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Document 62021CJ0670

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 12 de outubro de 2023.
BA contra Finanzamt X.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Köln.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Livre circulação de capitais — Artigos 63.o a 65.o TFUE — Imposto sobre as sucessões — Movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros — Bens imóveis situados num país terceiro — Tratamento fiscal mais favorável para bens imóveis situados num Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu — Restrição — Justificação — Política da habitação — Eficácia dos controlos fiscais.
Processo C-670/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:763

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

12 de outubro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Livre circulação de capitais — Artigos 63.o a 65.o TFUE — Imposto sobre as sucessões — Movimentos de capitais entre os Estados‑Membros e os países terceiros — Bens imóveis situados num país terceiro — Tratamento fiscal mais favorável para bens imóveis situados num Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu — Restrição — Justificação — Política da habitação — Eficácia dos controlos fiscais»

No processo C‑670/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht Köln (Tribunal Tributário de Colónia, Alemanha), por Decisão de 2 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de novembro de 2021, no processo

BA

contra

Finanzamt X,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb (relator), A. Kumin e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: S. Beer, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de novembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de BA, por F. Riedel, Rechtsanwalt,

em representação do Governo Alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann, W. Roels, e V. Uher, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de fevereiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 63.o a 65.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe BA ao Finanzamt X (Serviço de Finanças X, Alemanha), a respeito do cálculo do imposto sucessório sobre uma propriedade fundiária situada na Alemanha.

Quadro jurídico

Direito da União

3

No segundo considerando do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»), as partes nesse acordo reafirmaram «a elevada prioridade que atribuem às relações privilegiadas entre as Comunidades Europeias, os seus Estados‑Membros e os Estados da [Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA)], baseadas na proximidade, em valores comuns duradouros e na identidade europeia».

Direito alemão

ErbStG

4

A Erbschaftsteuer‑und Schenkungsteuergesetz (Lei do Imposto sobre as Sucessões e Doações), na versão publicada em 27 de fevereiro de 1997 (BGBl. 1997 I, p. 378), conforme alterada pela Gesetz zur Reform des Erbschaftsteuer‑und Bewertungsrechts (Lei de Reforma das Normas em matéria de Imposto sobre as Sucessões e de Avaliação de Bens), de 24 de dezembro de 2008 (BGBl. 2008 I, p. 3018) (a seguir «ErbStG»), prevê, no § 1, n.o 1, ponto 1, que estão sujeitas a imposto sobre as sucessões «as transmissões por morte».

5

Nos termos do § 2, n.o 1, da ErbStG:

«A obrigação tributária constitui‑se:

1.   nos casos referidos no § 1, n.o 1, pontos 1 a 3, em relação à totalidade da herança, quando o falecido à data da morte, o doador à data da doação ou o adquirente à data do facto gerador do imposto (§ 9), tenha a qualidade de residente (obrigação fiscal ilimitada).

Consideram‑se residentes:

a)

as pessoas singulares que tenham domicílio ou residência habitual no território nacional;

[...]»

6

O § 3, n.o 1, da ErbStG prevê:

«Considera‑se transmissão por morte:

1.

a aquisição por transmissão sucessória [artigo 1922.o do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil, a seguir “BGB”)], por legado (§§ 2147 e seguintes do [BGB]) ou por invocação de um direito à legítima (§ § 2303 e seguintes do [BGB]);

[...]»

7

O § 9, n.o 1, da ErbStG dispõe:

«O imposto torna‑se exigível,

1.   no caso de transmissão mortis causa, no momento da morte do autor da sucessão

[...]»

8

O § 10, n.os 1 e 6, da ErbStG enuncia:

«A aquisição tributável tem por objeto o enriquecimento do adquirente, desde que esse enriquecimento não esteja isento (§ § 5, 13, 13a, 13c, 16, 17 e 18). Nos casos referidos no § 3, entende‑se por “enriquecimento”, sem prejuízo do disposto no n.o 10, o montante obtido quando se deduz do valor da totalidade da transmissão patrimonial, a determinar nos termos do § 12, desde que esse valor seja tributável, o passivo da herança dedutível nos termos dos n.os 3 a 9, cujo valor deve ser determinado nos termos do § 12 [...]

[...]

(6)   [...] As dívidas e encargos, economicamente ligados ao património fiscalmente isento nos termos do § 13c, só são dedutíveis até ao montante correspondente à relação entre o valor desse património, a avaliar após aplicação do § 13c, e o valor antes da aplicação do § 13c.»

9

Nos termos do § 12, n.os 1, 3 e 7, da ErbStG:

«(1)   A avaliação é efetuada, salvo disposição em contrário prevista nos n.os 2 a 7, em conformidade com as disposições da primeira parte da Bewertungsgesetz (BewG) (Allgemeine Bewertungsvorschriften) [Lei relativa à Avaliação (Disposições Gerais de Avaliação)], na versão publicada em 1 de fevereiro de 1991 (BGBl. [1991] I p. 230), com a redação que lhe foi dada pelo § 2 da [Gesetz zur Reform des Erbschaftsteuer‑und Bewertungsrechts (Lei de Reforma do Regime do Imposto sobre as Sucessões e das Regras de Avaliação)] de 24 de dezembro de 2008 (BGBl. [2008] I p. 3018), na versão respetivamente em vigor [(a seguir “BewG”)].

[...]

(3)   A posse imobiliária (§ 19, n.o 1, da [BewG]) deve ser avaliada de acordo com o valor fixado no dia de referência da avaliação (§ 11), nos termos do § 151, n.o 1, primeiro período, ponto 1, da [BewG].

[...]

(7)   A posse imobiliária estrangeira e o património profissional estrangeiro são avaliados em conformidade com o § 31 da [BewG].»

10

O § 13c, n.os 1 e 3, da ErbStG prevê:

«(1)   Os bens imóveis referidos no n.o 3 devem ser avaliados em 90 % do seu valor de mercado.

[...]

(3)   O valor de mercado reduzido aplica‑se aos bens imóveis ou às frações desses bens que:

1.

estejam arrendados para fins habitacionais;

2.

estejam situados na Alemanha, num Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu; e

3.

não façam parte do património de uma empresa ou de uma exploração agrícola ou florestal na aceção do § 13a. [...]»

BewG

11

O § 9 da BewG prevê:

«Para efeitos das avaliações, salvo disposição em contrário, há que tomar como base o valor de mercado.

O valor de mercado é determinado pelo preço pelo qual um bem poderia ser vendido, em função da sua natureza, no âmbito de transações comerciais normais. A este respeito, há que ter em consideração todas as circunstâncias que afetam o preço. As situações anómalas ou pessoais não devem ser tidas em consideração.

[...]»

12

O § 31, n.o 1, da BewG enuncia:

«A avaliação do património agrícola e florestal, do património imobiliário e do património profissional estrangeiros rege‑se pelas disposições da primeira parte da presente lei, nomeadamente o § 9 (valor de mercado). [...]»

13

Nos termos do § 151, n.os 1 e 4, da BewG:

«(1)   Devem ser avaliados separadamente (§ 179 do Abgabenordnung [(Código Tributário)]:

1. o valor das participações imobiliárias (§ § 138 e 157),

[...]

(4)   O património estrangeiro não está sujeito a uma avaliação separada.»

14

O § 177 da BewG prevê:

«As avaliações referidas no § 179 e nos § § 182 a 196 devem basear‑se no valor e mercado (§ 9).»

BGB

15

O § 1030, n.o 1, do BGB dispõe:

«Um bem pode ser onerado de tal forma que a pessoa sobre a qual recai o ónus tem o direito de obter os frutos do bem (usufruto).»

16

O § 2147 do BGB enuncia:

«O herdeiro ou um legatário pode ser encarregado de um legado. Salvo disposição em contrário por parte do autor da sucessão, o herdeiro fica encarregado do legado.»

17

Nos termos do § 2174 do BGB:

«O legado institui um direito de o legatário reclamar ao administrador do legado a entrega da coisa legada.»

18

O § 2176 do BGB prevê:

«O crédito do legatário constitui‑se (devolução do legado), sem prejuízo do direito de recusar o legado no momento da morte.»

Acordo Fiscal entre a Alemanha e o Canadá

19

O Acordo entre a República Federal da Alemanha e o Canadá com o objetivo de evitar a dupla tributação no que respeita aos impostos sobre o rendimento e certos outros impostos, à prevenção da evasão fiscal e à assistência em matéria fiscal, foi celebrado em Berlim, em 19 de abril de 2001 (BGBl. 2002 II, p. 670, a seguir «Acordo Fiscal entre a Alemanha e o Canadá»), prevê, no artigo 2.o, sob a epígrafe «Impostos abrangidos»:

«(1)   O presente acordo aplica‑se aos impostos sobre o rendimento e sobre a fortuna cobrados por cada um dos Estados Contratantes e, no que respeita à República Federal da Alemanha, aos impostos cobrados por conta dos seus Länder, das suas subdivisões políticas ou das suas autarquias locais, independentemente do sistema de cobrança.

(2)   São considerados impostos sobre o rendimento e sobre a fortuna os impostos cobrados sobre o rendimento global, sobre a totalidade da fortuna ou sobre elementos do rendimento ou da fortuna, incluindo os impostos sobre os lucros resultantes da alienação de bens móveis e imóveis, bem como os impostos sobre as mais‑valias.

(3)   Os impostos aos quais atualmente se aplica o Acordo são:

a)

no que diz respeito ao Canadá:

os impostos cobrados pelo Governo do Canadá por força da Lei do Imposto sobre o Rendimento,

(a seguir “imposto canadiano”).

b)

no que diz respeito à República Federal da Alemanha:

aa) o imposto sobre o rendimento (Einkommensteuer),

bb) o imposto sobre as sociedades (Körperschaftsteuer),

cc) o imposto sobre a fortuna (Vermögensteuer),

dd) a contribuição das patentes (Gewerbesteuer), e

ee) a sobretaxa de solidariedade (Solidaritätszuschlag),

(a seguir “imposto alemão”).

4.   O Acordo aplica‑se igualmente aos impostos sobre o rendimento de natureza idêntica ou análoga e aos impostos sobre a fortuna que sejam instituídos após a data de assinatura do acordo e que acresçam aos impostos atuais ou que os substituam. As autoridades competentes dos Estados Contratantes procederão à comunicação recíproca das modificações que efetuarem nas respetivas legislações fiscais.»

20

O artigo 26.o do Acordo Fiscal entre a Alemanha e o Canadá, sob a epígrafe “Troca de informações”, dispõe:

«(1)   As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão as informações pertinentes para a aplicação das disposições do presente acordo ou da legislação nacional dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos pelo acordo, na medida em que a tributação aí prevista não seja contrária ao acordo. A troca de informações não é restringida pelo artigo 1.o As informações recebidas por um Estado Contratante são mantidas secretas do mesmo modo que as informações obtidas em aplicação do direito interno desse Estado e apenas são comunicadas às pessoas ou autoridades (incluindo os tribunais e órgãos administrativos) envolvidas na determinação ou cobrança dos impostos referidos no Acordo, ou, não obstante o disposto no n.o 4, dos impostos cobrados por um “Land” ou por uma subdivisão política ou coletividade local de um Estado Contratante que sejam de natureza análoga àqueles a que se aplica o Acordo. As referidas pessoas ou autoridades farão uso das informações unicamente para esses fins. Estas informações só podem ser mencionadas no decurso de audiências públicas de tribunais ou em decisões judiciais se a autoridade competente do Estado Contratante que presta as informações não levantar objeções.

(2)   O disposto no n.o 1 nunca poderá ser interpretado no sentido de que impõe a um Estado Contratante a obrigação:

a)

de tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação e à sua prática administrativa ou às do outro Estado Contratante;

b)

de facultar informações que não possam ser obtidas com base na sua legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou nas do outro Estado Contratante;

c)

de facultar informações que possam revelar segredos comerciais, industriais, profissionais ou métodos comerciais ou informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública.

(3)   As autoridades competentes dos Estados Contratantes acordam os princípios e procedimentos relativos à troca de informações pessoais.

(4)   Para efeitos do presente artigo, os impostos abrangidos pelo acordo são, sem prejuízo do disposto no artigo 2.o, todos os impostos cobrados por um Estado Contratante.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

21

A, residente na Alemanha, faleceu em 2016. Legou ao seu filho, BA, também residente na Alemanha, por escritura pública lavrada em 2013, a sua quota num património imobiliário situado no Canadá. Os bens imóveis que compõem esse património estão arrendados para fins habitacionais e não fazem parte de um património profissional.

22

Por Decisão de 17 de julho de 2017, o Serviço de Finanças X fixou o montante do imposto sucessório devido por BA na Alemanha sobre a totalidade do património hereditário. Para efeitos do cálculo do referido imposto, os bens imóveis situados no Canadá foram avaliados pela totalidade do seu valor de mercado.

23

Por carta de 19 de março de 2018, BA pediu a alteração do montante do imposto sucessório para que esses bens fossem avaliados em 90 % do seu valor de mercado, em conformidade com o § 13c, n.o 1, da ErbStG. Alegou que os bens imóveis em causa cumpriam os requisitos para beneficiar deste benefício fiscal com a única exceção prevista no n.o 3, ponto 2, deste artigo, que exige que o imóvel esteja situado na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE. Sustentou que esta última disposição infringia a livre circulação de capitais entre Estados‑Membros e países terceiros, consagrada no artigo 63.o TFUE.

24

Por Decisão de 25 de abril de 2018, o Serviço de Finanças X indeferiu o pedido de alteração apresentado por BA e, posteriormente, por Decisão de 23 de abril de 2019, a reclamação que este tinha apresentado.

25

O Serviço de Finanças X considerou que a diferença de tratamento entre os imóveis arrendados para fins habitacionais, situados num Estado terceiro que não seja parte no Acordo EEE, e os bens da mesma natureza, situados na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE, não era contrária ao artigo 63.o TFUE.

26

O Tribunal de Justiça considerou, no Acórdão de 22 de abril de 2010, Mattner (C‑510/08, EU:C:2010:216), que existe uma restrição à livre circulação de capitais quando um abatimento sobre a matéria coletável depende do local de residência dos interessados. Do mesmo modo, no Acórdão de 17 de janeiro de 2008, Jäger (C‑256/06, EU:C:2008:20), declarou que o facto de sujeitar a concessão de vantagens fiscais em matéria de imposto sucessório à condição de o bem adquirido por via de sucessão se situar no território nacional constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE. No entanto, o Serviço de Finanças X considerou que esta jurisprudência não se aplicava a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que exclui do âmbito de um benefício fiscal bens imóveis situados num Estado terceiro que não é parte no Acordo EEE.

27

Em 24 de maio de 2019, BA interpôs um recurso no Finanzgericht Köln (Tribunal Tributário de Colónia, Alemanha), órgão jurisdicional de reenvio, destinado a obter, em substância, a anulação da Decisão de 25 de abril de 2018.

28

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a conformidade com o artigo 63.o TFUE de uma disposição nacional que exclui da concessão do benefício fiscal um imóvel arrendado para fins habitacionais situado no Canadá. Segundo este órgão jurisdicional, os bens imóveis em causa cumprem todos os requisitos previstos pelo direito nacional para poderem beneficiar do benefício fiscal previsto no § 13c, n.os 1 e 3, da ErbStG, com exceção da que exige que o bem esteja situado na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro parte no Acordo EEE.

29

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se uma medida nacional que submeta os bens imóveis situados num Estado terceiro que não seja um Estado parte no Acordo EEE a um imposto sucessório mais elevado e que possa constituir uma restrição à livre circulação de capitais, pode ser justificada pela cláusula de standstill prevista no artigo 64.o TFUE, por um dos motivos enunciados no artigo 65.o TFUE ou por razões imperiosas de interesse geral.

30

Antes de mais, segundo o referido órgão jurisdicional, o artigo 64.o TFUE não parece ser aplicável, uma vez que o benefício fiscal previsto no § 13c, n.os 1 e 3, da ErbStG foi introduzido em 24 de dezembro de 2008, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2009 e, por conseguinte, posteriormente a 31 de dezembro de 1993.

31

Em seguida, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os bens imóveis arrendados para fins habitacionais, situados na Alemanha, noutro Estado‑Membro, num Estado parte no Acordo EEE ou noutro país terceiro, se encontram numa situação comparável para efeitos da aplicação do artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

32

Por outro lado, este órgão jurisdicional considera que a possibilidade de justificar a restrição à livre circulação de capitais com fundamento no artigo 65.o, n.o 1, alínea b), TFUE, que prevê que os Estados‑Membros podem tomar as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal, parece pouco concebível, dado que, nos termos do artigo 26.o, n.o 4, do Acordo Fiscal entre a Alemanha e o Canadá, estes dois Estados podem recorrer à troca de informações para todos os impostos cobrados num deles.

33

Por último, o referido órgão jurisdicional indica que não parece existir nenhuma razão imperiosa de interesse geral, na aceção do artigo 65.o, n.o 2, TFUE, suscetível de justificar a restrição à livre circulação de capitais decorrente da regulamentação nacional.

34

Nestas circunstâncias, o Finanzgericht Köln (Tribunal Tributário de Colónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 63.o, n.o 1, 64.o e 65.o TFUE ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional de um Estado‑Membro em matéria de cobrança do imposto sucessório que, para efeitos do cálculo do imposto sucessório, prevê que um imóvel privado, situado num país terceiro (neste caso, o Canadá) e arrendado para fins habitacionais é tido em conta pelo seu valor integral, ao passo que um imóvel privado situado no território nacional, num Estado‑Membro da União Europeia ou num Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu e arrendado para fins habitacionais é tido em conta por apenas 90 % do seu valor para efeitos do cálculo do imposto sucessório?»

Quanto à questão prejudicial

35

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 63.o a 65.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que, para efeitos do cálculo do imposto sucessório, um imóvel edificado que faz parte do património privado, situado num Estado terceiro distinto de um Estado parte no Acordo EEE e arrendado para fins residenciais, é avaliado pelo seu valor de mercado total, ao passo que um bem da mesma natureza situado no território nacional, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE é avaliado, para efeitos do referido cálculo, em 90 % do seu valor de mercado.

36

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora a tributação direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem exercê‑la com observância do direito da União, designadamente das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE [Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Finanzamt V (Sucessões — Abatimento parcial e dedução da legítima), C‑394/20, EU:C:2021:1044, n.o 27 e jurisprudência referida].

37

O artigo 63.o, n.o 1, TFUE proíbe, em termos gerais, as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros.

38

Resulta de jurisprudência constante que o tratamento fiscal das sucessões está abrangido pelo âmbito de aplicação das disposições do Tratado FUE relativas aos movimentos de capitais, com exceção dos casos em que os elementos que as integram se circunscrevem ao território de um único Estado‑Membro (Acórdãos de 22 de novembro de 2018, Huijbrechts, C‑679/17, EU:C:2018:940, n.o 16 e jurisprudência referida).

39

Uma situação em que um Estado‑Membro aplica o imposto sucessório a bens sucessórios situados fora do seu território, pertencentes a uma pessoa que reside no seu território na data da sua morte e que revertem a favor de um herdeiro igualmente residente deste Estado‑Membro, não pode ser considerada uma situação puramente interna. Por conseguinte, tal situação está abrangida pelos movimentos de capitais, na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE.

40

Há, pois, que examinar se uma regulamentação nacional de um Estado‑Membro que prevê que, para efeitos do cálculo do imposto sucessório, um bem imóvel situado num Estado terceiro que não seja parte no Acordo EEE é avaliado pelo seu valor de mercado integral, ao passo que tal bem situado nesse Estado‑Membro é avaliado, para efeitos do referido cálculo, em 90 % do seu valor de mercado, constitui uma restrição aos movimentos de capitais na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE e, em caso afirmativo, deve verificar-se se essa restrição pode ser admitida ao abrigo do artigo 64.o, n.o 1, TFUE ou, se for caso disso, justificada à luz do artigo 65.o TFUE.

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE

41

O Tribunal de Justiça declarou, em matéria de imposto sobre as sucessões, que a sujeição da concessão de benefícios fiscais à condição de o bem adquirido por via sucessória se situar no território nacional constitui uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Q,C‑133/13, EU:C:2014:2460, n.o 20 e jurisprudência referida). Do mesmo modo, as medidas que têm por efeito diminuir o valor da sucessão de um residente num Estado diferente daquele em cujo território se encontram os bens em causa constituem também uma restrição dessa natureza [Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Finanzamt V (Sucessões — Abatimento parcial e dedução da legítima), C‑394/20, EU:C:2021:1044, n.o 32 e jurisprudência referida].

42

Além disso, importa recordar que as medidas proibidas pelo artigo 63.o, n.o 1, TFUE compreendem as que são de molde a dissuadir os não residentes de fazerem investimentos num Estado‑Membro ou a dissuadir os residentes do referido Estado‑Membro de os fazerem noutros Estados (Acórdão de 15 de outubro de 2009, Busley e Cibrian Fernandez, C‑35/08, EU:C:2009:625, n.o 20).

43

No caso em apreço, a regulamentação nacional em causa no processo principal prevê que, quando uma sucessão abrange bens imóveis edificados que fazem parte do património privado e que são arrendados para fins habitacionais, esses bens são avaliados, para efeitos do cálculo do imposto sucessório, não pelo seu valor de mercado integral, mas em 90 % deste, quando se encontrem situados no território nacional, noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro parte no Acordo EEE. Esta regulamentação exclui do benefício fiscal os bens imóveis situados num Estado terceiro que não é parte no acordo EEE.

44

Tal regulamentação, que faz depender o benefício fiscal da localização dos bens incluídos na sucessão, leva a que os bens imóveis situados num Estado terceiro distinto de um Estado parte no Acordo EEE sejam sujeitos a uma carga fiscal mais pesada do que os situados no território nacional e, portanto, tem por efeito diminuir o valor dessa sucessão (v., neste sentido, Acórdão de 17 de janeiro de 2008, Jäger,C‑256/06, EU:C:2008:20, n.o 32).

45

Além disso, esta desvantagem fiscal é suscetível de dissuadir uma pessoa singular, residente na Alemanha, quer de proceder a um investimento num imóvel arrendado para fins habitacionais situado num Estado terceiro distinto de um Estado parte no acordo EEE, quer de conservar esse bem de que é proprietário (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2009, Busley e Cibrian Fernandez, C‑35/08, EU:C:2009:625, n.o 27).

46

Daqui resulta que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição aos movimentos de capitais, na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, o que aliás não é contestado pelo Governo Alemão.

Quanto à aplicação do artigo 64.o, n.o 1, TFUE no que respeita às restrições à livre circulação de capitais relativamente a países terceiros

47

O órgão jurisdicional de reenvio questiona se tal restrição, uma vez que diz respeito aos movimentos de capitais com um país terceiro, pode ser admitida ao abrigo do artigo 64.o, n.o 1, TFUE.

48

A este respeito, cumpre recordar que, nos termos desta disposição, o disposto no artigo 63.o TFUE não prejudica a aplicação a países terceiros de quaisquer restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993 ao abrigo de legislação nacional ou da União adotada em relação à circulação de capitais provenientes ou com destino a países terceiros que envolvam investimento direto, incluindo o investimento imobiliário, estabelecimento, prestação de serviços financeiros ou admissão de valores mobiliários nos mercados de capitais.

49

Quanto ao conceito de «restrições em vigor em 31 de dezembro de 1993» que figura no artigo 64.o, n.o 1, TFUE, importa recordar que qualquer disposição nacional adotada posteriormente a esta data não fica, por este simples facto, automaticamente excluída do regime derrogatório previsto nesta disposição. Com efeito, o Tribunal de Justiça admitiu que podem ser equiparadas a tais restrições «existentes» as previstas por disposições adotadas após a referida data, que, na sua substância, sejam idênticas à regulamentação anterior ou que se limitem a reduzir ou a suprimir um obstáculo ao exercício dos direitos e das liberdades de circulação que figuravam nesta regulamentação [Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, X (Sociedades intermediárias estabelecidas em países terceiros), C‑135/17, EU:C:2019:136, n.o 37 e jurisprudência referida].

50

No caso em apreço, há que salientar que, segundo as indicações facultadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o benefício fiscal em causa no processo principal, previsto no § 13c, n.os 1 e 3, da ErbStG, foi introduzido pela primeira vez no sistema jurídico alemão em 24 de dezembro de 2008, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2009. Por conseguinte, como aliás observam o Governo Alemão e a Comissão Europeia, a cláusula de standstill prevista no artigo 64.o, n.o 1, TFUE não se pode aplicar a esta regulamentação nacional, adotada posteriormente a 31 de dezembro de 1993.

51

Consequentemente, uma restrição à livre circulação de capitais para um país terceiro, como a que está em causa no processo principal, não é suscetível de evitar a aplicação do artigo 63.o, n.o 1, TFUE com fundamento no artigo 64.o, n.o 1, TFUE.

52

Nestas condições, importa examinar em que medida a restrição à livre circulação de capitais verificada pode ser justificada à luz do artigo 65.o TFUE.

Quanto à existência de uma justificação para a restrição à livre circulação de capitais ao abrigo do artigo 65.o TFUE

53

Nos termos do artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.o TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

54

Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar onde residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.o, n.o 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.o 1 deste artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.o [TFUE]» (Acórdão de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.o 44 e jurisprudência referida).

55

O Tribunal de Justiça declarou também que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.o, n.o 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (Acórdão de 30 de junho de 2016, Feilen, C‑123/15, EU:C:2016:496, n.o 26, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.o 45 e jurisprudência referida).

56

Por conseguinte, há que examinar, em primeiro lugar, a comparabilidade das situações em causa no processo principal e, se for caso disso, em segundo lugar, a possibilidade de justificar o tratamento diferenciado destas situações por uma razão imperiosa de interesse geral.

Quanto à comparabilidade das situações em causa

57

No âmbito do exame da comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio considera que um bem imóvel do património privado arrendado para fins habitacionais, situado num Estado terceiro distinto de um Estado parte no Acordo EEE, se encontra numa situação objetivamente comparável à de um bem da mesma natureza situado na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE. Segundo este órgão jurisdicional, as situações só diferem pela localização do bem imóvel.

58

O Governo Alemão, por seu turno, alega, em substância, que as situações respetivas dos bens imóveis situados, por um lado, num Estado terceiro que não é parte no acordo EEE e, por outro, na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no acordo EEE não são objetivamente comparáveis. Com efeito, o legislador alemão não está obrigado a alargar o benefício fiscal previsto pela regulamentação nacional em causa no processo principal, que visa promover a habitação com rendas acessíveis na Alemanha, nos outros Estados‑Membros ou nos Estados partes no Acordo EEE, aos imóveis situados em Estados terceiros que não são partes nesse acordo. Além de a situação em termos de rendas poder ser muito diferente nestes últimos Estados, este Governo considera, reportando‑se ao Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Q (C‑133/13, EU:C:2014:2460, n.o 27), que a diferença de tratamento fiscal entre sucessões relativas, por um lado, a bens imóveis arrendados para fins habitacionais situados nos referidos Estados e, por outro, a bens semelhantes situados na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE é inerente ao objetivo prosseguido pelo legislador alemão.

59

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, por um lado, que o caráter comparável ou não de uma situação transfronteiriça com uma situação interna deve ser examinado tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa assim como o objeto e o conteúdo destas últimas, e, por outro, que apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situação objetiva (Acórdão de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.o 54 e jurisprudência referida).

60

Resulta das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça pelo Governo Alemão que a regulamentação nacional em causa no processo principal tem por objeto diminuir a carga fiscal que impende sobre um bem imóvel arrendado para fins habitacionais, a qual é suscetível de obrigar o herdeiro a vender o referido bem imóvel devido ao imposto sucessório de que é devedor, contrariamente aos investidores institucionais, que não estão sujeitos a esse imposto.

61

O benefício fiscal resultante desta regulamentação diz respeito às sucessões de todos os bens imóveis arrendados para fins habitacionais, sem distinção, situados na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE.

62

Resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o cálculo do imposto sucessório está, em aplicação da referida regulamentação, diretamente relacionado com o valor de mercado dos bens incluídos na sucessão, de modo que objetivamente não existe nenhuma diferença de situação suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal no que respeita ao nível do imposto sucessório exigível a título, respetivamente, de um bem imóvel situado na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE, e de um bem imóvel situado num Estado terceiro distinto dos Estados partes no Acordo EEE (v., neste sentido, Acórdão de 17 de janeiro de 2008, Jäger, C‑256/06, EU:C:2008:20, n.o 44).

63

Além disso, nenhum elemento dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça permite concluir que os bens imóveis do património privado arrendados para fins habitacionais situados no Canadá não se encontram numa situação comparável à dos bens imóveis do património privado arrendados para fins habitacionais situados na Alemanha, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE.

64

Nestas condições, e sem prejuízo da análise do caráter eventualmente justificado da regulamentação em causa no processo principal a título de uma razão imperiosa de interesse geral, admitir que as situações não são comparáveis pelo simples facto de o bem imóvel em causa estar situado num Estado terceiro distinto de um Estado parte no Acordo EEE, quando o artigo 63.o, n.o 1, TFUE proíbe, precisamente, as restrições aos movimentos de capitais transfronteiriços, esvaziaria esta disposição do seu conteúdo [v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, X (sociedades intermediárias estabelecidas em países terceiros), C‑135/17, EU:C:2019:136, n.o 68].

65

A este respeito, a situação em causa no processo principal no presente caso é diferente da situação que deu origem ao Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Q (C‑133/13, EU:C:2014:2460), invocado pelo Governo Alemão. Com efeito, o benefício fiscal em causa neste último processo visava preservar a integridade de certas propriedades rurais típicas do património cultural e histórico nacional contra as divisões ou as desvirtuações e só se aplicava às doações relativas a esses domínios específicos. Em contrapartida, o benefício fiscal em causa no processo principal visa as sucessões dos bens imóveis arrendados para fins habitacionais de maneira geral.

66

Tendo em conta as considerações anteriores, a diferença de tratamento em causa no processo principal diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

67

Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se for justificada por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo por ela prosseguido e não for além do necessário para alcançar esse objetivo [v., neste sentido, Acórdãos de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa), C‑78/18, EU:C:2020:476, n.o 76, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.o 66 e jurisprudência referida].

68

No caso em apreço, há que observar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque tais razões na decisão de reenvio, o Governo Alemão alega que a restrição à livre circulação de capitais operada pela legislação nacional em causa no processo principal pode ser justificada por duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, as exigências atinentes à política de habitação social de um Estado‑Membro e, por outro, a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais.

– Quanto à política de habitação social de um Estado‑Membro

69

O Governo Alemão alega que o benefício fiscal previsto no § 13c, n.os 1 e 3, da ErbStG se justifica por exigências ligadas à política de habitação conduzida por esse Estado‑Membro. Com efeito, esta disposição reduz o imposto sucessório de que o herdeiro de um bem imóvel arrendado para fins habitacionais é devedor e permite assim diminuir a carga fiscal suscetível de o obrigar a vender esse bem. Além disso, favorece o arrendamento de habitações por particulares em comparação com o arrendamento de habitações por grandes investidores institucionais, que não estão sujeitos ao imposto sucessório. Assim, o benefício fiscal previsto por esta disposição é adequado a garantir, em complemento de outras medidas, o objetivo que consiste em permitir à população aceder a habitações com rendas acessíveis não só na Alemanha mas também nos outros Estados‑Membros e nos Estados partes no Acordo EEE, uma vez que o acesso da população a habitações com rendas acessíveis constitui também uma missão de natureza europeia.

70

A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já reconheceu que exigências relacionadas com a política de habitação social de um Estado‑Membro e com o seu financiamento podem, em princípio, constituir razões imperiosas de interesse geral (Acórdão de 1 de outubro de 2009, Woningstichting Sint Servatius, C‑567/07, EU:C:2009:593, n.o 30).

71

O Tribunal de Justiça declarou também que uma vez que a União Europeia tem uma finalidade económica e social, os direitos que resultam das disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais devem ser ajustados aos objetivos prosseguidos pela política social, entre os quais figura, designadamente, como resulta do artigo 151.o, primeiro parágrafo, TFUE, uma proteção social adequada (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, AGET Iraklis, C‑201/15, EU:C:2016:972, n.o 77).

72

No que respeita ao Acordo EEE, como resulta do seu segundo considerando, este reafirma as relações privilegiadas entre a União, os seus Estados‑Membros e os Estados da EFTA, baseadas na proximidade, em valores comuns duradouros e na identidade europeia. É à luz destas relações privilegiadas que há que entender um dos principais objetivos do Acordo EEE, a saber, a realização mais ampla possível da livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais em todo o Espaço Económico Europeu (EEE), de modo que o mercado interno realizado no território da União seja alargado aos Estados da EFTA (Acórdão de 2 de abril de 2020, Ruska Federacija, C‑897/19 PPU, EU:C:2020:262, n.o 50).

73

Assim, um objetivo relativo à política social, como a promoção e a disponibilização de habitação com rendas acessíveis nos Estados‑Membros e nos Estados partes no Acordo EEE, pode, em princípio, constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar restrições à liberdade de movimentos de capitais como as estabelecidas pela legislação nacional em causa no processo principal.

74

Todavia, importa ainda verificar, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 67 do presente acórdão, se a restrição à livre circulação de capitais criada pela regulamentação nacional em causa no processo principal é adequada para garantir, de forma coerente e sistemática, a realização do objetivo que prossegue e não vai além do que é necessário para o alcançar.

75

A este respeito, não se afigura que uma medida nacional, como a prevista no § 13c, n.os 1 e 3, da ErbStG, que estabelece uma distinção consoante os bens imóveis arrendados para fins habitacionais se situem quer no território nacional, da União ou do EEE quer no território de um Estado terceiro que não seja parte no Acordo EEE, seja adequada para garantir, de forma coerente e sistemática, a realização do objetivo invocado pelo Governo Alemão. Com efeito, como salientou, com razão, a Comissão na audiência, em vez de visar locais onde a escassez dessas habitações é particularmente acentuada, como, nomeadamente, nas grandes cidades alemãs, o § 13c da ErbStG aplica‑se de forma geral, nomeadamente nos Estados partes no Acordo EEE, e abstrai-se da localização do imóvel em zonas rurais ou urbanas. Além disso, qualquer categoria de bens imóveis arrendados para fins habitacionais, da mais simples à mais luxuosa, pode ser avaliada em 90 % do seu valor de mercado para efeitos do cálculo do imposto sucessório (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2009, Busley e Cibrian Fernandez, C‑35/08, EU:C:2009:625, n.o 32).

76

Além disso, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a regulamentação em causa no processo principal obrigue os herdeiros a conservar o seu alojamento durante um período determinado e a utilizá‑lo para efeitos de arrendamento, pelo que estes podem, depois de terem beneficiado da vantagem fiscal em causa no processo principal, vender essa habitação ou utilizá‑la como residência secundária.

77

Nestas condições, o benefício fiscal em causa no processo principal não pode ser considerado justificado pelo objetivo de promover e disponibilizar habitações com rendas acessíveis nos Estados‑Membros e nos Estados partes no Acordo EEE.

– Quanto à necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais

78

Decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais constitui uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição à livre circulação de capitais [Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, X (Sociedades intermediárias estabelecidas em países terceiros), C‑135/17, EU:C:2019:136, n.o 74 e jurisprudência referida].

79

Importa recordar que a jurisprudência relativa às restrições ao exercício das liberdades de circulação na União não pode ser inteiramente transposta para os movimentos de capitais entre Estados‑Membros e países terceiros, uma vez que estes movimentos se inscrevem num contexto jurídico diferente [Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, X (Sociedades intermediárias estabelecidas em países terceiros), C‑135/17, EU:C:2019:136, n.o 90 e jurisprudência referida].

80

Em particular, quando a regulamentação de um Estado‑Membro faz depender um benefício fiscal da satisfação de requisitos cuja observância só pode ser verificada mediante a obtenção de informações junto das autoridades competentes de um Estado terceiro que não seja Estado parte no acordo EEE, o referido Estado‑Membro pode, em princípio, recusar‑se a conceder esse benefício se, designadamente por não existir uma obrigação convencional de esse Estado terceiro fornecer informações, for impossível obter essas informações junto desse Estado (Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 67 e jurisprudência referida).

81

Segundo a regulamentação nacional em causa no processo principal, o benefício fiscal em causa é concedido quando o imóvel é arrendado para fins habitacionais.

82

Há que salientar que resulta da decisão de reenvio que, nos termos do artigo 26.o, n.o 4, do Acordo Fiscal entre a Alemanha e o Canadá, os impostos abrangidos por este acordo são, não obstante o disposto no artigo 2.o do mesmo acordo, todos os impostos cobrados por um Estado contratante. A este respeito, o ponto 11 do protocolo ao [Acordo Fiscal entre a Alemanha e o Canadá] (BGB1 II 2002, p. 703) prevê que, no que respeita ao artigo 26.o do referido acordo, se entende que, quando um Estado contratante pede informações nos termos deste artigo, o outro Estado contratante esforçar‑se‑á por obter as informações relativas a esse pedido como se os seus próprios impostos estivessem em jogo, ainda que este outro Estado não necessite, nesse momento, destas informações. Além disso, a possibilidade de recorrer ao artigo 26.o, n.o 4, do Acordo Fiscal entre a Alemanha e o Canadá foi confirmada pelo Governo Alemão na audiência de alegações.

83

Por conseguinte, as autoridades alemãs podem pedir às autoridades canadianas competentes as informações necessárias para verificar se as condições previstas no § 13c da ErbStG estão preenchidas para conceder o benefício fiscal em causa no processo principal quando o bem imóvel se situe no Canadá. A este respeito, também resulta da decisão de reenvio que não existem dificuldades no âmbito dessa troca de informações.

84

Daqui resulta que a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais não pode justificar a restrição à livre circulação de capitais decorrente da regulamentação nacional em causa no processo principal.

85

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que os artigos 63.o a 65.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que, para efeitos do cálculo do imposto sucessório, um imóvel edificado que faz parte do património privado, situado num Estado terceiro distinto de um Estado parte no Acordo EEE e arrendado para fins habitacionais, é avaliado pelo seu valor de mercado integral, ao passo que um bem da mesma natureza situado no território nacional, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE é avaliado, para efeitos desse cálculo, em 90 % do seu valor de mercado.

Quanto às despesas

86

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

Os artigos 63.o a 65.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê que, para efeitos do cálculo do imposto sucessório, um imóvel edificado que faz parte do património privado, situado num Estado terceiro distinto de um Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, e arrendado para fins habitacionais, é avaliado pelo seu valor de mercado integral, ao passo que um bem da mesma natureza situado no território nacional, noutro Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, é avaliado, para efeitos desse cálculo, em 90 % do seu valor de mercado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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