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Document 62021CJ0675

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 16 de fevereiro de 2023.
Strong Charon, Soluções de Segurança, S. A., contra 2045-Empresa de Segurança, S. A., e FL.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Reenvio prejudicial — Política social — Transferência de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Diretiva 2001/23/CE — Âmbito de aplicação — Recusa de o cessionário reconhecer a transferência do contrato de trabalho — Conceito de “transferência” — Conceito de “entidade económica” — Inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário.
Processo C-675/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:108

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

16 de fevereiro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Transferência de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Diretiva 2001/23/CE — Âmbito de aplicação — Recusa de o cessionário reconhecer a transferência do contrato de trabalho — Conceito de “transferência” — Conceito de “entidade económica” — Inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário»

No processo C‑675/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), por Decisão de 27 de outubro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de novembro de 2021, no processo

Strong Charon Soluções de Segurança, S. A.,

contra

2045  Empresa de Segurança, S. A.,

FL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún (relatora), presidente de secção, F. Biltgen e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Strong Charon – Soluções de Segurança, S. A., por F. J. Mouzinho Craveiro e T. Prado, advogados,

–        em representação da 2045 – Empresa de Segurança, S. A., por A. Martins Branco, advogada,

–        em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e I. Melo Sampaio, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Strong Charon – Soluções de Segurança, S. A. (a seguir «Strong Charon»), à 2045 – Empresa de Segurança, S. A. (a seguir «2045 – Empresa»), e a FL a respeito da recusa de a 2045 – Empresa reconhecer a transferência do contrato de trabalho inicialmente celebrado entre a Strong Charon e FL e, por conseguinte, a sua qualidade de entidade empregadora de FL.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 3 e 8 da Diretiva 2001/23 enunciam:

«(3)       É necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.

[...]

(8)       Por motivos de segurança e de transparência jurídicas, foi conveniente esclarecer o conceito jurídic[o] de transferência à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça [da União Europeia]. Esse esclarecimento não alterou o âmbito da Diretiva 77/187/CEE [do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122)], tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça.»

4        O artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23 prevê:

«a)       A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

b)       Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.

[...]»

5        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva:

«Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.»

 Direito português

6        O artigo 285.° do Código do Trabalho, na redação da Lei n.° 14/2018, de 19 de março de 2018 (Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de março de 2018) (a seguir «Código do Trabalho»), sob a epígrafe «Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento», enuncia:

«1 –      Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem‑se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.

2 –      O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

3 –      Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.

[...]

5 –      Considera‑se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico‑organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

[...]»

7        O artigo 286.° do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Informação e consulta dos trabalhadores e de representantes dos trabalhadores», tem a seguinte redação:

«1 –      O transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente [...].

[...]

3 –      A informação referida nos números anteriores deve ser prestada por escrito, antes da transmissão, em tempo útil, pelo menos 10 dias úteis antes da consulta referida no número seguinte.

4 –      O transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respetivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas.

[...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        Em 1 de agosto de 2003, FL foi contratado na qualidade de vigilante pela Strong Charon, uma sociedade que presta serviços de segurança privada.

9        A partir de 16 de janeiro de 2017, FL desempenhou as funções de vigilante nas instalações de um cliente da Strong Charon (a seguir «cliente»). No âmbito do exercício das suas funções, FL estava encarregado, nomeadamente, da abertura e fecho das instalações, do registo de movimento de pessoas e viaturas, da operação e controlo do sistema de videovigilância e do sistema de alarme, bem como de efetuar rondas noturnas.

10      No final de 2018, na sequência de um concurso público relativo à prestação de serviços de vigilância nas instalações do cliente, a 2045 – Empresa foi selecionada como nova prestadora de serviços com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019.

11      Por carta de 26 de dezembro de 2018, a Strong Charon informou FL de que a prestação dos serviços de vigilância ao cliente tinha sido adjudicada à 2045 – Empresa, pelo que esta sociedade seria a sua nova entidade empregadora a partir de 1 de janeiro de 2019, sem que resultassem nenhumas consequências de maior ou substanciais para FL, porquanto lhe seria garantida a manutenção de todos os seus direitos, designadamente a sua antiguidade, a sua retribuição e a sua categoria profissional.

12      Por outra carta do mesmo dia, a Strong Charon informou igualmente a 2045 – Empresa de que FL, com efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2019, entre outros funcionários, passaria a ser um dos seus trabalhadores com a função de vigilante.

13      Em 1 de janeiro de 2019, a 2045 – Empresa começou a prestar o serviço de vigilância nas instalações do cliente, mantendo o número de quatro vigilantes, dos quais apenas um era proveniente da Strong Charon, e utilizando o material e o equipamento existentes no local e pertencentes ao cliente, como as cancelas e as barreiras de acesso, os sistemas de videovigilância, os computadores e os telefones.

14      No mesmo dia, FL compareceu no posto de trabalho. Todavia, a 2045 – Empresa não o autorizou a exercer as suas funções de vigilante. FL repetiu, nos dois dias seguintes, a apresentação no local, mas a 2045 – Empresa continuou a recusar que este exercesse as suas funções.

15      Em 8 de janeiro de 2019, realizou-se uma reunião na presença da Strong Charon, da 2045 – Empresa e do sindicato de trabalhadores em que FL se encontrava filiado. Nessa reunião, a Strong Charon e esse sindicato mantiveram o seu entendimento de que tinha existido transferência de uma unidade económica para a 2045 – Empresa, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019. Em contrapartida, esta última alegou, por seu lado, que não tinha havido transferência para si da posição de empregador relativamente ao contrato de trabalho em causa, celebrado entre FL e a Strong Charon, na sequência da sua designação como nova prestadora dos serviços de vigilância.

16      Por carta de 11 de janeiro de 2019, em resposta a uma comunicação de FL de 7 de janeiro de 2019, na qual este último e outros trabalhadores da Strong Charon recordaram que estavam dispostos a prosseguir o exercício das suas funções de vigilante anteriormente prestadas pela Strong Charon, a 2045 – Empresa comunicou a FL que, em virtude de não ter ocorrido transferência de estabelecimento nos termos previstos no artigo 285.° do Código do Trabalho, continuava a ser trabalhador da Strong Charon. Por outro lado, a 2045 – Empresa indicou a FL que, na falta de um vínculo contratual entre ela própria e este último, não poderia emitir o modelo necessário à instrução do requerimento de subsídio de desemprego.

17      Daqui resulta que, depois de 1 de janeiro de 2019, FL não realizou nenhum trabalho para a Strong Charon nem para a 2045 – Empresa e não auferiu nenhuma retribuição da parte destas sociedades.

18      Subsequentemente, FL intentou uma ação contra a 2045 – Empresa e a Strong Charon destinada, em substância, à condenação da 2045 – Empresa a reconhecer o contrato de trabalho celebrado entre FL e a Strong Charon e, portanto, o facto de a 2045 – Empresa ser a nova entidade empregadora de FL a partir de 1 de janeiro de 2019. Por conseguinte, a 2045 – Empresa estaria obrigada a respeitar todos os direitos de FL estabelecidos pelo referido contrato, incluindo os direitos ligados à antiguidade e demais condições de trabalho. Subsidiariamente, e para a hipótese de tal transferência do contrato de trabalho não ter ocorrido, a Strong Charon estaria obrigada, em substância, a reintegrar FL no seu serviço e a respeitar todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho que celebrou com este último.

19      Em primeira instância, o órgão jurisdicional competente julgou procedentes os pedidos de FL e proferiu uma sentença no sentido de que a 2045 – Empresa tinha substituído a Strong Charon na posição de entidade empregadora de FL a partir de 1 de janeiro de 2019.

20      A 2045 – Empresa interpôs recurso de apelação dessa sentença para o Tribunal da Relação (Portugal). Esse órgão jurisdicional julgou procedente o recurso e declarou, em substância, que a Strong Charon estava obrigada a respeitar todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho celebrado com FL e a reintegrá‑lo no seu serviço, considerando, em substância, que não existia transferência de uma entidade económica na falta de preservação e manutenção da identidade da referida entidade.

21      A Strong Charon interpôs recurso de revista desse acórdão no órgão jurisdicional de reenvio, o Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), alegando, nomeadamente que o Tribunal da Relação tinha cometido um erro na interpretação tanto da matéria de facto como do quadro jurídico correspondente relativo à transferência de uma entidade económica. O referido órgão jurisdicional de recurso não teve em conta todos os indícios que caracterizam a preservação e a manutenção da identidade de uma entidade económica. Estes indícios compreendem, nomeadamente, a manutenção do mesmo número de vigilantes, a assunção e integração de um vigilante anteriormente empregado pela Strong Charon, bem como a exploração e utilização do equipamento e dos bens existentes no local do cliente, atribuído a este último.

22      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à existência, no âmbito do litígio no processo principal, de uma unidade económica, na aceção do artigo 285.°, n.° 5, do Código do Trabalho, que foi objeto de uma transferência de estabelecimento, tendo em conta os critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria.

23      Esse órgão jurisdicional observa, por um lado, que os indícios pertinentes não parecem ser suscetíveis de demonstrar que a 2045 – Empresa, enquanto nova prestadora de serviços, reintegrou a maioria ou o essencial dos efetivos ao serviço da anterior prestadora, a saber, a Strong Charon.

24      Por outro lado, interroga‑se sobre a relevância, no âmbito de circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, da inexistência de qualquer vínculo contratual entre a antiga e a nova prestadora de serviços.

25      Nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)       Continua a poder afirmar‑se que a inexistência de qualquer vínculo contratual entre sucessivos prestadores de serviços é um indício da inexistência de transferência na aceção da Diretiva [2001/23], embora como os restantes indícios não seja só por si decisivo e não deva ser considerado isoladamente [(Acórdão de 11 de março de 1997, Süzen, C‑13/95, EU:C:1997:141, n.° 11)]?

2)       Em uma atividade como a segurança privada de instalações industriais, em que o novo prestador assumiu apenas um dos quatro trabalhadores que integravam a unidade económica (e, por conseguinte, não assumiu a maioria) e não há elementos de facto que permitam concluir que o trabalhador em causa tinha competências e conhecimentos específicos de modo a poder afirmar‑se que uma parte essencial dos efetivos em termos de competências tenha transitado para o novo prestador, nem tão-pouco se verificou a transmissão de bens incorpóreos, pode concluir‑se pela inexistência de transferência de qualquer entidade económica, apesar de algum equipamento (alarmes, circuito interno de televisão, computador) continuar a ser disponibilizado pelo cliente ao novo prestador de serviços, atendendo, por um lado, ao valor económico relativamente reduzido do investimento que tal equipamento representa no conjunto da operação e, por outro, que não seria economicamente racional [(Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Grafe e Pohle, C‑298/18, EU:C:2020:121, n.° 32)] exigir ao cliente a sua substituição?

3)       Se “esta questão [deve] ser apreciada in concreto pelo órgão jurisdicional nacional à luz dos critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça [(Acórdão de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza, C‑472/16, EU:C:2018:646)] e dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/23, conforme enunciados, designadamente, no seu considerando 3” [(Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Grafe e Pohle, C‑298/18, EU:C:2020:121, n.° 27)], deve ter‑se em conta que “a Diretiva 2001/23 não tem unicamente por objetivo salvaguardar os interesses dos trabalhadores, aquando de uma transferência de empresa, mas pretende assegurar um justo equilíbrio entre os interesses destes últimos, por um lado, e os do cessionário, por outro” [(Acórdão de 26 de março de 2020, ISS Facility Services, C‑344/18, EU:C:2020:239, n.° 26)], o qual retoma, aliás, afirmação já proferida no [n.° 25 do Acórdão de 18 de julho de 2013, Alemo‑Herron e o. (C‑426/11, EU:C:2013:521)]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

26      A Strong Charon contesta, por um lado, a admissibilidade da primeira questão, com o fundamento de que esta é irrelevante tendo em conta a abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «transferência» na aceção da Diretiva 2001/23. Por outro lado, tem dúvidas quanto à admissibilidade da terceira questão, uma vez que parece que a mesma tem uma mera natureza abstrata e hipotética.

27      A este respeito, importa recordar que o processo de decisão prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE estabelece uma cooperação estreita entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, que se baseia numa repartição de funções entre eles, e constitui um instrumento graças ao qual o Tribunal de Justiça fornece aos tribunais nacionais os elementos de interpretação do direito da União necessários para a resolução dos litígios que lhes são submetidos (Acórdão de 7 de julho de 2022, Coca‑Cola European Partners Deutschland, C‑257/21 e C‑258/21, EU:C:2022:529, n.° 33 e jurisprudência referida).

28      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 7 de julho de 2022, Coca‑Cola European Partners Deutschland, C‑257/21 e C‑258/21, EU:C:2022:529, n.° 35 e jurisprudência referida).

29      No caso em apreço, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre se a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário de uma empresa ou de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento deve ser interpretada como um indício da inexistência de uma «transferência» na aceção da Diretiva 2001/23.

30      Com a sua terceira questão, esse órgão jurisdicional pretende saber se, para apreciar in concreto a existência de uma «transferência», na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23, deve ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça que faz referência a um justo equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores, por um lado, e os de um cessionário, por outro.

31      Ora, não é de forma nenhuma proibido a um órgão jurisdicional nacional submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial cuja resposta possa ser claramente deduzida da jurisprudência do Tribunal de Justiça e não dá, assim, azo a nenhuma dúvida razoável. Por conseguinte, mesmo admitindo que seja esse o caso, a primeira questão não se torna, por isso, inadmissível (v., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2020, Vueling Airlines, C‑86/19, EU:C:2020:538, n.° 22 e jurisprudência referida).

32      Por outro lado, não é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio não é necessária para que este último decida o litígio que lhe foi submetido.

33      Por conseguinte, a primeira e a terceira questões são admissíveis.

 Quanto à primeira questão

34      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2001/23 deve ser interpretada no sentido de que a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário de uma empresa ou de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento é relevante para a determinação da existência de uma transferência na aceção desta diretiva.

35      A título preliminar, importa salientar, por um lado, que a Diretiva 2001/23 codificou a Diretiva 77/187 e, por outro, que a redação do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2001/23 é, em substância, idêntica à do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 77/187.

36      Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2001/23, esta é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

37      A este respeito, importa observar que resulta do considerando 8 da Diretiva 2001/23 que por motivos de segurança e de transparência jurídicas, foi conveniente esclarecer o conceito jurídico de «transferência» à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, sem com isso alterar o âmbito de aplicação da Diretiva 77/187, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça.

38      No que se refere à Diretiva 77/187, o Tribunal de Justiça declarou, em primeiro lugar, que esta diretiva visa assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente de uma mudança de proprietário. O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência na aceção da referida diretiva é saber se a entidade em questão preserva a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma (Acórdão de 11 de março de 1997, Süzen, C‑13/95, EU:C:1997:141, n.° 10 e jurisprudência referida).

39      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça precisou que a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário, embora possa constituir um indício de que não houve transferência na aceção da Diretiva 77/187, não pode revestir uma importância determinante a esse respeito (Acórdão de 11 de março de 1997, Süzen, C‑13/95, EU:C:1997:141, n.° 11).

40      No mesmo sentido, tratando‑se desta vez da Diretiva 2001/23, o Tribunal de Justiça declarou que o seu âmbito de aplicação abrange todas as hipóteses de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou coletiva responsável pela exploração da empresa que contrai obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa. Assim, para que a referida diretiva seja aplicável, não é necessário que existam relações contratuais diretas entre o cedente e o cessionário, já que a cessão também se pode efetuar por intermédio de um terceiro (Acórdão de 19 de outubro de 2017, Securitas, C‑200/16, EU:C:2017:780, n.° 23 e jurisprudência referida).

41      Por outras palavras, a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário não influi na questão de saber se a Diretiva 2001/23 é ou não aplicável a uma situação específica (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 86 e jurisprudência referida).

42      Como resulta do n.° 37 do presente acórdão, o legislador da União, no artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2001/23, tomou em consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 77/187, referida no n.° 38 deste acórdão, segundo a qual o critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na aceção desta diretiva, reside não na existência de um vínculo contratual mas na circunstância de a entidade económica preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 89 e jurisprudência referida). Como decorre do considerando 8 da Diretiva 2001/23, ao fazê‑lo, o legislador da União não pretendeu, contudo, alterar o âmbito de aplicação desta diretiva em relação ao da Diretiva 77/187.

43      Com efeito, nos termos deste artigo 1.°, n.° 1, alínea b), é considerada «transferência», na aceção da Diretiva 2001/23, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.

44      No caso em apreço, por um lado, embora não resulte dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que existe um vínculo contratual, direto ou indireto, entre a Strong Charon e a 2045 – Empresa, tal circunstância não é, em todo o caso, relevante para a aplicação da Diretiva 2001/23 a uma situação como a que está em causa no processo principal. Por outro lado, decorre dos referidos autos que a 2045 – Empresa assumiu a totalidade dos serviços de vigilância prestados até então pela Strong Charon ao cliente, na sequência do concurso público lançado por este último, no âmbito do qual a 2045 – Empresa foi selecionada como nova prestadora com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019. Sem prejuízo da resposta dada à segunda questão, tal circunstância factual pode, em contrapartida, constituir um indício da existência de uma eventual transferência na aceção do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2001/23.

45      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que a Diretiva 2001/23 deve ser interpretada no sentido de que a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário de uma empresa ou de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento é irrelevante para a determinação da existência de uma transferência na aceção desta diretiva.

 Quanto à segunda questão

46      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva uma situação em que uma empresa prestadora de serviços que, para as necessidades de um dos seus clientes, tinha afetado a este último uma equipa composta por um certo número de trabalhadores é substituída, por esse cliente, para prestar os mesmos serviços, por uma nova empresa prestadora e em que, por um lado, esta última assume apenas um número muito limitado dos trabalhadores que integravam essa equipa, sem que os trabalhadores reintegrados tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente, e, por outro, não se verificou a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços.

47      A título preliminar, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que o âmbito de aplicação da Diretiva 2001/23 se estende a todas as situações de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou coletiva responsável pela exploração da empresa, que, por esse facto, contrai as obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa, sem que tenha importância saber se a propriedade dos elementos corpóreos é transmitida (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza, C‑472/16, EU:C:2018:646, n.° 28 e jurisprudência referida).

48      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a Diretiva 2001/23 visa assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente de uma mudança de proprietário. Como resulta do n.° 42 do presente acórdão, o critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na aceção dessa diretiva, consiste, portanto, na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma (Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza, C‑472/16, EU:C:2018:646, n.° 29 e jurisprudência referida, e de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 89 e jurisprudência referida).

49      Para determinar se este requisito está preenchido, importa tomar em consideração o conjunto das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento em questão, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efetivos, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração de uma eventual suspensão dessas atividades. Estes elementos constituem, contudo, apenas aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 90 e jurisprudência referida).

50      Em particular, o Tribunal de Justiça considerou que o juiz nacional, na sua apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em questão, deve especialmente ter em conta o tipo de empresa ou de estabelecimento em causa. Daqui resulta que a importância a atribuir, respetivamente, aos diferentes critérios da existência de uma transferência, na aceção da Diretiva 2001/23, varia necessariamente em função da atividade exercida, ou mesmo dos métodos de produção ou de exploração utilizados na empresa, no estabelecimento ou na parte do estabelecimento em questão (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 91 e jurisprudência referida).

51      O Tribunal de Justiça salientou que uma entidade económica pode, nalguns setores, funcionar sem elementos do ativo, corpóreos ou incorpóreos, significativos, de tal forma que a manutenção da sua identidade além da operação de que é objeto não pode, por hipótese, depender da cessão de tais elementos (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 92 e jurisprudência referida).

52      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que, nalguns setores em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, o que sucede nomeadamente no caso de uma atividade que não necessita de utilizar elementos materiais específicos, um conjunto de trabalhadores que executa de forma duradoura uma atividade comum pode corresponder a uma entidade económica, essa entidade é suscetível de manter a sua identidade além da sua transferência quando o novo empresário não se limitar a prosseguir a atividade em causa, retomando também uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu antecessor afetava especialmente a essa tarefa. Nesta hipótese, o novo empresário adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá prosseguir de forma estável as atividades ou parte das atividades da empresa cedente (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 93 e jurisprudência referida).

53      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no contexto de um processo comparável ao do processo principal, que uma atividade de vigilância de um museu que não exige a utilização de elementos materiais específicos pode ser considerada uma atividade que assenta essencialmente na mão de obra e, por consequência, um conjunto de trabalhadores que executa de forma duradoura uma atividade comum de vigilância pode, na falta de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica. É ainda necessário, porém, como resulta do número anterior, que a identidade desta última seja mantida além da operação em causa, o que pode ser o caso quando a entidade económica em questão pertence a um setor que assenta essencialmente na mão de obra e o essencial dos efetivos dessa entidade, em termos de número e de competência, for integrado pelo alegado cessionário (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2018, Somoza Hermo e Ilunión Seguridad, C‑60/17, EU:C:2018:559, n.os 35 e 37 e jurisprudência referida). Por conseguinte, nesse setor, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida além da operação em causa se o essencial dos seus efetivos, em termos de número e de competência, não for integrado pelo presumido cessionário (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza, C‑472/16, EU:C:2018:646, n.° 32 e jurisprudência referida).

54      Em contrapartida, num setor em que a atividade assenta essencialmente nos equipamentos, o facto de o novo empresário não ter integrado os efetivos que o seu antecessor empregava na execução da mesma atividade não basta para excluir a existência de transferência de uma entidade que mantém a sua identidade na aceção da Diretiva 2001/23 (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Colino Sigüenza, C‑472/16, EU:C:2018:646, n.° 33 e jurisprudência referida).

55      Resulta do que precede que a qualificação de transferência pressupõe que seja apurado um determinado número de factos, devendo esta questão ser apreciada in concreto pelo órgão jurisdicional nacional à luz dos critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça, bem como dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/23, conforme enunciados, nomeadamente, no seu considerando 3 (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Acciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.° 94 e jurisprudência referida).

56      A este respeito, os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe contêm elementos que sugerem que, por um lado, a 2045 – Empresa prossegue a mesma atividade económica que a Strong Charon, prestando os mesmos serviços de vigilância que esta última assegurava no mesmo local, para o mesmo cliente, empregando o mesmo número de vigilantes e utilizando o mesmo equipamento disponibilizado por esse cliente. Por outro lado, no caso em apreço, a prestação desses serviços em benefício do cliente não parece ter sofrido nenhum hiato significativo, uma vez que a 2045 – Empresa manteve imediatamente as atividades da Strong Charon no local em questão.

57      Tais circunstâncias de facto, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, são suscetíveis de corroborar a manutenção da identidade da entidade económica em questão e, por conseguinte, a existência de uma «transferência» na aceção do artigo 1.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2001/23.

58      Todavia, resulta da decisão de reenvio que só um dos quatro vigilantes que a Strong Charon empregava para assegurar os serviços de vigilância em causa no processo principal foi reintegrado pela 2045 – Empresa, sem que se possa deduzir dessa decisão que o vigilante em questão tinha competências e conhecimentos específicos necessários para assegurar a prestação desse serviço. Se se verificar que o referido vigilante não tinha essas competências ou conhecimentos específicos, há que concluir que não se pode considerar que a 2045 – Empresa tenha reintegrado o essencial dos efetivos, em termos de número ou de competências, da eventual entidade económica composta por esses quatro vigilantes. Por outro lado, resulta da referida decisão que a atividade em causa no processo principal consiste na vigilância das instalações do cliente, atividade que não parece necessitar da utilização de equipamentos específicos e que parece assim assentar essencialmente na mão de obra, à luz dos critérios recordados nos n.os 53 e 54 do presente acórdão. Tais circunstâncias factuais, admitindo que se verificaram, indicam que a identidade da entidade económica composta pelos quatro vigilantes que a Strong Charon tinha afetado à vigilância das instalações do cliente não foi mantida e, portanto, corroboram a inexistência de transferência de empresa na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23.

59      Em definitivo, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz das considerações que precedem e tendo em conta todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa no processo principal, se existe ou não uma transferência de empresa na aceção da Diretiva 2001/23.

60      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que não é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva uma situação em que uma empresa prestadora de serviços que, para as necessidades de um dos seus clientes, tinha afetado a este último uma equipa composta por um certo número de trabalhadores é substituída, por esse cliente, para prestar os mesmos serviços, por uma nova empresa prestadora e em que, por um lado, esta última assume apenas um número muito limitado dos trabalhadores que integravam essa equipa, sem que os trabalhadores reintegrados tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente, e, por outro, não se verificou a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços.

 Quanto à terceira questão

61      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 2001/23 deve ser interpretada no sentido de que a apreciação in concreto da existência de uma transferência de empresa, na aceção desta diretiva, deve ter em conta não só o objetivo de salvaguarda dos interesses dos trabalhadores mas também o de assegurar um justo equilíbrio entre os interesses destes últimos, por um lado, e os do cessionário, por outro.

62      É forçoso constatar, a este respeito, que a terceira questão pressupõe a existência de uma transferência de empresa na aceção da Diretiva 2001/23, uma vez que a referida questão não tem por objeto a apreciação in concreto da existência dessa transferência de empresa, mas a apreciação a jusante dos efeitos da mesma.

63      Ora, resulta da resposta dada à segunda questão que a situação em causa no processo principal, em que um mandato para a prestação de serviços no domínio da vigilância foi transferido de um cedente para o cessionário pelo cliente em causa, não pode ser qualificada de «transferência» na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23.

64      Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não há que responder à terceira questão.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      A Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos EstadosMembros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos,

deve ser interpretada no sentido de que:

a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário de uma empresa ou de um estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento é irrelevante para a determinação da existência de uma transferência na aceção desta diretiva.

2)      O artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23

deve ser interpretado no sentido de que:

não é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva uma situação em que uma empresa prestadora de serviços que, para as necessidades de um dos seus clientes, tinha afetado a este último uma equipa composta por um certo número de trabalhadores é substituída, por esse cliente, para prestar os mesmos serviços, por uma nova empresa prestadora e em que, por um lado, esta última assume apenas um número muito limitado dos trabalhadores que integravam essa equipa, sem que os trabalhadores reintegrados tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente, e, por outro, não se verificou a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços.

Assinaturas


*      Língua do processo: português.

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