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Document 62021CJ0832

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 7 de setembro de 2023.
Beverage City & Lifestyle GmbH e o. contra Advance Magazine Publishers, Inc.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Competências especiais — Artigo 8.o, ponto 1 — Pluralidade de demandados — Pedidos ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente — Demandado “âncora” — Marca da União Europeia — Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigos 122.o e 125.o — Processo de infração de uma marca da União Europeia instaurada contra vários demandados domiciliados em diferentes Estados‑Membros — Competência do tribunal do domicílio do gerente de uma sociedade demandada — Competência do órgão jurisdicional chamado a decidir em relação aos codemandados domiciliados fora do Estado‑Membro do foro — Conceito de “nexo tão estreito” — Contrato de distribuição exclusiva entre o fornecedor e o seu cliente.
Processo C-832/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:635

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

7 de setembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Competências especiais — Artigo 8.o, ponto 1 — Pluralidade de demandados — Pedidos ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente — Demandado “âncora” — Marca da União Europeia — Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigos 122.o e 125.o — Processo de infração de uma marca da União Europeia instaurada contra vários demandados domiciliados em diferentes Estados‑Membros — Competência do tribunal do domicílio do gerente de uma sociedade demandada — Competência do órgão jurisdicional chamado a decidir em relação aos codemandados domiciliados fora do Estado‑Membro do foro — Conceito de “nexo tão estreito” — Contrato de distribuição exclusiva entre o fornecedor e o seu cliente»

No processo C‑832/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia, Alemanha), por Decisão de 16 de dezembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de dezembro de 2021, no processo

Beverage City & Lifestyle GmbH,

MJ,

Beverage City Polska Sp. z o.o.,

FE

contra

Advance Magazine Publishers Inc.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič (relator), I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de janeiro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Beverage City & Lifestyle GmbH e de MJ, por C. Greisner, Rechtsanwalt,

em representação da Beverage City Polska Sp. z o.o. e de FE, por M. Gil e M. Irmiński, adwokaci, e M. Oleksyn, radca prawny,

em representação da Advance Magazine Publishers Inc., por V. Ahmann, T. Raab e C. Tenkhoff, Rechtsanwälte,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por P. Barros da Costa e S. Duarte Afonso, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Němečková, S. Noë e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Beverage City & Lifestyle GmbH, MJ, Beverage City Polska sp. z o.o. e FE à Advance Magazine Publishers Inc. a respeito de um processo de infração de uma marca da União Europeia intentado por esta última sociedade.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1215/2012

3

Os considerandos 15, 16 e 21 do Regulamento n.o 1215/2012 enunciam:

«(15)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

(16)

O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado‑Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade, incluindo a difamação.

[…]

(21)

O funcionamento harmonioso da justiça obriga a minimizar a possibilidade de intentar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em Estados‑Membros diferentes. Importa prever um mecanismo claro e eficaz para resolver os casos de litispendência e de conexão e para obviar aos problemas resultantes das divergências nacionais quanto à determinação do momento a partir do qual os processos são considerados pendentes. Para efeitos do presente regulamento, é conveniente fixar esta data de forma autónoma.»

4

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

5

O artigo 8.o do referido regulamento prevê:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode também ser demandada:

1)

Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente;

[…]»

Regulamento (UE) 2017/1001

6

O artigo 1.o do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1), com a epígrafe «Marca da União Europeia», dispõe, no seu n.o 2:

«A marca da UE tem carácter unitário. A marca da UE produz os mesmos efeitos em toda a União [Europeia]: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a União. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

7

O artigo 9.o deste regulamento, com a epígrafe «Direitos conferidos pela marca da UE», enuncia:

«1.   O registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos.

2.   Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE, o titular dessa marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:

a)

Idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;

b)

Idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

c)

Idêntico ou semelhante à marca da UE, independentemente de ser utilizado para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, sempre que esta última goze de prestígio na União e que a utilização injustificada do sinal tire indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca da UE ou lhe cause prejuízo.

[…]

4.   Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE, o titular dessa marca da UE fica igualmente habilitado a impedir que terceiros, no decurso de operações comerciais, introduzam na União produtos que não tenham sido aí introduzidos em livre prática, se tais produtos, incluindo a embalagem, forem provenientes de países terceiros e ostentarem, sem autorização, uma marca idêntica à marca da UE registada em relação a esses produtos, ou que não possa ser distinguida, nos seus aspetos essenciais, dessa marca.

O direito do titular de uma marca da UE nos termos do primeiro parágrafo caduca se, durante o processo para determinar se ocorreu uma violação da marca da UE, iniciado nos termos do Regulamento (UE) n.o 608/2013 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativo à intervenção das autoridades aduaneiras para assegurar o cumprimento da legislação sobre os direitos de propriedade intelectual e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1383/2003 do Conselho (JO 2013, L 181, p. 15)], o declarante ou o detentor dos produtos fornecer provas de que o titular da marca da UE não tem o direito de proibir a colocação dos produtos no mercado no país de destino final.»

8

O capítulo X do Regulamento 2017/1001, intitulado «Competência e procedimento no que se refere a ações judiciais relativas a marcas da UE», inclui os artigos 122.o a 135.o

9

O artigo 122.o do Regulamento 2017/1001, com a epígrafe «Aplicação das normas da União em matéria de competência e de reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Salvo se o presente regulamento dispuser em contrário, são aplicáveis aos processos relativos a marcas da UE e a pedidos de marcas da UE, assim como aos processos relativos a ações simultâneas ou sucessivas instauradas com base em marcas da UE e em marcas nacionais, as disposições das normas da União em matéria de competência e de reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial.

2.   No que respeita aos processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 124.o:

a)

Não são aplicáveis o artigo 4.o, o artigo 6.o, o artigo 7.o, pontos 1, 2, 3 e 5, e o artigo 35.o do Regulamento [n.o 1215/2012];

b)

Os artigos 25.o e 26.o do Regulamento [n.o 1215/2012] são aplicáveis dentro dos limites previstos no artigo 125.o, n.o 4, do presente regulamento;

c)

As disposições do capítulo II do Regulamento [n.o 1215/2012] aplicáveis às pessoas domiciliadas num Estado‑Membro aplicam‑se igualmente às pessoas que não estejam domiciliadas num Estado‑Membro, mas que aí tenham um estabelecimento.»

10

O artigo 124.o do Regulamento 2017/1001, com a epígrafe «Competência em matéria de infração e de validade», dispõe:

«Os tribunais de marcas da UE têm competência exclusiva:

a)

Para todos os processos de infração e — se a lei nacional as admitir — de ameaça de infração de uma marca da UE;

[…]»

11

O artigo 125.o deste regulamento, com a epígrafe «Competência internacional», prevê:

«1.   Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, bem como das disposições do Regulamento [n.o 1215/2012] aplicáveis por força do artigo 122.o, os processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 124.o são intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha o seu domicílio ou, se este não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha um estabelecimento.

[…]

5.   Os processos resultantes das ações e pedidos referidos no artigo 124.o, com exceção das ações declarativas de não infração de uma marca da UE, podem ser igualmente intentados nos tribunais dos Estados‑Membros em cujo território a infração tenha sido cometida, ou esteja em vias de ser cometida, ou em cujo território tenha sido cometido um ato referido no artigo 11.o, n.o 2.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

A Advance Magazine Publishers, com sede em Nova Iorque (Estados Unidos), é titular de várias marcas da União Europeia que contêm o elemento nominativo «Vogue», relativamente às quais alega que são marcas de renome.

13

A Beverage City Polska é uma sociedade de direito polaco com sede em Cracóvia (Polónia). Produz uma bebida energética com a denominação «Diamant Vogue» e assegura igualmente a sua promoção e distribuição. O seu gerente, FE, também tem domicílio em Cracóvia.

14

A Beverage City & Lifestyle é uma sociedade de direito alemão com sede em Schorfheide, no Land de Brandeburgo (Alemanha). O seu gerente, MJ, tem domicílio em Niederkassel, no Land da Renânia‑do‑Norte‑Vestefália (Alemanha). Esta sociedade estava ligada à Beverage City Polska por um contrato de distribuição exclusiva na Alemanha ao abrigo do qual lhe comprava a bebida energética referida no número anterior. Apesar da semelhança dos seus nomes, as duas sociedades não pertencem ao mesmo grupo.

15

Considerando‑se vítima de atos constitutivos de infração às suas marcas, a Advance Magazine Publishers intentou contra essas sociedades e os seus gerentes, no tribunal de marcas da União Europeia competente para o Land da Renânia‑do‑Norte‑Vestefália, a saber, o Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Dusseldórfia, Alemanha), uma ação inibitória em todo o território da União, bem como de prestação de informações, prestação de contas e declaração da obrigação de indemnização. Posteriormente, estes pedidos acessórios foram limitados aos atos praticados na Alemanha.

16

O Landgerícht Düsseldorf (Tribunal Regional de Dusseldórfia) julgou procedente a ação intentada pela Advance Magazine Publishers, fundamentado a sua competência internacional no artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, no que respeita à Beverage City Polska e a FE. Considerou que os princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 27 de setembro de 2017, Nintendo (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724), eram aplicáveis ao processo principal.

17

A Beverage City Polska e FE interpuseram recurso da decisão do Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Dusseldórfia) no Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia, Alemanha).

18

Alegam que os órgãos jurisdicionais alemães não têm competência internacional para conhecer da ação intentada contra eles, sublinhando que agiram e entregaram as mercadorias aos seus clientes exclusivamente na Polónia. Além disso, o Acórdão de 27 de setembro de 2017, Nintendo (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724), não é transponível para a sua situação, uma vez que não existe uma relação pertinente entre eles, por um lado, e a Beverage City & Lifestyle e MJ, por outro.

19

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a competência internacional dos órgãos jurisdicionais alemães para conhecer da ação contra a Beverage City Polska e FE está sujeita ao requisito de, em conformidade com o artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, o respetivo pedido estar ligado ao pedido apresentado contra MJ, qualificado de «demandado âncora», por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.

20

Ora, no caso em apreço, contrariamente ao processo que deu origem ao Acórdão de 27 de setembro de 2017, Nintendo (C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724), a relação de fornecimento existente entre a Beverage City Polska e a Beverage City & Lifestyle não diz respeito ao demandado «âncora», que é posto em causa apenas na sua qualidade de representante desta última sociedade. Além disso, estas duas sociedades não pertencem ao mesmo grupo de sociedades e atuam sob a sua própria responsabilidade e independentemente uma da outra.

21

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a existência de um contrato de distribuição exclusiva entre a Beverage City Polska e a Beverage City & Lifestyle é suficiente para satisfazer o requisito previsto no artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, atendendo a que o processo principal diz respeito às mesmas marcas e aos mesmos produtos.

22

Nestas condições, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldórfia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Existe um “nexo tão estreito” entre os pedidos que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente, a fim de evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis, na aceção do artigo 8.o, [ponto] 1, do Regulamento n.o 1215/2012, quando, no caso de um processo de infração de uma marca da União, o nexo consiste no facto de a demandada domiciliada num Estado‑Membro (neste caso, a [República da] Polónia) ter fornecido os produtos que violam uma marca da [União Europeia] a uma demandada estabelecida noutro Estado‑Membro (neste caso, a [República da] Alemanha), cujo representante legal, contra o qual também foi intentada a ação, é o demandado “âncora”, se as partes só estiverem ligadas através do mero nexo de fornecimento e não existir entre elas nenhuma outra ligação jurídica ou factual?»

Quanto à questão prejudicial

23

Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que vários demandados domiciliados em diferentes Estados‑Membros podem ser julgados no órgão jurisdicional do domicílio de um deles, no âmbito de um processo de infração, com base em pedidos formulados contra todos esses demandados pelo titular de uma marca da União Europeia quando lhes é imputada uma violação materialmente idêntica dessa marca cometida por cada um, no caso de esses demandados estarem ligados por um contrato de distribuição exclusiva.

24

A título preliminar, há que recordar que, segundo o artigo 125.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, os processos de infração, como o que está em causa no processo principal, são intentados nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha o seu domicílio ou, se este não se encontrar domiciliado num dos Estados‑Membros, do Estado‑Membro em cujo território o réu tenha um estabelecimento, «[s]em prejuízo do disposto [neste] regulamento, bem como das disposições do Regulamento [n.o 1215/2012] aplicáveis por força do artigo 122.o» do primeiro regulamento.

25

O artigo 122.o do Regulamento 2017/1001 precisa, no seu n.o 1, que, «[s]alvo se o presente regulamento dispuser em contrário, são aplicáveis aos processos relativos a marcas da UE e a pedidos de marcas da UE, assim como aos processos relativos a ações simultâneas ou sucessivas instauradas com base em marcas da UE e em marcas nacionais, as disposições das normas da União em matéria de competência e de reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial». Além disso, este artigo 122.o fixa, no seu n.o 2, a lista das disposições do Regulamento n.o 1215/2012 que não são aplicáveis ou que só são aplicáveis em determinadas condições aos processos resultantes, nomeadamente, de ações de infração.

26

Assim, uma vez que o artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não figura entre estas disposições, aplica‑se aos processos de infração relativos às marcas da União Europeia.

27

Em particular, esta disposição enuncia que uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.

28

Assim, para que as decisões possam ser consideradas inconciliáveis, não basta que exista uma divergência na decisão dos litígios, sendo também necessário que essa divergência se inscreva no quadro de uma mesma situação de facto e de direito (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 2017, Nintendo, C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724, n.o 45 e jurisprudência referida).

29

No que respeita, em primeiro lugar, ao requisito relativo à existência de uma mesma situação de direito, o Tribunal de Justiça declarou, num processo em que estava em causa uma alegada violação de direitos conferidos por desenhos ou modelos comunitários, que este requisito está preenchido quando um demandante pretende proteger um direito exclusivo de utilização desses desenhos ou modelos comunitários, consagrado pelo direito da União e que produz os mesmos efeitos em todo o território da União, sendo a diferença de fundamentos jurídicos no direito nacional de pedidos relativos a essa proteção irrelevante para a apreciação do risco de decisões inconciliáveis (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 2017, Nintendo, C‑24/16 e C‑25/16, EU:C:2017:724, n.os 46 a 49 e jurisprudência referida).

30

Em matéria de marcas da União Europeia, há que recordar, por um lado, que por força do artigo 9.o do Regulamento 2017/1001, o registo de uma marca deste tipo confere ao seu titular direitos exclusivos e, por outro, que em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, deste regulamento, a marca da União Europeia produz os mesmos efeitos em toda a União. Decorre assim dos direitos exclusivos conferidos ao titular de uma marca da União Europeia que este pode proibir qualquer terceiro de a utilizar sem o seu consentimento e proteger esses direitos através de um processo de infração.

31

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o processo de infração intentado pela Advance Magazine Publishers visa a proteção dos direitos exclusivos que esta sociedade possui sobre marcas da União Europeia, pelo que o requisito relativo à existência de uma mesma situação de direito se afigura preenchido, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

32

No que se refere, em segundo lugar, ao requisito relativo à existência de uma mesma situação de facto, resulta do pedido de decisão prejudicial que a Beverage City & Lifestyle e a Beverage City Polska não pertencem ao mesmo grupo, não obstante a semelhança dos seus nomes e o contrato de distribuição exclusiva assinado entre elas. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha a inexistência de uma relação entre, por um lado, a Beverage City Polska e FE e, por outro, o «demandado âncora», a saber, o gerente da Beverage City & Lifestyle, com domicílio na Alemanha, mesmo que esse gerente seja igualmente demandado enquanto infrator.

33

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se, nestas condições, a existência de um contrato de distribuição exclusiva é um elemento suficiente para concluir pela existência de uma mesma situação de facto para efeitos da aplicação do artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012.

34

A este respeito, o objetivo da regra de competência prevista no artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 é, em conformidade com os considerandos 16 e 21 deste regulamento, dar resposta à preocupação de facilitar uma boa administração da justiça, reduzir ao máximo a possibilidade de processos concorrentes e evitar assim decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente (v., por analogia, Acórdão de 12 de julho de 2012, Solvay, C‑616/10, EU:C:2012:445, n.o 19).

35

Esta regra de competência especial, na medida em que derroga a competência de princípio do foro do domicílio do demandado, enunciada no artigo 4.o do Regulamento n.o 1215/2012, deve ser objeto de interpretação estrita, que não vá além das hipóteses expressamente previstas neste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2012, Solvay, C‑616/10, EU:C:2012:445, n.o 21).

36

A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou que, para apreciar a existência de uma conexão entre os diferentes pedidos que lhe são apresentados, incumbe ao órgão jurisdicional nacional ter em conta, nomeadamente, a circunstância de várias sociedades estabelecidas em diferentes Estados‑Membros serem acusadas, separadamente, dos mesmos atos de infração relativamente aos mesmos produtos (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2012, Solvay, C‑616/10, EU:C:2012:445, n.o 29).

37

Como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 48 e 60 a 65 das suas conclusões, a existência de uma conexão entre os pedidos em causa prende‑se principalmente com a relação existente entre todos os atos de infração cometidos e não com os vínculos organizacionais ou de capital entre as sociedades em causa. Do mesmo modo, para determinar a existência de uma mesma situação de facto, deve ser dada especial atenção à natureza das relações contratuais existentes entre o cliente e o fornecedor.

38

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que a Beverage City & Lifestyle estava ligada à Beverage City Polska por um contrato de distribuição exclusiva da bebida energética «Diamant Vogue» na Alemanha. Tal relação contratual exclusiva entre estas duas sociedades pode tornar mais previsível a possibilidade de os atos de infração alegados a seu respeito serem considerados abrangidos pela mesma situação de facto, suscetível de justificar a competência de um único órgão jurisdicional para decidir sobre os pedidos dirigidos contra todos os atores que cometeram esses atos.

39

Além disso, resulta tanto dos documentos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe como das respostas das partes no processo principal às questões colocadas na audiência que a cooperação estreita entre as sociedades se manifestou também através da exploração de dois sítios Internet, cujos domínios pertenciam a um único dos codemandados, por intermédio dos quais, através de reenvios entre esses sítios, eram comercializados os produtos em causa no processo principal.

40

Esta circunstância pode reforçar a hipótese da existência de uma conexão entre os pedidos da Advance Magazine Publishers em matéria de infração, mas também revelar o caráter previsível da obrigação de responder a alegações de atos de infração com a mesma origem.

41

Consequentemente, a conclusão, por um órgão jurisdicional nacional, de que os pedidos que lhe foram submetidos são dirigidos contra diferentes atores que contribuíram, cada um, para a mesma violação de uma marca da União Europeia no âmbito de uma cadeia de atos infratores pode justificar que o requisito relativo à existência de uma mesma situação de facto se afigure preenchido no que respeita à sua competência para decidir sobre pedidos apresentados contra diferentes codemandados que visam os mesmos atos de infração relativos à mesma marca da União Europeia, com fundamento no artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012.

42

Por conseguinte, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a existência de uma mesma situação de direito e de facto, tendo em conta todos os elementos pertinentes do processo que lhe for submetido, no que respeita aos pedidos dirigidos contra os diferentes demandados.

43

Não deixa de ser verdade que a regra estabelecida no artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não pode ser interpretada no sentido de que pode permitir a um autor demandar vários réus com a única finalidade de subtrair um deles aos tribunais do Estado onde está domiciliado e, assim, contornar a regra de competência que figura nesta disposição, criando ou mantendo artificialmente as condições de aplicação da referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.os 27 a 29 e jurisprudência referida).

44

Todavia, a hipótese de um demandante ter instaurado um processo contra vários demandados com a única finalidade de subtrair um deles aos tribunais do Estado onde está domiciliado fica excluída, como o Tribunal de Justiça já declarou, quando exista uma conexão estreita entre os pedidos formulados contra cada um dos demandados, quando da sua propositura, isto é, quando haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Freeport, C‑98/06, EU:C:2007:595, n.os 52 a 54).

45

Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional chamado a decidir assegurar‑se de que os pedidos dirigidos apenas contra os codemandados cujo domicílio justifica a competência desse órgão jurisdicional não têm por objetivo satisfazer de forma artificial os requisitos de aplicação do artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012.

46

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial que o artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que vários demandados domiciliados em diferentes Estados‑Membros podem ser julgados no órgão jurisdicional do domicílio de um deles, no âmbito de um processo de infração, com base em pedidos formulados contra todos esses demandados pelo titular de uma marca da União Europeia quando lhes é imputada uma violação materialmente idêntica dessa marca cometida por cada um, no caso de esses demandados estarem ligados por um contrato de distribuição exclusiva.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 8.o, ponto 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

vários demandados domiciliados em diferentes Estados‑Membros podem ser julgados no órgão jurisdicional do domicílio de um deles, no âmbito de um processo de infração, com base em pedidos formulados contra todos esses demandados pelo titular de uma marca da União Europeia quando lhes é imputada uma violação materialmente idêntica dessa marca cometida por cada um, no caso de esses demandados estarem ligados por um contrato de distribuição exclusiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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