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Document 62021CJ0583

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de novembro de 2023.
NC e o. contra BA e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Juzgado de lo Social no 1 de Madrid.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigo 1.o, n.o 1 — Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos — Transferência de um cartório notarial — Declaração de nulidade ou do caráter abusivo do despedimento de trabalhadores — Determinação da antiguidade para o cálculo da indemnização — Aplicabilidade desta diretiva — Requisitos.
Processos apensos C-583/21 a C-586/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:872

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de novembro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigo 1.o, n.o 1 — Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos — Transferência de um cartório notarial — Declaração de nulidade ou do caráter abusivo do despedimento de trabalhadores — Determinação da antiguidade para o cálculo da indemnização — Aplicabilidade desta diretiva — Requisitos»

Nos processos apensos C‑583/21 a C‑586/21,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Social n.o 1 de Madrid (Tribunal do Trabalho n.o 1 de Madrid, Espanha), por Decisões de 30 de julho de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 20 de setembro de 2021, nos processos

NC (C‑583/21),

JD (C‑584/21),

TA (C‑585/21),

FZ (C‑586/21)

contra

BA,

DA,

DV,

CG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de novembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de DA, CG, DV e BA, por C. Martínez Cebrián, abogado,

em representação de NC, JT, TA e FZ, por F. Mancera Martínez e S. L. Moya Mata, abogados,

em representação do Governo Espanhol, por A. Gavela Llopis e J. Rodríguez de la Rúa Puig, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Alemão, por J. Möller e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de maio de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito dos litígios que opõem NC, JD, TA e FZ (a seguir, conjuntamente, «NC e o.») aos notários BA, DA, DV e CG, a respeito da declaração de nulidade ou do caráter abusivo do despedimento dos trabalhadores sucessivamente contratados por estes notários.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2001/23/CE

3

O considerando 3 da Diretiva 2001/23 dispõe:

«É necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 prevê:

«a)

A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

b)

Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.

c)

A presente diretiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativ[o]s. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na aceção da presente diretiva.»

5

O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva enuncia:

«Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.

Os Estados‑Membros podem prever que, após a data da transferência, o cedente e o cessionário sejam solidariamente responsáveis pelas obrigações resultantes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes antes da data da transferência.»

6

O artigo 4.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças na força de trabalho.

[…]

2.   Se o contrato de trabalho ou a relação de trabalho for rescindido pelo facto de a transferência implicar uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador, a rescisão do contrato ou da relação de trabalho considera‑se como sendo da responsabilidade da entidade patronal.»

Regulamento (UE) n.o 650/2012

7

Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107):

«Para efeitos do presente regulamento, a noção de “órgão jurisdicional” inclui os tribunais e as outras autoridades e profissionais do direito competentes em matéria sucessória que exerçam funções jurisdicionais ou ajam no exercício de uma delegação de poderes conferida por um tribunal ou sob o controlo deste, desde que essas outras autoridades e profissionais do direito ofereçam garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas decisões nos termos da lei do Estado‑Membro onde estão estabelecidos:

a)

Possam ser objeto de recurso perante um tribunal ou de controlo por este; e

b)

Tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria.

[…]»

8

O artigo 62.o deste regulamento dispõe:

«1.   O presente regulamento cria um certificado sucessório europeu (a seguir designado “certificado”), que deve ser emitido para fins de utilização noutro Estado‑Membro e produzir os efeitos enunciados no artigo 69.o

2.   O recurso ao certificado não é obrigatório.

3.   O certificado não substitui os documentos internos utilizados para efeitos análogos nos Estados‑Membros. Todavia, uma vez emitido com vista a ser utilizado noutro Estado‑Membro, o certificado produz também os efeitos enunciados no artigo 69.o no Estado‑Membro cujas autoridades o emitiram por força do presente capítulo.»

9

O artigo 64.o do referido regulamento prevê:

«O certificado é emitido no Estado‑Membro cujos órgãos jurisdicionais sejam competentes por força do artigo 4.o, do artigo 7.o, do artigo 10.o ou do artigo 11.o A autoridade emissora deve ser:

a)

Um órgão jurisdicional, tal como definido no artigo 3.o, n.o 2; ou

b)

Outra autoridade que, nos termos da legislação nacional, tenha competência para tratar matérias sucessórias.»

10

O artigo 67.o, n.o 1, do mesmo regulamento enuncia:

«A autoridade emissora deve emitir sem demora o certificado, segundo o procedimento previsto no presente capítulo, caso os elementos a atestar tenham sido estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a elementos específicos. […]

A autoridade emissora não pode emitir o certificado, nomeadamente:

a)

Se os elementos a certificar forem objeto de contestação; ou

b)

Se o certificado não estiver em conformidade com uma decisão relativa aos mesmos elementos.»

Direito espanhol

11

O artigo 1.o da Ley Orgánica del Notariado [Lei de 28 de maio de 1862 (Lei Orgânica do Notariado)] (Gaceta de Madrid, n.o 149, de 29 de maio de 1862, p. 1), define o notário como «o funcionário público habilitado a autenticar, nos termos da lei, os contratos e outros atos extrajudiciais» e acrescenta que «haverá uma única classe destes funcionários em todo o território do Reino».

12

Os notários estão obrigatoriamente inscritos no Régimen Especial de la Seguridad Social de los Trabajadores por Cuenta Propia o Autónomos (Regime Especial da Segurança Social para os Trabalhadores Independentes, ou «RETA») e são simultaneamente funcionários públicos e empregadores privados das pessoas que estão ao seu serviço, com as quais se comprometem livremente através da celebração de contratos de trabalho sujeitos ao direito geral do trabalho, na sua globalidade, e ao direito do trabalho da União, também na sua globalidade.

13

Em conformidade com as regras gerais do Real Decreto Legislativo 2/2015, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo n.o 2/2015, que aprova a versão consolidada da Lei relativa ao Estatuto dos Trabalhadores), de 23 de outubro de 2015 (BOE n.o 255, de 24 de outubro de 2015, p. 100224) (a seguir, «Real Decreto Legislativo n.o 2/2015»), os notários negoceiam convenções coletivas, tendo negociado as de âmbito local até 2010 e, desde então, as de âmbito nacional.

14

O artigo 44.o, n.os 1 e 2, do Real Decreto Legislativo n.o 2/2015 enuncia:

«1.   A transferência de uma empresa, de um local de trabalho ou de uma unidade de produção autónoma não extingue, só por si, a relação de trabalho, ficando o novo empregador sub‑rogado nos direitos e obrigações laborais e de segurança social do empregador anterior, incluindo as obrigações relativas a pensões nos termos previstos na respetiva legislação específica aplicável, e, em geral, todas as obrigações do cedente em matéria de proteção social complementar.

2.   Para efeitos do presente artigo, considera‑se transferência de empresa a transmissão de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.»

Litígios no processo principal e questão prejudicial

15

NC e o. estiveram empregados num cartório notarial situado em Madrid (Espanha) por conta de diversos notários titulares que se sucederam neste cartório. Em 30 de setembro de 2019, DV, notário titular do referido escritório desde 31 de janeiro de 2015, ofereceu a NC e o. a possibilidade de trabalharem com ele no seu novo cartório, noutra cidade, ou de rescindirem os respetivos contratos de trabalho. NC e o. escolheram a segunda opção e receberam uma indemnização por despedimento por razões de força maior de natureza económica.

16

BA foi nomeado notário titular do mesmo cartório notarial em 29 de janeiro de 2020. Reintegrou os trabalhadores empregados pelo anterior notário que havia exercido funções, retomou a mesma estrutura material e continuou a exercer a atividade notarial no mesmo local de trabalho onde se conservam os arquivos, que a legislação nacional define como constituindo o conjunto dos instrumentos públicos e outros documentos nele integrados anualmente. Em 11 de fevereiro de 2020, BA e NC e o. celebraram contratos de trabalho com um período experimental de 6 meses.

17

Por Decisão de 15 de março de 2020, devido à pandemia de COVID‑19, a Dirección General de Seguridad Jurídica y Fe Pública (Direção‑Geral da Segurança Jurídica e Fé Pública) do Ministerio de Justicia (Ministério da Justiça, Espanha) estabeleceu que apenas as diligências de caráter urgente seriam efetuadas, que os cartórios notariais deveriam adotar as medidas de distanciamento social recomendadas pelas autoridades e que seriam organizados turnos de trabalhadores. No dia seguinte, NC, TA e JD visitaram o cartório notarial para solicitar a BA que desse cumprimento às medidas acima referidas. BA recusou e, no mesmo dia, enviou a NC, a TA e a JD e, em 2 de abril de 2020, a FZ, cartas de despedimento, indicando que estes últimos não tinham ficado aprovados no seu período experimental.

18

NC e o. intentaram no Juzgado de lo Social n.o 1 de Madrid (Tribunal do Trabalho n.o 1 de Madrid, Espanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio, uma ação em cujo âmbito pediram que o seu despedimento seja declarado nulo, ou, subsidiariamente, ilícito, e que a sua antiguidade seja calculada desde a data em que começaram a trabalhar no cartório de um notário titular, o qual, anteriormente, exerceu as suas funções no mesmo local que BA. BA opôs‑se aos seus pedidos e susteve que a sua antiguidade deveria começar a correr desde 11 de fevereiro de 2020, data da celebração dos contratos com NC e o.

19

O órgão jurisdicional de reenvio considera que NC e o. estiveram ininterruptamente ao serviço dos recorridos no processo principal, que foram sucessivamente nomeados como notários titulares, e no mesmo local, sito em Madrid, até ao seu despedimento no decurso de 2020.

20

Os notários espanhóis são funcionários públicos que acedem a esta função depois de serem aprovados num concurso de âmbito nacional, periodicamente organizado pela Direção‑Geral da Segurança Jurídica e Fé Pública do Ministério da Justiça. Este concurso está sujeito a uma regulamentação geral especial e o último anúncio de concurso conhecido destinava‑se a preencher vagas nas funções de notário titular devido a aposentação, transferência, gozo de férias, morte ou não cobertura das funções no termo do precedente concurso.

21

Quando um notário põe termo à sua atividade por transferência ou aposentação, o novo notário titular que lhe sucede, que pode ou não permanecer nas mesmas instalações, é obrigado a conservar durante 25 anos os arquivos do seu antecessor e a entregar as cópias e extratos dos atos recebidos por este último, quando as pessoas interessadas lho solicitem, entendendo‑se que é habitual, mas não obrigatório, que o novo titular da função conserve todos os meios humanos e materiais organizados por forma a prosseguir os fins de serviço público de notariado. O destino do pessoal em caso de despedimento não é regulado por nenhuma norma específica nem por nenhuma disposição convencional, exceto nos casos de transferência ou de licença sem vencimento por parte do notário titular.

22

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no Acórdão de 23 de julho de 2010, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) considerou que a natureza jurídica da função pública assumida pelo notário titular «não lhe retira a sua qualidade de empregador se se verificarem os requisitos exigidos pelo Real Decreto Legislativo n.o 2/2015, o que implica o cumprimento das obrigações que a legislação laboral impõe ao empregador […]» e explicitou que «o notário não é titular de uma organização de meios pessoais e materiais que, ao transferir o cartório em que prestava a função pública correspondente, possa dar origem a um fenómeno de transferência de empresa, uma vez que as suas sucessivas nomeações e consequentes transferências dependem do Governo e, pela sua nomeação para um cartório notarial específico, não se converte em titular da estrutura organizacional que o caracteriza, mas em mero depositário do seu arquivo e na face visível e de direção do serviço público que é exercido no referido cartório e que não é serviço público em sentido estrito».

23

Foi nestas circunstâncias que o Juzgado de lo Social n.o 1 de Madrid (Tribunal do Trabalho n.o 1 de Madrid) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva 2001/23] e, por conseguinte, o conteúdo desta diretiva, é aplicável a uma situação em que o titular de um cartório notarial, funcionário público que é simultaneamente empregador privado do pessoal a seu serviço, sendo essa relação como empregador objeto da legislação geral do trabalho e da convenção coletiva do setor, e que sucede no lugar ao anterior titular do cartório notarial que cessou funções, conservando o seu arquivo, continua a prestar serviço no mesmo local de trabalho, com a mesma estrutura material, e mantém o pessoal que, ao abrigo de contratos de trabalho, trabalhava para o anterior titular do lugar?»

Quanto à questão prejudicial

Quanto à admissibilidade

24

BA e o Governo Espanhol alegam que a questão prejudicial é inadmissível uma vez que, quatro meses antes de os recorrentes terem sido empregados por BA, a sua relação de trabalho com DV, o notário que precedeu BA nas mesmas instalações, cessou mediante a obtenção de uma indemnização. Assim, os direitos e as obrigações que resultavam para DV dos contratos de trabalho celebrados com NC e o. já não existiam à data da transferência do cartório notarial e estes foram, em todo o caso, indemnizados.

25

A este respeito, há que recordar que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua própria responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 17 de maio de 2023, BK e ZhP (Suspensão parcial do processo principal)C‑176/22, EU:C:2023:416, n.o 19 e jurisprudência referida].

26

A este respeito, há que salientar que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, só os direitos e obrigações do cedente, emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho, existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário. Além disso, segundo jurisprudência constante, esta diretiva não tem como propósito uma melhoria das condições de remuneração ou de outras condições de trabalho por ocasião de uma transferência de empresas (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, ISS Facility Services, C‑344/18, EU:C:2020:239, n.o 25 e jurisprudência referida).

27

É certo que, como resulta dos pedidos de decisão prejudicial, na sequência da nova afetação de DV, NC e o. rescindiram os seus contratos de trabalho em 30 de setembro de 2019 e, em 11 de fevereiro de 2020, assinaram os respetivos contratos com BA, tendo este último sido nomeado notário titular do cartório notarial de que DV era titular.

28

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio indica que NC e o. estiveram, ininterruptamente, ao serviço, desde 24 de maio de 2004 e no mesmo local de trabalho, dos diversos notários titulares sucessivamente nomeados para esse cartório, aos quais estavam vinculados por uma relação laboral regular. A este respeito, acrescenta que a aplicação da Diretiva 2001/23 teria como consequência a manutenção da antiguidade desde o início da sua relação de trabalho com o referido cartório.

29

Relativamente ao argumento do Governo Espanhol, segundo o qual a questão prejudicial é inadmissível uma vez que NC e o. já obtiveram uma indemnização devido à cessação da sua relação de trabalho, há que considerar que esta possibilidade decorre da regulamentação nacional que não se propõe transpor a Diretiva 2001/23 e não é, portanto, pertinente para efeitos da apreciação da admissibilidade da questão prejudicial. Importa, de resto, precisar que, pese embora caber ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, segundo as alegações de NC e o. na audiência, esta indemnização foi reembolsada.

30

Face ao exposto, não é manifesto que a questão prejudicial relativa à interpretação da Diretiva 2001/23 não tenha nenhuma relação com a realidade do litígio no processo principal ou que o problema seja hipotético, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 25 do presente acórdão. Nestas condições, a questão deve ser julgada admissível.

Quanto ao mérito

31

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva é aplicável a uma situação na qual um notário que é funcionário público e empregador a título privado dos trabalhadores afetos ao seu serviço, sucede ao anterior titular desse cartório, conserva o seu arquivo, reintegra o pessoal que estava empregado por este último e continua a exercer a atividade no mesmo local de trabalho, com a mesma estrutura material.

32

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/23 prevê que esta é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer esta transferência resulte de uma cessão convencional, quer de uma fusão.

33

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, é considerada como constituindo uma «transferência», na aceção daquela, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória. O conceito de entidade remete assim para um conjunto organizado de pessoas e bens que permitam o exercício de uma atividade económica que prossegue um objetivo próprio (Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Grafe e Pohle, C‑298/18, EU:C:2020:121, n.o 22).

34

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), primeiro período, da Diretiva 2001/23, esta é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativos. Em contrapartida, conforme o segundo período desta disposição, a reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constitui uma «transferência» na aceção desta diretiva.

35

Assim, antes de examinar se existe uma transferência, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, há que examinar se atividades como as exercidas pelos notários espanhóis estão abrangidas pelo conceito de «atividade económica», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva.

Quanto à existência de uma «atividade económica» na aceção da Diretiva 2001/23

36

O Tribunal de Justiça especificou que o conceito de «atividade económica» compreende qualquer atividade que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado. Em contrapartida, por princípio, estão excluídas da qualificação de «atividade económica» as atividades que se enquadram no exercício das prerrogativas da autoridade pública, entendendo‑se que os serviços que se encontram em concorrência com os serviços propostos por operadores que prosseguem fins lucrativos são suscetíveis de ser qualificados de «atividades económicas», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2001/23. (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Piscarreta Ricardo, C‑416/16, EU:C:2017:574, n.o 34 e jurisprudência referida).

37

Decorre dos pedidos de decisão prejudicial que os notários espanhóis oferecem os seus serviços no mercado a clientes mediante remuneração, consistindo estes serviços, em substância e nomeadamente, em autenticar os contratos e outros atos extrajudiciais. Segundo as indicações da Comissão Europeia na audiência, estes notários assumem os riscos financeiros relativos ao exercício dessa atividade.

38

Tal atividade está abrangida, em princípio, como indicou, em substância, o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões, pelo conceito de «atividade económica», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2001/23.

39

No entanto, há que examinar se, devido a outras circunstâncias que resultam dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, atividades como as dos notários espanhóis estão direta e especificamente ligadas ao exercício da autoridade pública e devem ser consideradas abrangidas pelo exercício das prerrogativas desta autoridade (v., por analogia, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Bélgica, C‑47/08, EU:C:2011:334, n.o 85 e jurisprudência referida).

40

Importa salientar a este respeito que, uma vez que se trata de uma exclusão à regra geral de aplicabilidade da Diretiva 2001/23, conforme artigo 1.o, n.o 1, desta, esta exclusão deve ser objeto de interpretação restritiva (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2023, KRI, C‑323/22, EU:C:2023:641, n.o 49 e jurisprudência referida).

41

Assim, primeiro, há que salientar que os notários espanhóis são funcionários públicos nomeados por decretos ministeriais no seguimento de um concurso.

42

Todavia, é à luz das atividades em causa, e não à luz do estatuto dos notários na ordem jurídica espanhola, que há que verificar se exercem prerrogativas de autoridade pública (v., por analogia, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Bélgica, C‑47/08, EU:C:2011:334, n.o 116).

43

Segundo, como confirmou o Governo Espanhol na audiência, os particulares são livres de recorrer ao notário da sua escolha. A este respeito, embora os honorários dos notários sejam fixados pela legislação nacional, não deixa de ser verdade que a qualidade dos serviços prestados pode variar de um notário para outro em função, nomeadamente, das aptidões profissionais, exercendo assim as suas atividades em condições de concorrência, o que não é característico do exercício das prerrogativas da autoridade pública (v., por analogia, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Bélgica, C‑47/08, EU:C:2011:334, n.o 117).

44

Terceiro, no que respeita às funções exercidas pelos notários espanhóis, o Governo Espanhol indica que estes são competentes para, nomeadamente, por um lado, autenticar os atos de direito privado, celebrar casamentos, dissolvê‑los por motivo de divórcio, decretar uma separação, bem como para acolher a apresentação, a autenticação, a abertura e o depósito dos testamentos fechados perante notário e, por outro, recusar exercer as suas funções nas situações previstas pela legislação espanhola. A este respeito, resulta do artigo 1.o do Reglamento de la organización y régimen del Notariado (Regulamento sobre a Organização e o Regime do Notariado) aprovado definitivamente pelo Decreto por el que se aprueba com caráter definitivo el Reglamento de la organización y régimen del Notariado (Decreto de Aprovação Definitiva do Regulamento sobre a Organização e o Regime do Notariado), de 2 de junho de 1944 (BOE n.o 189, de 7 de julho de 1944, p. 5225) (a seguir «Regulamento do Notariado»), citado pelo Governo Espanhol nas suas observações escritas, que, na sua qualidade de funcionário público, o notário está investido do poder de conferir o caráter de autenticidade notarial, o qual, em matéria de direito, estabelece a autenticidade e a força probatória das manifestações de vontade emitidas pelas partes que figuram no ato autêntico redigido em conformidade com a lei.

45

Por mais importantes que sejam estas atividades de interesse geral, os notários espanhóis, uma vez que exercem essas atividades numa situação de concorrência, não podem ser considerados autoridades administrativas públicas, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2001/23.

46

O facto de os notários agirem prosseguindo um objetivo de interesse geral quando recusam exercer as suas funções não basta para que a sua atividade seja considerada abrangida pelo exercício de prerrogativas de autoridade pública. Com efeito, é ponto assente que as atividades exercidas no âmbito de diversas profissões regulamentadas implicam frequentemente, nas ordens jurídicas nacionais, para as pessoas que as exercem, a obrigação de prosseguirem esse objetivo, sem que estas atividades façam parte, no entanto, do exercício de prerrogativas de autoridade pública (v., por analogia, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Bélgica, C‑47/08, EU:C:2011:334, n.o 96).

47

Em quarto lugar, o Reino de Espanha notificou a Comissão, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012, da sua opção de designar os notários espanhóis como as outras autoridades ou profissionais do direito referidos no n.o 1 deste artigo, os quais estão abrangidos pelo conceito de «órgão jurisdicional», na aceção da referida disposição, e podem emitir certificados sucessórios europeus ao abrigo do artigo 64.o deste regulamento.

48

Há que salientar que o referido regulamento diz respeito à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu e não afeta, consequentemente, a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2001/23 (v., por analogia, Acórdão de 15 de março de 2018, Comissão/República Checa, C‑575/16, EU:C:2018:186, n.o 127 e jurisprudência referida).

49

Por outro lado, o facto de os notários de um Estado‑Membro estarem abrangidos pelo conceito de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 650/2012, não implica que exerçam prerrogativas de autoridade pública. Segundo os requisitos exigidos por esta disposição, estão abrangidos pelo conceito de «órgão jurisdicional» não somente uma autoridade ou um profissional do direito competente em matéria de sucessões que exerça funções jurisdicionais, ou atue ao abrigo de uma delegação de poderes conferida por uma autoridade judiciária, mas também uma autoridade ou um profissional do direito que atue apenas sob o controlo de um tribunal.

50

A competência dos notários espanhóis para emitir, nos termos do artigo 64.o do Regulamento n.o 650/2012, os certificados sucessórios europeus também não equivale a um exercício dessas prerrogativas. Resulta, por um lado, do artigo 62.o deste regulamento que o recurso a estes certificados não é obrigatório e, por outro, do artigo 67.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento, que os referidos certificados não podem ser emitidos se os elementos a certificar forem objeto de contestação.

51

Nestas circunstâncias, que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, afigura‑se que os notários espanhóis exercem uma atividade económica, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2001/23.

Quanto à existência de uma «transferência» na aceção da Diretiva 2001/23

52

Importa começar por recordar, a este respeito, que a Diretiva 2001/23 tem como finalidade assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no âmbito de uma entidade económica, independentemente de uma alteração de proprietário. O critério decisivo para estabelecer a existência de uma «transferência», na aceção desta diretiva, é o de saber se a entidade em questão preserva a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida).

53

No caso em apreço, BA, depois de ter sido nomeado pelo Estado como notário titular do cartório notarial de determinada área geográfica, do qual DV havia sido titular, empregou uma parte dos efetivos, retomou o material e as instalações e tornou‑se depositário dos arquivos deste cartório.

54

Ao abrigo do artigo 1.o da Lei Orgânica do Notariado, o notário é o funcionário público habilitado a autenticar, em conformidade com as leis, contratos e outros atos extrajudiciais, ao passo que o cartório notarial de que é titular constitui, segundo o artigo 69.o do Regulamento do Notariado, um «estabelecimento público», que é definido como «o conjunto de meios humanos e materiais organizados para responder à finalidade [da função pública notarial]».

55

A este respeito, importa constatar, em primeiro lugar, que o facto de um notário se tornar titular de um cartório notarial por nomeação pelo Estado, e não com base num contrato celebrado com o seu anterior titular, não pode, por si só, excluir a existência de uma transferência, na aceção da Diretiva 2001/23.

56

De facto, a inexistência de vínculo contratual entre o cedente e o cessionário, embora possa constituir um indício de que não houve transferência, na aceção da Diretiva 2001/23, não pode revestir uma importância determinante a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.o 39 e jurisprudência referida).

57

O âmbito de aplicação desta diretiva abrange todas as hipóteses de mudança, no quadro de relações contratuais, da pessoa singular ou coletiva responsável pela exploração da empresa que contrai as obrigações de entidade patronal perante os empregados da empresa. Deste modo, para que a referida diretiva seja aplicável, não é necessário que existam relações contratuais diretas entre o cedente e o cessionário, já que a cessão se pode efetuar por intermédio de um terceiro (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.o 40 e jurisprudência referida).

58

Consequentemente, o facto de a transferência resultar de decisões unilaterais das autoridades públicas e não de um encontro de vontades não exclui a aplicabilidade da Diretiva 2001/23 (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.o 41 e jurisprudência referida).

59

Em segundo lugar, o facto de apenas o notário estar habilitado a exercer serviços públicos de notariado é irrelevante para efeitos da aplicabilidade desta diretiva.

60

Com efeito, a transferência, na aceção da Diretiva 2001/23, deve incidir sobre uma entidade económica organizada de modo estável cuja atividade não se limita à execução de uma determinada obra. Constitui este tipo de entidade qualquer conjunto organizado de pessoas e de elementos que permita o exercício de uma atividade económica que prossiga um objetivo próprio e que é suficientemente estruturado e autónomo (Acórdão de 6 de março de 2014, Amatori e o., C‑458/12, EU:C:2014:124, n.o 31 e jurisprudência referida).

61

Ora, como foi referido no n.o 54 do presente acórdão, segundo o artigo 69.o do Regulamento do Notariado, o cartório notarial constitui um «estabelecimento público» que é definido como o conjunto de meios humanos e materiais «organizados» por forma a prosseguir os fins dos serviços públicos de notariado. Além disso, a Comissão indicou na audiência, sem ser contestada neste ponto pelos outros interessados, mas sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que resulta do artigo 14.o do II Convenio Colectivo estatal de Notarios y Personal Empleado (Segunda Convenção Coletiva Nacional dos Notários e dos Trabalhadores dos Cartórios Notariais), assinada em 24 de julho de 2017 (BOE n.o 241, de 6 de outubro de 2017, p. 97369), que, embora o cartório notarial funcione sob a fiscalização do notário titular, é através dos seus empregados que as funções, como as relativas à organização do escritório, à redação dos documentos e à comunicação com os clientes, nomeadamente, no que respeita às consultas jurídicas, são desempenhadas de modo autónomo.

62

No caso em apreço, embora um cartório notarial espanhol atue necessariamente sob o controlo do notário titular, a nomeação pelo Estado do seu novo titular implica a transferência da mesma função pública notarial conexa, designadamente, a determinada área geográfica onde exercia o seu anterior titular. Esta mudança da pessoa do titular de um cartório notarial deve ser considerada uma mudança de empresário, circunstância em que, segundo o seu considerando 3, a Diretiva 2001/23 visa proteger os trabalhadores.

63

Em terceiro lugar, a mudança do titular de um cartório notarial não implica necessariamente a alteração da identidade deste cartório.

64

Para determinar se o requisito da manutenção da identidade da empresa está preenchido, há que tomar em consideração o conjunto das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento em questão, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efetivos, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração de uma eventual suspensão destas atividades. Contudo, estes elementos constituem apenas aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.o 49 e jurisprudência referida).

65

Daqui resulta que a importância respetiva a atribuir aos diferentes critérios da existência de uma «transferência», na aceção da Diretiva 2001/23, varia necessariamente em função da atividade exercida, ou mesmo dos métodos de produção ou de exploração utilizados pela entidade económica, no estabelecimento ou em parte do estabelecimento em questão (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.o 50 e jurisprudência referida).

66

O Tribunal de Justiça salientou anteriormente que uma entidade económica pode, em certos setores, funcionar sem elementos do ativo, corpóreos ou incorpóreos, significativos, de tal forma que a manutenção da sua identidade além da operação de que é objeto não pode, por hipótese, depender da cessão de tais elementos (Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.o 51 e jurisprudência referida).

67

Num setor em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, o que sucede nomeadamente no caso de uma atividade que não necessita de utilizar elementos materiais específicos, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida além da operação em causa se o essencial dos seus efetivos, em termos de número e de competência, não for integrado pelo alegado cessionário (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.os 52 e 53 e jurisprudência referida).

68

Por conseguinte, esta análise implica a existência de um certo número de constatações de ordem factual, devendo esta questão ser apreciada in concreto pelo órgão jurisdicional nacional à luz dos critérios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça, bem como dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/23, tais como o da proteção dos trabalhadores em caso de mudança de empresário para assegurar a manutenção dos seus direitos, enunciado no considerando 3 desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Strong Charon, C‑675/21, EU:C:2023:108, n.o 55 e jurisprudência referida).

69

A este respeito, resulta do n.o 54 do presente acórdão que, em conformidade com a legislação espanhola, o pessoal e as instalações do cartório notarial constituem um «estabelecimento público», que é definido como o conjunto de meios humanos e materiais organizados por forma a prosseguir os fins dos serviços públicos de notariado.

70

A atividade desse cartório notarial assenta principalmente na mão de obra desse cartório, pelo que é suscetível de manter a sua identidade além da sua transferência se uma parte essencial dos efetivos, em termos de número e de competência, for reintegrada pelo seu novo titular, permitindo a este último prosseguir o exercício das atividades do cartório notarial.

71

Na hipótese de um notário nomeado titular de um cartório notarial ter reintegrado uma parte essencial dos efetivos empregados pelo seu antecessor e continuado a confiar‑lhes tarefas como as mencionadas no n.o 61 do presente acórdão, há que salientar que o facto de se ter tornado titular de um cartório notarial, nomeadamente de uma determinada área geográfica, ter retomado os meios materiais e as instalações desse cartório e se ter tornado depositário dos arquivos indica que o referido cartório manteve a sua identidade.

72

Resulta de todas as considerações precedentes que o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva é aplicável a uma situação na qual um notário, funcionário público e empregador a título privado dos trabalhadores afetos ao seu cartório notarial, sucede ao titular anterior deste cartório, conserva os seus arquivos, bem como reintegra uma parte essencial do pessoal que estava empregado por este último e continua a exercer a mesma atividade nas mesmas instalações com os mesmos meios materiais, desde que a identidade desse cartório seja mantida, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar tendo em consideração todas as circunstâncias pertinentes.

Quanto às despesas

73

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva é aplicável a uma situação na qual um notário, funcionário público e empregador a título privado dos trabalhadores afetos ao seu cartório notarial, sucede ao titular anterior deste cartório, conserva os seus arquivos, bem como reintegra uma parte essencial do pessoal que estava empregado por este último e continua a exercer a mesma atividade nas mesmas instalações com os mesmos meios materiais, desde que a identidade desse cartório seja mantida, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar tendo em consideração todas as circunstâncias pertinentes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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