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Document 62021CJ0656

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 22 de dezembro de 2022.
IM Gestão de Ativos (IMGA) – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S. A., contra Autoridade Tributária e Aduaneira.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD).
Reenvio prejudicial — Diretiva 2008/7/CE — Artigo 5.°, n.° 2, alínea a) — Impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais — Imposto do selo que incide sobre os serviços de comercialização de participações de fundos comuns de investimento coletivo em valores mobiliários de capital variável.
Processo C-656/21.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:1024

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

22 de dezembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2008/7/CE — Artigo 5.o, n.o 2, alínea a) — Impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais — Imposto do selo que incide sobre os serviços de comercialização de participações de fundos comuns de investimento coletivo em valores mobiliários de capital variável»

No processo C‑656/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), por Decisão de 7 de outubro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de outubro de 2021, no processo

IM Gestão de Ativos (IMGA) — Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A.,

IMGA Rendimento Semestral,

IMGA Ações Portugal Cat A,

IMGA Ações América Cat A,

IMGA Mercados Emergentes,

IMGA Eurofinanceiras,

IMGA Eurocarteira,

IMGA Rendimento Mais,

IMGA Investimento PPR,

IMGA Alocação Moderada Cat A,

IMGA Alocação Dinâmica Cat A,

IMGA Global Equities Selection Cat A,

IMGA Liquidez Cat A,

IMGA Money Market Cat A,

IMGA Euro Taxa Variável Cat A,

IMGA Dívida Pública Europeia,

IMGA Retorno Global Cat A,

IMGA Poupança PPR,

IMGA Alocação Conservadora Cat A,

IMGA Iberia Equities ESG Cat A,

IMGA Iberia Fixed Income ESG Cat A,

IMGA Alternativo,

CA Curto Prazo,

IMGA Ações Europa,

IMGA Flexível Cat A,

CA Monetário,

CA Rendimento,

Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida ‑35‑44,

Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida ‑45‑54,

Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida +55,

Eurobic Seleção Top,

IMGA European Equities Cat A

contra

Autoridade Tributária e Aduaneira,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias (relator), M. Ilešič, I. Jarukaitis e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de IM Gestão de Ativos (IMGA) — Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A., IMGA Rendimento Semestral, IMGA Ações Portugal Cat A, IMGA Ações América Cat A, IMGA Mercados Emergentes, IMGA Eurofinanceiras, IMGA Eurocarteira, IMGA Rendimento Mais, IMGA Investimento PPR, IMGA Alocação Moderada Cat A, IMGA Alocação Dinâmica Cat A, IMGA Global Equities Selection Cat A, IMGA Liquidez Cat A, IMGA Money Market Cat A, IMGA Euro Taxa Variável Cat A, IMGA Dívida Pública Europeia, IMGA Retorno Global Cat A, IMGA Poupança PPR, IMGA Alocação Conservadora Cat A, IMGA Iberia Equities ESG Cat A, IMGA Iberia Fixed Income ESG Cat A, IMGA Alternativo, CA Curto Prazo, IMGA Ações Europa, IMGA Flexível Cat A, CA Monetário, CA Rendimento, Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida ‑35‑44, Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida ‑45‑54, Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida +55, Eurobic Seleção Top e IMGA European Equities Cat A, por A. Fernandes de Oliveira, advogado,

em representação do Governo português, por P. Barros da Costa, C. Chambel Alves, H. Gomes Magno e S. Jaulino, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por I. Melo Sampaio e V. Uher, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO 2008, L 46, p. 11).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a IM Gestão de Ativos (IMGA) — Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A., e 31 fundos comuns de investimento geridos por esta, a saber, o IMGA Rendimento Semestral, o IMGA Ações Portugal Cat A, o IMGA Ações América Cat A, o IMGA Mercados Emergentes, o IMGA Eurofinanceiras, o IMGA Eurocarteira, o IMGA Rendimento Mais, o IMGA Investimento PPR, o IMGA Alocação Moderada Cat A, o IMGA Alocação Dinâmica Cat A, o IMGA Global Equities Selection Cat A, o IMGA Liquidez Cat A, o IMGA Money Market Cat A, o IMGA Euro Taxa Variável Cat A, o IMGA Dívida Pública Europeia, o IMGA Retorno Global Cat A, o IMGA Poupança PPR, o IMGA Alocação Conservadora Cat A, o IMGA Iberia Equities ESG Cat A, o IMGA Iberia Fixed Income ESG Cat A, o IMGA Alternativo, o CA Curto Prazo, o IMGA Ações Europa, o IMGA Flexível Cat A, o CA Monetário, o CA Rendimento, o Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida ‑35‑44, o Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida ‑45‑54, o Eurobic PPR/OICVM Ciclo Vida +55, o Eurobic Seleção Top e o IMGA European Equities Cat A, à Autoridade Tributária e Aduaneira a propósito da incidência de um imposto do selo sobre a comercialização desses fundos comuns de investimento.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 1 a 3 e 9 da Diretiva 2008/7 têm a seguinte redação:

«(1)

A Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais [(JO 1969, L 249, p. 25),] foi substancialmente alterada diversas vezes. Dado que devem ser introduzidas novas alterações, é conveniente, por razões de clareza, proceder à reformulação da diretiva.

(2)

Os impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos.

(3)

Consequentemente, é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, fatores suscetíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.

[...]

(9)

Não deverão ser aplicados impostos indiretos às reuniões de capitais, exceto o imposto sobre as entradas de capital. Em especial, não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.»

4

O artigo 1.o da Diretiva 2008/7 prevê:

«A presente diretiva regula a aplicação de impostos indiretos sobre:

a)

Entradas de capital em sociedades de capitais;

b)

Operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais;

c)

Emissão de determinados títulos e obrigações.»

5

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Sociedade de capitais», dispõe:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por sociedade de capitais:

a)

Qualquer sociedade que assuma uma das formas enunciadas no anexo I;

b)

Qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva cujas partes representativas do capital social ou do ativo sejam suscetíveis de ser negociadas em bolsa;

c)

Qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos, cujos membros tenham o direito de ceder sem autorização prévia as respetivas partes sociais a terceiros, só sendo responsáveis pelas dívidas da sociedade, associação ou pessoa coletiva até ao limite da respetiva participação.

2.   Para efeitos da presente diretiva, é equiparada às sociedades de capitais qualquer outra sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos.»

6

O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Operações não sujeitas a impostos indiretos», prevê, no seu n.o 2:

«Os Estados‑Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:

a)

A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

b)

Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»

7

Segundo o artigo 1.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO 2009, L 302, p. 32), os organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) aos quais se aplica esta diretiva podem assumir a forma contratual (fundos comuns de investimento geridos por uma sociedade gestora) ou de trust (unit trust) ou a forma estatutária (sociedade de investimento).

8

Nos termos do artigo 87.o, primeiro período, desta diretiva:

«As unidades de participação de um OICVM não podem ser emitidas sem que o equivalente do preço líquido de emissão seja inscrito nos ativos do OICVM nos prazos habituais.»

Direito português

9

O artigo 1.o, ponto 1, do Código do Imposto do Selo prevê:

«O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.»

10

A Tabela Geral do Imposto do Selo (a seguir «TGIS») inclui uma verba 17 sobre operações financeiras, que tem a seguinte redação:

«Operações financeiras:

[...]

17.3

Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras ‑ sobre o valor cobrado:

[...]

17.3.4 Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões — 4 %.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

A IMGA é uma sociedade de gestão de organismos de investimento coletivo mobiliário aberto (a seguir «fundos comuns de investimento»). Gere e representa os 31 fundos comuns de investimento mencionados no n.o 2 do presente acórdão.

12

A IMGA socorre‑se de instituições financeiras, maxime bancos comerciais com uma rede de balcões que cobre o território português e com experiência na intermediação financeira e na colocação de valores mobiliários junto do público, para dar a conhecer e comercializar as unidades de participação nos fundos comuns de investimento em causa.

13

Durante o período compreendido entre janeiro e dezembro de 2019, quatro bancos comercializaram ao grande público unidades de participação emitidas pelos fundos comuns de investimento no processo principal. Pela prestação dos serviços de comercialização que permitiram as novas entradas de capitais agrupadas, estes bancos receberam comissões que faturaram à IMGA enquanto gestora dos fundos comuns de investimento. Nas faturas emitidas os bancos liquidaram igualmente o imposto do selo cobrado à IMGA invocando para tanto a verba 17.3.4 da TGIS.

14

Em 2019, a IMGA cobrou aos fundos comuns de investimento comissões de gestão em cujo valor incluiu uma parcela, a saber, 8752232,43 euros, correspondente ao valor das comissões de comercialização das subscrições de unidades de participação levadas a cabo pelos bancos referidas no número anterior, não incluindo esse montante, todavia, o imposto do selo liquidado pelos bancos a título das comissões em causa. A IMGA também liquidou e entregou ao Estado o montante de 350089,30 euros a título do imposto do selo, à taxa de 4 % prevista na verba 17.3.4 da TGIS, correspondente às mesmas comissões de comercialização, que repercutiu nos fundos comuns de investimento.

15

Os recorrentes no processo principal apresentaram reclamação graciosa desta incidência do imposto do selo na Divisão de Serviço Central da Unidades dos Grandes Contribuintes.

16

Tendo esta reclamação sido indeferida, os recorrentes no processo principal recorreram ao Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo, nomeadamente, que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação e de autoliquidação do imposto do selo em causa no processo principal.

17

Em apoio do seu pedido, os recorrentes no processo principal invocaram dois fundamentos. De acordo com o primeiro fundamento, a cobrança de um imposto do selo sobre a fração da comissão de gestão faturada pela IMGA aos fundos comuns de investimento relativa ao montante das comissões de comercialização e ao imposto do selo correspondentes anteriormente faturados pelos bancos e por eles já sujeitos ao imposto do selo exigível constitui uma dupla tributação que incide sobre uma prestação única.

18

De acordo com o segundo fundamento, em aplicação do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, a comercialização de novas subscrições de partes sociais de fundos comuns de investimento deve ser isenta de qualquer imposto indireto. Esta obrigação de isenção diz respeito tanto à faturação do serviço de comercialização pelos bancos à IMGA como ao redébito do custo desse mesmo serviço pela IMGA aos fundos comuns de investimento.

19

Após ter julgado improcedente o primeiro fundamento, o órgão jurisdicional de reenvio indica, no âmbito do exame do segundo fundamento, que tem dúvidas quanto à questão de saber se o direito da União se opõe à cobrança de um imposto do selo sobre a remuneração que os bancos recebem a título de serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, quer no momento da faturação desses serviços à sociedade de gestão dos referidos fundos quer na repercussão dos montantes pagos pelos referidos serviços pela sociedade de gestão nos referidos fundos.

20

Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva [2008/7] opõe‑se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos, por prestação de serviços a estas relativos à atividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos?

2)

O artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva [2008/7] opõe‑se a uma legislação nacional que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos mobiliários abertos, na medida em que essas comissões de gestão incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela atividade referida?»

Quanto às questões prejudiciais

21

Com as suas duas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

22

A título preliminar, importa recordar que, segundo o seu artigo 1.o, alínea a), a Diretiva 2008/7 regulamenta a aplicação de impostos indiretos sobre as entradas de capital nas sociedades de capitais. Entre esses impostos indiretos figuram o imposto do selo sobre os títulos e os outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto do selo sobre os títulos.

23

O artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva prevê, por outro lado, que qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos que não pertença às categorias de sociedades de capitais mencionadas no n.o 1 do mesmo artigo é equiparada a uma sociedade de capitais.

24

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o imposto em causa no processo principal constitui um imposto do selo cobrado sobre a remuneração dos bancos a título dos serviços de comercialização de novas subscrições de participações de fundos comuns de investimento. Daqui resulta igualmente que, em direito português, o conceito de «fundo de investimento» visa uma massa de património, sem personalidade jurídica, que pertence aos participantes segundo o regime geral de comunhão.

25

Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds, 112/86, EU:C:1987:488, n.o 13).

26

Decorre destas considerações que fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7.

27

Feitas estas observações preliminares, há que recordar que o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 proíbe os Estados‑Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

28

Todavia, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.o da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

29

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C‑415/02, EU:C:2004:450, n.os 32 e 33).

30

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a transmissão de titularidade, apenas para efeitos de uma operação de admissão dessas ações na Bolsa e sem consequências sobre a sua propriedade efetiva, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer imposição, seja de que forma for (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.os 35 e 36).

31

Ora, uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.

32

Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo 1.o, n.os 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.o da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

33

Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.

34

Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.

35

A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C‑573/16, EU:C:2017:772, n.o 37).

36

Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.

37

Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.

38

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 5.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

 

Regan

Gratsias

Ilešič

Jarukaitis

Csehi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de dezembro de 2022.

O Secretário

A. Calot Escobar

O Presidente de Secção

E. Regan


( *1 ) Língua do processo: português.

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