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Document 62021CO0459

Despacho do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 9 de dezembro de 2022.
The Navigator Company SA e Navigator Pulp Figueira SA contra Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD).
Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 176.° — Exclusões do direito à dedução do IVA — Regime menos favorável do que o mecanismo de dedutibilidade das despesas previsto em relação a um imposto direto regulado pelo direito nacional — Princípio da equivalência — Inaplicabilidade.
Processo C-459/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:979

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

9 de dezembro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 176.° — Exclusões do direito à dedução do IVA — Regime menos favorável do que o mecanismo de dedutibilidade das despesas previsto em relação a um imposto direto regulado pelo direito nacional — Princípio da equivalência — Inaplicabilidade»

No processo C‑459/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), por Decisão de 8 de julho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de julho de 2021, no processo

The Navigator Company, S.A.,

Navigator Pulp Figueira, S.A.

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. G. Xuereb, presidente de secção, T. von Danwitz (relator) e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da The Navigator Company, S.A., e da Navigator Pulp Figueira, S.A., por A. Fernandes de Oliveira, advogado,

–        em representação do Governo português, por P. Barros da Costa, R. Campos Laires, S. Jaulino e M. J. Ramos, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė, L. Lozano Palacios e L. Santiago de Albuquerque, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

profere o presente

Despacho

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do princípio da equivalência.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a The Navigator Company, S.A., e a Navigator Pulp Figueira, S.A., à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal), a propósito da recusa desta autoridade do direito de as requerentes no processo principal deduzirem o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 168.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»):

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

4        O artigo 176.° da Diretiva IVA dispõe:

«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados‑Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados‑Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão.»

 Direito português

 CIVA

5        O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «CIVA»), continha um artigo 21.°, com a epígrafe «Exclusões do direito à dedução». Este artigo previa a exclusão, total ou parcial, na proporção de 50 %, do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação.

 Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

6        O artigo 23.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na versão aplicável ao litígio no processo principal, previa o princípio da dedutibilidade de todos os encargos suportados pelo sujeito passivo para a obtenção ou garantia de rendimentos sujeitos a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (a seguir «IRC»).

7        Todavia, ainda que dedutíveis, alguns encargos, como os relativos a despesas de representação, estavam sujeitos a uma taxa autónoma, distinta da taxa normal de IRC, fixada em 21 %. Assim, nomeadamente, nos termos do artigo 88.°, n.° 7, deste código, os encargos relativos a despesas de representação eram tributados a uma taxa claramente inferior, a saber, 10 %.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

8        As requerentes no processo principal são sociedades com sede em Portugal.

9        No ano de 2018, as requerentes no processo principal efetuaram despesas com determinados veículos, com deslocações e estadias, bem como despesas de representação. As despesas foram contabilizadas nas declarações de IVA e na declaração de IRC por elas apresentadas.

10      Em conformidade com uma exclusão prevista no artigo 21.° do CIVA e mantida pela República Portuguesa ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA (cláusula de standstill), o IVA suportado a montante com essas despesas está, no todo ou em parte, na proporção de 50 %, excluído do benefício do direito à dedução.

11      Na sequência do indeferimento, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, das reclamações graciosas que apresentaram contra as autoliquidações de IVA, as requerentes no processo principal apresentaram um pedido de pronúncia arbitral no órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), tendo em vista, designadamente, a declaração de ilegalidade da tributação em sede de IVA no exercício de 2018.

12      Em substância, as requerentes no processo principal sustentam que as despesas em relação às quais pretendem invocar o direito à dedução são objeto de um tratamento fiscal mais favorável em sede de IRC do que em sede de IVA. Com efeito, entendem que a exclusão, parcial ou total, do direito à dedução do IVA suportado a montante com essas despesas conduz a um resultado fiscalmente menos favorável do que o regime de tributação direta (IRC), no âmbito do qual essas despesas podem beneficiar de uma dedutibilidade mais ampla. Tal diferença de tratamento entre o regime fiscal instituído pelo direito da União (o IVA) e o regime fiscal nacional (o IRC) é, segundo as requerentes, contrária ao princípio da equivalência.

13      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o alcance do princípio da equivalência e sobre a compatibilidade do artigo 21.° do CIVA com este princípio.

14      Neste contexto, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O princípio da equivalência opõe‑se a uma regulamentação nacional em sede de IVA como a prevista no artigo 21.°, n.° 1, do [CIVA], mantida ao abrigo da cláusula [standstill], que prevê exclusão total ou em 50 % do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a viaturas, despesas de deslocação e estadia e despesas de representação, relativamente às quais se admite, em sede de imposto sobre o rendimento, a relevância total como gastos (sem prejuízo de controle a posteriori e sujeição a condições) ou, através de imposição de tributações autónomas, se admite uma dedutibilidade real como gastos em percentagem maior do que 50 %?»

 Quanto à questão prejudicial

15      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, visto que essas despesas beneficiam de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.

16      Em conformidade com o artigo 99.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta a essa questão não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado.

17      Esta disposição deve ser aplicada no âmbito do presente reenvio prejudicial.

18      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, na falta de regulamentação pelo direito da União, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União. Estas modalidades não devem, todavia, ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de direito interno (princípio da equivalência), nem ser concebidas de modo a, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdãos de 9 de julho de 2020, Vueling Airlines, C‑86/19, EU:C:2020:538, n.° 39, e de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.° 22 e jurisprudência referida). Os princípios da equivalência e da efetividade visam enquadrar a autonomia processual de que dispõem os Estados‑Membros quando dão execução ao direito da União [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de fevereiro de 2022, Philips Orăştie, C‑487/20, EU:C:2022:92, n.° 24, e de 28 de junho de 2022, Comissão/Espanha (Violação do direito da União pelo legislador), C‑278/20, EU:C:2022:503, n.° 178].

19      A observância destes dois princípios deve ser analisada tendo em conta o lugar que as regras em causa ocupam em todo o processo, a tramitação desse processo e as especificidades dessas regras nas várias instâncias nacionais (Acórdão de 9 de julho de 2020, Vueling Airlines, C‑86/19, EU:C:2020:538, n.° 40 e jurisprudência referida).

20      No que se refere ao princípio da equivalência, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a observância deste princípio pressupõe que a regra nacional em causa seja aplicável indiferentemente às ações fundadas nos direitos conferidos pelo direito da União aos litigantes e às fundadas na violação do direito interno que tenham um objeto e uma causa de pedir semelhantes. Cabe ao juiz nacional, que tem um conhecimento direto das modalidades processuais aplicáveis, verificar a semelhança entre as ações em causa, na perspetiva do seu objeto, da sua causa de pedir e dos seus elementos essenciais (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.° 39 e jurisprudência referida, e de 23 de abril de 2020, Sole‑Mizo e Dalmandi Mezőgazdasági, C‑13/18 e C‑126/18, EU:C:2020:292, n.° 40).

21      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que o princípio da equivalência proíbe que um Estado‑Membro preveja modalidades processuais menos favoráveis para os pedidos de reembolso de um imposto fundados na violação do direito da União do que as aplicáveis a ações similares fundadas na violação do direito interno (Acórdão de 6 de outubro de 2015, Târşia, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.° 32 e jurisprudência referida).

22      Por último, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a observância deste princípio implica um tratamento igual das ações fundadas na violação do direito nacional e das ações, semelhantes, fundadas na violação do direito da União, e não a equivalência das regras processuais nacionais aplicáveis a contenciosos de natureza diferente ou pertencentes a dois ramos de direito diferentes (Acórdão de 30 de junho de 2016, Câmpean, C‑200/14, EU:C:2016:494, n.° 55 e jurisprudência referida).

23      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o artigo 21.° do CIVA estabelece uma exclusão, total ou parcial, na proporção de 50 %, do direito à dedução do IVA suportado a montante com determinados tipos de despesas. Esta exclusão foi mantida pelo legislador nacional ao abrigo do artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

24      As requerentes no processo principal alegam que tais despesas beneficiam de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional, a saber, o IRC. A este respeito, consideram que o legislador nacional deveria alinhar o mecanismo do direito à dedução vigente em matéria de IVA com o previsto para a dedutibilidade de despesas em sede de IRC, sob pena de violação do princípio da equivalência.

25      Não se pode deixar de observar que esta argumentação assenta numa compreensão errada do alcance do princípio da equivalência.

26      Com efeito, por um lado, o alcance do direito à dedução do IVA suportado a montante é, como o Governo português e a Comissão salientaram com razão nas suas observações escritas, uma questão de ordem material. Não se trata de uma modalidade processual de uma ação destinada a assegurar a salvaguarda de direitos conferidos às requerentes no processo principal pelo direito da União.

27      A este respeito, a interpretação do princípio da equivalência sugerida pelas requerentes no processo principal teria por efeito desvirtuar o alcance deste princípio. Com efeito, se tal interpretação fosse acolhida, haveria o risco de o âmbito de aplicação do referido princípio ser alargado a qualquer questão de ordem material como, em matéria fiscal, a fixação da taxa de IVA. Ora, essa extensão iria além da finalidade prosseguida pelo mesmo princípio, a saber, o enquadramento da autonomia processual dos Estados‑Membros.

28      Por outro lado, contrariamente ao que defendem, em substância, as requerentes no processo principal, o mecanismo do direito à dedução do IVA e o regime de dedutibilidade de despesas em sede de um imposto direto, como o IRC, não são comparáveis para efeitos da aplicação do princípio da equivalência.

29      Com efeito, um imposto indireto como o IVA e um imposto direto como o IRC revestem uma natureza fundamentalmente diferente.

30      Além disso, o mecanismo de dedutibilidade, nestas duas formas de imposto, não é comparável e não tem um objeto e uma causa de pedir semelhantes na aceção da jurisprudência recordada no n.° 20 do presente despacho. Com efeito, embora seja certo que o mecanismo instituído pelo artigo 168.° da Diretiva IVA assenta na dedução do imposto suportado a montante com as despesas referidas nesta disposição, a dedutibilidade em sede de imposto direto pressupõe a dedução dessas despesas, enquanto tais, para efeitos do cálculo do lucro tributável.

31      Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.

 Quanto às despesas

32      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O princípio da equivalência deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, mantida ao abrigo do disposto no artigo 176.°, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e que institui uma exclusão total ou parcial do direito à dedução do IVA suportado com despesas relativas a determinados veículos, a deslocações e a estadias, bem como com despesas de representação, mesmo no caso de essas despesas beneficiarem de um regime pretensamente mais favorável, quanto à sua dedutibilidade, no âmbito de um imposto direto regulado pelo direito nacional.

Feito no Luxemburgo, em 9 de dezembro de 2022.

O Secretário

 

O Presidente de Secção

A. Calot Escobar

 

P. G. Xuereb


*      Língua do processo: português.

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