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Document 62021CJ0769

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 8 de dezembro de 2022.
AAS «BTA Baltic Insurance Company» contra Iepirkumu uzraudzības birojs e Tieslietu ministrija.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administratīvā rajona tiesa.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 18.o, n.o 1 — Princípios da igualdade de tratamento, da transparência e da proporcionalidade — Decisão de anulação do procedimento de contratação pública — Propostas apresentadas separadamente por dois proponentes que pertencem ao mesmo operador económico e que constituem as duas propostas economicamente mais vantajosas — Recusa do adjudicatário em assinar o contrato — Decisão da entidade adjudicante de recusar a proposta do proponente seguinte, de encerrar o procedimento e de abrir um novo procedimento de contratação pública.
Processo C-769/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:973

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

8 de dezembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 18.o, n.o 1 — Princípios da igualdade de tratamento, da transparência e da proporcionalidade — Decisão de anulação do procedimento de contratação pública — Propostas apresentadas separadamente por dois proponentes que pertencem ao mesmo operador económico e que constituem as duas propostas economicamente mais vantajosas — Recusa do adjudicatário em assinar o contrato — Decisão da entidade adjudicante de recusar a proposta do proponente seguinte, de encerrar o procedimento e de abrir um novo procedimento de contratação pública»

No processo C‑769/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia), por Decisão de 13 de dezembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de dezembro de 2021, no processo

AAS «BTA Baltic Insurance Company»

contra

Iepirkumu uzraudzības birojs,

Tieslietu ministrija,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente da Quinta Secção, exercendo funções de presidente da Décima Secção, I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da AAS «BTA Baltic Insurance Company», por M. Brizgo, advokāts,

em representação do Governo letão, por J. Davidoviča e K. Pommere, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Ondrůšek, A. Sauka e G. Wils, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a AAS BTA Baltic Insurance Company (a seguir «Baltic») ao Tieslietu ministrija (Ministério da Justiça, Letónia) e ao Iepirkumu uzraudzības birojs (Organismo de Supervisão da Contratação Pública, Letónia) a respeito de uma decisão de encerrar um procedimento de adjudicação de um contrato público de serviços de seguro de saúde.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 18.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Princípios da contratação», prevê, no seu n.o 1:

«As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

[…]»

4

O artigo 55.o desta diretiva, sob a epígrafe «Informação dos candidatos e dos proponentes», prevê, no seu n.o 1:

«As autoridades adjudicantes informam no mais breve prazo todos os candidatos e proponentes das decisões tomadas relativamente à celebração de um acordo‑quadro, à adjudicação de um contrato ou à admissão num sistema de aquisição dinâmico, incluindo os motivos de qualquer eventual decisão no sentido de não celebrar um acordo‑quadro ou de não adjudicar um contrato para o qual tenha sido aberto concurso, de recomeçar o procedimento ou de não implementar um sistema de aquisição dinâmico.»

Direito letão

5

O artigo 2.o da Publisko iepirkumu likums (Lei da Contratação Pública), de 15 de dezembro de 2016 (Latvijas Vēstnesis, 2016, n.o 254), tem a seguinte redação:

«A presente lei visa garantir:

1)

a transparência da contratação;

2)

a livre concorrência entre os prestadores de serviços, bem como a igualdade e equidade de tratamento entre eles;

3)

a utilização eficiente dos recursos da entidade adjudicante, minimizando o mais possível os seus riscos».

6

Nos termos dos pontos 23 e 24 do Ministru kabineta noteikumi Nr. 107 «Iepirkuma procedūru un metu konkursu norises kārtība» (Decreto n.o 107 do Conselho de Ministros, relativo ao Procedimento de Contratação Pública), de 28 de fevereiro de 2017 (Latvijas Vēstnesis, 2017, n.o 45):

«23.

Se o proponente, a quem tenha sido adjudicado o contrato público, se recusar a celebrar o contrato com a entidade adjudicante, a comissão de contratação poderá adotar uma decisão de adjudicação do contrato público ao proponente seguinte que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa ou uma decisão de encerramento do procedimento de contratação pública sem selecionar nenhuma proposta. Se tiver sido tomada a decisão de adjudicar o contrato público ao proponente seguinte que tiver apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, mas este se recusar a celebrar o contrato, a comissão de contratação tomará a decisão de encerrar o procedimento de contratação pública sem selecionar nenhuma proposta.

24.

Antes de tomar a decisão de adjudicar o contrato público ao proponente seguinte que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, a comissão de contratação avaliará se esse proponente deve ser considerado como sendo o mesmo operador económico que o proponente inicialmente selecionado que se recusou a celebrar tal contrato com a entidade adjudicante. Se necessário, a comissão de contratação poderá solicitar ao proponente seguinte a confirmação e, caso necessário, provas de que não deve ser tido como o mesmo operador económico que o proponente inicialmente selecionado. Se o proponente seguinte e o proponente inicialmente selecionado forem considerados o mesmo operador económico, a comissão de contratação adotará a decisão de encerrar o procedimento de contratação pública sem selecionar nenhuma proposta.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

7

O Ministério da Justiça abriu, na qualidade de autoridade adjudicante, um concurso público para a adjudicação de um contrato público de seguro de saúde para os seus empregados e os do Valsts zemes dienests (Serviços Cadastrais, Letónia), da Datu valsts inspekcija (Agência Nacional de Proteção de Dados, Letónia), do Maksātnespējas kontroles dienests (Serviço de Controlo da Insolvência, Letónia) e do Patentu valde (Instituto de Patentes, Letónia).

8

Vários proponentes, entre os quais a Baltic e a Compensa Life Vienna Insurance Group SE Latvijas filiāle (a seguir «Compensa»), apresentaram propostas para obter a adjudicação deste contrato público.

9

Por Decisão de 19 de novembro de 2020, a comissão de contratação do Ministério da Justiça considerou que a proposta apresentada pela Compensa era a proposta economicamente mais vantajosa. No entanto, esta sociedade recusou‑se a celebrar o contrato.

10

Por Decisão de 1 de dezembro de 2020, essa comissão de avaliação indicou que a Baltic era o proponente seguinte com direito a obter a adjudicação do contrato, exigindo, ao mesmo tempo, com base no ponto 24 do Decreto n.o 107, de 28 de fevereiro de 2017, a apresentação de uma declaração assim como a prova de que a Baltic e a Compensa não deviam ser consideradas conjuntamente um único e mesmo operador económico.

11

Em resposta a este pedido, a Baltic indicou que se devia considerar que formava com a Compensa um único operador económico, declarando simultaneamente que tinha preparado a sua proposta de modo independente e sem concertação com esta última.

12

Nestas condições, por Decisão de 9 de dezembro de 2020, a comissão de avaliação do Ministério da Justiça, baseando‑se no ponto 23 do Decreto n.o 107, de 28 de fevereiro de 2017, encerrou o procedimento de adjudicação do contrato público.

13

Em 16 de dezembro de 2020, o Ministério da Justiça deu início a um novo procedimento de adjudicação.

14

Por Decisão de 21 de janeiro de 2021, o Organismo de Supervisão da Contratação Pública, chamado pela Baltic a pronunciar‑se sobre uma reclamação, confirmou a Decisão de 9 de dezembro de 2020. Salientou que o ponto 24 do Decreto n.o 107, de 28 de fevereiro de 2017, impõe à entidade adjudicante, com o objetivo de prevenir a possibilidade de uma prática concertada entre empresas do mesmo grupo após a apresentação das propostas, que encerre o procedimento de adjudicação do contrato público se verificar que o proponente inicialmente selecionado, que recusou celebrar o contrato com a entidade adjudicante, e o proponente seguinte, devem ser considerados um único operador económico. Além disso, segundo o Organismo de Supervisão da Contratação Pública, a entidade adjudicante, em conformidade com o ponto 23 desse decreto, tem o direito, em qualquer caso, de encerrar o procedimento de contratação se o proponente adjudicatário recusar celebrar o contrato com a entidade adjudicante, não tendo nenhum outro proponente o direito subjetivo de exigir ser declarado adjudicatário.

15

A Baltic interpôs então um recurso de anulação dessa decisão no Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia), a saber, o órgão jurisdicional de reenvio.

16

Segundo a Baltic, a entidade adjudicante estava obrigada a apreciar as suas explicações relativas à natureza da relação entre as duas sociedades e à elaboração das propostas, estabelecendo assim um justo equilíbrio entre o respeito simultâneo de todos os princípios consagrados no artigo 2.o da Lei da Contratação Pública.

17

A presunção contida no ponto 24 do Decreto n.o 107, de 28 de fevereiro de 2017, segundo a qual as empresas de um mesmo grupo coordenaram as suas propostas com o objetivo de falsear a concorrência, é desproporcionada e viola tanto os princípios enunciados na Diretiva 2014/24 como no Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur (C‑538/07, EU:C:2009:317).

18

O facto de o montante da proposta do proponente inicialmente selecionado ser superior ao da sua proposta prova que as propostas não foram coordenadas, pelo que a anulação da primeira proposta não pôde conferir uma vantagem às sociedades do grupo.

19

O Organismo de Supervisão da Contratação Pública considera, por seu lado, que o Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur (C‑538/07, EU:C:2009:317), diz apenas respeito ao direito de as empresas associadas entre si participarem num procedimento de adjudicação de um contrato público e de apresentarem propostas, direito este que não foi restringido no caso em apreço.

20

Esta situação deve distinguir‑se da situação em que a entidade adjudicante tem de encerrar o procedimento de contratação pública se o proponente selecionado se recusar a celebrar o contrato público. Com efeito, no primeiro caso, visado pelo Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur (C‑538/07, EU:C:2009:317), a entidade adjudicante, após ter rejeitado as propostas das empresas associadas entre si, escolheria outra proposta e o procedimento de contratação pública conduziria à adjudicação de um contrato, ao passo que, no segundo caso, a entidade adjudicante encerraria o procedimento de adjudicação do contrato público sem selecionar nenhuma proposta, o que teria por efeito restabelecer a concorrência permitindo a todos os proponentes participar num novo procedimento.

21

O Ministério da Justiça sustenta, por outro lado, que, em todo o caso, o ponto 23 do Decreto n.o 107, de 28 de fevereiro de 2017, confere à entidade adjudicante um poder discricionário quanto ao prosseguimento do procedimento de adjudicação quando o adjudicatário recusa celebrar o contrato em causa.

22

Segundo o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância), a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da questão de saber se a mera circunstância, não contestada no caso em apreço, de a Baltic e a Compensa deverem ser consideradas um único e mesmo operador económico tem incidência no direito da entidade adjudicante de decidir encerrar o procedimento de adjudicação do contrato público.

23

Este órgão jurisdicional considera que um Estado‑Membro dispõe, é certo, de um amplo poder de apreciação para prever a possibilidade de adotar uma decisão de anulação do concurso. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, conforme resulta do Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Croce Amica One Italia (C‑440/13, EU:C:2014:2435, n.os 33 a 35), os motivos de anulação podem basear‑se, nomeadamente, em razões relacionadas com a apreciação da oportunidade, do ponto de vista do interesse público, de levar a termo um procedimento de adjudicação, tendo em conta, entre outros, a eventual alteração do contexto económico ou das circunstâncias factuais, ou ainda as necessidades da entidade adjudicante em causa.

24

No caso em apreço, resulta, no entanto, da exposição dos factos que a entidade adjudicante, apesar da recusa do adjudicatário em celebrar o contrato, pretendeu prosseguir o procedimento de adjudicação através da adjudicação do contrato público ao proponente seguinte que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa. Com efeito, as necessidades da entidade adjudicante não se alteraram, o que é confirmado pela abertura de um novo procedimento de adjudicação, e a proposta seguinte responde às necessidades e às exigências da entidade adjudicante. No entanto, esta última encerrou, em aplicação do ponto 24 do Decreto n.o 107, de 28 de fevereiro de 2017, o procedimento de adjudicação do contrato público, com o fundamento de que os dois proponentes em causa deviam ser considerados um único e mesmo operador económico.

25

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade dessa regulamentação nacional com os princípios do direito da União aplicáveis aos procedimentos de adjudicação de contratos públicos.

26

É verdade que esta regulamentação não proíbe que empresas entre as quais exista uma relação de controlo ou que estejam associadas entre si participem no mesmo procedimento de contratação pública. Por conseguinte, está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante, nomeadamente, dos Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur (C‑538/07, EU:C:2009:317, n.os 29 e 30), e de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London (C‑144/17, EU:C:2018:78, n.os 34 a 36), segundo a qual o direito da União se opõe a uma regulamentação nacional que institui uma proibição absoluta, para empresas entre as quais existe uma relação de controlo ou de associação, de participarem de modo simultâneo e concorrente num mesmo concurso, sem lhes deixar a possibilidade de demonstrar independência das suas propostas, sendo uma regulamentação desse tipo contrária ao interesse da União de que seja assegurada a participação mais ampla possível de proponentes num concurso público.

27

Resulta, no entanto, desta mesma jurisprudência que as empresas entre as quais exista uma relação de controlo ou de associação têm direito a que lhe seja adjudicado o contrato em que participaram. Ora, o ponto 24 do Decreto n.o 107, de 28 de fevereiro de 2017, proíbe a entidade adjudicante de adjudicar o contrato público ao proponente seguinte quando este e o proponente inicialmente selecionado que retirou a sua proposta constituam em conjunto um único e mesmo operador económico. Tal regulamentação assenta, portanto, em substância, na presunção inilidível de que os dois proponentes se concertaram e que o adjudicatário retirou a sua proposta por esse motivo.

28

O órgão jurisdicional de reenvio considera, por conseguinte, que a regulamentação nacional em causa no processo principal, não obstante o amplo poder de apreciação de que gozam os Estados‑Membros para prever os casos em que há que encerrar um procedimento de adjudicação de um contrato público em circunstâncias em que as necessidades da entidade adjudicante não se alteraram ou em que a proposta seguinte responde às necessidades e às exigências da entidade adjudicante, não é compatível com os princípios enunciados no artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, em particular com a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de tratar os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como no respeito do princípio da proporcionalidade. A fase do procedimento de adjudicação do contrato público em causa é irrelevante para efeitos da aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 26 do presente acórdão, uma vez que esta é igualmente aplicável a uma decisão de encerrar esse procedimento. Esta regulamentação deve, portanto, deixar ao proponente em causa a possibilidade de demonstrar a independência da sua proposta.

29

Nestas condições, o Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma regulamentação nacional que impõe à entidade adjudicante a obrigação de encerrar o procedimento de contratação pública se se verificar que o proponente inicialmente selecionado, que recusou celebrar o contrato público com a entidade adjudicante, e o proponente seguinte, que apresentou uma proposta que cumpre as necessidades e exigências da entidade adjudicante, devem ser considerados o mesmo operador económico, é compatível com os princípios da contratação pública definidos no artigo 18.o, n.o 1 da Diretiva [2014/24], em particular com a obrigação dos Estados‑Membros de tratar os operadores económicos em pé de igualdade e sem discriminação, e com o princípio da proporcionalidade?»

Quanto à questão prejudicial

30

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os princípios gerais do direito da União, tais como, nomeadamente, os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que impõe à entidade adjudicante que encerre um procedimento de adjudicação de um contrato público quando, em caso de retirada do proponente inicialmente selecionado por ter apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, o proponente que apresentou a proposta seguinte economicamente mais vantajosa constituir com este último um único operador económico.

31

A este respeito, importa começar por recordar que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito da União não se opõe a que os Estados‑Membros prevejam a possibilidade, evocada no artigo 55.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, de adotar uma decisão de anulação de um concurso por motivos relacionados, nomeadamente, com a apreciação da oportunidade, do ponto de vista do interesse público, de levar a termo um procedimento de adjudicação, tendo em conta, entre outros, a eventual alteração do nível económico ou das circunstâncias factuais, as necessidades da entidade adjudicante em causa ou o nível insuficiente de concorrência quando, no termo do procedimento de adjudicação do contrato em causa, só ficar um proponente apto a executar esse contrato (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Croce Amica One Italia, C‑440/13, EU:C:2014:2435, n.o 35).

32

No entanto, essa decisão de anulação do concurso deve ser adotada no respeito das regras do direito da União, em particular dos princípios gerais do direito da União, tais como os princípios da igualdade de tratamento, da transparência e da proporcionalidade, os quais são igualmente referidos no artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 (v. neste sentido, Acórdãos de 18 de junho de 2002, HI, C‑92/00, EU:C:2002:379, n.os 42 e 45 a 47, e de 11 de dezembro de 2014, Croce Amica One Italia, C‑440/13, EU:C:2014:2435, n.os 33, 34 e 36).

33

No caso em apreço, é manifesto que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, ao impor à entidade adjudicante que encerre um procedimento de adjudicação de um contrato público nas circunstâncias referidas no n.o 30 do presente acórdão, visa afastar qualquer potencial concertação entre os participantes num mesmo procedimento de adjudicação de um contrato público após a apresentação das suas propostas e garantir assim a manutenção de um nível suficiente de concorrência a fim de salvaguardar a igualdade de tratamento dos candidatos e a transparência do procedimento (v., por analogia, Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 31).

34

Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, essa regulamentação não deve contudo, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, exceder o necessário para alcançar os seus objetivos (v., neste sentido, Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 32 e jurisprudência referida).

35

A este respeito, há que recordar que as regras da União em matéria de adjudicação de contratos públicos foram adotadas no âmbito da realização de um mercado único destinado a assegurar a livre circulação e a eliminar as restrições da concorrência (Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 33 e jurisprudência referida).

36

Neste contexto, é do interesse do direito da União que seja assegurada a participação mais ampla possível de proponentes num concurso público (Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 34 e jurisprudência referida).

37

Daqui decorre, segundo jurisprudência constante, que a exclusão automática de candidatos ou proponentes que se encontrem numa relação de controlo ou de associação com outros concorrentes vai além do que é necessário para prevenir comportamentos de concertação e, portanto, para assegurar a aplicação do princípio da igualdade de tratamento e o respeito da obrigação de transparência. Com efeito, essa exclusão automática, na medida em que constitui uma presunção inilidível de interferência recíproca nas propostas respetivas, para um mesmo contrato, de empresas ligadas por uma relação de controlo ou de associação e afasta assim a possibilidade de esses candidatos ou proponentes demonstrarem a independência das suas propostas, é contrária ao interesse da União de que seja assegurada a participação mais ampla possível de proponentes num concurso público (Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).

38

A este respeito, o Tribunal de Justiça já salientou que os agrupamentos de empresas podem revestir formas e objetivos variáveis, e não excluem forçosamente que as empresas dominadas gozem de uma certa autonomia na condução da sua política comercial e das suas atividades económicas, designadamente no domínio da participação em adjudicações públicas. Com efeito, as relações entre empresas de um mesmo agrupamento podem ser regidas por disposições especiais suscetíveis de garantir tanto a independência como a confidencialidade quando da elaboração de propostas que são simultaneamente apresentadas pelas empresas em causa no âmbito de um mesmo concurso (Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 37 e jurisprudência referida).

39

Por conseguinte, o respeito do princípio da proporcionalidade exige que a entidade adjudicante seja obrigada a examinar e a apreciar os factos, a fim de determinar se a relação existente entre duas entidades exerceu uma influência concreta no conteúdo das respetivas propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento de adjudicação, sendo a constatação de uma influência dessa natureza, independentemente da sua forma, suficiente para excluir as referidas empresas do procedimento (Acórdão de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 38 e jurisprudência referida).

40

Esta jurisprudência, desenvolvida relativamente a regulamentações nacionais que preveem a exclusão automática da participação num procedimento de adjudicação de um contrato público, aplica‑se da mesma maneira a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, que impõe à entidade adjudicante, na fase posterior da adjudicação, que encerre esse procedimento.

41

Com efeito, essa regulamentação, embora não exclua automaticamente os proponentes pertencentes a uma mesma entidade económica da participação num mesmo procedimento de adjudicação de um contrato público, produz efeitos análogos a esta.

42

A este respeito, há que salientar que, ao prever o encerramento automático de um procedimento de adjudicação de um contrato público quando, em caso de retirada do proponente inicialmente selecionado por ter apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, o proponente classificado em segundo lugar, que tinha apresentado a proposta seguinte economicamente mais vantajosa, constitua com este um único operador económico, uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, institui uma presunção inilidível de que esses proponentes se concertaram para a preparação das suas propostas ou após a apresentação das mesmas, pelo simples facto de pertencerem a uma mesma entidade económica, sem que possam demonstrar o caráter independente das suas propostas.

43

Ora, uma regulamentação nacional deste tipo, que diz respeito a uma fase do procedimento durante a qual a classificação das propostas e o seu conteúdo foram divulgados, é, por maioria de razão, contrária ao interesse da União de assegurar a maior participação possível de proponentes num concurso público e ao princípio da proporcionalidade.

44

Com efeito, não só esta regulamentação é suscetível de dissuadir as sociedades pertencentes a um mesmo grupo de apresentarem propostas concorrentes num procedimento de concurso público, uma vez que a sua classificação nos dois primeiros lugares teria por efeito automático, em caso de retirada da primeira classificada, encerrar tanto esse procedimento como os seguintes, excluindo‑as assim, de facto, de qualquer possibilidade de concorrer no âmbito desse concurso público, como, além disso, a referida regulamentação parece, ela própria, suscetível de aumentar o risco de distorção da concorrência, uma vez que a divulgação da classificação das propostas e do seu conteúdo no termo do primeiro procedimento é suscetível de facilitar uma eventual concertação entre os proponentes no âmbito do procedimento seguinte.

45

Embora a retirada do proponente inicialmente selecionado por ter apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, quando o proponente que apresentou a proposta seguinte economicamente mais vantajosa constitua com este um único operador económico possa constituir o indício de uma concertação anticoncorrencial, uma vez que essa retirada se pode afigurar motivada pelo propósito de ser selecionada a proposta mais elevada apresentada pelo grupo considerado no seu conjunto, não deixa de ser a verdade que não pode ser instituída nenhuma presunção inilidível nesse sentido, sob pena de privar esses proponentes da possibilidade de demonstrarem o caráter independente das suas propostas.

46

Nestas condições, há que responder à questão submetida que o princípio da proporcionalidade, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que impõe à entidade adjudicante que encerre um procedimento de adjudicação de um contrato público quando, em caso de retirada do proponente inicialmente selecionado por ter apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, o proponente que apresentou a proposta seguinte economicamente mais vantajosa constituir com este último um único operador económico.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O princípio da proporcionalidade, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

se opõe a uma regulamentação nacional que impõe à entidade adjudicante que encerre um procedimento de adjudicação de um contrato público quando, em caso de retirada do proponente inicialmente selecionado por ter apresentado a proposta economicamente mais vantajosa, o proponente que apresentou a proposta seguinte economicamente mais vantajosa constituir com este último um único operador económico.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: letão.

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