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva, o quinto, a erros manifestos de apreciação e, o sexto, a uma violação do dever de diligência.

    [Omissis]

    A. Quanto ao quinto fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação

    170

    Com o quinto fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação, a recorrente alega, em substância, que a Comissão considerou erradamente que a concentração era compatível com o mercado interno e que devia ter declarado a concentração incompatível com o mercado interno nos termos do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004. Assim, segundo a recorrente, a Comissão devia ter procurado todos os elementos de facto decisivos suscetíveis de lhe permitir prever qual o impacto que terá a concentração, incluindo os numerosos efeitos verticais, e seguir, especialmente, teorias do prejuízo em matéria de economia digital e dos dados que resultam do número excecional de dados de clientes aos quais a E.ON tem acesso e da sua presença nos canais dos controladores de acesso.

    1.   Considerações preliminares

    171

    A título preliminar, há que lembrar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado interno as operações de concentração que entravem significativamente uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste, nomeadamente devido à criação ou ao reforço de uma posição dominante.

    172

    No que respeita às exigências de prova, resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.os 50 a 53) que a Comissão é, em princípio, obrigada a tomar posição ou no sentido da autorização da operação de concentração que lhe foi submetida ou da sua proibição, segundo a sua apreciação da evolução económica atribuível à operação em causa cuja probabilidade seja mais forte. Trata‑se, portanto, de uma apreciação de probabilidades e não de uma obrigação de a Comissão demonstrar, sem dúvidas razoáveis, que uma concentração não suscita problemas de concorrência (Acórdão de 11 de dezembro de 2013, Cisco Systems e Messagenet/Comissão, T‑79/12, EU:T:2013:635, n.o 47).

    173

    Neste contexto, cabe à Comissão avaliar globalmente o resultado do conjunto de indícios utilizados para avaliar a situação da concorrência. A esse respeito, pode acontecer que algumas provas sejam privilegiadas e outras afastadas. Esse exame e a fundamentação que inclui são objeto da fiscalização da legalidade exercida pelo Tribunal Geral sobre as decisões da Comissão em matéria de concentrações (Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 136).

    174

    Refira‑se ainda que as disposições fundamentais do Regulamento n.o 139/2004, especialmente o seu artigo 2.o, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica, e que, consequentemente, a fiscalização jurisdicional do exercício desse poder, que é essencial na definição das normas em matéria de concentrações, deve ser efetuada tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de caráter económico que fazem parte do regime das concentrações (v. Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 29 e jurisprudência referida).

    175

    Daqui resulta que a fiscalização pelo juiz da União de uma decisão da Comissão em matéria de operações de concentração se limita à verificação da exatidão material dos factos e à inexistência de erro manifesto de apreciação (v. Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 144 e jurisprudência referida).

    176

    Isso não implica, porém, que o juiz da União deva abster-se de fiscalizar a interpretação dada pela Comissão a dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União deve nomeadamente verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados relevantes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39, e de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 54).

    177

    Há ainda que lembrar que a questão de saber se o entendimento material de que a concentração em causa não suscitava problemas de compatibilidade com o mercado interno, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, faz parte do exame da existência de um erro manifesto de apreciação. Com efeito, para verificar se a Comissão teve razão ao basear‑se na disposição acima referida para tomar a sua decisão, há que analisar se a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto na sua apreciação dos efeitos do projeto de concentração sobre a concorrência (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 48).

    178

    É à luz destas considerações que há que examinar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

    179

    O primeiro fundamento divide‑se em três partes. A primeira é relativa a uma delimitação errada do período de análise, a segunda é relativa a uma definição errada dos mercados relevantes e a terceira é relativa a uma apreciação errada dos efeitos da concentração. No entanto, antes de examinar essas três partes, há que analisar as críticas formuladas pela recorrente relativas aos elementos tidos em conta pela Comissão para efeitos da sua análise.

    2.   Quanto aos elementos tidos em conta pela Comissão para efeitos da sua análise

    a)   Quanto às informações fornecidas pelas partes na concentração e ao conjunto de dados relevantes

    180

    A recorrente alega que a Comissão se baseou exclusivamente nas indicações fornecidas pelas partes na concentração sem proceder a um exame crítico destas e que ignorou outras fontes de informação, especialmente as observações divergentes provenientes do mercado.

    181

    Em primeiro lugar, os resultados das sondagens de mercado realizadas pela Comissão e os dados fornecidos pela recorrente, a saber, referências acessíveis ao público, o estudo LBD, o estudo de outubro de 2020 levado a cabo pelo Büro für Energiewirtschaft und technische Planung GmbH (BET), intitulado «Kurzgutachten zu den Ergebnissen der Marktbefragung im Zusammenhang mit der Neuaufteilug der Geschäftsfelder zwischen E.ON und RWE/innogy» (Peritagem sumária sobre os resultados do inquérito de mercado relativo à nova repartição dos domínios de atividade entre a E.ON e a RWE/innogy, a seguir «estudo BET»), e o estudo de 13 de janeiro de 2021 realizado pela Innoplexia, intitulado «Digitale Marktbeobachtung Deutschlandweite Erhebung zur Untersuchung von dominanten Stellungen deutscher Energieversorger» (Observação digital do mercado. Inquérito à escala da Alemanha sobre a posição dominante dos fornecedores de energia alemães, a seguir «estudo Innoplexia»), contradizem os factos considerados provados pela Comissão. Assim, se a Comissão tivesse efetuado as diligências prévias necessárias, poderia e deveria ter refutado as conclusões das partes na concentração.

    182

    Em segundo lugar, a Comissão não pode validamente sustentar que há que ignorar na íntegra os estudos BET e Innoplexia, pelo facto de terem sido elaborados após a adoção da decisão recorrida. Concretamente, a recorrente sustenta que o estudo BET se inspira no conceito de investigação geral da Comissão e apenas visa validar a plausibilidade das constatações da Comissão, ao passo que o estudo Innoplexia quantifica a presença predatória em linha da E.ON, claramente denunciada pelos concorrentes no decurso do processo, pelo que estes dois estudos não podem ser qualificados de novos factos ocorridos após a adoção da decisão recorrida.

    183

    A Comissão, apoiada pela E.ON e pela RWE, alega que recolheu todos os elementos de facto decisivos, suscetíveis de lhe permitir prever o impacto da concentração no mercado interno. A esse respeito, a Comissão não só dispunha do seu próprio conhecimento do mercado, das informações públicas e dos dados fornecidos pelas partes na concentração, mas também das informações provenientes de terceiros. Quanto aos elementos de prova, a Comissão considera que os estudos BET e Innoplexia são inadmissíveis, por não existirem à data da adoção da decisão recorrida. Por último, a Comissão contesta a relevância, a coerência e a solidez das provas apresentadas pela recorrente.

    184

    Num primeiro momento, o Tribunal Geral analisará a acusação geral de que a Comissão não teve em conta outras informações públicas ou informações fornecidas por terceiros e se baseou exclusivamente nas informações fornecidas pelas partes na concentração. Num segundo momento, o Tribunal examinará a admissibilidade, a relevância, a coerência e a solidez dos estudos apresentados pela recorrente, uma vez que se destinam a demonstrar que a Comissão não teve em conta todos os elementos de facto relevantes para efeitos da sua análise dos efeitos da concentração.

    185

    Em primeiro lugar, quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão se baseou exclusivamente nas indicações fornecidas pelas partes na concentração sem proceder a um exame crítico dessas informações e ignorou outras fontes de informação, há que observar que a recorrente não indica a existência de uma norma jurídica que proíba a Comissão de se basear em dados fornecidos pelas próprias partes na concentração no âmbito do procedimento administrativo ou, pelo contrário, a obrigue a levar a cabo o seu próprio estudo de mercado independentemente dos dados fornecidos pelas partes na concentração (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 126).

    186

    Refira‑se, do mesmo modo, que, tendo em conta o imperativo de celeridade e os prazos estritos impostos à Comissão no âmbito do procedimento de controlo das concentrações, esta não pode, na falta de indícios que apontem para a inexatidão das informações prestadas, ser obrigada a proceder a verificações relativamente a todas as informações que recebe. Com efeito, embora o dever de exame diligente e imparcial que incumbe à Comissão, nesse procedimento, não lhe permita basear‑se em elementos ou informações que não possam ser considerados verídicos, esse imperativo de celeridade pressupõe que não possa verificar por si própria, ao mais ínfimo pormenor, a autenticidade e fiabilidade de todas as comunicações que lhe são enviadas, assentando o procedimento de controlo das concentrações necessariamente, em certa medida, na confiança (v. Acórdão de 20 de outubro de 2021, Polskie Linie Lotnicze LOT/Comissão, T‑240/18, EU:T:2021:723, n.o 87 e jurisprudência referida).

    187

    A este respeito, há que lembrar que no âmbito da legislação em matéria de controlo de concentrações estão previstas diferentes medidas que visam desencorajar e punir a transmissão de informações inexatas ou enganosas. Com efeito, as partes notificantes não só estão sujeitas, por força do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 802/2004, à obrigação expressa de fornecer à Comissão de forma verídica e completa os factos e circunstâncias relevantes para a decisão, sendo essa obrigação sancionada pelo artigo 14.o do Regulamento n.o 139/2004, como a Comissão também pode revogar, com base no artigo 6.o, n.o 3, alínea a), e no artigo 8.o, n.o 6, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004, a decisão de compatibilidade se esta se basear em informações inexatas pelas quais uma das empresas seja responsável ou tiver sido obtida por meio de engano (Acórdão de 20 de outubro de 2021, Polskie Linie Lotnicze LOT/Comissão, T‑240/18, EU:T:2021:723, n.o 88 e jurisprudência referida).

    188

    Assim, nada impede a Comissão de se basear exclusivamente nas informações fornecidas pelas partes na concentração, na falta de indícios da sua inexatidão e desde que constituam a totalidade dos dados relevantes a tomar em consideração para apreciar uma situação complexa.

    189

    No caso, resulta da decisão recorrida que a Comissão se baseou em parte nos dados apresentados pelas partes na concentração. No entanto, uma leitura de toda a decisão recorrida revela que a Comissão não confiou sem discernimento nas indicações das partes na concentração. Pelo contrário, uma vez que a recorrente contesta a fiabilidade dos dados fornecidos pelas partes na concentração à Comissão, há que observar que esses dados eram corroborados pelos outros elementos postos à disposição da Comissão. A título de exemplo, nos n.os 81 e seguintes da decisão recorrida, a Comissão, no respeitante à definição do mercado geográfico do fornecimento retalhista de eletricidade, submeteu as declarações das partes na concentração a um exame crítico à luz do estudo LBD. Do mesmo modo, no n.o 230 da referida decisão, a Comissão confrontou com o ponto de vista de certos concorrentes as afirmações das partes na concentração relativas à sua relação concorrencial no âmbito dos concursos para concessões de eletricidade e de gás. Além disso, no n.o 293 da decisão recorrida, a Comissão também comparou a informação que recolheu no seu estudo de mercado, no que respeita aos possíveis efeitos de eliminação dos concorrentes dos sítios Internet de comparação de preços, com o seu próprio conhecimento do mercado. Por outro lado, no n.o 191 da decisão recorrida, a Comissão tratou as indicações das partes na concentração tendo em conta outras informações relevantes, como os relatórios da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, no que respeita ao grande acréscimo de preço nas estações de serviço situadas nas autoestradas em relação às estações de serviço situadas na proximidade imediata das autoestradas e fora das autoestradas.

    190

    Nestas condições, há que observar que a Comissão verificou os dados fornecidos pelas partes na concentração à luz de todos os dados de que dispunha. Assim, todas as informações tidas em conta pela Comissão compreendiam não só indicações provenientes das partes na concentração mas também de outras informações públicas e de outras informações recolhidas junto de terceiros por intermédio de pedidos de informações, de inquéritos de mercado ou de audições, como resulta, por exemplo, dos n.os 12, 13, 21 ou 58 da decisão recorrida.

    191

    Por conseguinte, sem prejuízo, nesta fase, da questão de saber se, em todas as partes específicas da sua análise, a Comissão teve efetivamente em conta todos os elementos relevantes para esta, há que concluir, que tentou, de forma geral, recolher as provas relevantes suscetíveis de lhe permitir prever qual o impacto que a concentração teria e que os confrontou.

    192

    Em todo o caso, há que lembrar que cabe à Comissão apreciar se as informações de que dispõe são suficientes para a análise da concorrência (Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑162/10, EU:T:2015:283, n.o 109) e avaliar globalmente o resultado do conjunto de indícios utilizado para avaliar a situação de concorrência. De acordo com essa avaliação global, a Comissão pode privilegiar determinados elementos e dela afastar outros. O Tribunal Geral deve fiscalizar a legalidade desse exame e a sua fundamentação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 136).

    193

    A esse respeito, a recorrente limita‑se a indicar, em substância, que a Comissão apurou os factos de forma errada ou incompleta, ignorando certos elementos de prova. Todavia, resulta claramente da decisão recorrida que a Comissão teve em conta todas provas de que dispunha e que privilegiou algumas delas e afastou outras, o que faz parte da sua margem de apreciação, comparando todas as provas entre si e indicando, de forma geral, as razões pelas quais decidiu não ter em conta determinadas indicações.

    194

    Em segundo lugar, no que diz respeito aos três estudos apresentados pela recorrente, acima referidos no n.o 181, há que lembrar que já foi decidido no sentido de que a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o ato foi adotado (v. Acórdãos de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 31 e jurisprudência referida, e de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 260 e jurisprudência referida). Particularmente, a legalidade de uma decisão em matéria de concorrência deve ser apreciada, segundo jurisprudência constante, em função das informações de que a Comissão podia dispor no momento em que a aprovou (v. Acórdão de 27 de janeiro de 2021, KPN/Comissão, T‑691/18, não publicado, EU:T:2021:43, n.o 141 e jurisprudência referida).

    195

    Consequentemente, a decisão recorrida deve ser examinada segundo os elementos de facto existentes à data da sua adoção e não à luz de elementos de facto posteriores (Acórdão de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, EU:T:2006:187, n.o 204).

    196

    Há que observar que a adoção da decisão recorrida data de 17 de setembro de 2019. No que respeita ao estudo LBD, que data de 9 de maio de 2019, a Comissão mencionou expressamente esse estudo na decisão recorrida nos n.os 81, 83, 84 e 86, bem como nas notas de rodapé n.os 79, 80, 84, 85, 90 a 92 e 315. Por conseguinte, não só esse estudo é relevante para apreciar a legalidade da decisão recorrida, como também não se pode criticar a Comissão por não o ter tido em conta no momento do seu exame dos efeitos da concentração.

    197

    Em contrapartida, é facto assente que o estudo BET, que data de outubro de 2020, e o estudo Innoplexia, que data de 13 de janeiro de 2021, são posteriores à adoção da decisão recorrida.

    198

    No entanto, a Comissão não pode invocar, de forma geral, a jurisprudência no sentido de que a legalidade do ato recorrido deve ser apreciada em função dos elementos de direito e de facto existentes à data em que a decisão recorrida foi adotada (Acórdão de 21 de setembro de 2005, EDP/Comissão, T‑87/05, EU:T:2005:333, n.o 158) para rejeitar estes dois estudos na análise da legalidade da decisão recorrida.

    199

    Com efeito, visto que a apresentação de um anexo não constitua uma tentativa de alterar o quadro jurídico e factual anteriormente submetido à Comissão para efeitos da adoção da decisão recorrida, mas se insira na elaboração de uma argumentação no âmbito de um simples exercício do direito de defesa, o referido anexo deve ser considerado admissível (Acórdão de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 63).

    200

    No caso, há que observar que os estudos BET e Innoplexia foram elaborados especificamente para contestar a legalidade da decisão recorrida. Assim, por força da jurisprudência acima recordada no n.o 199, a Comissão não pode alegar que os estudos BET e Innoplexia sejam julgados inadmissíveis pelo simples facto de terem sido elaborados após a adoção da decisão recorrida, sem que o seu conteúdo seja analisado, a fim de verificar se constituem ou não uma tentativa de alterar o quadro jurídico ou factual existente à data da adoção da decisão recorrida.

    201

    Em contrapartida, a Comissão pode alegar em sua defesa, em pontos precisos, o facto de um anexo ignorar as declarações expressas ou as omissões das partes no procedimento administrativo (Acórdão de 21 de setembro de 2005, EDP/Comissão, T‑87/05, EU:T:2005:333, n.o 158). Do mesmo modo, pode acontecer que a análise de um anexo sobre um ponto preciso se baseie em elementos de informação existentes à data da adoção da decisão recorrida, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 198. Por outras palavras, nada impede um recorrente, no exercício dos seus direitos de defesa, de se basear numa análise contida num anexo e efetuada após a adoção do ato recorrido, desde que essa análise se baseie em elementos factuais disponíveis no momento da adoção do referido ato.

    202

    Primeiro, no que respeita ao estudo BET, este contém, na sua secção 2, uma crítica à metodologia utilizada pela Comissão no âmbito do primeiro inquérito de mercado. Ora, há que considerar que tal crítica faz parte integrante da argumentação que aplica os direitos de defesa da recorrente. Por conseguinte, esta secção do estudo BET é admissível.

    203

    Em contrapartida, a secção 3 do estudo BET refere os resultados de um estudo de mercado realizado pelo BET entre 29 de julho e 18 de agosto de 2020, ou seja, quase um ano inteiro após a adoção da decisão recorrida, como resulta do n.o 41 da secção 3 do referido estudo.

    204

    A esse respeito, há que observar que a recorrente não demonstrou nem sequer alegou que o parecer das empresas participantes era o mesmo que teriam tido se tivessem sido interrogadas no momento em que a decisão recorrida foi adotada. Ora, tendo em conta, além disso, a natureza dinâmica do mercado da energia, é razoável prever que as respostas das empresas participantes no estudo BET, quase um ano após a adoção da decisão recorrida, se tenham alterado paralelamente à evolução do mercado da energia. Além disso, as respostas foram dadas num contexto em que a concentração já tinha ocorrido. Assim, a análise das respostas foi efetuada com base em elementos de facto de que a Comissão não podia dispor no momento da adoção da decisão recorrida. Com efeito, a Comissão não podia saber qual seria a opinião dos agentes do mercado cerca de um ano mais tarde, nomeadamente após a realização da concentração.

    205

    Uma vez que a situação do mercado da energia no momento em que o estudo BET foi realizado era necessariamente diferente da sua situação no momento em que a Comissão realizou os seus próprios inquéritos, a relevância e o valor probatório das análises efetuadas no estudo BET com base nesses dados posteriores são, na melhor das hipóteses, limitadas. Com efeito, a utilização desses dados não se inscreve apenas no âmbito da constituição de uma argumentação para o exercício dos direitos de defesa da recorrente, mas constitui, pelo menos em parte, uma tentativa de alterar o quadro factual existente no momento em que a Comissão adotava a decisão recorrida, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 199.

    206

    Segundo, quanto ao estudo Innoplexia, refira‑se que a recolha dos dados utilizados nesse estudo foi efetuada em duas fases. Por um lado, foi efetuada uma recolha diária de dados em toda a Alemanha, entre 4 e 17 de dezembro de 2020, no motor de pesquisa Google e nos dois sítios Internet de comparação «Check24» e «Verivox». Por outro lado, para incluir igualmente os dados dos sítios Internet de comparação no inquérito sobre um período mais longo, a Innoplexia recorreu a uma varredura permanente de dados para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2020.

    207

    A este respeito, há que observar que o motor de pesquisa Google, tal como os sítios Internet de comparação «Check24» e «Verivox», mostram os resultados das propostas feitas pelos operadores num dado momento. Por conseguinte, essas plataformas estão sujeitas à mesma dinâmica em mutação que o mercado da energia.

    208

    Ora, a recorrente não provou nem sequer alegou que os resultados obtidos teriam sido os mesmos se os dados tivessem sido recolhidos durante o período em que a Comissão efetuou a sua própria análise. Assim, à semelhança do que se observou quanto ao estudo BET, é razoável considerar que esses resultados evoluíram ao longo do tempo, à medida que o próprio mercado da energia mudou.

    209

    Além disso, resulta claramente desse estudo que a Innoplexia dispunha de dados provenientes da varredura permanente de sítios Internet, que imitam os comportamentos de investigação humana e permitem tratar vários milhões de pedidos por dia, e ao longo de vários anos. No entanto, embora pudessem ter sido utilizados dados contemporâneos do estudo de mercado da Comissão, a Innoplexia optou por utilizar dados de 2020.

    210

    Uma vez que a análise do estudo Innoplexia se baseou amplamente em dados de 2020, ou seja, posteriores à adoção da decisão recorrida, a utilização desses dados constitui, pelo menos em parte, uma tentativa de alterar o quadro factual existente no momento em que a Comissão adotava a decisão recorrida, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 199. Por conseguinte, mesmo admitindo que fossem admissíveis, a relevância e o valor probatório dessas análises são, na melhor das hipóteses, limitados.

    211

    Em definitivo, os estudos BET e Innoplexia apresentados pela recorrente não referem dados que a Comissão não tenha tido em conta aquando da adoção da decisão recorrida. Assim, não é através desses estudos que a recorrente conseguirá demonstrar que a Comissão não teve em conta certos dados.

    b)   Quanto ao primeiro inquérito de mercado da Comissão

    212

    A recorrente considera que a conceção, a forma, o prazo e o conteúdo do primeiro inquérito de mercado levado a cabo pela Comissão não eram ótimos.

    213

    A Comissão considera que o desenrolar do primeiro inquérito de mercado foi correto.

    214

    Em primeiro lugar, quanto à amostra escolhida para efeitos do primeiro inquérito de mercado, resulta da nota de rodapé n.o 52 da decisão recorrida que 161 empresas participaram efetivamente no primeiro inquérito de mercado, incluindo, além dos concorrentes importantes como a EnBW e a Vattenfall, mais de 50 empresas, empresas municipais de diferentes dimensões, cooperativas de empresas municipais, sociedades nas quais apenas os municípios ou as suas empresas municipais detinham participações, sociedades nas quais as empresas municipais e os fornecedores independentes detinham participações, sociedades nas quais apenas os fornecedores independentes detinham participações, fornecedores independentes e novos operadores no mercado.

    215

    Assim, a Comissão selecionou um amplo leque de atores do mercado para responder ao seu inquérito de mercado.

    216

    Para determinar a dimensão da amostra correta para efeitos de um estudo de mercado, há que ter em conta, primeiro, a dimensão da população junto da qual vai ser realizada a sondagem, segundo, o nível de confiança, que é a percentagem que indica o grau de certeza com que a população vai escolher uma resposta situada entre dois valores dados, e, terceiro, a margem de erro, que corresponde à percentagem que indica em que medida os resultados da sondagem são suscetíveis de refletir a opinião da população global.

    217

    No caso, a população total é de cerca de 2500 empresas cujo parecer poderia ser útil. Para um nível de confiança de 95 %, o que corresponde à norma da indústria, e uma margem de erro de 10 %, a dimensão adequada da amostra seria de 93 inquiridos. Assim, ao interrogar 383 empresas do mercado da energia, das quais se podia esperar que um certo número não respondesse, a Comissão tentou constituir uma amostra suficientemente representativa.

    218

    Do mesmo modo, não se pode validamente criticar a Comissão por só ter contactado 383 empresas, uma vez que a logística e a organização desse inquérito constituem um grande esforço, tal como o tratamento posterior das informações, sobretudo se forem tidos em conta os recursos limitados da Comissão, bem como os imperativos de celeridade que se lhe impõem no âmbito do controlo das concentrações. Assim, tendo em conta o princípio da celeridade que rege o procedimento de controlo das concentrações, o Tribunal Geral considera que, uma vez que 161 das 383 empresas solicitadas responderam efetivamente ao primeiro inquérito de mercado, essa amostra pode ser considerada suficientemente representativa e capaz de dar resultados significativos nos quais a Comissão se podia basear nas suas conclusões.

    219

    Em segundo lugar, a recorrente critica a transmissão do questionário em inglês. A este respeito, é pacífico que as questões estavam redigidas em inglês, mas que nada impedia as empresas destinatárias de responderem em alemão.

    220

    No Acórdão de 12 de julho de 2018, Brugg Kabel e Kabelwerke Brugg/Comissão (T‑441/14, EU:T:2018:453), as recorrentes sustentavam que a Comissão tinha violado o seu direito a um processo equitativo e os seus direitos de defesa ao notificar‑lhes os pedidos de informações e a comunicação de acusações exclusivamente em inglês no âmbito de um processo relativo a cartéis, ao passo que uma das recorrentes tinha pedido várias vezes para comunicar em alemão. Nos n.os 46 a 50 desse acórdão, o Tribunal Geral concluiu que a recusa da Comissão de dirigir os pedidos de informações à Brugg Kabel AG em alemão não a tinha impedido de dar utilmente o seu ponto de vista quanto às informações solicitadas pela Comissão, particularmente pelo facto de a Comissão não ter exigido à Brugg Kabel que respondesse aos pedidos de informações em inglês.

    221

    A aplicação a fortiori desta jurisprudência leva o Tribunal Geral a concluir que o questionário do primeiro inquérito de mercado, que, por si só, não era suscetível de levar à adoção de sanções contra as empresas a quem era dirigido, podia ser redigido em inglês. Além disso, se as empresas encontrassem problemas de tradução, poderiam ter pedido uma prorrogação do prazo por razões linguísticas. Por último, não se pode deixar de observar que nada as impedia de dar o seu ponto de vista de forma útil, uma vez que podiam responder em alemão às questões colocadas em inglês.

    222

    Assim, tendo em conta, além disso, o imperativo de celeridade, não se pode exigir à Comissão que traduza as questões nas línguas pedidas pelas empresas interrogadas.

    223

    Refira‑se, por acréscimo, que essa solução é tanto mais razoável quanto a Comissão procedeu a inquéritos de mercado nos diferentes mercados geográficos em causa, incluindo a República Checa, a Hungria, a Eslováquia e o Reino Unido. Ora, exigir da Comissão que traduza os seus questionários nas línguas dos Estados‑Membros em cujo território realiza os seus inquéritos de mercado seria desproporcionado em termos de custos para os serviços da Comissão e incompatível com o imperativo de celeridade que se lhe impõe.

    224

    Em terceiro lugar, há que analisar a complexidade do questionário e o prazo de resposta concedido pela Comissão. A esse respeito, há que lembrar que a Comissão tem que conciliar a necessidade de levar a cabo um inquérito completo a fim de dispor de todos os elementos relevantes para a sua apreciação com o imperativo de celeridade que se lhe impõe. Assim, por um lado, a Comissão não pode ser criticada por ter colocado 228 questões. Por outro lado, embora o prazo de resposta tenha sido curto, o facto de 161 empresas terem respondido dentro do prazo, bem como o facto de as empresas poderem pedir uma prorrogação do prazo, basta para concluir que a Comissão não violou o seu dever de diligência a esse respeito.

    225

    Resulta do exposto que o primeiro inquérito de mercado foi corretamente realizado. Assim, não se pode considerar que esteja, em si mesmo, ferido de erros manifestos de apreciação.

    3.   Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa a uma delimitação errada do período de análise

    226

    A recorrente alega que a Comissão se baseou, no essencial, em considerações passadas sem fazer uma previsão, mais especificamente no que respeita ao mercado da eletromobilidade e ao mercado dos serviços de contagem.

    227

    No essencial, a recorrente critica a delimitação do período de análise no que respeita, primeiro, ao mercado da eletromobilidade e, segundo, ao mercado dos serviços de contagem.

    228

    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

    229

    No que respeita, mais especificamente, ao mercado dos serviços de contagem, refira‑se que a recorrente acusa, no essencial, a Comissão de não ter tido em conta o impacto futuro do facto de a E.ON, graças à concentração e às atividades que ia poder desenvolver no mercado dos serviços de contagem, recolher numerosos dados que lhe permitiriam propor soluções inovadoras aos consumidores.

    230

    Há que lembrar que, em matéria de controlo das concentrações, a Comissão deve verificar se uma concentração é suscetível de entravar de modo significativo uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste. Isto resulta do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004.

    231

    A fiscalização das operações de concentração pela Comissão exige, portanto, uma análise prospetiva, que consiste em examinar de que modo uma operação dessa natureza poderá alterar os fatores que determinam a situação da concorrência num dado mercado, para verificar se daí resultará um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Esta análise prospetiva exige que se imaginem os vários encadeamentos de causa e efeito a fim de ter em conta aquele cuja probabilidade é maior (Acórdãos de 19 de junho de 2009, Qualcomm/Comissão, T‑48/04, EU:T:2009:212, n.o 88, e de 9 de março de 2015, Deutsche Börse/Comissão, T‑175/12, não publicado, EU:T:2015:148, n.o 62; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 43).

    232

    Além disso, em substância, como acima se recorda no n.o 94, a apreciação da Comissão quanto à compatibilidade com o mercado interno de uma operação de concentração entre empresas deve ser feita unicamente com base nas circunstâncias de facto e de direito existentes no momento da notificação dessa operação e não com base em elementos hipotéticos cujo alcance não pode ser avaliado no momento em que é tomada a decisão de autorização (v. Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384, n.o 327 e jurisprudência referida).

    233

    Daqui resulta que é expectável que a Comissão proceda a uma apreciação dos efeitos da concentração num período cuja duração máxima não pode ultrapassar o horizonte da ocorrência, com um grau de certeza suficiente, de determinados acontecimentos. Quanto mais o evento a prever estiver afastado no tempo, maior será a incerteza quanto à sua ocorrência. Neste sentido, não se pode exigir à Comissão que se preste a uma análise prospetiva com base em elementos cujos efeitos a longo prazo não esteja em condições de prever com uma margem de erro razoável.

    234

    No caso, resulta da decisão recorrida que a Comissão teve em conta na sua análise elementos prospetivos que apresentavam suficiente nível de previsibilidade para serem relevantes.

    235

    Primeiro, no que respeita ao setor da eletromobilidade, resulta do n.o 183 da decisão recorrida que a Comissão teve em conta a evolução paralela do número de estações de carregamento de veículos elétricos e das próprias vendas de veículos elétricos, que deveriam aumentar cerca de 27 % por ano até 2029. A Comissão constatou igualmente, no n.o 193 da decisão recorrida, que os atores do mercado esperavam que as estações de carregamento ultrarrápido se tornassem cada vez mais correntes e que os preços da estação de carregamento rápido e ultrarrápido divergissem, e, no n.o 199, que os atores do mercado esperavam que o setor das estações de carregamento para veículos elétricos se desenvolvesse da mesma forma que o das estações de serviço tradicionais para o qual as condições de concorrência a nível local influenciavam a estratégia dos operadores de combustíveis. Do mesmo modo, no n.o 385 da decisão recorrida, a Comissão referiu as evoluções previsíveis no mercado da instalação e da exploração das estações de carregamento normais e rápidas, que evolui rapidamente. Daí resulta que devem ser previstas novas entradas no mercado, incluindo a da Deutsche Telekom, que anunciou recentemente a sua intenção de integrar estações de carregamento para veículos elétricos nas caixas de distribuição da rede telefónica, ou a Volkswagen, que anunciou igualmente a sua intenção de entrar no mercado da eletromobilidade e visa construir estações de carregamento públicas para veículos elétricos nas instalações dos seus 4000 concessionários automóveis e estações de serviço parceiras na Europa.

    236

    Assim, resulta dos n.os 183, 193, 199 e 385 da decisão recorrida que, contrariamente à alegação da recorrente, a Comissão não se limitou, na sua análise dos efeitos da operação de concentração sobre a concorrência, a examinar a situação à data da adoção da decisão recorrida, pois teve em conta a evolução previsível do setor da eletromobilidade.

    237

    Segundo, no que respeita ao setor dos serviços de contagem em que a recorrente considera que a posição dominante da E.ON lhe confere também o lugar de líder no domínio das soluções para os clientes baseados na exploração dos dados, a recorrente não identifica especificamente as evoluções que a Comissão deveria ter tomado em consideração nem o período que é relevante a esse respeito. Pelo contrário, limita‑se a sustentar que, uma vez que a Comissão não subscreve as suas previsões de efeitos danosos, a análise prospetiva da Comissão não é correta.

    238

    De qualquer modo, há que observar que a Comissão analisou efetivamente quais poderiam ser as consequências da concentração nesse domínio e indicou, no n.o 423 da decisão recorrida, que os dados suplementares além de uma massa crítica podiam não fornecer necessariamente um valor suplementar. Do mesmo modo, a Comissão referiu, no n.o 424 da decisão recorrida, que havia grandes incertezas quanto à quantidade mínima (e ao tipo) de dados necessários para desenvolver novas soluções energéticas.

    239

    A Comissão não dispunha, portanto, de elementos que lhe permitissem proceder a uma análise prospetiva baseada num período mais longo do que aquele que teve em conta. Não cometeu, portanto, erro manifesto de apreciação na delimitação do período prospetivo de análise.

    240

    Por último, no n.o 432 da decisão recorrida, a Comissão constatou os limites da sua análise, indicando que o mercado da eletricidade estava a mudar profundamente e que, mesmo entre os agentes do mercado, não havia consenso sobre a forma como o mercado acabaria por evoluir.

    241

    Resulta do exposto que, tendo em conta as incertezas de evolução do mercado da eletricidade em geral, a Comissão não podia razoavelmente alargar a sua análise prospetiva a um período mais longo do que aquele que teve em conta. Por conseguinte, não cometeu erro manifesto de apreciação na delimitação do período de análise.

    242

    Improcede, portanto, a primeira parte, relativa a uma delimitação errada do período de análise.

    4.   Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa a uma definição errada dos mercados relevantes

    243

    No caso, a Comissão procedeu à definição dos mercados relevantes na Alemanha na secção 7.1 da decisão recorrida. A Comissão analisou, nomeadamente, a definição dos mercados de produtos e geográficos nos seguintes domínios: produção e fornecimento grossista de eletricidade (secção 7.1.1), distribuição de eletricidade ou redes elétricas (secção 7.1.2), fornecimento retalhista de eletricidade (secção 7.1.3), fornecimento retalhista de eletricidade para aquecimento (secção 7.1.4), distribuição de gás ou redes de gás (secção 7.1.5), fornecimento retalhista de gás (secção 7.1.6), serviços de contagem (secção 7.1.7) e eletromobilidade (secção 7.1.8).

    a)   Quanto à primeira acusação, relativa à definição errada dos mercados de fornecimento retalhista de eletricidade e de gás

    244

    A recorrente alega, em substância, que a Comissão examinou insuficientemente os factos no setor do fornecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares e aos pequenos clientes comerciais e que definiu os mercados de fornecimento a retalho de eletricidade e de gás de forma manifestamente errada.

    245

    Em primeiro lugar, a Comissão definiu o mercado de produtos relevante de forma inexata, porque não teve suficientemente em conta o ponto de vista dos consumidores. Por conseguinte, concluiu erradamente que o mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito do abastecimento de base era diferente do mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais.

    246

    Em segundo lugar, a Comissão fez uma apreciação errada da definição geográfica do mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais, ao considerar erradamente que o mercado dos clientes que beneficiam de contratos especiais era um mercado nacional e não local. Por conseguinte, a Comissão não teve em conta o aumento das quotas de mercado locais da E.ON resultante da concentração, que atingia por vezes 70 % ou mais.

    247

    A Comissão, apoiada pela E.ON, contesta os argumentos da recorrente.

    248

    Refira‑se que a Comissão analisou, nomeadamente, a definição dos mercados do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás nas secções 7.1.3 e 7.1.6 da decisão recorrida. Concluiu, no n.o 91 da decisão recorrida, que, para efeitos da referida decisão:

    o mercado do fornecimento retalhista de eletricidade aos grandes clientes industriais será considerado de dimensão nacional;

    o mercado do fornecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares e aos pequenos clientes comerciais no âmbito do abastecimento de base será considerado um mercado do produto distinto e tem uma dimensão local limitada à área de abastecimento de base em causa;

    o mercado do fornecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares e aos pequenos clientes comerciais ao abrigo de contratos especiais será considerado um mercado do produto distinto e tem uma dimensão nacional com elementos locais.

    249

    No n.o 129 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a estrutura e o funcionamento do mercado do fornecimento retalhista de gás eram muito semelhantes aos do mercado do fornecimento retalhista de eletricidade.

    1) Quanto à definição do mercado de produtos relevante

    250

    Quanto ao mercado de produtos relevante, a Comissão analisou o mercado de produtos do fornecimento retalhista de eletricidade na secção 7.1.3.2 (n.os 52 a 62) e do fornecimento retalhista de gás na secção 7.1.6.1 (n.os 130 a 133) da decisão recorrida.

    251

    Antes de mais, há que observar que resulta da decisão recorrida que a Comissão analisou várias fontes de informação para definir os mercados de produtos do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás. Assim, não só analisou o ponto de vista das partes na concentração, como teve igualmente em conta a sua prática decisória anterior, bem como a da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas e do Bundesnetzagentur (BNetzA, Agência Federal das Redes, Alemanha) (n.os 52 a 54, 58, 130 e 131), as informações provenientes da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, a regulamentação aplicável, um relatório da Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER) (n.o 59), as respostas dos concorrentes ao primeiro inquérito de mercado (n.os 58 e 60), bem como os documentos internos das partes na concentração (61). Por isso, a Comissão teve em conta as provas relevantes de que dispunha. De qualquer modo, a recorrente critica antes a Comissão por não ter chegado às mesmas conclusões que ela. Com efeito, o problema não é tanto o facto de a Comissão ter ignorado provas relevantes, mas sim que a recorrente não partilha da análise dessas provas feita pela Comissão.

    252

    A título de observação preliminar, refira‑se que, ao distinguir o mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito do abastecimento de base e no âmbito dos contratos especiais, a Comissão procedeu a uma definição mais restrita dos mercados relevantes do que se não tivesse distinguido entre fornecimento de base e contratos especiais. Aliás, a esse respeito, pode‑se referir, como resulta dos n.os 55 e 132 da decisão recorrida, que, no procedimento administrativo, as partes na concentração também eram de opinião de que não seria adequada uma distinção entre o abastecimento de base e os contratos especiais.

    253

    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que, se a Comissão tivesse examinado o comportamento dos agregados familiares e dos pequenos clientes comerciais, deveria ter constatado que os clientes que beneficiavam do abastecimento de base não revelavam inércia e que existia uma permeabilidade geral entre as tarifas de abastecimento de base e as tarifas especiais pelo facto de haver uma substituibilidade dos bens homogéneos que são a eletricidade e o gás.

    254

    No caso, a Comissão, à luz das provas acima referidas no n.o 251, analisou certos elementos determinantes do ponto de vista da procura.

    255

    Assim, a Comissão estabeleceu uma distinção no mercado de produtos entre os clientes que beneficiam do abastecimento de base e os que beneficiam de contratos especiais, pelo facto de não haver substituibilidade da procura. Apesar de a percentagem de agregados familiares abastecidos segundo as tarifas de eletricidade de base estar em constante diminuição, passando de cerca de 59 % em 2007 para 37 % em 2012, para 31 % em 2016 e para 28 % em 2017 (n.o 50 da decisão recorrida), a Comissão considerou que as tarifas de fornecimento de base de eletricidade e de gás não eram materialmente condicionadas pelas tarifas dos contratos especiais e que, por conseguinte, os dois tipos de contratos constituíam dois mercados de produtos distintos (n.os 62 e 133 da decisão recorrida).

    256

    A esse respeito, a Comissão baseou uma grande parte da sua análise na inércia dos consumidores. Assim, elaborou uma parte introdutória na secção 7.1.3.1 da decisão recorrida, na qual explica o conceito de inércia dos clientes, caracterizado pelo facto de, após a liberalização do mercado da eletricidade na Alemanha em 1998, uma grande proporção de clientes, especialmente as famílias e as pequenas empresas, ter permanecido no fornecedor histórico apesar da disponibilidade de ofertas mais competitivas, como é o caso na maior parte dos mercados europeus da eletricidade a retalho (n.o 48 da decisão recorrida). Segundo a Comissão, este efeito do operador histórico é particularmente acentuado para os clientes que são sempre abastecidos no âmbito de contratos de abastecimento de base, que não procuram mudar de fornecedor e se prendem com as tarifas de abastecimento de base mais caras do operador histórico (n.o 50 da decisão recorrida). Para a Comissão, uma concentração como a que está em causa no presente processo só é suscetível de ter um impacto material limitado ou nulo no imediato relativamente a esses consumidores (n.o 49 da decisão recorrida). A Comissão considera que as mesmas considerações são aplicáveis ao setor do gás (n.o 133 da decisão recorrida).

    257

    Assim, embora a Comissão não mencione a natureza homogénea da eletricidade e do gás, que não põe em causa, observou, no entanto, que, em 2017, apesar da diminuição progressiva do número de contratos de fornecimento de base e das condições geralmente mais favoráveis dos contratos especiais, 28 % dos agregados familiares ainda tinham esse tipo de contrato para o fornecimento de eletricidade.

    258

    À luz do exposto, o Tribunal Geral considera que a Comissão fundamentou efetivamente a existência de uma certa inércia dos clientes do abastecimento de base, cuja procura é menos elástica, como demonstra o facto de, apesar das condições mais vantajosas dos contratos especiais, uma parte da procura ser sempre reticente em beneficiar de uma alteração de contrato.

    259

    É certo que a diminuição progressiva dos contratos de base devido à subscrição de contratos especiais pelos clientes indica um certo nível de substituição da procura entre os contratos de base e os contratos especiais. No entanto, faz parte da margem de apreciação da Comissão observar a existência ainda considerável de um grande número de contratos de base que tende a demonstrar a existência de um mercado de produtos separado. Foi, portanto, sem cometer erro manifesto de apreciação que a Comissão não se limitou a constatar que as características objetivas da eletricidade e do gás eram homogéneas e que analisou igualmente a situação da concorrência, nomeadamente a estrutura da oferta e da procura no mercado. Improcede, portanto, este argumento.

    260

    Segundo, quanto à aplicação alegadamente errada do teste «small but significant non‑transitory increase of price» (aumento de preço não transitório reduzido mas significativo, a seguir «teste SSNIP»), devido à apresentação incorreta dos resultados do primeiro inquérito de mercado, bem como à falta de um teste SSNIP de grande envergadura e à apreciação quantitativa do teste SSNIP habitualmente de aplicação, importa recordar que este teste, nos termos do n.o 17 da comunicação da Comissão de 9 de dezembro de 1997, relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5, a seguir «comunicação relativa à definição do mercado»), coloca‑se a questão de saber se um aumento de preços de 5 a 10 % levaria os clientes que beneficiam do abastecimento de base a optar por contratos especiais.

    261

    A este respeito, no n.o 60 da decisão recorrida, a Comissão mencionou, com base no primeiro inquérito de mercado, que, apesar de um certo número de respostas ter indicado que tal aumento do preço dos contratos de fornecimento de base poderia ter desencadeado um aumento do nível de passagem para os contratos especiais, cerca de 70 % dos concorrentes tinham respondido que o aumento dessa passagem teria provavelmente sido reduzido ou insignificante. Assim, a maioria dos intervenientes no mercado considerou que não haveria substituibilidade da procura nos termos do teste SSNIP.

    262

    Embora seja verdade que a Comissão não elaborou uma análise quantitativa ou de grande amplitude além das respostas dos concorrentes, há que lembrar que cabe à Comissão apreciar se as informações de que dispõe são suficientes para a análise concorrencial (Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑162/10, EU:T:2015:283, n.o 109).

    263

    Há que lembrar também que não se deve estabelecer uma hierarquia entre «elementos de prova não técnicos» e «elementos de prova técnicos», mas que cabe à Comissão avaliar globalmente o resultado do conjunto de indícios utilizado para avaliar a situação da concorrência e que, a esse respeito, é possível que certos elementos sejam privilegiados e outros sejam rejeitados (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2015, Deutsche Börse/Comissão, T‑175/12, não publicado, EU:T:2015:148, n.o 133).

    264

    Tendo em conta as apreciações feitas a este respeito na maioria das respostas ao primeiro inquérito de mercado, a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação ao considerar que as informações de que dispunha bastavam para a análise concorrencial da substituibilidade entre os contratos de base e os contratos especiais devido a um aumento ligeiro mas significativo e permanente dos preços dos contratos de base.

    265

    Em todo o caso, não se pode deixar de observar que a argumentação da recorrente não permite pôr em causa as conclusões da Comissão relativas ao teste SSNIP. Com efeito, a recorrente não indica quais os elementos precisos que a Comissão deveria ter analisado e não apresentou nenhum elemento que permita pôr em causa a conclusão da Comissão de que a análise quantitativa não era pertinente.

    266

    Terceiro, quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão deveria ter constatado que a taxa de mudança de fornecedor estagnou, não devido à inércia dos clientes, mas sim devido ao acordo que fracionou o mercado celebrado entre a E.ON e a RWE, basta observar que a recorrente não apresenta nenhuma prova para sustentar as suas alegações. De qualquer forma, a Comissão, com base nos dados fornecidos pelas partes na concentração, analisou, no n.o 287 da decisão recorrida, os rácios de desvio da E.ON para a innogy na zona em que a E.ON era o ORD entre 2015 e 2018, muito antes da celebração do acordo celebrado entre a E.ON e a RWE.

    267

    Quarto, a recorrente alega que a Comissão concluiu erradamente que as partes na concentração aplicavam mecanismos de determinação dos preços diferentes para as tarifas do abastecimento de base e para as tarifas especiais, ao passo que, na realidade, aplicavam tarifas locais para fixar não apenas as tarifas especiais mas também as tarifas do abastecimento de base.

    268

    Refira‑se que, com efeito, a Comissão observou nos n.os 51 e 60 da decisão recorrida, que a regulamentação que regia a celebração dos contratos de base e a relativa aos contratos especiais eram diferentes. Com efeito, na Alemanha, a lei prevê que só pode haver um único fornecedor de base por zona de abastecimento e que a empresa que será o fornecedor de base deve ser determinada de três em três anos pelo ORD competente. Assim, o fornecimento de base está sujeito a uma regulamentação específica. O fornecedor de base tem a obrigação legal de celebrar contratos de fornecimento de base, só pode rescindir um contrato de fornecimento de base em circunstâncias excecionais, ao passo que o cliente pode rescindir o contrato a qualquer momento com um pré‑aviso de apenas duas semanas. Além disso, os fornecedores de base têm a obrigação legal de repercutir os custos legais irrecuperáveis, ou seja, os impostos, os direitos de concessão, as sobretaxas e as taxas, com exceção das taxas de rede, e são confrontados com limitações dos aumentos de preços pelo facto de os aumentos da margem de lucro não serem autorizados. Por último, a flutuação dos preços nos mercados grossistas só pode ser refletida numa medida limitada nos preços retalhistas do abastecimento de base.

    269

    Daqui resulta que, em definitivo, a fixação dos preços e a política tarifária do abastecimento de base e dos contratos especiais não são comparáveis e que a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação ao concluir que a distinção entre as tarifas de abastecimento de base e as tarifas dos contratos especiais era igualmente evidente pelo facto de as partes na concentração adotarem políticas de tarificação e de ajustamento dos preços diferentes para os dois tipos de tarifas. Para fundamentar as suas afirmações, a Comissão baseou‑se não só nas diferenças regulamentares, mas também nos documentos internos das partes na concentração que, na prática da Comissão, constituem provas geralmente privilegiadas, com grande valor probatório, pelo facto de não serem objeto de tratamento pelas partes na concentração para efeitos da concentração e constituírem documentos com informações não tratadas.

    270

    Quinto, quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão cometeu um erro ao não examinar de que modo a definição do mercado de produtos era influenciada pela falta de importância que os clientes atribuíam à qualificação jurídica do seu contrato, pelas possibilidades simples e gratuitas de passar de um contrato de base para um contrato especial e pelas mudanças de fornecedor efetivamente operadas por clientes, o Tribunal considera que as diferenças regulamentares identificadas pela Comissão e acima recordadas no n.o 268 têm uma incidência direta na substituibilidade do ponto de vista da procura. Com efeito, a obrigação de contratar e as limitações na fixação de tarifas reduzem a homogeneidade dos contratos. Embora seja verdade que o produto final, a saber, a eletricidade ou o gás, é homogéneo, não é menos verdade que existem diferenças tarifárias entre os contratos de base e os contratos especiais e que, como acima resulta dos n.os 261 e 264, uma grande maioria dos concorrentes das partes na concentração consideraram que esses contratos não eram substituíveis do ponto de vista da procura.

    271

    Além disso, quanto à facilidade de mudar de contrato, a Comissão indicou, no n.o 59 da decisão recorrida, com base no relatório da ACER acima mencionado no n.o 251, que a debilidade detetada no ganho monetário que poderia resultar de uma mudança de fornecedor, a falta de confiança nos novos fornecedores, a complexidade percecionada do processo de mudança e o nível de satisfação com o seu fornecedor atual foram identificados como os fatores mais influentes na inibição do comportamento de mudança dos consumidores. Assim, independentemente de a mudança de fornecedor ser tão fácil como sugere a recorrente, existe um grande número de clientes que, apesar das vantagens teóricas, mantêm os seus contratos de base.

    272

    Em sexto lugar, no que respeita a uma alegada exceção à prática decisória da Comissão, a Comissão analisou, nos n.os 52 a 54 da decisão recorrida, a sua prática decisória anterior e a da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas.

    273

    A este respeito, resulta dos n.os 53 e 133 da decisão recorrida que, no passado, a Comissão não se pronunciou firmemente sobre a questão de saber se os contratos especiais e as tarifas do abastecimento de base pertenciam a mercados distintos. Assim, na Decisão C(2015) 9088 final da Comissão, de 8 de dezembro de 2015, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (Processo M.7778 — Vattenfall/ENGIE/GASAG), a Comissão avaliou o impacto da concentração nos agregados familiares e nos pequenos clientes comerciais, tendo em conta a nível nacional, por um lado, sem os distinguir, os clientes que beneficiam do abastecimento de base e os que beneficiam de contratos especiais, e, por outro, considerados separadamente, os clientes dos contratos especiais. No entanto, nessa decisão, a Comissão deixou em aberto a questão da definição do mercado de produtos. Com efeito, a Comissão indicou, no n.o 19 da referida decisão, que, nesse caso, a questão da definição exata do mercado do produto relevante podia ser deixada em aberto, dado que a operação de concentração projetada não suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, independentemente da definição prevista.

    274

    Daqui resulta que, no caso, não se pode considerar que a Comissão derrogou a sua prática decisória anterior. Pelo contrário, a Comissão considerou as suas apreciações passadas um elemento pertinente de análise. Ora, a Comissão, exercendo a sua margem de apreciação, considerou, nos n.os 56 a 62 e 133 da decisão recorrida, que as condições do mercado no momento da adoção da decisão recorrida exigiam uma definição mais restrita do mercado de produtos.

    275

    De qualquer modo, há que lembrar que, quando a Comissão decide sobre a compatibilidade de uma concentração com o mercado interno com base numa notificação e num processo específicos dessa operação, um recorrente não pode pôr em causa as suas considerações pelo facto de diferirem das feitas anteriormente noutro processo, com base numa notificação e num processo diferentes, mesmo supondo que os mercados em causa nos dois processos sejam semelhantes ou mesmo idênticos. Assim, uma vez que esse recorrente invoque análises feitas pela Comissão numa decisão anterior, essa parte da sua argumentação é irrelevante (Acórdão de 18 de maio de 2022, Wieland‑Werke/Comissão, T‑251/19, não publicado; EU:T:2022:296, n.o 78 e jurisprudência referida).

    276

    De qualquer forma, nem a Comissão nem, a fortiori, o Tribunal Geral estão vinculados pelas considerações de facto e pelas apreciações económicas contidas na decisão anterior. Admitindo que a análise efetuada na decisão recorrida fosse diferente da efetuada numa decisão anterior sem que essa diferença fosse objetivamente justificada, o Tribunal Geral só deveria anular a decisão recorrida no presente processo se esta, e não a decisão anterior, padecesse de erros. Por conseguinte, cabe sempre ao recorrente demonstrar em que medida as apreciações contidas na decisão recorrida são erradas em si mesmas, independentemente das que figuram na decisão anterior (Acórdão de 18 de maio de 2022, Wieland‑Werke/Comissão, T‑251/19, não publicado, EU:T:2022:296, n.o 79).

    277

    Por outro lado, conforme resulta da jurisprudência, a Comissão não está vinculada pelas apreciações relativas aos mercados relevantes feitas nas suas decisões anteriores (v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2017, Topps Europe/Comissão, T‑699/14, não publicado, EU:T:2017:2, n.o 93).

    278

    Resulta do exposto que a recorrente não logrou demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na definição do mercado de produtos relevante. Por conseguinte, há que julgar improcedente a acusação de definição errada do mercado de produtos relevante no que respeita ao fornecimento retalhista de eletricidade e de gás.

    2) Quanto à definição do mercado geográfico

    279

    No n.o 90 da decisão recorrida, a Comissão concluiu que, para efeitos da referida decisão, apesar da existência dos elementos de concorrência locais, o mercado do fornecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares no âmbito de contratos especiais era nacional, embora a Comissão tivesse igualmente examinado os efeitos da concentração a nível local e tivesse concluído que, mesmo numa base local, a concentração não suscitava problemas de concorrência. No que respeita ao gás, a Comissão concluiu, no n.o 147 da decisão recorrida, que, para efeitos da referida decisão, o mercado do fornecimento retalhista de gás aos agregados familiares no âmbito do abastecimento de base é considerado um mercado de produtos distinto e de dimensão local, limitado à área de abastecimento de base em causa, e que o mercado do fornecimento retalhista de gás aos agregados familiares no âmbito de contratos especiais é considerado um mercado de produtos distinto e de dimensão nacional.

    280

    A recorrente sustenta, em substância, que o mercado de fornecimento retalhista de eletricidade ou de gás aos agregados familiares no âmbito dos contratos especiais deveria ter sido definido como um mercado local e não como um mercado nacional com elementos locais.

    281

    Primeiro, quanto ao argumento de que a Comissão reproduziu exatamente o ponto de vista não fundamentado das partes na concentração sobre a delimitação local do mercado sem ter em conta as indicações divergentes e sem efetuar pesquisas pelos seus próprios meios, o Tribunal verifica, no que respeita à eletricidade, que a Comissão analisou a sua prática decisória nos n.os 63 a 65 da decisão recorrida, a da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas nos n.os 66 e 67 da referida decisão, o parecer das partes na concentração no n.o 68 da mesma, e que procedeu à sua análise nos n.os 69 a 90 da decisão recorrida.

    282

    No que respeita, por um lado, ao mercado geográfico do fornecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais, a Comissão, para efeitos da sua análise, não teve apenas em conta o ponto de vista das partes na concentração (n.os 78, 83, 84 e 88). Com efeito, examinou também a sua prática decisória anterior (n.os 69 e 70) e a da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas (n.os 69, 74, 85 e 86), as informações provenientes da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas (n.os 80, 82, 83 e 86), a regulamentação aplicável (n.o 66), as respostas dos concorrentes ao primeiro inquérito de mercado (n.os 74 a 76, 79 e 80), o questionário da fase de exame aprofundado dirigido aos clientes das PME e das microempresas na Alemanha (n.o 85), os contributos dos concorrentes (n.os 75, 79, 81, 84 e 87) e o estudo LBD (n.os 81, 84 e 87). Além disso, a Comissão efetuou as suas próprias análises (n.o 88). Daí resulta que a Comissão procedeu a uma sobreposição das diferentes fontes de informação disponíveis na definição do mercado geográfico do fornecimento retalhista de eletricidade.

    283

    No que respeita, por outro lado, ao mercado geográfico do fornecimento de gás a retalho, a Comissão analisou a sua prática decisória nos n.os 134 e 135 da decisão recorrida, a da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas no n.o 136 da referida decisão e a opinião das partes na concentração no n.o 137. Além disso, procedeu a um exame de conjunto nos n.os 138 a 146 da decisão recorrida.

    284

    Como fez no domínio da eletricidade, para efeitos da sua análise, a Comissão não só considerou o ponto de vista das partes na concentração, como teve também em conta a prática decisória anterior da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas (n.os 138 e 139), as informações provenientes da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas (n.os 142 e 144), as respostas dos concorrentes ao primeiro inquérito de mercado (n.os 138 e 143), as suas próprias análises (n.o 145) e os documentos internos das partes na concentração (n.o 143). Daí resulta que, tal como para o setor da eletricidade, a Comissão procedeu a uma sobreposição das diferentes fontes de informação na definição do mercado geográfico do fornecimento de gás a retalho.

    285

    Por conseguinte, não colhe o argumento da recorrente relativo à insuficiência dos inquéritos realizados pela Comissão nos mercados geográficos do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás.

    286

    Refira‑se, por outro lado que, à semelhança de outros aspetos do controlo da concentração sobre os quais a recorrente acusa a Comissão de não ter investigado suficientemente (v. n.o 251, supra), o que a recorrente critica na realidade é a Comissão não ter analisado certas provas da mesma forma que ela e de não ter chegado às mesmas conclusões que ela.

    287

    Segundo, a recorrente identifica uma falta de investigação pelo facto de existirem apenas propostas locais com preços diferentes.

    288

    Antes de mais, no que respeita ao estudo dos clientes em função do seu código postal e do alcance local das propostas dos fornecedores, o Tribunal constata que, com efeito, a Comissão concluiu no n.o 73 da decisão recorrida, que, embora existissem elementos locais de concorrência, o mercado dos contratos especiais de fornecimento de eletricidade era de dimensão nacional com elementos locais de concorrência. A esse respeito, a Comissão constatou, no que respeita à eletricidade, que havia uma tendência para um aumento do número de fornecedores ativos em cada zona de rede (n.o 74), que os fornecedores tinham tendência para aplicar estratégias de venda semelhantes em todas as regiões (n.o 75), que 65 % dos fornecedores que responderam ao primeiro inquérito de mercado propunham o mesmo preço líquido em todo o país, salvo ocasionalmente (n.o 76), que a substituição do lado da oferta era considerável devido à possibilidade de expansão relativamente fácil e corrente nas zonas locais (n.o 77), e que o número médio de fornecedores por zona tinha passado de 46 em 2008 para 124 em 2017 (n.o 80).

    289

    Quanto ao gás, a Comissão constatou, no n.o 142 da decisão recorrida, que, em média, os consumidores de gás na Alemanha podiam escolher entre cerca de 120 fornecedores na sua zona de rede e que mais de 50 concorrentes estavam presentes em todo o território alemão. No n.o 143 da decisão recorrida, indicou que só uma minoria dos concorrentes tinha declarado que os preços líquidos diferiam de uma região para outra para todos os produtos ou para a maioria deles, que os documentos internos das partes na concentração tinham demonstrado que as partes na concentração vigiavam as atividades dos concorrentes em toda a Alemanha, sem se concentrarem em regiões ou em concorrentes específicos, uma vez que a evolução da concorrência no setor do gás e da eletricidade era vigiada e avaliada da mesma forma pelas partes na concentração, que a substituição do lado da oferta era considerável e que não tinha identificado obstáculos significativos à entrada ou à expansão.

    290

    Assim, a Comissão considerou a natureza e as características da eletricidade, a existência de barreiras à entrada, as preferências dos consumidores, bem como os níveis de preços no território, na aceção do artigo 9.o, n.o 7, do Regulamento n.o 139/2004. À luz destes elementos, a Comissão concluiu que os clientes que beneficiavam de contratos especiais tinham acesso a um grande número de fornecedores de eletricidade com condições semelhantes em toda a Alemanha.

    291

    Com efeito, tendo em conta as respostas à questão n.o 12 do primeiro inquérito de mercado, a Comissão concluiu que cerca de dois terços dos fornecedores propunham geralmente preços nacionais, com preços líquidos idênticos. A recorrente não contesta o número fixado pela Comissão.

    292

    No que diz respeito ao gás, as respostas à pergunta n.o 80 do primeiro inquérito de mercado fundamentaram o entendimento da Comissão de que a maioria dos inquiridos indicou que os preços eram geralmente os mesmos em todo o país, mas que diferiam ocasionalmente de uma região para outra. Embora seja verdade que a própria Comissão não investigou se os preços propostos diferiam em função do código postal, ao consultar o motor de pesquisas Google e os sítios Internet de comparação «Verivox» ou «Check24», não é menos verdade que cabe à Comissão avaliar a suficiência das informações de que dispõe para proceder à sua análise, como resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 192 e 262. O Tribunal considera que a Comissão verificou de forma suficiente, através do primeiro inquérito de mercado, que a maioria dos fornecedores propunha preços comparáveis em todo o território alemão. Por conseguinte, não eram necessárias investigações suplementares a esse respeito nos referidos sítios Internet.

    293

    De qualquer forma, nos n.os 81 e seguintes da decisão recorrida, a Comissão analisou, no essencial, as críticas formuladas pela recorrente, incluindo as relativas ao estudo LBD. A Comissão indicou, nomeadamente, que os preços relativamente altos que os fornecedores locais de base de eletricidade ou de gás podiam pedir pelos contratos especiais (n.os 83 e 144) eram devidos em benefício do operador histórico (n.o 85). Além disso, a Comissão identificou, no n.o 84 da decisão recorrida, um defeito metodológico, a saber, que o estudo LBD tinha tratado diferentes filiais das partes na concentração como entidades independentes, o que poderia ter tido um efeito importante sobre os resultados, se, por exemplo, as margens ou as estratégias de preços fossem analisadas numa região em que uma sociedade do grupo fosse o fornecedor de base, e que só as margens ou os preços dessa entidade nessa região eram tidos em conta, e não os das outras sociedades do grupo.

    294

    Em face do exposto, a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação no que respeita ao alcance geográfico das condições tarifárias da eletricidade e do gás.

    295

    Mesmo admitindo que uma análise como a proposta pela recorrente levaria à conclusão de que os fornecedores propõem tarifas e condições diferentes em função do código postal, isso apenas constitui um dos fatores relacionados com a oferta, na aceção do n.o 30 da comunicação relativa à definição do mercado. Com efeito, outros fatores relevantes, como as barreiras à entrada, são igualmente relevantes. A este respeito, cada fornecedor de eletricidade tem a possibilidade de abastecer qualquer agregado familiar ou pequeno cliente comercial em todo o território nacional. A recorrente não contesta a consideração da Comissão de que os fornecedores, incluindo as pequenas empresas municipais, tentavam regularmente desenvolver‑se e estimular a concorrência fora da sua zona, nem que, ao longo dos dois ou três últimos anos antes da adoção da decisão recorrida, dois novos atores entraram numa zona correspondente a um dado código postal em média e ganharam rapidamente quotas não negligenciáveis do mercado (n.o 79). No caso do gás, a concorrência atual e a ameaça de entrada afetam os operadores históricos locais (n.o 145). Por conseguinte, é razoável considerar que, perante margens supraconcorrenciais nas zonas correspondentes a determinados códigos postais, outros fornecedores concorrem entre si para satisfazer a procura. Nestas condições, a existência de tarifas locais não basta, por si só, para justificar o alcance local da definição do mercado geográfico.

    296

    Além disso, a recorrente nega a relevância do número e do raio de ação dos fornecedores para a definição geográfica do mercado. No entanto, o número desses fornecedores de eletricidade que propõem uma oferta em todo o território nacional ou em zonas mais amplas do que as suas zonas regionais constitui um fator relacionado com a oferta, na aceção do n.o 30 da comunicação relativa à definição do mercado. Com efeito, em conformidade com este, a Comissão pode, eventualmente, verificar se as sociedades implantadas em zonas distintas se deparam com entraves se pretenderem desenvolver as suas vendas em condições concorrenciais em todo o mercado geográfico. O número e o raio de ação dos fornecedores constituem um indício desse tipo de entraves.

    297

    Por outro lado, quanto ao argumento de que o mercado geográfico é local pelo facto de os clientes se fixarem tecnicamente num local concreto, basta observar que, como alega a Comissão, este argumento é inoperante, uma vez que o fator relevante é o de saber se os consumidores podem ser abastecidos por fornecedores instalados noutros locais, e não se os consumidores podem deslocar‑se para serem abastecidos por outros fornecedores.

    298

    Quanto ao argumento da recorrente de que as estruturas tarifárias têm caráter local e os fornecedores adaptam a sua estratégia de distribuição em função de fatores regionais, a recorrente baseia‑se em parte nos estudos BET e Innoplexia, cujo valor probatório é, todavia, limitado, pelas razões acima detalhadas nos n.os 202 a 210. De qualquer forma, resulta do n.o 81 da decisão recorrida que a Comissão examinou essas alegações mas mantendo o seu ponto de vista de que o mercado geográfico era de dimensão nacional. Mesmo admitindo que os fornecedores tenham uma perspetiva local nas suas propostas, isso mais não é do que uma indicação de um eventual mercado local compatível com a conclusão da Comissão de que existem elementos locais no mercado nacional. Com efeito, não é necessário que todos os parâmetros de concorrência sejam idênticos em todo o território de um Estado‑Membro para se considerar que existe um mercado nacional.

    299

    Por outro lado, resulta do n.o 81 da decisão recorrida que a Comissão teve em conta as tarifações locais propostas pelas partes na concentração e verificadas pelo estudo LBD.

    300

    Do mesmo modo, a Comissão levou a cabo o seu próprio inquérito e trabalhou na hipótese de uma política de preços local dos fornecedores. Assim, examinou se existia uma relação entre a margem de um fornecedor e a sua quota no fornecimento ao grupo de consumidores que não têm um contrato especial com o fornecedor de base. A esse respeito, trata‑se de um ponto de partida razoável, uma vez que se pode esperar que uma empresa que dispõe de um certo poder de mercado num determinado domínio disponha de uma certa margem de manobra para aumentar os preços e as margens de lucro. Esta análise da Comissão revelou, nomeadamente, que não existia, a nível local, correlação entre margens e quotas de mercado no que respeita aos contratos especiais (n.os 88 e 89 para a eletricidade e 145 para o gás). A Comissão concluiu que a ausência de uma ligação sistemática entre as margens e as quotas de mercado no que respeita aos clientes que estavam em vias ou pretendiam mudar de fornecedor levava a crer que a concorrência atual e a ameaça de entrada exerciam pressão sobre os operadores históricos locais, pelo menos no que diz respeito a esse grupo de clientes, o que indicava a existência de um mercado nacional.

    301

    Nestas condições, não cometeu erro manifesto de apreciação a Comissão ao não confirmar o ponto de vista dos concorrentes de que o fornecimento retalhista de eletricidade e de gás era de alcance local.

    302

    Terceiro, quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão não seguiu a sua prática decisória habitual, decorre dos precedentes referidos na decisão recorrida que a prática estabelecida pela Comissão não pode confirmar as definições de mercados geográficos propostas pela recorrente. Com efeito, nas suas decisões anteriores, a Comissão deixou em aberto a questão da definição do mercado geográfico do fornecimento retalhista de eletricidade e a Comissão considera que a definição nacional, regional ou local do mercado do gás é casuística.

    303

    Quanto à eletricidade, a Comissão indicou, no n.o 63 da decisão recorrida, que tinha definido geralmente os mercados geográficos do fornecimento retalhista de eletricidade aos clientes finais como de dimensão nacional. Ora, na sua Decisão C (2009) 5111, de 22 de junho de 2009, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo COMP/M.5496 — Vattenfall/Nuon Energy), a Comissão teve também em consideração a possibilidade de uma definição mais restrita do mercado geográfico ao nível da rede de distribuição para o fornecimento retalhista de eletricidade a pequenos clientes na Alemanha, embora tenha acabado por deixar a questão da definição do mercado em aberto neste caso. A Comissão assinalou, porém, nos n.os 64 e 65 da decisão recorrida, que, desde 2009, o mercado retalhista do abastecimento de eletricidade na Alemanha tinha evoluído consideravelmente e que o alcance geográfico da concorrência se tinha alargado, o que já se refletia na sua Decisão C(2015) 9088 final, de 8 de dezembro de 2015, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo M.7778 — Vattenfall/ENGIE/GASAG), em que examinou as quotas de mercado nacionais para o abastecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares em geral e aos clientes unicamente com contrato especial, ao passo que se deixava em aberto a questão da definição do mercado geográfico.

    304

    Quanto ao gás, a Comissão indicou, no n.o 134 da decisão recorrida, citando a sua Decisão C(2015) 9088 final, de 8 de dezembro de 2015, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo M.7778 — Vattenfall/ENGIE/GASAG), a sua Decisão C(2011) 2638 final, de 11 de abril de 2011, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo COMP/M.6068 — ENI/ACEGASAPS/JV), e a sua Decisão C(2006) 5418 final, de 14 de novembro de 2006, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo COMP/M.4180 — Gaz de France/Suez), que, em decisões anteriores, tinha considerado que o mercado retalhista do abastecimento de gás podia ter alcance nacional, regional ou local, limitado à zona da rede de distribuição, em função das características do mercado.

    305

    É verdade que a recorrente faz um paralelo com o mercado do comércio alimentar a retalho, que a Comissão definiu como local, apesar da presença de numerosos fornecedores nacionais. Basta observar, porém, que a recorrente não apresenta razão suscetível de justificar que a Comissão seja obrigada a ter em conta a prática decisória desenvolvida noutros domínios. Também não explica em que medida o paralelo que tenta estabelecer é relevante. De qualquer forma, a prática decisória neste domínio é irrelevante, uma vez que, nos mercados da eletricidade e do gás, os clientes não podem mudar de local de abastecimento, podendo apenas celebrar contratos com fornecedores estabelecidos noutras zonas do território nacional, o que não é o caso no comércio alimentar a retalho, em que a Comissão considerou, por um lado, que as empresas deviam realizar determinados investimentos para terem atividade em zonas de clientela em que ainda não estivessem presentes e, por outro, que o cliente não estava geralmente disposto a percorrer longas distâncias para efetuar compras alimentares.

    306

    Além disso, quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão ignorou que, na sua prática decisória, as diferenças de preços regionais tendiam a demonstrar a existência de mercados mais pequenos do que os mercados nacionais, a recorrente refere determinados processos sem indicar, no entanto, como permitem concluir pela existência de uma prática assente ou em que medida as conclusões desses processos são aplicáveis ao presente processo. De qualquer forma, a Comissão concluiu, sem cometer erro manifesto de apreciação, que a maioria dos fornecedores aplicavam os seus preços a nível nacional, como acima resulta do n.o 291.

    307

    Por conseguinte, daqui decorre que a Comissão não derrogou a sua prática decisória anterior e que teve em conta as suas apreciações passadas enquanto elemento relevante de análise.

    308

    De qualquer forma, o Tribunal recorda que a Comissão não está vinculada pelas apreciações relativas aos mercados relevantes realizadas nas suas decisões anteriores, como resulta da jurisprudência acima referida no n.o 277.

    309

    Foi, portanto, sem cometer erro manifesto de apreciação que a Comissão considerou, nos n.os 91 e 147 da decisão recorrida, que, para efeitos da decisão recorrida, o fornecimento a retalho de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito do fornecimento de base tinha uma dimensão local, limitada à zona de fornecimento de base em causa, e que o fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais tinha dimensão nacional com elementos locais.

    310

    Resulta do exposto que há que julgar improcedente a primeira acusação, relativa à definição errada dos mercados de fornecimento retalhista de eletricidade e de gás.

    b)   Quanto à segunda acusação, relativa à definição incompleta dos mercados de distribuição de eletricidade e de gás

    311

    A recorrente alega, em substância, que a Comissão considera erradamente que só estão em causa os mercados de exploração das redes de transporte e das redes de distribuição de eletricidade e de gás. A esse respeito, afirma que a Comissão não analisou, por um lado, o domínio da aquisição de equipamentos de rede e de prestações de construção, bem como o domínio dos serviços de tecnologia da informação, que são afetados pela concentração do lado da procura, e, por outro, o domínio da prestação de serviços a outras ORD, que é afetado pelo lado da oferta. Por este motivo, a análise subsequente das consequências da concentração está incompleta.

    312

    A Comissão, apoiada pela E.ON, contesta os argumentos da recorrente.

    313

    Refira‑se que, quando se acusa a Comissão de não ter tomado em conta um eventual problema concorrencial em mercados diferentes daqueles sobre os quais incidiu a análise concorrencial, cabe ao recorrente apresentar indícios sérios que demonstrem de forma tangível a existência de um problema concorrencial que, pelo seu impacto, devesse ter sido examinado pela Comissão. Para responder a essa exigência, cabe ao recorrente identificar os mercados relevantes, descrever a situação concorrencial que existiria sem a concentração e indicar quais seriam os efeitos prováveis de uma concentração atenta a situação concorrencial nesses mercados (v. Acórdão de 20 de outubro de 2021, Polskie Linie Lotnicze LOT/Comissão, T‑240/18, EU:T:2021:723, n.o 44 e jurisprudência referida).

    314

    Ora, não se pode deixar de observar que a recorrente se limita a apresentar afirmações não fundamentadas e não apresentou proposta séria de definição dos mercados relevantes alegadamente afetados, pelo que há que rejeitar a presente acusação.

    c)   Quanto à terceira acusação, relativa à definição errada dos mercados dos serviços de contagem e da eletromobilidade

    315

    A recorrente alega, em substância, que a Comissão procedeu a uma definição errada dos mercados dos serviços de contagem e de eletromobilidade devido a erros cometidos no seu estudo do mercado. A Comissão negligenciou, nomeadamente, fatores determinantes, como as economias de escala acrescidas, o poder financeiro, o acesso aos dados e as redes de cooperação.

    316

    Em primeiro lugar, quanto ao mercado dos serviços de contagem, a recorrente sustenta, em substância, que a Comissão procedeu erradamente a uma distinção entre os nGPC, isto é, recapitulando, os gestores de pontos de contagem geralmente responsáveis, e os cGPC, isto é, recapitulando, os gestores de pontos de contagem concorrenciais. Isto explica‑se pelo facto de, do ponto de vista do consumidor, o facto de as prestações de contagem serem realizadas por um nGPC ou por um cGPC não ter nenhuma importância. Por conseguinte, só existe um mercado dos serviços de contagem.

    317

    Em segundo lugar, a recorrente afirma que a Comissão não analisou suficientemente a delimitação geográfica do mercado da instalação e da exploração de postos de carregamento públicos de veículos elétricos, dado que, em regra, a distância diária percorrida por um veículo elétrico é apenas de 30 km e que só pouco mais de 1 % dos trajetos excede 100 km. Acusa ainda a Comissão de não ter analisado suficientemente a delimitação da exploração dos postos de carregamento fora das autoestradas.

    318

    Em terceiro lugar, devido às suas atividades no mercado dos serviços de contagem, as partes na concentração estão em condições de recolher numerosos dados, permitindo‑lhes adquirir vantagens no mercado das soluções clientes baseadas na exploração de dados. Ora, a Comissão não definiu este último mercado.

    319

    A Comissão, apoiada pela E.ON, contesta os argumentos da recorrente.

    1) Quanto aos mercados dos serviços de contagem

    320

    Como acima recordado no n.o 32, os serviços de contagem consistem em medir o consumo de eletricidade, de gás, de água ou de calor para efeitos de faturação, transparência e otimização do consumo.

    321

    A Comissão indicou, nos n.os 151 a 153 da decisão recorrida, que, na Alemanha, até à liberalização de 2005, a exploração dos pontos de contagem era da responsabilidade do ORD. A Messstellenbetriebsgesetz (Lei da Gestão de Pontos de Medição), de 1 de setembro de 2016 (BGBl. I, p. 2034), introduziu a dissociação entre a exploração da rede e dos pontos de contagem, criou os papéis de nGPC e de cGPC e introduziu:

    primeiro, a obrigação de exclusivamente os nGPC substituírem todos os contadores de eletricidade na Alemanha por contadores modernos até 2032;

    segundo, a obrigação de os nGPC implantarem sistemas de medição inteligentes com diferentes limites de preços em função dos tipos de consumidores e dos níveis de consumo, mas com caráter facultativo para os pequenos clientes; a mesma obrigação é aplicável aos cGPC, mas sem os limites máximos;

    terceiro, a obrigação geral de substituir os contadores existentes por contadores de gás compatíveis com um dispositivo de comunicação altamente seguro, a ponte para contadores inteligentes, que permitirá a comunicação dos dados medidos aos participantes no mercado autorizados.

    322

    Nestas condições, a Comissão considerou, no n.o 169 da decisão recorrida, que havia que fazer uma distinção entre os serviços de contagem da eletricidade e do gás fornecidos pelos nGPC e os serviços de contagem da eletricidade e do gás fornecidos pelos cGPC, por razões semelhantes às que justificavam a distinção entre os contratos de base e os contratos especiais, a saber, antes de mais, o facto de a concorrência ter lugar principalmente no mercado dos cGPC, em seguida, o facto de os quadros regulamentares dos nGPC e dos cGPC divergirem, nomeadamente no que respeita à limitação dos preços e às obrigações de instalação de contadores modernos e inteligentes, e, por último, o facto de a entrada no mercado nacional de agentes externos no setor da eletricidade como a Deutsche Telekom ou a Deutsche Bahn se produzir no mercado dos cGPC. No entanto, a Comissão acabou por decidir que a questão de saber se os mercados dos serviços de contagem da eletricidade e do gás devem ser subdivididos separando os nGPC e os cGPC podia, in fine, permanecer em aberto, uma vez que a concentração não suscitava problemas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, independentemente da definição plausível do mercado.

    323

    A esse respeito, há que lembrar a jurisprudência no sentido de que a Comissão pode deixar em aberto a questão da definição do mercado do produto em causa, uma vez que resulta de forma clara e inequívoca dos fundamentos explicitados pela Comissão na decisão recorrida que nenhuma das definições do mercado permite concluir pela existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva na sequência da concentração (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2017, KPN/Comissão, T‑394/15, não publicado, EU:T:2017:756, n.o 60).

    324

    Assim, resulta do exposto que deve ser rejeitado o argumento da recorrente de que a Comissão definiu erradamente o mercado de produtos separando os nGPC e os cGPC, uma vez que a Comissão não se pronunciou expressamente a favor de tal definição mais restrita, embora tenha sugerido que tal distinção poderia ser adequada.

    2) Quanto aos mercados da instalação e da exploração de postos de carregamento públicos para veículos elétricos

    325

    Primeiro, no que respeita à definição geográfica do mercado da instalação e da exploração dos postos públicos de carregamento rápido nas autoestradas, por um lado, e do mercado da instalação e exploração de postos públicos de carregamento ultrarrápido nas autoestradas, por outro, a Comissão considerou, no n.o 197 da decisão recorrida, que uma distância de 50 km era um bom indicador para identificar as estações que podiam exercer uma pressão concorrencial importante entre si. No entanto, nos n.os 200 e 218 da decisão recorrida, acabou por deixar em aberto a questão da definição do mercado geográfico (entre local ou nacional com elementos de concorrência locais), dado que identificou entraves significativos à concorrência efetiva qualquer que fosse a definição do mercado adotada.

    326

    A este respeito, a Comissão declarou, nos n.os 367 e 370 da decisão recorrida, que, conjuntamente, a E.ON e a innogy tinham celebrado contratos para a instalação e exploração de postos públicos de carregamento públicas rápido e ultrarrápido em mais de 60 a 70 % das estações de serviço das áreas de autoestrada da empresa Autobahn Tank & Rast, que explorava mais de 90 % das estações de serviço nas autoestradas na Alemanha.

    327

    Nestas condições, a Comissão declarou, nos n.os 379 e 380 da decisão recorrida, que, quando os postos de carregamento públicos da E.ON e da innogy se encontravam a uma distância de 50 km e não houvesse, entre elas, postos de carregamento públicos de outro concorrente, a E.ON e a innogy faziam a concorrência mais direta.

    328

    Assim, independentemente da definição geográfica, local ou nacional com elementos de concorrência locais do mercado, a Comissão identificou uma distância de 50 km como um elemento relevante para a análise da existência de efeitos anticoncorrenciais.

    329

    Do mesmo modo, não se pode deixar de observar que, embora a Comissão possa deixar a questão da definição de um mercado relevante em aberto se nenhuma das definições do mercado permitir concluir pela existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva na sequência da concentração, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 323, pode também deixar em aberto a questão da definição de um mercado relevante se constatar que existem efeitos anticoncorrenciais independentemente da definição adotada, desde que, na sequência das alterações introduzidas pelas empresas em causa, a concentração deixe de ser suscetível de entravar significativamente uma concorrência efetiva, independentemente da definição do mercado relevante.

    330

    Assim, o facto de a Comissão adotar uma definição aberta do mercado nessas condições implicava que analisasse se a eliminação das sobreposições entre as partes na concentração numa distância de 50 km eliminava os efeitos anticoncorrenciais, independentemente da delimitação geográfica do mercado.

    331

    A este respeito, a recorrente considera que a distância que a Comissão deveria ter tido em conta era 30 km e não 50 km. Ora, a recorrente não explica como, mesmo supondo que os elementos de facto que apresenta fossem corretos, a saber, que a distância diária percorrida por um veículo elétrico fosse de 30 km e que apenas pouco mais de 1 % dos trajetos ultrapassasse 100 km, estes seriam suscetíveis de pôr em causa a distância de 50 km tida em conta pela Comissão no que respeita à instalação e exploração de postos de carregamento elétricos nas autoestradas, ou de sustentar erro manifesto de apreciação.

    332

    Assim, não está demonstrado que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao deixar em aberto a questão da definição geográfica do mercado da instalação e da exploração de postos públicos de carregamento rápido nas autoestradas e do mercado da instalação e exploração de postos públicos de carregamento ultrarrápidos nas autoestradas.

    333

    Em segundo lugar, no que respeita ao mercado da instalação e da exploração dos postos de carregamento situados fora da autoestrada, a Comissão, no n.o 203 da decisão recorrida, deixou em aberto a questão da definição geográfica do mercado, dado que a concentração não colocava problemas qualquer que fosse a definição plausível do mercado, devido, como resulta dos n.os 381 a 387 da decisão recorrida, ao facto de as partes na concentração explorarem muito poucos postos de carregamento ultrarrápidos e de haver um grande número de concorrentes no mercado e vários outros grandes concorrentes com planos de expansão.

    334

    Assim, a Comissão indicou expressamente que nenhuma das definições do mercado permitia concluir pela existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva na sequência da concentração. À luz da jurisprudência acima referida no n.o 323, há que concluir que a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação ao deixar em aberto a questão da definição do mercado no que respeita aos postos de carregamento situados fora das autoestradas.

    3) Quanto ao mercado das soluções clientes baseadas na exploração de dados

    335

    Quanto à alegada falta de definição do mercado das soluções clientes baseadas na exploração de dados, o Tribunal constata que é certo que a Comissão não procedeu a essa definição, apesar de ter analisado os possíveis efeitos anticoncorrenciais da concentração na secção 7.4 da decisão recorrida, relativa às «Outras teorias do prejuízo».

    336

    Todavia, à luz da jurisprudência acima recordada no n.o 313, há que rejeitar esta acusação, uma vez que a recorrente não explica em que medida existia nesse mercado um problema de concorrência que devesse, em razão do seu impacto, ter sido examinado pela Comissão. Com efeito, a recorrente limita‑se a indicar que a Comissão analisou os possíveis efeitos anticoncorrenciais da concentração sem, no entanto, explicar de que modo essa análise a obrigava a proceder a uma definição desse mercado.

    337

    À luz do exposto, improcede a terceira acusação, relativa à definição errada dos mercados dos serviços de contagem e de eletromobilidade.

    d)   Conclusão quanto à segunda parte do quinto fundamento

    338

    Em face do exposto, há que concluir que a Comissão teve efetivamente em conta todos os elementos relevantes à sua disposição e que identificou e definiu os mercados relevantes no caso presente sem cometer erro manifesto de apreciação.

    339

    Improcedente, portanto, a segunda parte do quinto fundamento, relativa a uma definição errada dos mercados relevantes.

    5.   Quanto à terceira parte do quinto fundamento, relativa a uma apreciação errada dos efeitos da concentração

    a)   Quanto à primeira acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos nos mercados de fornecimento retalhista de eletricidade e de gás

    340

    A recorrente sustenta que a Comissão examinou de forma insuficiente os efeitos da concentração nos mercados de fornecimento retalhista da eletricidade e do gás e que também fez manifestamente uma apreciação errada dos mesmos.

    341

    Em primeiro lugar, a Comissão não apreciou corretamente a situação concorrencial no domínio do abastecimento de base. A esse respeito, a Comissão limitou‑se a examinar em que zonas de abastecimento de base as partes na concentração podiam substituir‑se mutuamente enquanto fornecedores de base, o que constitui uma análise incompleta.

    342

    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a Comissão não investigou o impacto exercido pelo agrupamento das carteiras de clientes das partes na concentração nas suas zonas de abastecimento de base em relação aos outros fornecedores, especialmente no contexto da capacidade crescente da E.ON para expulsar concorrentes.

    343

    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não apreciou suficientemente os efeitos do desaparecimento da concorrência entre a E.ON e a innogy.

    344

    Em quarto lugar, a recorrente alega que a Comissão não teve suficientemente em conta o poder crescente da E.ON em termos de finanças que lhe conferiam vantagens concorrenciais.

    345

    A Comissão, apoiada pela E.ON, alega que fez uma apreciação completa, sem cometer erro, dos efeitos da concentração nos mercados de fornecimento retalhista de eletricidade e de gás.

    346

    Em primeiro lugar, há que observar, no que respeita à alegada apreciação errada da situação da concorrência nos mercados do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito do abastecimento de base, que o Tribunal Geral já acima concluiu, nos n.os 278 e 309, que a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação ao declarar, nos n.os 91 e 147 da decisão recorrida, que o fornecimento de base de eletricidade e de gás devia ser considerado um mercado de produtos distinto e de dimensão local, limitado à zona de fornecimento de base em causa.

    347

    A esse respeito, a Comissão indicou igualmente, nos n.os 265 e 331 da decisão recorrida, que, uma vez que uma única empresa era designada fornecedor de base de eletricidade e de gás em cada zona de abastecimento de base que constituísse um mercado distinto, essa empresa estava, de facto, para a eletricidade, e de jure para o gás, em situação de monopólio nessa zona. Por isso, a Comissão concluiu, nos n.os 265 e 331 da decisão recorrida, que a concentração teria efeitos diretos ou indiretos limitados nesses mercados.

    348

    Refira‑se, primeiro, que a recorrente não põe em causa o facto de, devido ao monopólio de jure que afeta as zonas de abastecimento de base, não haver concorrência entre as diferentes zonas de abastecimento de base e, portanto, possíveis efeitos anticoncorrenciais. Ora, a recorrente não explica como pode o facto de as quotas de mercado da E.ON poderem atingir localmente 69 % nas zonas de abastecimento de base constituir, por si só, um entrave significativo à concorrência efetiva no mercado de abastecimento de base ou um indício desse entrave. Com efeito, na sequência da concentração, não foram as quotas de mercado da E.ON num mercado ou numa zona de abastecimento de base que aumentaram, mas sim o número de zonas em que a E.ON desempenha o papel de fornecedor de base. Não cometeu, portanto, erro manifesto de apreciação a Comissão ao concluir que os efeitos diretos da concentração nesses mercados seriam, quando muito, limitados.

    349

    Segundo, quanto à possível redução das possibilidades de os concorrentes se tornarem fornecedores de base no âmbito do controlo trienal, resulta da decisão recorrida que, apesar da inexistência de um risco provável de a concentração ter um efeito material direto nesses mercados, a Comissão dedicou uma grande parte da secção 7.2.2.1 da decisão recorrida a examinar os possíveis efeitos indiretos, a saber, se a concentração podia reforçar a capacidade da E.ON para conservar o estatuto de fornecedor de base em certas zonas locais e, desse modo, podia reduzir os incentivos à fixação dos preços dos contratos especiais de forma concorrencial.

    350

    A esse respeito, a Comissão declarou, no n.o 266 da decisão recorrida, que, com efeito, o estatuto de fornecedor de base era determinado de três em três anos pelo ORD competente e era atribuído ao fornecedor de eletricidade que tivesse o maior número de clientes residenciais na região, incluindo os clientes ao abrigo de contratos de fornecimento de base e os clientes ao abrigo de um contrato especial, incluindo no que respeita à eletricidade utilizada para aquecimento. Assim, tal como indicou a Comissão no mesmo número da decisão recorrida, a determinação do abastecimento de base depende do número de clientes residenciais sob contrato especial e as estratégias de preços nos contratos especiais podem ter efeitos no mercado do abastecimento de base.

    351

    No entanto, embora, em teoria, as partes na concentração possam combinar a sua clientela de agregados familiares e de pequenos clientes comerciais devido à concentração para aumentarem as suas possibilidades de conservar o papel de fornecedor de base ou de o obter, há que observar que, como a Comissão indicou no n.o 268 da decisão recorrida, só os clientes detidos por uma entidade jurídica são contabilizados para efeitos da determinação do abastecimento de base, por oposição à combinação dos clientes de todas as entidades detidas pela mesma sociedade‑mãe. A Comissão considerou, a esse respeito, que, se a estratégia de esvaziar certas entidades jurídicas para reforçar a clientela de outra entidade do grupo ou de agrupar os clientes sob uma única entidade jurídica fosse rentável, as partes já teriam muito provavelmente tentado aplicá‑la antes da concentração, o que não observou.

    352

    A esse respeito, a recorrente limita‑se a invocar esta possível teoria do dano sem, no entanto, apresentar provas que sustentem que, com efeito, essa estratégia já era executada pelas partes na concentração, devido ao número de marcas e de filiais que controlavam antes da concentração. Ora, há que observar que, se as partes na concentração tivessem um incentivo real para tentar proteger as suas zonas de base ou aceder a novas zonas, já teriam provavelmente agrupado marcas ou entidades, uma vez que é facto assente que as partes na concentração já possuíam um grande número de marcas e de filiais antes da concentração. A recorrente também não indica as razões pelas quais o risco de levar a cabo essa estratégia seria aumentado na sequência da concentração. Dada a falta de indícios da realidade dessa teoria do prejuízo, há que concluir que a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao declarar que o risco desse efeito indireto era limitado.

    353

    De qualquer modo, a Comissão constatou, no n.o 269 da decisão recorrida, que as partes na concentração raramente eram as concorrentes mais próximas entre si e que, na maioria dos casos, eram as empresas municipais o segundo maior fornecedor dos agregados familiares, e, no n.o 270 da decisão recorrida, que, segundo os documentos internos da E.ON, essa empresa só tinha considerado a innogy o segundo fornecedor de uma zona uma única vez. A Comissão observou igualmente, no n.o 271 da decisão recorrida, que, nas zonas em que uma das partes na concentração era o fornecedor de base, a outra tinha geralmente uma pequena parte da clientela, a saber, 5 % ou menos. Daí resulta, portanto, que, embora a estratégia fosse teoricamente possível, a Comissão fez prova bastante de que as partes na concentração não estariam em condições de dela beneficiar materialmente, tendo em conta a sobreposição regional limitada dos seus clientes.

    354

    Terceiro, a recorrente considera que a Comissão não analisou os efeitos ligados, por um lado, à inércia dos clientes para mudar de fornecedor de base local e, por outro, ao facto de o fornecedor de base abastecer a maior parte dos clientes que beneficiam de contratos especiais na sua zona. A este respeito, há que declarar que a recorrente se limita, mais uma vez, a sublinhar a falta de investigação da Comissão, mas não explica qual a conclusão que a Comissão deveria ter extraído sobre os efeitos nas zonas de base. O Tribunal considera que esses elementos são irrelevantes, visto que as circunstâncias relativas aos clientes que beneficiam de contratos especiais ganhos em razão do estatuto de fornecedor de base ou à inércia dos clientes de base da innogy ou da E.ON não mudam devido à concentração. Isso exclui um efeito direto, uma vez que, como foi acima explicado no n.o 348, não existe concorrência direta entre as diferentes zonas de fornecimento de base. Quanto aos efeitos indiretos, a recorrente não explica em que medida estes fatores poderiam ter como impacto o reforço da capacidade da E.ON para conservar ou ganhar o estatuto de fornecedor de base em certas zonas.

    355

    A Comissão podia, portanto, considerar, sem cometer erro manifesto de apreciação, que a concentração não entravaria significativamente a concorrência efetiva no mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito do abastecimento de base na Alemanha.

    356

    Em segundo lugar, no que respeita ao impacto exercido pelo agrupamento das carteiras de clientes das partes na concentração no mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais, importa recordar que, no âmbito da sua apreciação dos efeitos anticoncorrenciais de uma operação de concentração, a Comissão compara as condições de concorrência tal como resultariam da operação notificada com as que existiriam no mercado se não houvesse concentração (Acórdão de 23 de maio de 2019, KPN/Comissão, T‑370/17, EU:T:2019:354, n.o 115).

    357

    Refira‑se que a existência de quotas de mercado de grande dimensão é altamente significativa e que a relação entre as quotas de mercado detidas pelas partes na concentração e pelos seus concorrentes, especialmente os que imediatamente os seguem, constitui um indício válido da existência de uma posição dominante ou de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Além disso, uma quota de mercado particularmente reduzida detida por uma das partes na concentração tende a sugerir, prima facie, a inexistência de entraves significativos a uma concorrência efetiva, sobretudo quando os outros operadores dispõem de quotas de mercado muito maiores (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 201).

    358

    Resulta do ponto 17 das Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5, a seguir «orientações»), por um lado, que só uma quota de mercado particularmente alta de 50 % ou mais pode, por si só, constituir a prova da existência de uma posição dominante no mercado e, por outro, que, embora com uma quota de mercado inferior a 50 % a operação de concentração possa, ainda assim, suscitar problemas de concorrência, é por outros fatores, nomeadamente como o poder dos concorrentes e o seu número (Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 59).

    359

    Além disso, segundo o considerando 32 do Regulamento n.o 139/2004 e o ponto 18 das Orientações, pode‑se presumir que as concentrações que, devido à limitada quota de mercado das empresas em causa, não são suscetíveis de entravar a concorrência efetiva são compatíveis com o mercado interno. Essa presunção aplica‑se, nomeadamente, quando a quota de mercado das empresas em causa não ultrapassa 25 %, nem no mercado comum nem numa parte substancial deste.

    360

    É, portanto, à luz destas considerações que há que determinar se, no caso presente, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação qualificando erradamente os efeitos no mercado do fornecimento retalhista de eletricidade às famílias e aos pequenos clientes comerciais no âmbito dos contratos especiais através do agrupamento das carteiras de clientes das partes na concentração.

    361

    Primeiro, no caso presente, resulta dos n.os 274 e 333 da decisão recorrida que as quotas de mercado da E.ON nos mercados do fornecimento aos agregados familiares e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais na Alemanha atingem entre 5 % e 10 %, a saber, [confidencial] ( 2 ) na eletricidade e entre 5 % e 10 %, ou seja, menos de [confidencial] no gás. As quotas de mercado da innogy situam‑se entre 10 % e 20 %, a saber, [confidencial] na eletricidade, e entre 5 % e 10 %, ou seja, menos de [confidencial] no gás.

    362

    A esse respeito, no Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão (T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 61), o Tribunal Geral concluiu que a Comissão não tinha violado as orientações ao considerar que a quota de mercado comum às partes na concentração era «moderada» ao ter em conta uma quota de mercado comum às partes na concentração tanto de 35,1 como de 35,5 %.

    363

    Assim, as quotas de mercado cumuladas das partes na concentração, que são entre 15 % e 30 %, a saber, [confidencial] na eletricidade, e entre 10 % e 20 %, ou seja, menos de [confidencial] no gás, constituem, no mínimo, uma forte indicação de que a concentração não é suscetível de entravar uma concorrência efetiva nos mercados do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito dos contratos especiais na Alemanha.

    364

    Segundo, a Comissão teve em conta outros fatores. Constatou, nomeadamente, que existia um grande número de concorrentes, que as partes na concentração não eram concorrentes próximos, e que as barreiras à entrada no mercado eram relativamente fracas e a pressão concorrencial considerável.

    365

    Antes de mais, resulta do n.o 275 da decisão recorrida e da página 253 do documento da Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas referido na nota de rodapé n.o 281 da decisão recorrida que, segundo a análise dos dados fornecidos por 808 ORD relativos ao número de fornecedores, em mais de 89 % das zonas de rede, estavam ativos mais de 50 fornecedores e, em 71 % das zonas de rede, estavam ativos mais de 100 fornecedores em 2017, de modo que, em média, cada cliente podia escolher entre mais de 120 fornecedores na Alemanha em 2017. Além disso, mais de 1000 fornecedores de eletricidade operam na Alemanha, incluindo a EnBW e a Vattenfall, que têm entre 5 e 10 % cada uma das quotas de mercado, e a EWE, a Mainova e a Stadtwerke München, cada uma delas com menos de 5 %. A Comissão constatou igualmente, nos n.os 334 e 335 da decisão recorrida, que, em média, os consumidores de gás na Alemanha podiam escolher entre cerca de 116 fornecedores na sua zona de rede, que o número médio de fornecedores por zona tinha cessado de aumentar nos últimos anos e que os fornecedores vinham por vezes de fora do setor, como era nomeadamente o caso da Shell. Além disso, mais de 1000 fornecedores de gás operam na Alemanha, incluindo a EnBW, que acumula uma quota de mercado entre 5 e 10 %, e a EWE, a Mainova, a Enercity e a RheinEnergie, que possuem menos de 5 % de quota de mercado cada uma. Do mesmo modo, os mercados do fornecimento de eletricidade e de gás são geralmente considerados competitivos pela Autoridade Federal dos Acordos, Decisões e Práticas Concertadas, como resulta dos n.os 276 e 336 da decisão recorrida.

    366

    Em seguida, a Comissão considerou, nos n.os 277 e 337 da decisão recorrida, que as partes na concentração não eram concorrentes particularmente próximos para o fornecimento retalhista de eletricidade e de gás no âmbito dos contratos especiais. Com efeito, a Comissão referiu que os clientes que se afastavam da E.ON ou da innogy nas respetivas zonas de implantação raramente se voltavam para, respetivamente, a innogy ou a E.ON. No máximo, 20 % dos clientes escolhiam a outra parte na concentração. Além disso, a Comissão observou que nada nos documentos internos das partes na concentração indicava que estas se vigiavam mutuamente mais estreitamente do que os outros fornecedores. Acresce que a Comissão observou que a E.ON e a innogy não prestavam especial atenção à outra parte nas suas decisões em matéria de fixação de preços. Por último, a Comissão referiu que a maioria dos concorrentes que responderam ao primeiro inquérito de mercado tinham indicado que tinham podido atrair clientes das partes na concentração. Do mesmo modo, resulta do n.o 278 da decisão recorrida que, no domínio da eletricidade, a maioria dos inquiridos indicou que não existia segmento de clientela em que a E.ON e a innogy estivessem em concorrência particularmente estreita e relativamente ao qual existissem poucas alternativas às partes na concentração. A maioria dos inquiridos em concorrência com as partes na concentração indicou que estavam em condições de atrair clientes de toda a clientela das referidas partes.

    367

    Além disso, a Comissão concluiu, nos n.os 279 e 338 da decisão recorrida, que os obstáculos à entrada e à expansão no mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás eram relativamente baixos.

    368

    Por último, a Comissão analisou, a título subsidiário, os efeitos da concentração nos hipotéticos mercados locais do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais, nos n.os 281 a 290 para a eletricidade e nos n.os 339 a 350 da decisão recorrida para o gás. Esta análise responde às preocupações suscitadas pelas empresas municipais. Ora, dado que, por outro lado, a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação na definição do mercado relevante, como acima resulta dos n.os 294, 301 e 310, a Comissão não tinha que proceder a essa análise, que é, portanto, efetuada por acréscimo.

    369

    Terceiro, a recorrente invoca o facto de a E.ON e a RWE deterem participações minoritárias em empresas com atividade no setor da energia e acusa a Comissão de não as ter tomado em consideração. Por um lado, não se pode deixar de observar que a concentração M.8870 sujeita à fiscalização do Tribunal Geral no âmbito do presente recurso diz respeito à aquisição da innogy pela E.ON e que, portanto, a RWE não é parte na concentração. Neste sentido, as participações minoritárias detidas pela RWE são irrelevantes para a análise dos efeitos da presente concentração. Por outro lado, a recorrente não explica que incidência poderiam ter essas participações na análise dos entraves à concorrência ligados à concentração. Com efeito, a recorrente limita‑se a mencionar o número de participações da RWE e da E.ON noutras empresas sem explicar se estas têm atividade nos mercados relevantes, que posições ocupam no mercado ou de que modo a sua relação com a RWE e a E.ON poderia entravar a concorrência ou se esses hipotéticos entraves seriam consequências ligadas à concentração.

    370

    Além disso, a Comissão teve em conta, na sua apreciação da concentração, quotas de mercado das empresas em cujo capital a innogy e a E.ON detinham participações. A esse respeito, a Comissão indicou, nas notas de rodapé n.os 280 e 367 da decisão recorrida, respetivamente, para a eletricidade e o gás, que, mesmo que se acrescentasse a totalidade das quotas de mercado das sociedades nas quais as partes na concentração detinham uma participação minoritária, isso aumentaria a quota conjugada das partes em menos de 5 %. A Comissão acrescentou que, uma vez que essa percentagem era limitada e sobrestimava a participação financeira real que as partes detinham nessas sociedades, considerava que as participações minoritárias das partes não alterariam sensivelmente a posição destas últimas após a concentração e, portanto, a sua apreciação relativa a essa concentração.

    371

    Além disso, resulta do ponto 3 do n.o 287 da decisão recorrida que, segundo a análise da Comissão, não há correlação clara entre as margens da E.ON e da innogy sobre as tarifas que visam os consumidores mais ativos e a posição da outra parte na concentração a nível local, o que indica que as partes na concentração não são concorrentes particularmente próximos em certas zonas locais e que a concentração não suprime uma forte pressão concorrencial a nível local.

    372

    Nestas condições, há que concluir que a Comissão analisou suficientemente, ou mesmo de forma exaustiva e extensiva, e sem cometer erro manifesto de apreciação, os efeitos nos mercados do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais.

    373

    Em terceiro lugar, quanto aos efeitos do desaparecimento da concorrência entre a E.ON e a innogy, a recorrente sustenta, no essencial, que, na sequência da concentração, a E.ON poderia dissuadir a sua clientela existente de mudar de fornecedor, recuperar clientes ou desenvolver‑se noutras zonas.

    374

    A este respeito, o Tribunal Geral remete para as considerações feitas nos n.os 364 e seguintes, que demonstram que a Comissão demonstrou, sem cometer erro manifesto de apreciação, que existia uma sã concorrência, que as partes na concentração não eram concorrentes próximos e que as barreiras de entrada e de expansão eram fracas.

    375

    Em quarto lugar, no que respeita ao maior poder financeiro da E.ON na sequência da concentração, a recorrente critica a Comissão, no essencial, por não ter analisado os efeitos de expulsão à luz das possíveis tarifas agressivas que a E.ON poderia praticar e dos esforços publicitários que poderia fazer. A recorrente não precisa, no entanto, quais os mercados visados por essa crítica.

    376

    Há que observar, desde logo, que a Comissão tratou, nos n.os 291 a 299 da decisão recorrida, as preocupações suplementares suscitadas por terceiros quanto ao possível impacto da concentração no fornecimento retalhista de eletricidade na Alemanha.

    377

    Antes de mais, no que respeita ao risco de subvenções cruzadas dos contratos de abastecimento de base para os contratos especiais, resulta do n.o 292 da decisão recorrida que a Comissão analisou se as partes na concentração poderiam utilizar os grandes lucros gerados no mercado do abastecimento de base para subvencionar e apoiar políticas de preços muito agressivas no mercado dos contratos especiais. A esse respeito, a Comissão considerou que essa teoria do prejuízo era pouco provável, pois, se essas estratégias fossem rentáveis, a E.ON e a innogy já as teriam aplicado, dado que possuíam, antes da concentração, duas das maiores carteiras de clientes para o abastecimento de base. Ora, a Comissão não encontrou indícios desse comportamento no seu primeiro inquérito de mercado e constatou que, nos sítios Internet de comparação de preços, certos fornecedores, incluindo «discounters» e empresas municipais, praticavam sistematicamente ou ocasionalmente preços inferiores aos das partes na concentração. Além disso, tendo em conta a entrada contínua e a presença de um grande número de novos concorrentes, a Comissão considerou que essas estratégias não tinham sido executadas e que, mesmo que o tivessem sido, não tinham permitido excluir os concorrentes ou impedir a entrada de terceiros.

    378

    Em seguida, quanto à possível expulsão de terceiros dos espaços publicitários, a Comissão analisou, no n.o 293 da decisão recorrida, se as partes na concentração poderiam ocupar todos os primeiros lugares nas classificações dos sítios Internet de comparação dos preços na sequência da concentração. Constatou que, na sequência da concentração, a E.ON deveria baixar os preços das suas marcas para um nível ótimo para os exibir na primeira página do sítio Internet de comparação dos preços, expulsando assim os concorrentes. Ora, é facto assente que a E.ON já tinha, antes da concentração, numerosas marcas e consideráveis recursos financeiros. Assim, tal estratégia não seria específica da concentração.

    379

    Por último, a Comissão observou que era pouco credível que uma competitividade acrescida por parte das partes na concentração no mercado alemão do fornecimento retalhista de eletricidade causasse prejuízo aos consumidores (n.o 297 da decisão recorrida), nomeadamente pelo facto de o mercado alemão do fornecimento retalhista de eletricidade ter atraído numerosas empresas e estar hoje muito fragmentado, com mais de 1000 fornecedores (n.o 298 da decisão recorrida), o que tornava altamente improvável que uma estratégia predatória pudesse ser rentável. Do mesmo modo, apesar dos consideráveis meios de que as partes na concentração dispunham antes da concentração, os preços mais baixos do mercado eram frequentemente propostos por concorrentes mais pequenos e novos, e não pelas partes na concentração (n.o 299 da decisão recorrida).

    380

    A esse respeito, a única prova relevante apresentada pela recorrente para contestar as conclusões da Comissão é o estudo LBD. Embora a recorrente refira também o estudo Innoplexia, há que recordar que a sua relevância e o seu valor probatório são limitados pelas razões acima detalhadas no n.o 210. Além disso, a recorrente remete para esse anexo sem identificar suficientemente a passagem que entende sustentar as suas afirmações.

    381

    Ora, há que lembrar que não cabe ao Tribunal Geral procurar e identificar nos anexos os fundamentos e argumentos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm função puramente probatória e instrumental (Acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 97, e de 14 de dezembro de 2005, Honeywell/Comissão, T‑209/01, EU:T:2005:455, n.o 57). Esta função meramente probatória e instrumental dos anexos implica que, quando um anexo contenha elementos de direito em que assentam determinados fundamentos articulados na petição, esses elementos devem figurar no próprio texto do articulado ao qual este anexo é junto ou, pelo menos, estar suficientemente identificados nesse articulado (Acórdão de 7 de maio de 2009, NVV e o./Comissão,T‑151/05, EU:T:2009:144, n.o 61). Por conseguinte, não cabe ao Tribunal Geral examinar o estudo Innoplexia para aí encontrar os elementos de suporte das alegações da recorrente.

    382

    Quanto ao estudo LBD, indica, na secção 4.1 (páginas 9 e seguintes), que a E.ON efetuou uma corrida aos preços em fevereiro de 2018. Segundo a recorrente, isto demonstra que a E.ON é capaz de influenciar a estrutura global dos preços no mercado e propõe preços com margens negativas que nenhum fornecedor mais pequeno poderia aplicar. Quanto aos preços praticados pela innogy, são, na maior parte das vezes, mais caros do que o «top 5» e regista as margens mais altas.

    383

    Há que observar que, com efeito, esse estudo revela a realização de margens negativas para a maior parte dos fornecedores no mercado do fornecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares e aos pequenos clientes comerciais no âmbito de contratos especiais. No entanto, por um lado, o estudo não demonstra que, na sequência da concentração, a E.ON terá capacidades acrescidas para propor preços com margens negativas. Por outro lado, a prática de preços com margens negativas pela maior parte dos concorrentes só faz sentido, do ponto de vista económico, numa situação de excesso de capacidade em que é mantida uma guerra de preços para disciplinar o mercado a fim de os concorrentes menos eficazes serem expulsos e, depois, que os preços voltem a subir e permitam restaurar margens positivas para os que permanecerem no mercado. Ora, tais circunstâncias não foram invocadas.

    384

    Além disso, a Comissão identifica uma falha metodológica no estudo LBD por esse estudo repercutir os prémios de celebração dos contratos no primeiro ano de fornecimento e não na duração total do contrato, o que influencia diretamente o nível das margens anunciadas para o primeiro ano de fornecimento. Interrogada na audiência a este respeito, a recorrente não contestou utilmente a crítica da Comissão.

    385

    Assim, a recorrente não provou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação quanto à criação de capacidade ou de incentivos para uma eventual estratégia de preços com margens negativas sustentadas para expulsar os pequenos concorrentes ou para ocupar todos os primeiros lugares nas classificações dos sítios Internet de comparação de preços.

    386

    Nestas condições, há que observar que a Comissão analisou suficientemente os mercados e não cometeu erro manifesto de apreciação ao concluir que a concentração não entravaria significativamente a concorrência efetiva no mercado do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais no âmbito dos contratos especiais na Alemanha.

    387

    Improcede, portanto, a primeira acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos nos mercados do fornecimento retalhista de eletricidade e de gás aos clientes domésticos e aos pequenos clientes comerciais na Alemanha.

    b)   Quanto à segunda acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos nos mercados da distribuição de eletricidade e de gás

    388

    Com a segunda acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos nos mercados da distribuição de eletricidade e de gás, a recorrente alega, em substância, que a Comissão examinou insuficientemente os efeitos das atividades desenvolvidas nesses mercados e fez também manifestamente uma apreciação errada dos mesmos.

    389

    A Comissão, apoiada pela E.ON, alega, no essencial, que estabeleceu e analisou os factos sem cometer erro de apreciação no que respeita aos mercados da distribuição de eletricidade e de gás.

    390

    Em primeiro lugar, a recorrente alega que as partes na concentração têm a possibilidade de exercer influência na elaboração das normas técnicas e regulamentares. Há que analisar, portanto, se a apreciação da Comissão está ferida de erro manifesto de apreciação, primeiro, no que respeita às disposições regulamentares da Agência Federal das Redes e, segundo, no que respeita às regras fixadas por outros organismos e outras associações.

    391

    Primeiro, no que respeita à crítica da recorrente no sentido de que a agência federal de redes deveria passar a centrar as exigências regulamentares prioritariamente, ou mesmo exclusivamente, nas necessidades da E.ON, o Tribunal Geral constata, antes de mais, que a Comissão analisou a influência da concentração na regulação exercida pela Agência Federal de Redes nos n.os 253 e seguintes da decisão recorrida. À luz das afirmações da Agência Federal das Redes, a Comissão concluiu que era pouco provável que a concentração tivesse um impacto significativo na competência dessa agência na regulamentação das tarifas de rede. A esse respeito, a recorrente não apresenta prova da influência que a E.ON poderia exercer e que, além disso, a própria Agência Federal das Redes desmente, nem da forma como essa influência poderia constituir, em si mesma, um indício de um entrave significativo à concorrência efetiva.

    392

    Segundo, no que respeita à influência no interior de importantes organismos e associações que fixam as normas, a Comissão analisou, nos n.os 246 e seguintes da decisão recorrida, a influência que a E.ON poderia exercer sobre os organismos reguladores e as associações de normalização, designadamente no que respeita ao fórum técnico e exploração das redes da Verband der Elektrotechnik Elektronik Informationstechnik e.V. (Associação da Eletrotécnica, da Eletrónica e das Tecnologias da Informação, Alemanha) (a seguir «VDE»). Tendo em conta os contactos telefónicos entre a Comissão e a VDE de 17 de maio e 24 de julho de 2019 (notas de rodapé n.os 257 e 260 da decisão recorrida) e as propostas das partes na concentração de 25 e 29 de julho de 2019 (notas de rodapé n.os 258 e 259 da decisão recorrida), a Comissão considerou, no n.o 252 da decisão recorrida, ser pouco provável que a concentração desse à E.ON a capacidade de influenciar indevidamente o processo decisório da VDE no que respeita à fixação de normas técnicas. Com efeito, como resulta dos n.os 248 e 249 da decisão recorrida, após a concentração, a E.ON não detinha maioria em nenhum dos diversos comités diretores encarregados de nomear os membros dos grupos de trabalho responsáveis por cada norma técnica e só teria tido potencialmente a maioria num desses grupos de trabalho.

    393

    É verdade que essa associação é uma das referidas pela recorrente e que a Comissão utilizou a dinâmica dessa associação particular como exemplo.

    394

    A esse respeito, o Tribunal deve igualmente considerar, no âmbito da sua fiscalização, se as eventuais omissões da Comissão são suscetíveis de pôr em causa a sua conclusão de que a presente concentração não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2007, Sun Chemical Group e o./Comissão, T‑282/06, EU:T:2007:203, n.o 61 e jurisprudência referida).

    395

    Ora, no caso, a recorrente não apresenta provas suscetíveis de apoiar as afirmações de que a E.ON teria maioria nos comités de outras associações na sequência da concentração. A esse respeito, os documentos do anexo A.19 apresentados para fundamentar a existência dessas maiorias limitam‑se a indicar a presença da E.ON e da RWE em certas associações na Alemanha, mas não provam que a E.ON teria essa maioria. Em todo o caso, a recorrente não demonstra como é que o facto de a E.ON deter uma eventual maioria numa ou noutra dessas organizações poderia dar origem a um entrave significativo à concorrência efetiva.

    396

    Há que rejeitar, pois, o argumento relativo à influência na Agência Federal das Redes e nos outros organismos e associações.

    397

    Em segundo lugar, a recorrente alega que, na sequência da concentração, a E.ON obterá condições mais vantajosas em matéria de equipamentos de rede, de prestações de construção e de conceção e de programas de rede devido ao seu poder de compra acrescido.

    398

    A Comissão analisa este primeiro requisito nos n.os 262 e 263 da decisão recorrida. Por um lado, quanto à vantagem em relação aos pequenos ORD pelo facto de a E.ON ter prioridade para obter serviços de rede junto dos prestadores de serviços, cuja capacidade de fornecer esses serviços é limitada, a Comissão não identificou escassez no fornecimento de serviços de rede. De qualquer modo, observou, nos n.os 234 e 235 da decisão recorrida, que a E.ON e a innogy já tinham maior peso do que a maior parte dos outros ORD antes da concentração.

    399

    Por outro lado, a Comissão concluiu que era improvável o encerramento da clientela no acesso aos serviços de rede das partes na concentração, pelo facto de a maior parte dos serviços de rede serem principalmente fornecidos e adquiridos localmente, uma vez que, sendo a concentração geograficamente complementar, era pouco provável que conduzisse a um aumento significativo do volume de compras a nível local. A Comissão observou igualmente que os serviços prestados aos ORD constituíam apenas uma parte da procura disponível para os fornecedores ativos a montante.

    400

    Há que deduzir daí, portanto, que a Comissão teve em conta a natureza local deste tipo de serviços. Tendo em conta os pormenores da análise da Comissão em geral e da análise da totalidade das preocupações relativas aos serviços ligados à rede, a Comissão não pode ser acusada de não ter investigado suficientemente. Na realidade, a recorrente critica sobretudo a Comissão por não ter retirado outras conclusões das informações e das provas de que dispunha.

    401

    Assim, segundo a recorrente, a Comissão deveria ter concluído, primeiro, que a E.ON viria a obter preços e condições mais vantajosos, segundo, que os fornecedores grossistas de eletricidade viriam a adaptar‑se às necessidades da E.ON, terceiro, que os prestadores viriam a tratar prioritariamente a E.ON, e, quarto, que os concorrentes não estariam em condições de reproduzir as prestações de apoio exigidas. Ora, todas as preocupações da recorrente são meras especulações. A recorrente não fornece indicação séria quanto à plausibilidade de tais cenários nem quanto à forma como esses cenários poderiam conduzir a um entrave significativo da concorrência efetiva.

    402

    Nestas condições, há que rejeitar o argumento da recorrente sobre as vantagens anticoncorrenciais que a E.ON obteria nos serviços ligados à rede.

    403

    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a Comissão estudou de forma insuficiente e apreciou incorretamente as concessões de direitos para utilizar as linhas para construir e explorar redes.

    404

    A esse respeito, a Comissão analisou um certo número de cenários hipotéticos em que a concentração poderia causar prejuízo aos consumidores de gás e de eletricidade, incluindo a diminuição da concorrência nos concursos de concessões, nos n.os 224 a 236 da decisão recorrida. É facto assente que, na Alemanha, os municípios organizam a exploração das redes de distribuição atribuindo concessões aos ORD por concurso público para instalar e explorar as redes de distribuição de gás e de eletricidade no seu território durante, em média, 15 a 20 anos (n.os 224 e 225 da decisão recorrida).

    405

    A recorrente invoca vários argumentos relativos aos efeitos anticoncorrenciais da concentração sobre as referidas concessões.

    406

    Primeiro, a recorrente sugere que a Comissão devia ter considerado um período de análise de 20 anos antes da concentração para poder analisar corretamente os efeitos da concentração no domínio das concessões.

    407

    Refira‑se, a esse respeito, que a Comissão reconhece, no n.o 224 da decisão recorrida, que a duração média dos contratos de concessão é de 15 a 20 anos. No entanto, a Comissão considerou que um exame das concessões atribuídas durante um período de cinco anos antes da concentração era suficiente para a sua análise. A escolha deste período permitiu à Comissão consultar mais de 1000 processos de adjudicação de concessões. Refira‑se ainda que os dados perdem o seu valor com o tempo no que respeita às condições de mercado atuais e futuras. Assim, a Comissão, ao reduzir a sua análise para um período de cerca de 5 anos antes da concentração, analisou suficientemente a concorrência nas concessões e, portanto, não cometeu erro manifesto de apreciação.

    408

    Segundo, a recorrente invoca a possibilidade de a E.ON apresentar melhores propostas para a concessão de direitos graças ao seu poder financeiro, à sua experiência e aos eventuais efeitos de sinergia.

    409

    A esse respeito, a Comissão observou, no n.o 231 da decisão recorrida, que as partes na concentração perderam principalmente concursos a favor das empresas municipais. Pelo menos 90 % das concessões de eletricidade perdidas pela E.ON foram adjudicadas a sociedades públicas ou semipúblicas e pelo menos 80 % destas concessões perdidas pela innogy foram para empresas municipais. A Comissão referiu que a situação do gás era semelhante.

    410

    Além disso, quanto às possíveis vantagens das economias de escala acrescidas, a Comissão constatou, no n.o 235 da decisão recorrida, que, antes da concentração, as partes na concentração eram nitidamente maiores do que a maioria das empresas concorrentes, nomeadamente as empresas municipais. A esse respeito, as partes na concentração tinham sobretudo conseguido ganhar concursos quando já eram o operador histórico, mas tinham tido um sucesso limitado na aquisição de novas concessões.

    411

    Nestas condições, era razoável concluir, tendo em conta o facto de a Comissão não dispor de nenhum elemento que indicasse que as empresas municipais perdiam novas concessões em benefício das partes de grande dimensão, que não havia elementos suficientes que indicassem que eventuais economias de escala ou que uma experiência anterior ligada à participação em tais concursos confeririam uma vantagem anticoncorrencial à E.ON na sequência da concentração.

    412

    A esse respeito, a recorrente apresenta cenários hipotéticos sem apresentar provas existentes no momento da adoção da decisão recorrida. Com efeito, a recorrente baseia‑se no estudo BET para fundamentar os seus argumentos. Ora, esse inquérito tem uma relevância e um valor probatório limitados para avaliar a situação concorrencial no momento da adoção da decisão recorrida pelas razões acima indicadas no n.o 205. Por outro lado, a recorrente remete para as páginas 48 e seguintes do referido estudo e menciona expressamente na petição as questões n.os 39, 42 e 44 a 47b. Em resposta à pergunta n.o 39, 80 % dos 87 inquiridos indicaram que as partes na concentração poderiam ter sinergias. No entanto, nada indica que as empresas que responderam ao estudo BET consideravam que essas sinergias conduziam a um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Quanto à questão n.o 42, contém, na sua formulação, a ideia inicial de que as sinergias implicariam maiores exigências de eficácia. No entanto, saber se essas exigências serão realizadas não resulta claramente do estudo. Com base nisso, 71 % dos inquiridos entendem que não estão em condições de cumprir esses requisitos. No entanto, não resulta claramente do estudo se esses serão realizados. Basta notar que, no total, mais de dois terços dos inquiridos confirmam, em resposta à pergunta n.o 43, que as concessões que lhes foram atribuídas não foram contestadas pela E.ON ou innogy. Isto confirma as conclusões da Comissão de que a concorrência entre as partes na concentração em matéria de concessões é muito limitada.

    413

    Assim, a recorrente não forneceu indicação relevante suficiente, capaz de demonstrar um erro manifesto de apreciação da Comissão e que permita afirmar que, na sequência da concentração, a E.ON estaria em condições de apresentar melhores propostas para as concessões, e ainda menos que, se assim fosse, isso poderia ser anticoncorrencial. Pelo contrário, mesmo que a concentração permitisse à E.ON fazer melhores propostas, isso poderia revelar‑se positivo para a concorrência. Em teoria, só poderiam ocorrer efeitos prejudiciais para a concorrência se, a mais longo prazo, as partes na concentração pudessem monopolizar o mercado por nenhum concorrente se conseguir alinhar pela estrutura de custos das partes, como a Comissão acertadamente recordou no n.o 234 da decisão recorrida.

    414

    Terceiro, a recorrente considera que as partes na concentração eram concorrentes próximos do facto de estarem em concorrência em mais de 100 concessões entre 2010 e 2015. A esse respeito, basta observar que a Comissão, ao examinar mais de 1000 processos de concessão que decorreram entre 2013 e 2017, concluiu, nos n.os 228 e 229 da decisão recorrida, que as partes na concentração não estavam em concorrência estreita, pelo facto de terem participado nos mesmos concursos em menos de 5 % dos casos. Resulta igualmente da nota de rodapé n.o 244 da decisão recorrida que a Comissão analisou se as partes na concentração tinham participado nesses procedimentos por intermédio de empresas em que detivessem participações minoritárias. Assim, a Comissão fez prova bastante da inexistência de qualquer sobreposição significativa entre as partes na concentração nos diferentes processos de concessão.

    415

    Quarto, quanto à presença da E.ON em todo o território nacional alemão, o que poderia conceder uma vantagem à E.ON para se estender às regiões vizinhas daquelas em que já está presente, a Comissão observou, no n.o 230 da decisão recorrida, que os concursos em que as partes na concentração tinham participado entre 2013 e 2017 não estavam concentrados numa região particular e nem sempre estavam situados perto do limite das zonas ORD da E.ON e da innogy. A Comissão constatou igualmente, no n.o 231 da decisão recorrida, acima referido no n.o 409, a forte pressão concorrencial exercida pelas empresas municipais. Resulta do exposto que a Comissão analisou suficientemente a proximidade concorrencial das partes na concentração e a pressão concorrencial exercida pelas empresas municipais.

    416

    Quinto, é pacífico entre as partes que existe uma tendência para a remunicipalização. Resulta dos n.os 232 e 233 da decisão recorrida que as partes na concentração e vários respondentes ao primeiro inquérito de mercado tinham constatado uma tendência para a remunicipalização das redes. Contudo, a recorrente identifica um risco de enfraquecimento dessa tendência num futuro próximo por causa de possíveis estratégias de desencorajamento direcionadas praticadas pela E.ON. A esse respeito, a Comissão analisou, no n.o 236 da decisão recorrida, as possíveis táticas contenciosas com vista a atrasar deliberadamente a transferência das concessões que as partes na concentração tinham perdido (sham litigation).

    417

    Quanto a este ponto, há que lembrar que o Tribunal Geral já teve oportunidade de indicar que uma ação judicial podia, por vezes, constituir um abuso de posição dominante. Para tal, têm que estar preenchidos dois pressupostos cumulativos. Em primeiro lugar, é necessário que não se possa razoavelmente considerar que a ação judicial se destina a fazer valer os direitos da empresa em causa e só possa, portanto, servir para assediar a parte contrária. Em segundo lugar, a ação tem que ser concebida no âmbito de um plano que tenha por objetivo eliminar a concorrência (v. Acórdão de 13 de setembro de 2012, Protégé International/Comissão, T‑119/09, não publicado, EU:T:2012:421, n.o 49 e jurisprudência referida).

    418

    No caso, a Comissão concluiu acertadamente no n.o 236 da decisão recorrida que essas táticas não podiam ser imputadas à concentração, no sentido de que a concentração não é suscetível de aumentar os incentivos das partes na concentração para prosseguirem estratégias deste tipo. Refira‑se, a este respeito, que, mesmo admitindo que a existência dessas táticas estivesse demonstrada, a recorrente não explica de que modo os incentivos para as partes na concentração adotarem essas táticas aumentariam na sequência desta e não provou, portanto, erro manifesto de apreciação por parte da Comissão.

    419

    Sexto, a recorrente contesta a margem de apreciação dos municípios na concessão de direitos. Com efeito, a E.ON alegou, no procedimento administrativo, que os municípios dispunham de um amplo poder discricionário para selecionar, ponderar e conceber os critérios de adjudicação, nomeadamente no que respeita à consideração dos interesses municipais (n.o 226 da decisão recorrida). A esse respeito, é facto assente que o município estabelece os critérios de adjudicação. Em contrapartida, a recorrente impugna o facto de o município ter uma margem para selecionar, ponderar e conceber esses critérios. Todavia, se fosse verdade, como alega a recorrente, que os municípios não tinham margem de manobra em matéria de seleção e que as partes na concentração eram mais eficazes e beneficiavam do seu poder financeiro, de economias de escala e da sua experiência em matéria de concessões, as partes na concentração já deveriam ter obtido um número significativo de concessões em detrimento de concorrentes mais pequenos, o que não é o caso, como, em substância, acima se indica no n.o 411. De qualquer forma, tendo em conta a falta de elementos concretos apresentados pela recorrente e o funcionamento normal dos procedimentos de concessão, não é plausível que os municípios não disponham de suficiente margem de manobra, tanto mais que alguns dos critérios a ter em conta são subjetivos. Assim, uma recente alteração das disposições estatutárias relativas aos concursos públicos de concessões, aplicada em 2017, introduziu a «consideração dos interesses municipais» como critério legítimo nos concursos de concessão, conforme observa a Comissão no n.o 232 da decisão recorrida.

    420

    Em face do exposto, a Comissão analisou todas as preocupações da recorrente e não cometeu erro manifesto de apreciação quanto às concessões.

    421

    Em quarto lugar, quanto à possibilidade de propor ofertas agrupadas na qualidade de ORD, a recorrente não fundamenta as suas afirmações nem apresenta indícios que permitam concluir que, na sequência da concentração, a E.ON terá possibilidades acrescidas de propor ofertas agrupadas. Trata‑se apenas de especulações sobre cenários hipotéticos. Concretamente, a recorrente não explica por que razão as partes na concentração não dispõem ainda de tais capacidades, quando já são operadores de rede presentes ao longo da cadeia de valor, nem por que razão os concorrentes não estão em condições de apresentar igualmente essas ofertas e, sendo caso disso, quais os efeitos anticoncorrenciais que poderiam ser esperados.

    422

    A esse respeito, quanto à possibilidade de ofertas agrupadas, a Comissão indica, na contestação, que, com efeito, a exploração da rede é independente dos outros domínios de atividade das empresas de fornecimento de energia devido a exigências legais. De qualquer forma, a E.ON já dispunha, antes da concentração, de poder financeiro e já podia ter apresentado propostas agrupadas, pelo que tal comportamento não pode ser considerado próprio da concentração.

    423

    Em quinto lugar, a recorrente afirma, sem fundamentar de forma alguma a sua afirmação, que a Comissão não tomou em consideração as interações resultantes de efeitos de substituição, de efeitos em cadeia e de efeitos de domínio nos mercados geograficamente limitados vizinhos. Todavia, a recorrente não explica em que medida esses fatores são relevantes, nem de que modo se pode inferir daí um entrave significativo à concorrência efetiva.

    424

    Em face do exposto, há que julgar improcedente a segunda acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos nos mercados da distribuição de eletricidade e de gás.

    c)   Quanto à terceira acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos nos mercados dos serviços de contagem e da eletromobilidade

    425

    A recorrente afirma, no essencial, que a Comissão não apreciou de forma suficiente e correta os efeitos da concentração nos mercados dos serviços de contagem e de eletromobilidade.

    426

    A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

    1) Quanto ao mercado dos serviços de contagem

    427

    Quanto aos efeitos da concentração no mercado dos serviços de contagem, há que observar que, no n.o 355 da decisão recorrida, a Comissão declarou que o mercado dos serviços de contagem da eletricidade e do gás dos nGPC e os submercados potenciais em função do produto medido eram também monopólios ao nível da zona de rede, sendo o operador de rede o único operador de ponto de contagem autorizado. Além disso, a Comissão indicou, no n.o 356 da decisão recorrida, que o mercado dos serviços de contagem para o gás e a eletricidade dos cGPC era um mercado emergente na Alemanha e que a quota de mercado acumulada na Alemanha das partes na concentração era inferior a 5 %, mesmo dividindo ainda mais os submercados. A Comissão concluiu daí que esses mercados não eram afetados pela concentração.

    428

    A recorrente invoca vários argumentos relativos aos efeitos anticoncorrenciais da concentração nos mercados dos serviços de contagem.

    429

    Primeiro, quanto ao argumento da recorrente relativo aos efeitos de substituição, em cadeia e de dominó, que a posição da E.ON enquanto nGPC poderia provocar nos municípios em que detém a concessão de exploração da rede de distribuição de eletricidade e de gás, há que rejeitá‑lo pelas mesmas razões acima expostas no n.o 423.

    430

    De qualquer forma, a Comissão indicou, nos n.os 406 a 409 da decisão recorrida, que a concentração não entravaria significativamente o exercício de uma concorrência efetiva devido aos efeitos não coordenados resultantes das relações verticais entre os mercados a montante das redes de distribuição de gás e de eletricidade exploradas pelos ORD e os mercados a jusante dos serviços de contagem dos cGPC na Alemanha. Com efeito, referiu que a concentração não alterava a capacidade da E.ON para afastar os concorrentes cGPC, uma vez que os ORD eram monopólios locais antes e depois da concentração. Considerou igualmente que os incentivos à exclusão eram fracos e não aumentavam sensivelmente devido à concentração, uma vez que, primeiro, a quota de mercado acumulada na Alemanha das partes na concentração no mercado emergente dos serviços de contagem da eletricidade e do gás dos cGPC era inferior a 5 %, segundo, o mercado ainda estava a começar e o desenvolvimento era globalmente ainda muito reduzido, terceiro, havia operadores no mercado provenientes igualmente de outros setores, e, quarto, a regulamentação obrigava os ORD a garantir uma ligação à rede e uma utilização da rede não discriminatórias. Daí resulta, portanto, que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão analisou os efeitos verticais entre estes dois mercados.

    431

    Segundo, a recorrente alega que, na sequência da concentração, a E.ON passa a ser o primeiro concorrente com 41 % dos pontos de recolha enquanto nGPC e dispõe de uma quota de mercado de pelo menos 44,14 % tendo em conta a extensão da rede, ou de mais de 50 % tendo em conta o número de municípios servidos.

    432

    A esse respeito, há que lembrar que a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação quanto à definição do mercado dos serviços de contagem, como acima se verificou no n.o 337. Por conseguinte, as quotas de mercado das partes na concentração enquanto nGPC são irrelevantes para a análise do mercado dos serviços de contagem da eletricidade e do gás dos cGPC.

    433

    De qualquer forma, há que observar que a recorrente se limita a utilizar os seus próprios dados sem explicar as razões pelas quais os dados utilizados pela Comissão não são corretos.

    434

    Ora, não basta a recorrente utilizar dados diferentes dos que foram utilizados pela Comissão na decisão recorrida para demonstrar um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão sem apresentar nenhum elemento concreto capaz de demonstrar que a consideração dos dados na decisão recorrida constitui um erro manifesto de apreciação da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2013, Spar Österreichische Warenhandels/Comissão, T‑405/08, não publicado, EU:T:2013:306, n.o 156).

    435

    Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que os dados utilizados pela Comissão e relevantes para o cálculo das quotas de mercado eram incorretos. Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os mercados relativos aos nGPC e aos cGPC não eram afetados pela concentração.

    436

    Terceiro, no que respeita à capacidade de desempenho exigida para satisfazer as exigências em matéria de recursos humanos e técnicos nos serviços de contagem e a presença nacional da E.ON, o Tribunal Geral constata que a Comissão procedeu a várias apreciações da presença de fornecedores de serviços de marca branca à disposição para assegurar a gestão das estações de medição.

    437

    Quanto a uma possível definição de mercado, a Comissão concluiu, no n.o 358 da decisão recorrida, que a concentração não dava origem a um mercado afetado nos serviços de marca branca ou a submercados potenciais. A esse respeito, resulta da nota de rodapé n.o 180 da decisão recorrida que a Comissão considerou que os serviços de marca branca, pelo menos no momento da adoção da decisão recorrida e num futuro próximo, eram mais suscetíveis de desempenhar um papel nos mercados em que existia uma obrigação de prestar determinados serviços, que podiam em seguida ser externalizados. Por conseguinte, a Comissão não considerou um mercado dos serviços de marca branca para a contagem do gás e da eletricidade como um mercado cGPC, uma vez que o mercado cGPC ainda se encontrava na sua fase inicial e só os operadores que dispusessem de capacidade própria estavam aptos a lançar‑se nessa atividade. No n.o 178 e na nota de rodapé n.o 186 da decisão recorrida, a Comissão indicou que considerava que os serviços de marca branca aos nGPC e cGPC eram suscetíveis de ter alcance nacional, dado que a maior parte, senão todos os nGPC e cGPC seriam ainda monopólios locais e que, para ter uma base de clientes de uma certa dimensão, era necessária uma cobertura geográfica mais ampla. Além disso, a Comissão declarou, no n.o 359 da decisão recorrida, que a quota de mercado agregada das partes na concentração não ultrapassava os 5 % num submercado potencial de serviços de marca branca para a contagem da eletricidade e do gás.

    438

    A Comissão apreciou igualmente os efeitos verticais entre o mercado dos nGPC a jusante e os serviços de marca branca a montante, nos n.os 414 a 417 da decisão recorrida. Por um lado, concluiu que a concentração não entravaria significativamente a concorrência efetiva pelos efeitos não coordenados resultantes das relações verticais entre esses dois mercados, devido ao facto de, a jusante, os nGPC serem monopólios locais e de, portanto, não haver concorrência, e de a quota de mercado das partes na concentração nos serviços de marca branca ser inferior a 5 %. Por outro lado, a montante, a concentração não alterava nem a capacidade de excluir os fornecedores de serviços de marca branca, uma vez que os nGPC eram já monopólios locais, nem os incentivos ao encerramento, que não aumentavam sensivelmente, tendo em conta a posição muito limitada das partes na concentração no mercado a montante dos serviços de marca branca e o pequeno aumento devido à concentração.

    439

    Do mesmo modo, a Comissão concluiu, nos n.os 178 e 407 da decisão recorrida, pela existência de entradas no mercado e pela inexistência de barreiras à entrada. Assim, nenhum obstáculo percetível limitaria a oferta desses serviços a uma determinada região, dado que a maior parte dos nGPC e cGPC fornecem igualmente esses serviços em marca branca e os novos operadores como a Telefónica ou a Deutsche Telekom, que não faziam parte do setor, entram no mercado nacional.

    440

    A esse respeito, a recorrente não fornece prova para pôr em causa as conclusões da Comissão relativas aos fornecedores de serviços de marca branca, que, segundo a Comissão, estão disponíveis para responder às necessidades dos nGPC e da cGPC que não disponham das capacidades necessárias ao bom funcionamento dos contadores.

    441

    Quanto ao facto de, em razão dos seus estatutos ou do direito municipal alemão, certos concorrentes municipais potenciais só poderem intervir a nível local, a Comissão considerou acertadamente que, todavia, isso só teria uma importância secundária para a concorrência, dado que apenas algumas raras empresas eram visadas por essas proibições absolutas.

    442

    Quarto, no que respeita aos alegados benefícios decorrentes das economias de escala e do poder de compra enquanto nGPC, a Comissão constatou, nos n.os 362 e 363 da decisão recorrida, que certas hipóteses, designadamente no que respeita aos custos e às economias de escala para a E.ON e para a innogy e outros agentes, não tinham sido justificadas. Para fundamentar esta teoria do dano, a recorrente remete para o estudo LBD e para o estudo BET.

    443

    O gráfico 7, na página 17, do estudo LBD, para o qual a recorrente remete, mostra a tarifação das marcas da innogy na zona de base da LSW Energie GmbH; Co. KG, mas a recorrente não explica como pode esse gráfico sustentar a existência de benefícios resultantes das economias de escala e do poder de compra na sequência da concentração.

    444

    Baseando‑se no estudo BET, a recorrente alega que os respondentes ao inquérito esperam que o mercado seja fechado ao aparecimento de novos operadores. Ora, esse inquérito tem uma relevância e um valor probatório limitados para apreciar a situação concorrencial à data da adoção da decisão recorrida, pelas razões acima indicadas no n.o 205. Além disso, as respostas às questões n.os 62, 63, 65 e 71 não são suscetíveis de contradizer as conclusões da Comissão, tal como acima detalhadas no n.o 439, no que respeita à inexistência de barreiras à entrada e à chegada de novos concorrentes ao mercado.

    445

    De qualquer forma, a recorrente não explica como são o estudo LBD e o estudo BET suscetíveis de pôr em causa as conclusões da Comissão no que respeita à não afetação dos mercados dos serviços de contagem e, sobretudo, à falta de plausibilidade das alegações ligadas às economias de escala. Com efeito, a Comissão contestou, no n.o 363 da decisão recorrida, a alegação de que só alguns grandes operadores estariam em condições de prestar serviços de exploração de contadores inteligentes de forma rentável. A Comissão constatou, a este respeito, que essa eventualidade era pouco provável, uma vez que, antes de mais, o material das passadeiras para contadores inteligentes e a infraestrutura necessária eram fornecidos por vários fornecedores independentes, em seguida, a exploração comercial era possível a partir de 100000 a 300000 contadores inteligentes, o que representava uma pequena proporção do número total de contadores, além de os fornecedores com menos contadores poderem continuar a cooperar para atingir maiores escalas, e, por último, a chegada ao mercado de grandes operadores externos ao setor da energia demonstrava que a entrada no mercado e, portanto, a concorrência eram possíveis.

    446

    Por conseguinte, há que rejeitar os argumentos da recorrente relativos ao mercado dos serviços de contagem.

    2) Quanto ao mercado da eletromobilidade

    447

    No que respeita ao mercado da eletromobilidade, em primeiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter apreciado erradamente a situação concorrencial fora das autoestradas a nível local.

    448

    A esse respeito, antes de mais, o Tribunal observa que a Comissão observou, no n.o 381 da decisão recorrida, que a quota de mercado cumulada das partes na concentração em termos de pontos de carga para os veículos elétricos fora das autoestradas na Alemanha era inferior a 20 %, mesmo admitindo um mercado distinto para os postos de carregamento normais e para os postos de carregamento rápidos. Em seguida, a Comissão verificou, no n.o 384 da decisão recorrida, que as partes na concentração exploravam muito poucas estações de carregamento públicas ultrarrápidas fora das autoestradas e que muitos concorrentes importantes, como a Allego, a EnBW ou a IONITY, tinham planos de expansão para postos de carregamento ultrarrápidos, de dimensão semelhante ou superior à das referidas partes. Além disso, a Comissão constatou, no n.o 385 da decisão recorrida, que, à escala nacional, existiam vários concorrentes presentes e futuros, como a Deutsche Telekom ou a Volkswagen, e que esta também tinha anunciado a sua intenção de entrar no mercado da eletromobilidade e pretendia construir postos de carregamento públicos para veículos elétricos nas instalações dos seus 4000 concessionários automóveis e estações de serviço parceiras na Europa. Por último, no n.o 386 da decisão recorrida, a Comissão declarou que, mesmo nas 16 zonas locais fora das autoestradas que tinha identificado, nas quais a quota de mercado conjugada das partes na concentração era superior a 25 % ou o delta do índice Herfindahl‑Hirschman superior a 150, a concentração não era suscetível de entravar significativamente a concorrência, uma vez que, primeiro, estavam presentes outros concorrentes, incluindo atores especializados na eletromobilidade e empresas municipais, segundo, em algumas dessas regiões, havia concorrentes que tinham anunciado planos de expansão, terceiro, o aumento de capacidade ligado à concentração era frequentemente inferior a 10 % das quotas de mercado e, quarto, algumas das zonas situadas na proximidade imediata de grandes cidades ou de outros municípios estavam sujeitas, por esse facto, a uma pressão concorrencial.

    449

    Daí resulta que a Comissão procedeu a uma análise coerente e completa, incluindo fora das autoestradas, dos elementos concorrenciais do ponto de vista do mais pequeno mercado concebível, nomeadamente à luz das quotas de mercado das partes na concentração, da sua proximidade concorrencial, da estrutura do mercado e das barreiras à entrada.

    450

    Em segundo lugar, a recorrente apresenta vários argumentos relativos aos efeitos anticoncorrenciais da concentração no mercado da eletromobilidade. Assim, com base no estudo BET, a recorrente alega, no essencial, em primeiro lugar, que os pequenos fornecedores não poderão desenvolver uma rede de carregamento à escala nacional, em segundo lugar, que as economias de escala realizadas pela E.ON graças à concentração terão um efeito de exclusão e, em terceiro lugar, que o desaparecimento da innogy elimina a maior parte da concorrência.

    451

    A esse respeito, a Comissão concluiu que a concentração não entravaria de forma significativa o exercício de uma concorrência efetiva devido aos efeitos horizontais não coordenados resultantes das sobreposições das atividades das partes na concentração nos mercados da instalação e da exploração de postos de carregamento fora das autoestradas na Alemanha, nomeadamente pelas razões acima detalhadas no n.o 448.

    452

    Quanto às constatações da recorrente baseadas no estudo BET, há que acrescentar ao caráter limitado da relevância e do valor probatório desse estudo (v. n.o 205, supra) que esse estudo não é suficientemente representativo do estado da concorrência no mercado da eletromobilidade, pois os participantes são unicamente empresas de abastecimento energético e ORD, ao passo que, neste setor, têm atividade empresas oriundas de outros setores, como a Deutsche Telekom, a Volkswagen, a Ionity, a Shell ou a BP, e ainda empresas especializadas na eletromobilidade, como a Fastned, a eLoaded, a ChargePoint ou a Allego.

    453

    A recorrente indica igualmente que, segundo a página 19 da apresentação que refletia a situação do mercado em 9 de janeiro de 2019 da LBD Beratungsgesellschaft, a quota de mercado da E.ON após a concentração ascende, atualmente, a 33 %. Desta apresentação resulta que a quota de mercado conjugada da E.ON e da innogy é antes de 21,2 %. Ora, a recorrente não explica de onde provêm os 12 % de diferença. Além disso, esta apresentação da recorrente mostra igualmente a presença de vários concorrentes com quotas de mercado significativas, como [confidencial]. Estas percentagens situam‑se dentro da margem das estimativas e estão em consonância com as conclusões da Comissão, que considera que as quotas de mercado da E.ON na sequência da concentração não excederão 20 % e que existem vários concorrentes no mercado.

    454

    De qualquer forma, a recorrente limita‑se a utilizar os seus próprios dados sem explicar as razões pelas quais os dados utilizados pela Comissão não estão corretos. Ora, como foi acima lembrado no n.o 434, não basta à recorrente utilizar dados diferentes dos utilizados pela Comissão na decisão recorrida para demonstrar o erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão sem apresentar elementos concretos suscetíveis de demonstrar que a consideração dos dados na decisão recorrida está ferida de erro manifesto de apreciação. Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que os dados utilizados pela Comissão eram incorretos.

    455

    Quarto, a recorrente indica que a Monopolkommission (Comissão dos Monopólios, Alemanha) evidenciou, no âmbito do seu sétimo relatório setorial sobre a energia de 2019, concentrações regionais preocupantes e falta de concorrência a nível local. Há que observar que, uma vez que o referido relatório é posterior à adoção da decisão recorrida, a Comissão não podia dispor dele, pelo que é irrelevante para efeitos da apreciação da legalidade da decisão recorrida, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 194. De qualquer forma, a visão de conjunto do mercado dada nesse relatório de modo nenhum põe em causa a análise dos fatores locais tal como acima detalhada no n.o 448. O Tribunal observa que, das páginas 96 e seguintes desse relatório, resulta que o mercado da eletromobilidade é um mercado emergente. Mais especificamente, resulta do n.o 244 do referido relatório que, como a Comissão declarou na decisão recorrida, «é certamente impossível prever a evolução futura da mobilidade elétrica». Em todo o caso, a recorrente não identifica quais os elementos específicos desse elemento de prova suscetíveis de demonstrar a existência de um erro manifesto imputável à Comissão.

    456

    Assim, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação no que respeita ao mercado da eletromobilidade.

    457

    Resulta do exposto que improcede a terceira acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos nos mercados dos serviços de contagem e da eletromobilidade.

    d)   Quanto à quarta acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos das soluções clientes baseadas nos dados dos clientes

    458

    A recorrente alega que a Comissão só tratou as soluções clientes baseadas em dados no domínio da energia de forma muito sumária, nomeadamente no que respeita aos megadados, bem como aos produtos agrupados inovadores, nos n.os 428 a 432 da decisão recorrida.

    459

    Em primeiro lugar, no que respeita aos megadados, a melhoria do acesso a um amplo leque de dados, nomeadamente no âmbito da multiplicação dos contadores inteligentes e da criação de um mercado para os cGPC, constitui um fator essencial de competitividade, uma vez que esses dados permitem conhecer mais facilmente as necessidades dos consumidores e adaptar melhor os produtos e os serviços aos clientes. A esse respeito, a E.ON tem um maior conhecimento dos agregados familiares e dos pequenos clientes comerciais, do comportamento de utilização e de carregamento dos utilizadores de infraestruturas de carregamento e da gestão concorrencial das estações de medição. Segundo a recorrente, a Comissão não examinou suficientemente esses pontos.

    460

    Em segundo lugar, a E.ON beneficia de uma vantagem concorrencial no que respeita às soluções inovadoras e às ofertas agrupadas.

    461

    Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a forte presença das partes na concentração no mercado na sequência da concentração facilitará as vendas cruzadas.

    462

    A Comissão, apoiada pela E.ON, alega que examinou suficientemente os efeitos das soluções clientes baseadas nos dados dos clientes sem cometer erro de apreciação.

    463

    Há que observar que a Comissão analisou outras teorias do dano na secção 7.4 da decisão recorrida. A Comissão analisou, nomeadamente, as teorias do dano ligadas ao acesso aos dados dos clientes nos n.os 422 a 427 e as ofertas agrupadas de serviços relacionados com a energia nos n.os 428 a 435.

    464

    Em primeiro lugar, no que respeita ao acesso aos dados, a Comissão constatou, no n.o 423 da decisão recorrida, que a E.ON não teria acesso, na sequência da concentração, a tipos de dados mais variados do que os já disponíveis para cada uma das partes antes da concentração, mas que teria acesso a mais informações do mesmo tipo. A Comissão deduziu daí que o facto de dispor de um maior número de informações do mesmo tipo não acrescentava necessariamente valor e que as economias de escala que poderiam trazer seriam reduzidas. Do mesmo modo, a Comissão declarou, nos n.os 424 e 425 da decisão recorrida, que resultava do primeiro inquérito de mercado que existia uma grande incerteza quanto à quantidade mínima e ao tipo de dados necessários para desenvolver novas soluções energéticas. Além disso, a Comissão analisou o risco de exclusão e constatou que resultava do primeiro inquérito de mercado que vários concorrentes, incluindo empresas municipais, já propunham ou desenvolviam diversas soluções centradas nos dados, isoladamente ou em cooperação com outros intervenientes. Do mesmo modo, o primeiro inquérito de mercado e os documentos internos das partes na concentração mostravam que grandes empresas, como a Google, a Amazon, a Samsung, a Bosch, a Phillips, também propunham, em cooperação com pequenos retalhistas de energia, serviços ou produtos ligados à casa inteligente e aos dados, ou pretendiam fazê‑lo. Por outro lado, a Comissão observou, no n.o 427 da decisão recorrida, que a regulamentação da recolha e da utilização de dados deveria reduzir o risco de comportamentos abusivos ou discriminatórios por parte de empresas verticalmente integradas.

    465

    A este respeito, a recorrente sustenta que a Comissão não analisou suficientemente o acesso aos dados dos clientes, mas não fornece prova de que a E.ON estará em condições de agir na sequência da concentração de forma diferente de antes dessa concentração, dado o seu acesso já alargado aos dados dos clientes. A recorrente também não fornece provas quanto ao dano concreto que resultaria do fornecimento de propostas mais adaptadas aos clientes. Além disso, por si só, fornecer ofertas mais adequadas poderá ser benéfico para os consumidores, se isso não conduzir à monopolização do mercado por expulsão dos concorrentes do mercado. Assim, na falta de provas de eventuais efeitos de expulsão, a recorrente não provou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

    466

    Em segundo lugar, quanto às soluções inovadoras e às ofertas agrupadas, a Comissão observou, nos n.os 432 a 435 da decisão recorrida, que vários concorrentes, incluindo alguns pequenos, já propunham ou desenvolviam à data ofertas agrupadas, sendo corrente no setor o conceito de agrupamento de produtos. Indicou que esses concorrentes propunham essas ofertas sozinhos ou em cooperação, que um certo número de agentes multinacionais se interessava pelas ofertas agrupadas e pelas plataformas energéticas e que era provável que dispusessem de capacidades de venda cruzada e de recursos financeiros comparáveis aos das partes na concentração. Por último, referiu que algumas dessas empresas eram grandes sociedades financeiramente sólidas já com atividade nos mercados ditos «Business‑to‑Consumer» (B2C), ou seja, empresas dirigidas a clientes individuais específicos noutros mercados, e que, portanto, já dispunham de uma ampla base de clientela à qual poderiam vender de forma cruzada.

    467

    A esse respeito, a recorrente não dá nenhuma indicação relativa a informações que estivessem à disposição da Comissão antes da adoção da decisão recorrida e que permitissem pensar que o poder financeiro da E.ON, as vendas agrupadas ou cruzadas ou, mais genericamente, as soluções inovadoras resultantes da concentração poderiam ter efeitos anticoncorrenciais. A recorrente também não fornece provas suscetíveis de negar a presença e a entrada no mercado de concorrentes capazes de exercer pressão concorrencial sobre as partes na concentração ou a inexistência de provas de obstáculos à entrada ou à expansão. A recorrente não apresenta prova para sustentar a alegação de que, após a concentração, a carteira da E.ON se estenderá devido à aquisição de capacidades até então indisponíveis. Pelo contrário, existia uma complementaridade geográfica das carteiras da E.ON e da innogy antes da concentração, pelo que, após essa concentração, a E.ON terá as mesmas capacidades, mas em mais locais. Daí resulta que as afirmações da recorrente constituem hipóteses não fundamentadas que não preenchem o nível de prova exigido.

    468

    Em face do exposto, há que julgar improcedente a quarta acusação, relativa à apreciação errada dos efeitos das soluções clientes baseadas nos dados dos clientes.

    e)   Quanto à quinta acusação, relativa à repartição dos mercados da eletricidade decidida pela RWE e pela E.ON

    469

    A recorrente sustenta, no essencial, que a repartição, entre a E.ON e a RWE, das etapas da cadeia de valor do setor da eletricidade comporta uma restrição da concorrência proibida, por ser contrária ao artigo 101.o TFUE.

    470

    A Comissão, apoiada pela RWE, alega que não dispunha de indício de uma violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    471

    Quanto à alegada repartição do mercado da eletricidade resultante da operação global, a recorrente sustenta, no essencial, que, com esta, a RWE e a E.ON repartiram completamente o mercado da eletricidade, o que representa uma restrição da concorrência, em violação do artigo 101.o TFUE.

    472

    Refira‑se que, como resulta do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, só este é aplicável às concentrações definidas no artigo 3.o desse regulamento, às quais, em princípio, não é aplicável o Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1). Em contrapartida, este último regulamento continua a ser aplicável aos comportamentos das empresas que, sem constituírem uma operação de concentração na aceção do Regulamento n.o 139/2004, são contudo suscetíveis de levar a uma coordenação entre elas, contrária ao artigo 101.o TFUE e que, por isso, são submetidos ao controlo da Comissão ou das autoridades nacionais da concorrência (Acórdão de 7 de setembro de 2017, Austria Asphalt, C‑248/16, EU:C:2017:643, n.os 32 e 33).

    473

    O facto de o objeto da decisão recorrida dizer respeito a uma operação de concentração não é impugnado. Em face do exposto, a acusação de violação do artigo 101.o TFUE é inoperante.

    f)   Quanto à sexta acusação, relativa à apreciação dos efeitos dos compromissos

    474

    A recorrente alega que os compromissos propostos pela E.ON e tornados obrigatórios pela Comissão estão limitados, no que respeita à Alemanha, aos mercados da eletricidade utilizada para o aquecimento e dos postos de carregamento para veículos elétricos nas autoestradas, e que não são suscetíveis de afastar as dúvidas existentes em matéria de concorrência.

    475

    Em primeiro lugar, a cessão de cerca de 260000 clientes no mercado da eletricidade utilizada para o aquecimento diz respeito a um mercado diferente do mercado do fornecimento retalhista de eletricidade aos agregados familiares e aos pequenos clientes comerciais no qual a concentração causaria danos na concorrência.

    476

    Em segundo lugar, o abandono da exploração de 34 postos de carregamento nas autoestradas, nos mais de 11000 que a E.ON detinha antes da concentração, não tem efeito de proteção da concorrência.

    477

    A Comissão sustenta que esta acusação é inadmissível pelo facto de a recorrente não precisar quais teriam sido as obrigações necessárias. A título subsidiário, a Comissão alega que não eram necessárias obrigações suplementares.

    478

    Há que analisar a exceção de inadmissibilidade arguida pela Comissão segundo a qual esta acusação é inadmissível pelo facto de a recorrente não precisar quais teriam sido as obrigações necessárias.

    479

    A esse respeito, há que lembrar que cabe ao recorrente demonstrar de que modo estão erradas as apreciações feitas na decisão recorrida (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2022, Wieland‑Werke/Comissão, T‑251/19, não publicado, EU:T:2022:296, n.o 438).

    480

    Há que lembrar ainda que, por força do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição inicial deve conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao recorrido preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, eventualmente sem mais informações. Assim, a petição deve explicitar em que consiste o fundamento do recurso, pelo que a sua simples enunciação abstrata não responde às exigências do Regulamento de Processo. Exigências análogas se aplicam quando uma acusação é feita em apoio de um fundamento (v. Acórdão de 18 de maio de 2022, Wieland‑Werke/Comissão, T‑251/19, não publicado, EU:T:2022:296, n.o 59 e jurisprudência referida).

    481

    No caso, a recorrente limita‑se a afirmar que os compromissos não respondem aos problemas de concorrência, mas não explica por que razão é esse o caso nem fornece prova de que os compromissos são inadequados para resolver direta e suficientemente os problemas identificados no procedimento de controlo da concentração, sem necessidade de lavrar uma comunicação de acusação inquérito preliminar, sem que seja necessário iniciar a fase de exame aprofundado.

    482

    Nestas condições, há que considerar que a recorrente não apresentou nenhum argumento destinado a demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que os compromissos propostos pela E.ON eram suscetíveis de tornar a concentração compatível com o mercado interno. Assim, não deu à Comissão a possibilidade de preparar adequadamente a sua defesa nem permitiu ao Tribunal pronunciar‑se sobre a questão de saber se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na sua análise dos compromissos propostos pela E.ON.

    483

    Assim, há que julgar esta acusação inadmissível.

    g)   Conclusão quanto à terceira parte do quinto fundamento

    484

    Dado que improcedem todas as acusações, há que julgar integralmente improcedente a terceira parte do quinto fundamento.

    6.   Conclusão

    485

    Em face do exposto, há que concluir que, ao contrário do que a recorrente sustenta, a Comissão não cometeu erros manifestos de apreciação quando considerou que, sob reserva do respeito dos compromissos definitivos, a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, na aceção do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004.

    486

    Daí resulta que o quinto fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

    [Omissis]

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A EVH GmbH suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão Europeia, e da E.ON SE e da RWE AG.

     

    van der Woude

    Svenningsen

    Mac Eochaidh

    Martín y Pérez de Nanclares

    Stancu

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de dezembro de 2023.

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

    ( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil.

    ( 2 ) Dados confidenciais ocultados.

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