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Document 62021CJ0598

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 9 de novembro de 2023.
SP e CI contra Všeobecná úverová banka a.s.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Krajský súd v Prešove.
Reenvio prejudicial — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contrato de crédito ao consumo — Diretiva 93/13/CEE — Artigo 1.o, n.o 2 — Cláusula decorrente de uma disposição legislativa imperativa — Artigo 3.o, n.o 1, artigo 4.o, n.o 1, artigo 6.o, n.o 1, e artigo 7.o, n.o 1 — Cláusula de vencimento antecipado — Fiscalização jurisdicional — Proporcionalidade em relação aos incumprimentos contratuais do consumidor — Artigos 7.o e 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Contrato garantido por um bem imóvel — Venda extrajudicial da habitação do consumidor.
Processo C-598/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:845

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

9 de novembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contrato de crédito ao consumo — Diretiva 93/13/CEE — Artigo 1.o, n.o 2 — Cláusula decorrente de uma disposição legislativa imperativa — Artigo 3.o, n.o 1, artigo 4.o, n.o 1, artigo 6.o, n.o 1, e artigo 7.o, n.o 1 — Cláusula de vencimento antecipado — Fiscalização jurisdicional — Proporcionalidade em relação aos incumprimentos contratuais do consumidor — Artigos 7.o e 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Contrato garantido por um bem imóvel — Venda extrajudicial da habitação do consumidor»

No processo C‑598/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Krajský súd v Prešove (Tribunal Regional de Prešov, Eslováquia), por Decisão de 13 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de setembro de 2021, no processo

SP,

CI

contra

Všeobecná úverová banka a.s.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei (relatora), J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de outubro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de SP, por L. Riedl, advokát,

em representação do Všeobecná úverová banka a.s., por M. Hrbek, advokát,

em representação do Governo Eslovaco, por B. Ricziová e, posteriormente, por E. V. Drugda, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Goddin, R. Lindenthal e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de janeiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), em conjugação com os seus artigos 7.o e 38.o, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho e as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («Diretiva relativa às Práticas Comerciais Desleais») (JO 2005, L 149, p. 22), do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66; retificação no JO 2011, L 234, p. 46), conforme alterada pela Diretiva 2011/90/UE da Comissão, de 14 de novembro de 2011 (JO 2011, L 296, p. 35) (a seguir «Diretiva 2008/48»), bem como do princípio da efetividade.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe SP e CI ao Všeobecná úverová banka (a seguir «VÚB»), uma instituição bancária, a respeito da suspensão da execução extrajudicial da garantia imobiliária, constituída pela sua habitação, que garante o contrato de crédito celebrado entre estas partes.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 93/13/CE

3

O décimo terceiro e décimo sexto considerandos da Diretiva 93/13 enunciam:

«[C]onsiderando que se parte do princípio de que as disposições legislativas ou regulamentares dos Estados‑Membros que estabelecem, direta ou indiretamente, as cláusulas contratuais com os consumidores não contêm cláusulas abusivas; que, consequentemente, se revela desnecessário submeter ao disposto na presente diretiva as cláusulas que refletem as disposições legislativas ou regulamentares imperativas bem como os princípios ou as disposições de convenções internacionais de que são parte os Estados‑Membros da Comunidade; que, neste contexto, a expressão “disposições legislativas ou regulamentares imperativas” que consta do n.o 2 do artigo 1.o abrange igualmente as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições;

[…]

Considerando que a apreciação, segundo os critérios gerais estabelecidos, do caráter abusivo das cláusulas, nomeadamente nas atividades profissionais de caráter público que forneçam serviços coletivos que tenham em conta a solidariedade entre os utentes, necessita de ser completada por um instrumento de avaliação global dos diversos interesses implicados; que tal consiste na exigência de boa‑fé; que, na apreciação da boa‑fé, é necessário dar especial atenção à força das posições de negociação das partes, à questão de saber se o consumidor foi de alguma forma incentivado a manifestar o seu acordo com a cláusula e se os bens ou serviços foram vendidos ou fornecidos por especial encomenda do consumidor; que a exigência de boa‑fé pode ser satisfeita pelo profissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta.»

4

Nos termos do artigo 1.o desta diretiva:

«1.   A presente diretiva tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

2.   As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas, bem como das disposições ou dos princípios previstos nas convenções internacionais de que os Estados‑Membros ou a Comunidade sejam parte, nomeadamente no domínio dos transportes.»

5

O artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

6

O artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.»

7

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 estabelece:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

8

O artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva estabelece:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

Diretiva 2005/29/CE

9

O artigo 3.o da Diretiva 2005/29, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.o, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.»

Diretiva 2008/48/CE

10

O considerando 10 da Diretiva 2008/48 enuncia:

«As definições constantes da presente diretiva determinam o âmbito da harmonização. Por conseguinte, a obrigação de execução das disposições da presente diretiva por parte dos Estados‑Membros deverá ser limitada ao âmbito determinado por essas definições. Todavia, a presente diretiva não deverá obstar a que os Estados‑Membros apliquem, de acordo com o direito comunitário, as disposições nela contidas a domínios não abrangidos pelo seu âmbito de aplicação […]»

11

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva:

«A presente diretiva não é aplicável a:

a)

Contratos de crédito garantidos por hipoteca ou outra garantia equivalente comummente utilizada num Estado‑Membro relativa a um bem imóvel ou garantidos por um direito relativo a um bem imóvel.»

Direito eslovaco

Código Civil

12

O § 53 da zákon č. 40/1964 Zb. Občiansky zákonník (Lei n.o 40/1964 que aprova o Código Civil), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Civil»), regula as cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. Este artigo prevê, no seu n.o 9:

«No caso de pagamento em prestações de um contrato celebrado com um consumidor, o profissional só pode exercer o direito conferido pelo § 565 do Código Civil se se verificar um atraso superior a três meses no prazo de pagamento de uma prestação e se, além disso, tiver notificado o consumidor, pelo menos, 15 dias antes de exercer esse direito.»

13

O § 54, n.o 1, do Código Civil dispõe:

«As cláusulas contratuais num contrato celebrado com um consumidor não se podem afastar da presente lei em detrimento do consumidor. Em especial, o consumidor não pode renunciar antecipadamente aos direitos que a presente lei ou disposições especiais relativas à proteção do consumidor lhe reconhecem nem agravar de qualquer outra forma a sua posição contratual.»

14

Nos termos do § 15lj, n.o 1, desse código:

«Quando uma dívida garantida por hipoteca não seja integralmente paga no prazo definido para o efeito, o credor hipotecário pode proceder à execução da hipoteca. Ao fazê‑lo, o credor hipotecário pode obter o pagamento do valor em dívida nos termos previstos no contrato ou através da venda em leilão do bem dado em garantia de acordo com legislação especial […] ou pode obter o pagamento da dívida através da venda do bem dado em garantia de acordo com disposições legislativas especiais, […] salvo disposição em contrário na presente lei ou em legislação especial.»

15

Do pedido de decisão prejudicial resulta que esta disposição tem uma primeira nota de rodapé, inserida a seguir à expressão «de acordo com legislação especial», que remete para a zákon č. 527/2002 Z. z. o dobrovoľných dražbách a o doplnení zákona Slovenskej národnej rady č. 323/1992 Zb. o notároch a notárskej činnosti (Notársky poriadok) v znení neskorších predpisov [Lei n.o 527/2002 relativa à Venda Voluntária em Leilão e que complementa a Lei n.o 323/1992 do Conselho Nacional Eslovaco relativa aos Notários e às Atividades Notariais (Código do Notariado), conforme alterada (a seguir «Lei relativa à Venda Voluntária em Leilão»)], e uma outra nota, a seguir à expressão «disposições legislativas especiais», que remete para a zákon 160/2015 Z. z. Civilný sporový poriadok (Lei n.o 160/2015 que aprova o Código de Processo Civil) e para a zákon č. 233/1995 Z. z. Exekučný poriadok (Lei n.o 233/1995 relativa aos Oficiais de Justiça e à Execução Prevista no Código de Processo Civil, a seguir «Código de Processo Executivo»).

16

O § 151m do Código Civil prevê:

«1.   O credor hipotecário só pode vender o bem dado em garantia nos termos previstos no contrato de constituição da garantia ou em leilão decorridos 30 dias após a data da notificação do titular do bem dado em garantia e do devedor, quando não sejam a mesma pessoa, do início da execução da hipoteca sobre o imóvel dado em garantia, salvo disposição em contrário em legislação especial. Se a garantia estiver inscrita no registo de garantias e a data de inscrição do início da execução da garantia aí inscrita for posterior à data de notificação da execução da garantia ao garante e ao devedor, e se a pessoa do devedor não for idêntica à pessoa do garante, o prazo de 30 dias começa a decorrer a partir da data de inscrição do início da execução da garantia no registo das garantias.

2.   Após a notificação do início da execução da hipoteca sobre o imóvel dado em garantia, o titular do bem dado em garantia e o credor hipotecário podem acordar que, antes do termo do prazo previsto no n.o 1, o credor hipotecário seja autorizado a vender o bem dado em garantia nos termos acordados no contrato de constituição da garantia ou em leilão.

3.   O credor que deu início à execução do bem dado como garantia, a fim de cobrar o seu crédito nos termos acordados no contrato de constituição da garantia, pode, a todo o momento, no decurso dessa execução, alterar as modalidades de execução e vender em leilão o bem que constitui a garantia ou exigir o reembolso [do crédito] mediante a venda desse bem de acordo com as leis especiais. O credor está obrigado a informar quem tenha constituído a garantia sobre a alteração das modalidades de execução do bem dado em garantia.»

17

O § 565 deste código tem a seguinte redação:

«No caso de pagamento de uma dívida em prestações, o credor não pode exigir o pagamento da totalidade do valor em dívida por falta de pagamento de uma prestação mensal, salvo se tal tiver sido acordado entre as partes ou determinado em decisão judicial. Contudo, o credor só pode exercer esse direito até à data do termo do prazo para pagamento da prestação seguinte.»

Código de Processo Executivo

18

O § 63, n.o 3, do Código de Processo Executivo dispõe que a venda em leilão de um bem imóvel, com vista ao cumprimento coercivo da obrigação, só pode ser efetuada excecionalmente, após aprovação judicial, se existirem vários processos de execução contra a pessoa em causa relativos a dividas cujo montante total seja superior a 2000 euros e o leiloeiro demonstrar que a dívida não pode ser paga de outra forma.

Lei relativa à Venda em Leilão

19

O § 16 da Lei relativa à Venda em Leilão prevê, no seu n.o 1, que a venda em leilão só pode ser efetuada com base num acordo assinado entre a pessoa que requereu a venda e o leiloeiro.

20

Nos termos do § 17 desta lei, o leiloeiro deve anunciar a venda em leilão mediante a publicação de um aviso. Se o bem objeto da venda for um apartamento, uma casa ou outro imóvel, uma empresa ou parte de uma empresa, ou se a licitação mínima for superior a 16550 euros, o leiloeiro publicará o aviso da venda em leilão com uma antecedência mínima de 30 dias sobre o início do mesmo. O leiloeiro enviará igualmente ao ministério competente, sem demora injustificada, o aviso da venda em leilão para publicação no Jornal Oficial do Setor do Comércio, bem como à pessoa que solicitou a venda, ao devedor do credor titular de uma garantia e ao proprietário do bem objeto da venda, se este for diferente do devedor.

21

O § 21, n.o 2, da referida lei prevê:

«Em caso de contestação da validade do contrato de constituição da garantia ou de violação de uma disposição do presente código, a pessoa que se considerar lesada pode intentar uma ação de anulação da venda. Esse direito prescreve no prazo de três meses a contar da data da adjudicação em leilão, salvo se, como fundamento para a anulação, for invocada a prática de um crime e se o leilão tiver por objeto uma casa ou um apartamento no qual, no momento da adjudicação, o proprietário anterior tivesse o seu domicílio ao abrigo de legislação especial; neste último caso, a anulação da venda pode ser pedida mesmo após o termo desse prazo […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22

Em 9 de fevereiro de 2012, o VÚB concedeu aos recorrentes no processo principal, SP e CI, um crédito ao consumo, reembolsável ao longo de um período de 20 anos, garantido por um direito sobre um imóvel, sendo que este imóvel era a casa de morada de família, na qual residiam os recorrentes e outras pessoas (a seguir «contrato de crédito controvertido»).

23

Anteriormente a essa data, e desde 2004, os recorrentes no processo principal tinham contraído vários outros créditos ao consumo junto da Consumer Finance Holding a.s. (a seguir «CFH»), com a qual, à época, o VÚB estava economicamente ligado. Resulta do pedido de decisão prejudicial que o VÚB afetou a quase totalidade do montante concedido a SP e a CI ao abrigo do contrato de crédito controvertido para cobrir os créditos concedidos pela CFH que os recorrentes não conseguiram reembolsar. Além disso, ainda antes da celebração do contrato de crédito controvertido, o VÚB concedeu‑lhes um certo número de créditos ao consumo cujo montante fixou unilateralmente e que também afetou, em larga medida, ao reembolso das dívidas e das despesas resultantes de créditos anteriormente concedidos a SP e a CI, quer pelo VÚB quer pela CFH.

24

Em janeiro de 2013, menos de um ano após a celebração do contrato de crédito controvertido, e uma vez que os recorrentes se encontravam em situação de incumprimento, o VÚB declarou o vencimento do crédito na íntegra, com fundamento numa cláusula de vencimento antecipado constante do referido contrato (a seguir «cláusula de vencimento antecipado»). Em abril de 2013, o VÚB notificou SP e CI da sua decisão de executar a garantia através da venda «voluntária» em leilão do imóvel dado em garantia, ou seja, através de um leilão extrajudicial.

25

Como resulta do pedido de decisão prejudicial, tal venda em leilão extrajudicial é realizada por particulares. Depois de o credor ter determinado de forma unilateral o montante da dívida, o leiloeiro vende o bem imobiliário sem nenhum processo judicial e sem que um juiz tenha previamente avaliado de forma objetiva o montante do crédito e a proporcionalidade da venda em relação ao mesmo. Não obstante a oposição do consumidor, a lei designa essa venda em leilão como «voluntária». O credor pode iniciar o processo de leilão voluntário 30 dias após o aviso de execução da garantia.

26

Os recorrentes no processo principal intentaram no Okresný súd Prešov (Tribunal de Primeira Instância de Prešov, Eslováquia) um pedido de suspensão da execução da venda em leilão da casa de morada de família. Este órgão jurisdicional de primeira instância julgou a ação improcedente numa primeira decisão, que em seguida confirmou, após remessa, não obstante a sua anulação pelo Krajský súd v Prešove (Tribunal Regional de Prešov, Eslováquia). Segundo o referido órgão jurisdicional de primeira instância, resulta da jurisprudência do Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca) que não se pode deduzir do Acórdão de 10 de setembro de 2014, Kušionová (C‑34/13, EU:C:2014:2189), que as disposições da Diretiva 93/13 se opõem à legislação eslovaca que autoriza a execução extrajudicial através de venda voluntária em leilão de um bem imóvel dado em garantia pelo consumidor, mesmo quando se trate da sua habitação e o crédito garantido se baseie num contrato que inclui cláusulas abusivas.

27

Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso desta segunda decisão para o Krajský súd v Prešove (Tribunal Regional de Prešov), órgão jurisdicional de reenvio, reiterando o seu pedido de suspensão da venda extrajudicial da sua habitação, invocando, nomeadamente, uma violação dos seus direitos enquanto consumidores.

28

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a proteção contra uma ingerência desproporcionada nos direitos dos consumidores, incluindo a sua habitação, é particularmente importante antes da venda do bem. O direito substantivo eslovaco não regula nenhuma outra possibilidade de proteção ex ante, pelo que em caso de venda voluntária em leilão da sua habitação, a única opção disponível para os consumidores seria a propositura de uma ação destinada à suspensão desta venda.

29

O órgão jurisdicional precisa que, no caso em apreço, o contrato de crédito tem uma duração de 20 anos e o VÚB aplicou a cláusula de vencimento antecipado menos de um ano após a celebração desse contrato, devido a um atraso no pagamento de 1106,50 euros. O valor da casa de morada de família objeto da venda extrajudicial é, pelo menos, 30 vezes superior ao montante pelo qual o VÚB declarou o vencimento antecipado e procedeu à execução da sua garantia.

30

O órgão jurisdicional de reenvio salientou que o direito eslovaco prevê apenas uma condição para a aplicação da cláusula de vencimento antecipado, concretamente, a falta de pagamento de três prestações mensais e o cumprimento pelo credor de um prazo de pré‑aviso adicional de 15 dias.

31

Esta legislação e a jurisprudência do Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca), mencionada no n.o 26 do presente acórdão, são, assim, suscetíveis de ser contrárias ao direito da União, nomeadamente ao princípio da proporcionalidade, uma vez que permitem vender o bem que constitui a habitação do consumidor, mesmo em caso de incumprimento contratual menor.

32

Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não obstante a proteção conferida pelos artigos 7.o, 38.o e 47.o da Carta, pelas Diretivas 93/13 e 2005/29, bem como pelo princípio da efetividade, a legislação nacional relativa à execução de uma garantia imobiliária através da venda em leilão voluntário de um bem que constitui a habitação dos consumidores, conforme interpretada pelo Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca), não atribui importância suficiente à proteção da casa de morada de família e não tem em conta a possibilidade de existirem outros meios de execução da garantia. Assim, em termos práticos, a concessão de créditos aos consumidores poderia ter consequências muito prejudiciais para estes e para as suas famílias.

33

No que respeita à aplicação da Diretiva 2005/29, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a prática da concessão de um novo crédito para cobrir as obrigações decorrentes de um ou vários créditos anteriores não deve escapar a uma fiscalização jurisdicional ao abrigo da referida diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio considera que as circunstâncias em que o crédito ao consumo controvertido foi concedido constituem práticas comerciais desleais que devem ser abrangidas pelo âmbito dessa diretiva. Além disso, embora as eventuais práticas comerciais desleais não tenham incidência direta na nulidade do ato jurídico em causa, têm, no entanto, incidência na apreciação do caráter abusivo das cláusulas contratuais.

34

Quanto à aplicação da Diretiva 2008/48, o órgão jurisdicional considera que um crédito concedido com vista ao reembolso de dívidas decorrentes de créditos anteriores não corresponde nem ao objetivo dessa diretiva nem ao objetivo da diretiva que a precedeu.

35

Por outro lado, embora os contratos de crédito garantidos por uma hipoteca ou por um direito associado a um bem imóvel estejam excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48, no caso em apreço, o contrato de crédito em causa não define a finalidade do crédito e cumpre as exigências aplicáveis aos contratos de crédito ao consumo. O crédito controvertido não é nem garantido por uma hipoteca nem se destina ao financiamento da aquisição de um bem imóvel, destinando‑se antes ao reembolso dos anteriores créditos ao consumo. Nestas circunstâncias, existe uma ligação estreita entre o contrato de crédito controvertido e os contratos de crédito ao consumo celebrados anteriormente por SP e CI, pelo que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se essa situação está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/48.

36

Por último, para determinar o montante exato da dívida dos recorrentes no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a abordagem adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 21 de abril de 2016, Radlinger e Radlingerová (C‑377/14, EU:C:2016:283), é aplicável no caso em concreto.

37

Nestas circunstâncias, o Krajský súd v Prešove (Tribunal Regional de Prešov) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

O artigo 47.o, em conjugação com os artigos 7.o e 38.o [da Carta], a Diretiva [93/13], a [Diretiva 2005/29] e o princípio da efetividade do direito da União opõem‑se a uma legislação como a contida nos §§ 53, n.o 9, e 565 do Código Civil, segundo a qual, em caso de vencimento antecipado, não é tida em conta a proporcionalidade, em especial a gravidade do incumprimento das obrigações do consumidor face ao montante do crédito e ao prazo de reembolso?

Em caso de resposta negativa à [primeira] questão […]:

2.

a)

O artigo 47.o, em conjugação com os artigos 7.o e 38.o [da Carta], a Diretiva 93/13, a Diretiva 2005/29 e o princípio da efetividade do direito da União opõem‑se a uma jurisprudência que, em substância, não impede o exercício de um direito garantido através de um leilão de um imóvel que constitui a habitação dos consumidores ou de outras pessoas e que, simultaneamente, não tem em conta a gravidade do incumprimento da obrigação do consumidor face ao montante e à duração do crédito, quando exista outro modo de satisfazer o crédito do mutuante, por via de um processo judicial de execução, no âmbito do qual a venda da habitação sujeita ao direito garantido não goza de prioridade?

b)

Deve o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2005/29 ser interpretado no sentido de que a proteção dos consumidores contra práticas comerciais desleais em créditos ao consumo abrange todas as modalidades de reembolso dos créditos ao mutuante, incluindo a contração de um novo crédito acordado para cobrir as obrigações decorrentes de um crédito anterior?

c)

Deve a Diretiva 2005/29 ser interpretada no sentido de que também deve ser considerado uma prática comercial desleal o comportamento de um mutuante que concede vários créditos a um consumidor que não está em condições de os reembolsar, de onde resulta uma cadeia de créditos que o mutuante efetivamente não paga ao consumidor, mas que aceita para cobrir outros créditos anteriores e todos os seus custos?

d)

Deve o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2008/48, em conjugação com o considerando 10 desta diretiva, ser interpretado no sentido de que não exclui a aplicação desta diretiva mesmo no caso de um crédito que apresenta todas as características de um crédito ao consumo, quando a finalidade do crédito não foi acordada e o mutuante utilizou esse crédito para a cobertura das dívidas resultantes de créditos ao consumo anteriores, com exceção de uma pequena parte, tendo sido acordado como garantia do empréstimo um direito garantido por um bem imóvel?

e)

Deve o Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de abril de 2016, Radlinger e Radlingerová (C‑377/14, EU:C:2016:283), ser interpretado no sentido de que também se aplica a um contrato de concessão de um crédito ao consumo quando, por força desse contrato, uma parte do crédito se destinava a cobrir os custos do mutuante?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

38

Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2023, o VÚB pediu que, a título principal, com fundamento no artigo 100.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça declarasse já não ser competente para se pronunciar, uma vez que o litígio no processo principal tinha deixado de ter objeto. A título subsidiário, o VÚB pediu que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

39

Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de agosto de 2023, o VÚB solicitou novamente a reabertura da fase oral do processo.

40

No que respeita, em primeiro lugar, ao pedido principal constante do articulado apresentado em 22 de fevereiro de 2023, o VÚB declara ter renunciado à garantia imobiliária que garante o contrato de crédito controvertido, com efeitos a partir de 14 de fevereiro de 2023, pelo que o litígio no processo principal teria perdido o seu objeto e não haveria que conhecer do presente pedido de decisão prejudicial.

41

Além disso, por carta apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de abril de 2023, o VÚB informou que tinha aceitado uma cessão da dívida dos recorrentes no processo principal a favor de um terceiro, o qual tinha entretanto reembolsado essa dívida. Também por esta razão o litígio no processo principal teria deixado de ter objeto.

42

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. Todavia, é igualmente jurisprudência constante que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir. A justificação do reenvio prejudicial não é a formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio. Por conseguinte, se se afigura que o litígio no processo principal ficou sem objeto, de modo que as questões submetidas não são já manifestamente pertinentes para a resolução do litígio, o Tribunal de Justiça não tem de conhecer do mérito (v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2022, Banco CetelemC‑302/21, EU:C:2022:919, n.os 26, 27, 31 e 32 e jurisprudência referida).

43

Neste contexto, em 14 de março de 2023 e em 26 de maio de 2023, o Tribunal de Justiça apresentou um pedido de esclarecimentos ao órgão jurisdicional de reenvio para saber se as circunstâncias evocadas pelo VÚB punham efetivamente termo ao litígio no processo principal e se as respostas às questões submetidas ao Tribunal de Justiça ainda eram necessárias para a resolução do litígio no processo principal e, sendo caso disso, por que motivos.

44

Por cartas de 5 de abril de 2023 e de 12 de junho de 2023, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que nem a renúncia à garantia imobiliária nem a cessão da dívida implicavam que o litígio no processo principal perdesse o seu objeto, no essencial por não estarem preenchidos os requisitos previstos para o efeito pelo direito nacional. Por um lado, o órgão jurisdicional indica que não aprovou a renúncia unilateral à garantia por parte do VÚB, uma vez que, para a extinção dessa garantia por renúncia, é indispensável que os devedores deem o seu acordo. Por outro lado, sublinha que, de acordo com a legislação nacional, se o crédito do VÚB tiver sido objeto de cedência, todos os direitos dos recorrentes no processo principal enquanto consumidores terão sido preservados.

45

À luz dos esclarecimentos prestados pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que o litígio no processo principal mantém o seu objeto e, por conseguinte, que as questões submetidas continuam a ser pertinentes para a resolução do litígio. Importa, por conseguinte, responder ao pedido de decisão prejudicial.

46

No que respeita, em segundo lugar, ao pedido de reabertura da fase oral, o VÚB alega, em substância, no pedido subsidiário que apresentou na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2023, que, quanto a determinados aspetos, está em desacordo com as conclusões da advogada‑geral, que alegadamente se baseiam em elementos errados, pelo que importaria clarificar o contexto factual e/ou jurídico das questões prejudiciais. Além disso, o VÚB contesta vários aspetos da interpretação feita pela advogada‑geral das diretivas referidas nessas questões.

47

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de agosto de 2023, em apoio do seu pedido de reabertura da fase oral, o VÚB informou o Tribunal de Justiça, por um lado, de que, no mesmo dia, interpôs recurso para o Ústavný súd Slovenskej republiky (Tribunal Constitucional da Eslováquia) da decisão do órgão jurisdicional de reenvio, de 12 de junho de 2023, que indeferiu o pedido de revogação da decisão prejudicial, não obstante a renúncia do VÚB à garantia imobiliária e a cessão da dívida mencionadas no n.o 44 do presente acórdão. Com efeito, o VÚB alega não ter pedido a esse órgão jurisdicional que retirasse o seu pedido de reenvio prejudicial por causa desses atos, mas que comunicasse ao Tribunal de Justiça todos os elementos suscetíveis de afetar o prosseguimento do processo prejudicial, em conformidade com o artigo 100.o, n.o 2, do Regulamento de Processo. Ora, tal renúncia e cessão da dívida constituíriam elementos desse tipo.

48

Por outro lado, o VÚB considera, em substância, que, caso as informações disponíveis em relação a essa cessão e renúncia não lhe permitissem decidir o presente reenvio prejudicial com base no artigo 100.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, seria pertinente o Tribunal de Justiça ordenar a reabertura da fase oral.

49

Nos termos do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

50

Importa desde logo recordar que, segundo jurisprudência constante, o desacordo de uma parte no litígio no processo principal, ou de um interessado, com as conclusões do advogado‑geral, não pode constituir, em si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Gallaher,C‑707/20, EU:C:2023:101, n.o 45 e jurisprudência referida).

51

Daqui decorre que o desacordo manifestado pelo VÚB com as conclusões da advogada‑geral não pode, por si só, justificar a reabertura da fase oral do processo.

52

No presente caso, o Tribunal de Justiça, considera, por outro lado, ouvida a advogada‑geral, que, no termo da fase escrita do processo e da audiência, dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial.

53

Com efeito, as partes no processo principal e os interessados que participaram no presente processo, e em especial, o VÚB, tiveram a oportunidade de expor os elementos de direito e de facto que consideraram pertinentes para permitir ao Tribunal de Justiça responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, tanto na fase escrita como na fase oral do processo. Além disso, mesmo quando, durante a audiência, o Tribunal de Justiça pediu expressamente para o VÚB tomar posição em relação às respostas dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio a um primeiro pedido de esclarecimentos que lhe tinha sido dirigido em 7 de junho de 2022, e que tinha por objeto, nomeadamente, o quadro jurídico e factual das questões prejudiciais, este decidiu não participar na audiência. Por outro lado, no que respeita à renúncia à garantia imobiliária e à cessão da dívida, bem como às suas consequências para efeitos da aplicação do artigo 100.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, importa constatar que, tendo em conta as considerações enunciadas nos n.os 40 a 45 do presente acórdão, estes elementos não são suscetíveis de influenciar a decisão que o Tribunal de Justiça é chamado a proferir.

54

Por último, os pedidos de reabertura da fase oral do processo apresentados pelo VÚB não revelam nenhum facto novo suscetível de poder influenciar a decisão que o Tribunal de Justiça é chamado a proferir.

55

Nestas circunstâncias, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

56

O VÚB alega, em substância, que as questões prejudiciais relativas à interpretação da Diretiva 93/13 são inadmissíveis por serem inúteis para a resolução do litígio e por serem hipotéticas, uma vez que não têm nenhuma relação com o objeto do litígio no processo principal. A este respeito, salienta, em substância, que os recorrentes no processo principal violaram de forma sistemática e grave as suas obrigações contratuais, pelo que a execução da garantia é, em todo o caso, conforme com o critério da proporcionalidade segundo os critérios enunciados no Acórdão de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 73).

57

Segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional, na aceção do artigo 267.o TFUE, quando, designadamente, as exigências respeitantes ao conteúdo do pedido de decisão prejudicial que figuram no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não forem respeitadas ou quando for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União, solicitadas pelo órgão jurisdicional nacional, não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou quando o problema for hipotético (Acórdão de 20 de outubro de 2022, Koalitsia «Demokratichna Bulgaria»—Obedinenie», C‑306/21, EU:C:2022:813, n.o 27 e jurisprudência referida).

58

Ora, essa ausência de relação ou o caráter hipotético das questões submetidas não pode ser demonstrado apenas com base na alegação do VÚB segundo a qual a execução da garantia é, no caso em apreço, proporcionada. Com efeito, como salientou a advogada‑geral no n.o 49 das suas conclusões, as questões relativas à interpretação da Diretiva 93/13 não visam apurar se essa proporcionalidade se verifica no caso em apreço, mas destinam‑se a saber se o juiz deve examinar o caráter proporcionado da faculdade que a cláusula de vencimento antecipado oferece ao credor, na falta de uma obrigação nesse sentido imposta pela legislação ou jurisprudência nacional.

59

Assim, a interpretação solicitada das disposições da Diretiva 93/13 afigura‑se necessária para a resolução do litígio no processo principal e as questões prejudiciais não são de natureza hipotética. Consequentemente, as questões prejudiciais são admissíveis.

60

Em contrapartida, tal como referido pelo Governo Eslovaco e pela Comissão, há que considerar que a jurisdição de reenvio não forneceu informações factuais e legais que demonstrem a relação entre as questões submetidas e a Diretiva 2005/29. Assim, a jurisdição de reenvio não explicou a relação existente entre, por um lado, a aplicação da cláusula de vencimento antecipado e, por outro, a existência de práticas comerciais desleais. Do mesmo modo, não precisa em que medida a execução do bem imóvel através de leilão voluntário é suscetível de constituir uma prática comercial desleal nem a razão pela qual, neste contexto, a interpretação da referida diretiva é necessária para a resolução do litígio no processo principal.

61

Por conseguinte, há que considerar que as exigências previstas no artigo 94.o, alínea c), do Regulamento de Processo não foram respeitadas e que, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 57 do presente acórdão, as questões prejudiciais são inadmissíveis na parte em que têm por objeto a interpretação da Diretiva 2005/29.

Quanto à primeira questão

62

Uma vez que a primeira questão tem, no essencial, por objeto o alcance da fiscalização jurisdicional da faculdade conferida ao credor de declarar exigível a totalidade do empréstimo recorrendo a uma cláusula de vencimento antecipado, importa, a título preliminar, examinar se, no caso em apreço, a cláusula de vencimento antecipado é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13. Com efeito, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, da referida diretiva, as cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas não estão sujeitas às suas disposições.

63

Esta exclusão da aplicação do regime da Diretiva 93/13, que abrange as disposições do direito nacional que sejam aplicáveis às partes no contrato independentemente da escolha destas e as que sejam de aplicação supletiva, é justificada pelo facto de, em princípio, ser legítimo presumir que o legislador nacional estabeleceu um equilíbrio entre todos os direitos e obrigações das partes em certos contratos, equilíbrio esse que o legislador da União pretendeu expressamente preservar (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de junho de 2021, Prima banka Slovensko, C‑192/20, EU:C:2021:480, n.o 32, e de 5 de maio de 2022, Zagrebačka banka, C‑567/20, EU:C:2022:352, n.o 57 e jurisprudência referida).

64

A referida exclusão pressupõe o preenchimento de dois requisitos, a saber, por um lado, a cláusula contratual deve decorrer de uma disposição legislativa ou regulamentar e, por outro, essa disposição deve ser imperativa (Acórdãos de 10 de setembro de 2014, Kušionová, C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.o 78, e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 31).

65

Para determinar se estes requisitos estão preenchidos, o Tribunal de Justiça já declarou que incumbe ao juiz nacional apreciar se a cláusula contratual em causa decorre de disposições de direito nacional imperativamente aplicáveis entre as partes contratantes independentemente da sua escolha, ou de disposições de natureza e, consequentemente, de aplicação supletiva, isto é, na falta de um acordo diferente entre as partes a este respeito (Acórdãos de 10 de setembro de 2014, Kušionová, C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.o 79; de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 32; e de 5 de maio 2022, Zagrebačka banka, C‑567/20, EU:C:2022:352, n.o 55).

66

A este respeito, cabe ao juiz nacional chamado a pronunciar‑se verificar se tal cláusula está abrangida pelo artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 à luz dos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça, ou seja, tomando em consideração a natureza, a sistemática geral e as estipulações dos contratos de crédito em causa, bem como o contexto jurídico e factual em que estes últimos se inscrevem, tendo em conta o facto de que, atendendo ao objetivo de proteção dos consumidores visado por esta diretiva, a exclusão instituída no seu artigo 1.o, n.o 2, é de interpretação estrita (Acórdão 5 de maio 2022, Zagrebačka banka, C‑567/20, EU:C:2022:352, n.o 58 e jurisprudência referida).

67

No caso em apreço, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma das cláusulas do contrato de crédito controvertido, concretamente a cláusula de vencimento antecipado, decorre das disposições de direito nacional que são objeto do pedido de decisão prejudicial, a saber, os §§ 53, n.o 9, e 565 do Código Civil. A este respeito, o órgão jurisdicional salienta, com efeito, que esta cláusula «copia, em substância» estas disposições.

68

Ao abrigo do § 53, n.o 9, do Código Civil, no caso de um contrato de crédito ao consumo reembolsável em prestações, o credor pode exigir o reembolso da totalidade do crédito, como disposto no § 565 desse código, se tal tiver sido acordado entre as partes. O credor só pode exercer esse direito no mínimo três meses após o atraso no pagamento de uma prestação e apenas depois de ter notificado o consumidor com uma antecedência mínima de 15 dias.

69

Na sua resposta ao pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça a este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que, na falta de um acordo diferente entre as partes a este respeito, as referidas disposições conjugadas não se aplicam de forma automática ou supletiva. Além disso, mesmo que, no contrato de crédito, as partes tenham acordado a possibilidade de o credor reclamar o reembolso antecipado do montante mutuado, este não é obrigado a exercer esse direito. O órgão jurisdicional de reenvio considera, além disso, que o § 54, n.o 1, do Código Civil, que prevê, em substância, que as cláusulas contratuais constantes de um contrato celebrado com um consumidor não se podem afastar das disposições desse código em detrimento do consumidor, não confere por isso caráter imperativo às disposições do § 53, n.o 9, do referido código, uma vez que a primeira disposição permite às partes derrogar a segunda, desde que tal derrogação seja a favor do consumidor.

70

Assim, e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, o único competente para interpretar as disposições do seu direito nacional, a cláusula de vencimento antecipado que permite ao credor reclamar antecipadamente o reembolso da totalidade do montante em dívida, em caso de incumprimento das suas obrigações pelo devedor, não se afigura qualificável como «cláusula decorrente de disposições legislativas ou regulamentares imperativas», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, uma vez que, muito embora retome as disposições nacionais referidas no n.o 68 do presente acórdão, estas não são imperativas e, portanto, não preenchem o segundo requisito exigido por este artigo 1.o, n.o 2, para aplicar a exclusão aí prevista.

71

Nesse caso, tal cláusula está, por conseguinte, sujeita às disposições da Diretiva 93/13, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça.

72

No que se refere ao mérito da questão, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituída pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas e interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir os litígios que lhes são submetidos, mesmo que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são dirigidas por esses órgãos jurisdicionais (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Kamenova, C‑105/17, EU:C:2018:808, n.o 21 e jurisprudência referida).

73

Nesta medida, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 4.o, n.o 1, o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lidos à luz dos artigos 7.o e 38.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual a fiscalização jurisdicional do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado contida num contrato de crédito ao consumo não tem em conta a proporcionalidade da faculdade conferida ao profissional de exercer o direito que lhe é atribuído por essa cláusula, à luz de critérios relativos nomeadamente à gravidade do incumprimento das obrigações contratuais pelo consumidor, tais como a relação entre o montante das prestações em falta, o valor total do crédito e a duração do contrato, bem como relativos à possibilidade de a aplicação dessa cláusula levar a que o profissional possa proceder à cobrança das quantias devidas ao abrigo da referida cláusula através da venda, sem nenhum processo judicial, da casa de morada de família do consumidor.

74

Em primeiro lugar, há que recordar que, tendo em conta a situação de inferioridade em que o consumidor se encontra relativamente ao profissional no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê que as cláusulas abusivas não vinculam os consumidores. Neste contexto, e para assegurar o elevado nível de proteção dos consumidores enunciado no artigo 38.o da Carta, o juiz nacional deve apreciar, inclusivamente de forma oficiosa, o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 e, deste modo, suprir o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Bondora, C‑453/18 e C‑494/18, EU:C:2019:1118, n.o 40, e de 17 de maio de 2022, Ibercaja Banco, C‑600/19, EU:C:2022:394, n.os 35 a 37).

75

No que respeita, em segundo lugar, aos critérios à luz dos quais essa fiscalização jurisdicional deve ser exercida, há que recordar que o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 definem, no seu conjunto, os critérios gerais de apreciação da natureza abusiva das cláusulas contratuais sujeitas às disposições dessa diretiva (Acórdão de 3 de junho de 2010, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid, C‑484/08, EU:C:2010:309, n.o 33).

76

Assim, ao remeter para os conceitos de «boa‑fé» e de «desequilíbrio significativo» em detrimento do consumidor entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 só define de forma abstrata os elementos que conferem caráter abusivo a uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 58 e jurisprudência referida).

77

Para saber se uma cláusula cria, em detrimento do consumidor, um «desequilíbrio significativo» entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato, há que ter em conta, designadamente, as regras de direito nacional aplicáveis na falta de acordo das partes nesse sentido. Esta análise comparativa permitirá ao juiz nacional avaliar se, e em que medida, o contrato coloca o consumidor numa situação jurídica menos favorável do que a prevista no direito nacional em vigor (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2013, Aziz, C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 68).

78

No que respeita à questão de saber em que circunstâncias foi criado esse desequilíbrio «a despeito da exigência de boa‑fé», atendendo ao décimo sexto considerando da Diretiva 93/13, o juiz nacional deve verificar, para este efeito, se o profissional, ao tratar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este último aceitasse essa cláusula na sequência de uma negociação individual (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz, C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 69, e de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C‑609/19, EU:C:2021:469, n.o 66).

79

Além disso, de acordo com o artigo 4.o, n.o 1 desta diretiva, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou dos serviços que sejam objeto do contrato e mediante a tomada em consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que o mesmo foi celebrado, rodearam a referida celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato ou de outro contrato de que este dependa.

80

No que diz especificamente respeito a uma cláusula de um contrato de crédito hipotecário a longo prazo que determina as condições nas quais o credor está autorizado a exigir o seu reembolso antecipado, tal como a cláusula de vencimento antecipado, o Tribunal de Justiça também já foi chamado a enunciar critérios à luz dos quais o juiz nacional poderá detetar o caráter eventualmente abusivo dessas cláusulas, como recordou a advogada‑geral no n.o 74 das suas conclusões.

81

Assim sendo, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que reveste nomeadamente uma importância essencial para determinar se uma cláusula convencional de vencimento antecipado de um crédito hipotecário produz um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, a questão de saber se a faculdade de o profissional declarar exigível a totalidade do empréstimo depende do incumprimento pelo consumidor de uma obrigação de caráter essencial no âmbito da relação contratual em causa, se essa faculdade está prevista para os casos em que esse incumprimento reveste um caráter suficientemente grave atendendo à duração e ao montante do empréstimo, se a referida faculdade derroga as normas aplicáveis na matéria e se o direito nacional prevê meios adequados e eficazes que permitam ao consumidor sujeito à aplicação dessa cláusula sanar os efeitos da exigibilidade do empréstimo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 66 e jurisprudência referida).

82

Daqui decorre que o juiz nacional deve nomeadamente examinar o caráter proporcionado da faculdade deixada ao credor de exigir, ao abrigo dessa cláusula, a totalidade dos montantes em dívida, quando aprecia o seu caráter eventualmente abusivo, o que implica que tenha em conta, nomeadamente, a medida do incumprimento das obrigações contratuais pelo consumidor, como a relação entre o montante das prestações em falta, o valor total do crédito e a duração do contrato.

83

Há a este respeito que recordar que os critérios enunciados no Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus (C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 66), para apreciar o caráter abusivo de uma cláusula contratual relativa ao vencimento antecipado devido a incumprimentos das obrigações durante um período limitado por parte do devedor não são nem cumulativos ou alternativos nem exaustivos (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Caisse régionale de Crédit mutuel de Loire‑Atlantique et du Centre Ouest, C‑600/21, EU:C:2022:970, n.os 30 e 31).

84

Daqui resulta que a fiscalização jurisdicional da proporcionalidade desta cláusula deve, sendo caso disso, ser efetuada à luz de critérios adicionais. Assim, tendo em conta os eventuais efeitos que podem decorrer de uma cláusula de vencimento antecipado inserida num contrato de crédito ao consumo garantido pela casa de morada de família, como o que está em causa no processo principal, quando aprecia o caráter abusivo da faculdade que esta cláusula oferece ao credor, o juiz nacional tem de ter em conta, na sua análise, o eventual desequilíbrio contratual criado pela referida cláusula, a circunstância de a sua aplicação poder, sendo caso disso, implicar a cobrança pelo credor das quantias devidas a título da referida cláusula através da venda dessa habitação à margem de qualquer processo judicial.

85

A este respeito, no âmbito da sua apreciação dos meios que permitem ao consumidor remediar os efeitos da exigibilidade na íntegra das quantias devidas a título do contrato de mútuo, esse juiz nacional tem de ter em conta as consequências decorrentes da expulsão do consumidor e da sua família do imóvel que constitui a casa de morada de família. Com efeito, o direito ao respeito pelo domicílio é um direito fundamental garantido pelo artigo 7.o da Carta, que o órgão jurisdicional de reenvio tem de ter em consideração na aplicação da Diretiva 93/13. O Tribunal de Justiça já sublinhou a importância, para aquele juiz, de dispor de medidas provisórias que permitam suspender ou interromper um processo ilícito de execução hipotecária, quando a concessão de tais medidas seja necessária para garantir a efetividade da proteção pretendida pela Diretiva 93/13 (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2014, Kušionová, C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.os 63 a 66).

86

Se, com base nos critérios acima indicados, no âmbito da sua apreciação do caráter abusivo da cláusula de vencimento antecipado, o órgão jurisdicional de reenvio concluir que, no caso em apreço, o direito estipulado a favor do VÚB de reclamar o reembolso antecipado do saldo remanescente em dívida ao abrigo do contrato de crédito controvertido, garantido pela casa de morada de família dos recorrentes no processo principal, autoriza esse profissional a exercer esse direito sem que tenha de ter em conta a gravidade do incumprimento da obrigação do consumidor face ao montante e à duração do crédito, esta conclusão pode levar o órgão jurisdicional a ter de considerar que essa cláusula é abusiva, na medida em que a mesma criaria um desequilíbrio significativo em detrimento dos consumidores, a despeito da exigência de boa‑fé, tendo em conta todas as circunstâncias em que o contrato foi celebrado e de que o profissional podia ter conhecimento à data da sua celebração.

87

Se, no termo desta análise, a cláusula for declarada abusiva, incumbe a esse juiz abster‑se de aplicar a referida cláusula para que a mesma não produza efeitos vinculativos para o consumidor, salvo se este último a isso se opuser (Acórdão de 16 de julho 2020, Caixabank e Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C‑224/19 e C‑259/19, EU:C:2020:578, n.o 50).

88

A este respeito, as condições fixadas pelos direitos nacionais, a que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 se refere, não podem afetar a substância do direito que assiste aos consumidores, ao abrigo dessa disposição, de não estarem vinculados por uma cláusula considerada abusiva (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 51 e jurisprudência referida).

89

Com efeito, na falta desta fiscalização, a proteção do consumidor revelar‑se‑ia incompleta e insuficiente e não constituiria um meio adequado nem eficaz para pôr termo à utilização desse tipo de cláusulas, contrariamente ao que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 52 e jurisprudência referida).

90

Atendendo a todos os fundamentos precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 4.o, n.o 1, o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, lidos à luz dos artigos 7.o e 38.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual a fiscalização jurisdicional do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado contida num contrato de crédito ao consumo não tem em conta a proporcionalidade da faculdade conferida ao profissional de exercer o direito que lhe é atribuído por essa cláusula, à luz de critérios relativos nomeadamente à gravidade do incumprimento das obrigações contratuais pelo consumidor, tais como a relação entre o montante das prestações em falta, o valor total do crédito e a duração do contrato, bem como relativos à possibilidade de a aplicação dessa cláusula levar a que o profissional possa proceder à cobrança das quantias devidas ao abrigo da referida cláusula através da venda, à margem de qualquer processo judicial, da casa de morada de família do consumidor.

Quanto à segunda questão

91

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

92

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 3.o, n.o 1, o artigo 4.o, n.o 1, o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz dos artigos 7.o e 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

 

devem ser interpretados no sentido de que:

 

se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual a fiscalização jurisdicional do caráter abusivo de uma cláusula de vencimento antecipado contida num contrato de crédito ao consumo não tem em conta a proporcionalidade da faculdade conferida ao profissional de exercer o direito que lhe é atribuído por essa cláusula à luz de critérios relativos nomeadamente à gravidade do incumprimento das obrigações contratuais pelo consumidor, tais como a relação entre o montante das prestações em falta, o valor total do crédito e a duração do contrato, bem como relativos à possibilidade de a aplicação dessa cláusula levar a que o profissional possa proceder à cobrança das quantias devidas ao abrigo da referida cláusula através da venda, à margem de qualquer processo judicial, da casa de morada de família do consumidor.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: eslovaco.

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