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Document 62021CJ0562

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 22 de fevereiro de 2022.
    X e Y.
    Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Rechtbank Amsterdam.
    Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 1.o, n.o 3 — Processos de entrega entre Estados‑Membros — Condições de execução — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o, segundo parágrafo — Direito fundamental a um processo equitativo perante um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei — Falhas sistémicas ou generalizadas — Exame em duas fases — Critérios de aplicação — Obrigação da autoridade judiciária de execução de verificar, de maneira concreta e precisa, se existem motivos sérios e comprovados para crer que, em caso de entrega, a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu corre, em caso de entrega, um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei.
    Processos apensos C-562/21 PPU e C-563/21 PPU.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:100

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    22 de fevereiro de 2022 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Artigo 1.o, n.o 3 — Processos de entrega entre Estados‑Membros — Condições de execução — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o, segundo parágrafo — Direito fundamental a um processo equitativo perante um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei — Falhas sistémicas ou generalizadas — Exame em duas fases — Critérios de aplicação — Obrigação da autoridade judiciária de execução de verificar, de maneira concreta e precisa, se existem motivos sérios e comprovados para crer que, em caso de entrega, a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu corre, em caso de entrega, um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei»

    Nos processos apensos C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU,

    que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), por Decisões de 14 de setembro de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 14 de setembro de 2021, nos processos relativos à execução de mandados de detenção europeus emitidos contra

    X (C‑562/21 PPU)

    Y (C‑563/21 PPU)

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, C. Lycourgos, S. Rodin, I. Jarukaitis, N. Jääskinen (relator), I. Ziemele e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, L. S. Rossi, A. Kumin e N. Wahl, juízes,

    advogado‑geral: A. Rantos,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 16 de novembro de 2021,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de X, por N. M. Delsing e W. R. Jonk, advocaten,

    em representação do Openbaar Ministerie, por C. L. E. McGivern e K. van der Schaft,

    em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

    em representação da Irlanda, por J. Quaney, na qualidade de agente, assistida por R. Kennedy, SC,

    em representação do Governo polaco, por S. Żyrek, J. Sawicka e B. Majczyna, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid, K. Herrmann, P. Van Nuffel e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de dezembro de 2021,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»), e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    2

    Esses pedidos foram apresentados no âmbito da execução, nos Países Baixos, de dois mandados de detenção europeus emitidos, respetivamente, no processo C‑562/21 PPU, em 6 de abril de 2021, pelo Sąd Okręgowy w Lublinie (Tribunal Regional de Lublin, Polónia), para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade aplicada a X, e, no processo C‑563/21 PPU, em 7 de abril de 2021, pelo Sąd Okręgowy w Zielonej Górze (Tribunal Regional de Zielona Góra, Polónia), para efeitos de procedimento penal relativamente a Y.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 5, 6 e 10 da Decisão‑Quadro 2002/584 têm a seguinte redação:

    «(5)

    O objetivo que a União [Europeia] fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados‑Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos atuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados‑Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré‑sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.

    (6)

    O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

    […]

    (10)

    O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.o 1 do artigo 6.o [TUE], verificada pelo Conselho [da União Europeia] nos termos do n.o 1 do artigo 7.o [TUE] e com as consequências previstas no n.o 2 do mesmo artigo.»

    4

    O artigo 1.o desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe:

    «1.   O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

    2.   Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

    3.   A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE].»

    5

    Os artigos 3.o, 4.o, e 4.o‑A da referida decisão‑quadro enumeram os motivos de não execução obrigatória e facultativa do mandado de detenção europeu.

    6

    O artigo 8.o da mesma decisão‑quadro especifica o conteúdo e as formas do mandado de detenção europeu.

    7

    Nos termos do artigo 15.o da Decisão‑Quadro 2002/584, sob a epígrafe «Decisão sobre a entrega»:

    «1.   A autoridade judiciária de execução decide da entrega da pessoa nos prazos e nas condições definidos na presente decisão‑quadro.

    2.   Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, em especial, em conexão com os artigos 3.o a 5.o e o artigo 8.o, podendo fixar um prazo para a sua receção, tendo em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.o

    3.   A autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.»

    Direito neerlandês

    8

    A Decisão‑Quadro 2002/584 foi transposta para o direito neerlandês pela Wet tot implementatie van het kaderbesluit van de Raad van de Europese Unie betreffende het Europees aanhoudingsbevel en de procedures van overlevering tussen de lidstaten van de Europese Unie (Overleveringswet) [Lei que aplica a Decisão‑Quadro do Conselho da União Europeia relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (Lei relativa à entrega)], de 29 de abril de 2004 (Stb. 2004, n.o 195), conforme alterada, em último lugar, pela Lei de 17 de março de 2021 (Stb. 2021, n.o 155).

    Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

    Processo C‑562/21 PPU

    9

    O órgão jurisdicional de reenvio, o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), foi chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de execução de um mandado de detenção europeu emitido em 6 de abril de 2021 pelo Sąd Okręgowy w Lublinie (Tribunal Regional de Lublin). Este mandado de detenção europeu destina‑se à detenção e à entrega de um cidadão polaco, para efeitos da execução de uma pena privativa da liberdade de dois anos, aplicada ao interessado por sentença transitada em julgado, proferida em 30 de junho de 2020, por extorsão e ameaça de violência.

    10

    O interessado não deu consentimento à sua entrega à República da Polónia. Encontra‑se atualmente em prisão preventiva nos Países Baixos, enquanto aguarda que o órgão jurisdicional de reenvio decida sobre a sua entrega.

    11

    O órgão jurisdicional de reenvio afirma que não identificou qualquer fundamento suscetível de impedir a referida entrega, com exceção daquele a que se refere a questão prejudicial submetida à apreciação do Tribunal de Justiça.

    12

    Este órgão jurisdicional considera que, desde 2017, existem falhas sistémicas ou generalizadas que afetam a independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão. Estas falhas, que já existiam no momento da emissão do mandado de detenção europeu referido no n.o 9 do presente acórdão, agravaram‑se desde então. Segundo o referido órgão jurisdicional, existe, pois, um risco real, em caso de entrega ao Estado‑Membro de emissão, de a pessoa em causa sofrer uma violação do seu direito fundamental a um processo equitativo, garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

    13

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as referidas falhas afetam, nomeadamente, o direito fundamental a um tribunal previamente estabelecido por lei, garantido por essa disposição.

    14

    Este órgão jurisdicional considera que as falhas em causa resultam, nomeadamente, da ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei que Altera a Lei Relativa ao Conselho Nacional da Magistratura e DeterminadasOutras Leis), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3) (a seguir «Lei de 8 de dezembro de 2017»), que entrou em vigor em 17 de janeiro de 2018, e, em especial, do papel confiado ao Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) (a seguir «KRS») na nomeação dos membros do poder judicial na Polónia.

    15

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência à Resolução adotada pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) em 23 de janeiro de 2020, na qual este último considerou que, estando diretamente subordinado às autoridades públicas desde a entrada em vigor da Lei de 8 de dezembro de 2017, o KRS não era um órgão independente. Essa falta de independência estava na origem de falhas no processo de nomeação dos juízes. No que respeita aos órgãos jurisdicionais diferentes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), resulta desta resolução que uma formação de julgamento não é regularmente constituída, na aceção do Kodeks postępowania karnego (Código de Processo Penal polaco), quando inclui uma pessoa nomeada como juiz sob proposta do KRS, em conformidade com a legislação entrada em vigor em 17 de janeiro de 2018, na medida em que a falha em causa implica, nas circunstâncias do caso em apreço, uma violação das garantias de independência e de imparcialidade na aceção da Constituição polaca, do artigo 47.o da Carta e do artigo 6.o da Convenção Europeia Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

    16

    O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se igualmente ao Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596, n.os 108 e 110).

    17

    Este órgão jurisdicional refere ainda que tomou conhecimento de uma lista, elaborada em 25 de janeiro de 2020, que continha os nomes de 384 juízes nomeados sob proposta do KRS, desde a entrada em vigor da Lei de 8 de dezembro de 2017. O referido órgão jurisdicional considera provável que o número destas nomeações tenha aumentado desde então.

    18

    Nestas condições, o referido órgão jurisdicional considera que existe um risco real de que um ou vários juízes nomeados sob proposta do KRS, desde a entrada em vigor da Lei de 8 de dezembro de 2017, tenham participado no processo penal de que o interessado é objeto.

    19

    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que o interessado não pode, desde 14 de fevereiro de 2020, impugnar de maneira efetiva a validade da nomeação de um juiz ou a legalidade do exercício das funções judiciais deste último. Com efeito, por força da ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych, ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw (Lei que Altera a Lei Relativa à Organização dos Tribunais Comuns, a Lei Relativa ao Supremo Tribunal e Determinadas Outras Leis), de 20 de dezembro de 2019 (Dz. U. de 2020, posição 190), que entrou em vigor em 14 de fevereiro de 2020, os órgãos jurisdicionais polacos não podem apreciar tais questões.

    20

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considera, na sua jurisprudência, que o direito a um tribunal «estabelecido pela lei», tal como é garantido pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, embora seja um direito autónomo, tem, todavia, uma relação muito estreita com as garantias de independência e de imparcialidade previstas nesta disposição. O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se a este respeito aos critérios estabelecidos por esta jurisprudência para determinar se as irregularidades verificadas no processo de nomeação dos juízes constituem uma violação do direito a um tribunal estabelecido pela lei, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH (TEDH, 1 de dezembro de 2020, Ástráðsson c. Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 243 a 252, e TEDH, 22 de julho de 2021, Reczkowicz c. Polónia CE:ECHR:2021:0722JUD004344719, §§ 221 a 224).

    21

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se estes critérios devem igualmente ser aplicados no âmbito da execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade.

    22

    Nestas condições, o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Que critério deve um órgão jurisdicional que se deve pronunciar sobre a aplicação de um mandado de detenção europeu para efeitos de execução de uma pena ou medida privativa de liberdade definitiva aplicar ao apreciar se, no Estado‑Membro de emissão, o direito a um tribunal previamente estabelecido por lei foi violado no processo que conduziu à condenação quando, nesse Estado‑Membro, uma eventual violação desse direito não era suscetível de recurso jurisdicional efetivo?»

    Processo C‑563/21 PPU

    23

    O órgão jurisdicional de reenvio foi igualmente chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de execução de um mandado de detenção europeu emitido em 7 de abril de 2021 pelo Sąd Okręgowy w Zielonej Górze (Tribunal Regional de Zielona Góra). Este mandado de detenção europeu destina‑se à detenção e à entrega de um cidadão polaco para efeitos de procedimento penal.

    24

    O interessado não deu consentimento à sua entrega à República da Polónia, estando detido preventivamente nos Países Baixos, enquanto aguarda que o órgão jurisdicional de reenvio decida sobre essa entrega.

    25

    O órgão jurisdicional de reenvio afirma que não identificou qualquer fundamento suscetível de impedir a referida entrega, com exceção daquele a que se referem as questões prejudiciais submetidas neste processo.

    26

    Este órgão jurisdicional invoca os mesmos fundamentos que os mencionados nos n.os 12 a 17 do presente acórdão, a que se referiu no pedido de decisão prejudicial objeto do processo C‑562/21 PPU, e com base nos quais considera que as falhas sistémicas ou generalizadas que afetam a independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão têm consequências, nomeadamente, sobre o direito fundamental do interessado a um tribunal previamente estabelecido por lei, garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

    27

    No que diz respeito à situação da pessoa cuja entrega foi pedida no processo C‑563/21 PPU, o órgão jurisdicional de reenvio considera que existe um risco real de que um ou vários juízes nomeados sob proposta do KRS desde a entrada em vigor da Lei de 8 de dezembro de 2017, referida no n.o 14 do presente acórdão, sejam chamados a pronunciar‑se sobre o processo penal do interessado, se a entrega deste último à República da Polónia para efeitos de procedimento penal for autorizada.

    28

    Ora, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que uma pessoa cuja entrega é pedida para efeitos de procedimento penal está materialmente impossibilitada de invocar, de forma individualizada, as irregularidades na nomeação de um ou de vários juízes que serão chamados a pronunciar‑se sobre o seu processo penal. Com efeito, ao contrário de uma pessoa cuja entrega é pedida para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, hipótese referida no processo C‑562/21 PPU, uma pessoa cuja entrega é pedida para efeitos de procedimento penal não pode indicar perante a autoridade judiciária de execução, em razão das modalidades de atribuição aleatória dos processos nos órgãos jurisdicionais polacos, a composição da formação de julgamento que julgará o seu processo penal após a sua entrega. Além disso, devido à entrada em vigor, em 14 de fevereiro de 2020, da Lei de 20 de dezembro de 2019, referida no n.o 19 do presente acórdão, esta pessoa não pode impugnar de maneira efetiva, após a sua entrega à República da Polónia, a validade da nomeação de um juiz ou a legalidade do exercício das funções jurisdicionais deste último.

    29

    Ademais, no que respeita à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, referida no n.o 20 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se os critérios aplicados por este órgão jurisdicional para apreciar se as irregularidades constatadas no processo de nomeação dos juízes constituem uma violação do direito a um tribunal estabelecido pela lei, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, devem igualmente ser aplicados no contexto da execução de um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal.

    30

    Por último, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se os critérios estabelecidos no Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586), e confirmados pelo Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033), se aplicam no âmbito da apreciação da questão de saber se, em caso de entrega, a pessoa interessada corre um risco real de violação do seu direito fundamental a um tribunal previamente estabelecido por lei e, em caso afirmativo, como devem esses critérios ser aplicados.

    31

    Nestas condições, o Rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o critério estabelecido no Acórdão [de 25 de julho de 2018,] Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586) e confirmado pelo Acórdão [de 17 de dezembro de 2020,] Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033), ser aplicado quando existe um risco real de a pessoa em causa ser julgada por um tribunal que não foi previamente estabelecido por lei?

    2)

    Deve o critério estabelecido no Acórdão [de 25 de julho de 2018,] Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) e confirmado pelo Acórdão [de 17 de dezembro de 2020,] Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), ser aplicado quando uma pessoa requerida que pretende contestar a sua entrega não pode preencher esse critério com o fundamento de que não é possível determinar, nesse momento, a composição dos órgãos jurisdicionais perante os quais será julgada, em razão das modalidades de atribuição aleatória desses processos?

    3)

    A inexistência de um recurso efetivo para impugnar a validade da nomeação dos juízes na Polónia, em circunstâncias em que se afigura que a pessoa requerida não pode provar, nesse momento, que os órgãos jurisdicionais perante os quais será julgada serão compostos por juízes não validamente nomeados, constitui uma violação do conteúdo essencial do direito a um processo equitativo que implica a obrigação de o Estado‑Membro de execução recusar a entrega da pessoa requerida?»

    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    32

    O órgão jurisdicional de reenvio pediu que os reenvios prejudiciais fossem submetidos à tramitação urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    33

    Em apoio do seu pedido, o órgão jurisdicional de reenvio alega que as questões prejudiciais versam sobre matéria prevista no título V da Parte III do Tratado FUE, que X e Y estão atualmente privados de liberdade e que a resposta do Tribunal de Justiça a estas questões prejudiciais terá uma incidência direta e decisiva sobre a duração da detenção dos interessados.

    34

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, importa ter em consideração a circunstância de que a pessoa em causa no processo principal está privada de liberdade e de que a sua manutenção em detenção depende da decisão do litígio no processo principal [Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito a ser ouvido pela autoridade judiciária de execução),C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 32 e jurisprudência referida].

    35

    Ora, nos presentes processos, como resulta das decisões de reenvio, os interessados estão detidos preventivamente e a resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas terá uma incidência direta e decisiva sobre a duração dessa detenção.

    36

    Nestas condições, em 29 de setembro de 2021, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, sob proposta do juiz relator, ouvido o advogado‑geral, deferir os pedidos do órgão jurisdicional de reenvio de que os presentes reenvios prejudiciais sejam submetidos a tramitação prejudicial urgente.

    37

    Por outro lado, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu remeter os processos C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU ao Tribunal de Justiça, com vista à sua atribuição à Grande Secção.

    38

    Por decisão do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2021, os processos C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU foram apensados para efeitos das fases escrita e oral do processo e do acórdão.

    Quanto às questões prejudiciais

    39

    Com a sua única questão no processo C‑562/21 PPU e as suas três questões no processo C‑563/21 PPU, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio questiona, em substância, se o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que, quando a autoridade judiciária de execução chamada a decidir sobre a entrega de uma pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu dispõe de elementos que revelam falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão, nomeadamente no que se refere ao procedimento de nomeação dos membros deste poder, essa autoridade pode recusar a referida entrega com fundamento no facto de, na hipótese de tal entrega, existir um risco real de violação do direito fundamental dessa pessoa a um processo equitativo num tribunal previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, sempre que:

    no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, uma eventual violação desse direito fundamental no processo que conduziu à condenação da referida pessoa não seja suscetível de recurso jurisdicional efetivo, e

    no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal, a pessoa em causa não possa determinar, no momento da referida entrega, a composição das formações de julgamento perante as quais será julgada, em razão das modalidades de atribuição aleatória dos processos nos órgãos jurisdicionais em causa, e não exista, no Estado‑Membro de emissão, um recurso efetivo para impugnar a validade da nomeação dos juízes.

    Observações preliminares

    40

    Antes de mais, importa sublinhar que tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo, ele próprio assente na confiança recíproca entre estes últimos, são, no direito da União, de importância fundamental, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais especificamente, o princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um destes Estados considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União e, em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito [Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito a ser ouvido pela autoridade judiciária de execução),C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 37 e jurisprudência referida].

    41

    Assim, quando aplicam o direito da União, os Estados‑Membros podem ser obrigados, por força desse mesmo direito, a presumir o respeito dos direitos fundamentais por parte dos outros Estados‑Membros, pelo que não lhes é possível exigir a outro Estado‑Membro um nível de proteção nacional dos direitos fundamentais mais elevado do que o assegurado pelo direito da União, nem tão‑pouco, salvo em circunstâncias excecionais, verificar se esse outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso concreto, os direitos fundamentais garantidos pela União [Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 192].

    42

    Neste contexto, a Decisão‑Quadro 2002/584, ao instituir um sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal, destina‑se a facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para a realização do objetivo, fixado à União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no grau de confiança elevado que deve existir entre os Estados‑Membros [Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito a ser ouvido pela autoridade judiciária de execução), C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 38 e jurisprudência referida].

    43

    O princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, segundo o considerando 6 da Decisão‑Quadro 2002/584, a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, encontra a sua expressão no artigo 1.o, n.o 2, desta decisão‑quadro, que consagra a regra por força da qual os Estados‑Membros são obrigados a executar qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com as disposições da referida decisão‑quadro [Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito de ser ouvido pela autoridade judiciária de execução), C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 40 e jurisprudência referida].

    44

    Daqui decorre que as autoridades judiciárias de execução só podem, em princípio, recusar executar um mandado de detenção europeu pelos motivos, exaustivamente enumerados, de não execução previstos pela decisão‑quadro e que a execução do mandado de detenção europeu apenas pode ser subordinada a uma das condições taxativamente previstas no artigo 5.o desta decisão‑quadro. Por conseguinte, enquanto a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita [Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 41 e jurisprudência referida, e de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 37].

    45

    Dito isto, o elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros, no qual se baseia o mecanismo do mandado de detenção europeu, funda‑se na premissa segundo a qual os órgãos jurisdicionais penais do Estado‑Membro de emissão, que, na sequência da execução de um mandado de detenção europeu, deverão conduzir o procedimento penal de repressão ou de execução da pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade, bem como o procedimento penal de mérito, satisfazem as exigências inerentes ao direito fundamental a um processo equitativo, garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 58]. Este direito fundamental reveste importância cardinal enquanto garante da proteção do conjunto dos direitos que para os litigantes emergem do direito da União e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do valor do Estado de direito [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 39 e jurisprudência referida].

    46

    Nestas circunstâncias, embora, a fim de garantir a plena aplicação dos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos subjacentes ao funcionamento deste mecanismo do mandado de detenção europeu, caiba, em primeiro lugar, a cada Estado‑Membro assegurar, sob a fiscalização última do Tribunal de Justiça, a salvaguarda das exigências inerentes ao referido direito fundamental, abstendo‑se de qualquer medida suscetível de o prejudicar [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 40], a existência de um risco real de que a pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu sofra, em caso de entrega à autoridade judiciária de emissão, uma violação deste mesmo direito fundamental é suscetível de permitir à autoridade judiciária de execução não dar, a título excecional, seguimento a esse mandado de detenção europeu, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 [v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 59].

    47

    Em seguida, o Tribunal de Justiça sublinhou que a Decisão‑Quadro 2002/584, lida à luz das disposições da Carta, não pode ser interpretada de modo a pôr em causa a efetividade do sistema de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros, de que o mandado de detenção europeu, como previsto pelo legislador da União, constitui um dos elementos essenciais [Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito de ser ouvido pela autoridade judiciária de execução), C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 43 e jurisprudência referida].

    48

    O Tribunal de Justiça declarou assim que, a fim, nomeadamente, de garantir que o funcionamento do mandado de detenção europeu não seja paralisado, a obrigação de cooperação leal, inscrita no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, deve presidir ao diálogo entre as autoridades judiciárias de execução e as autoridades judiciárias de emissão. Decorre do princípio da cooperação leal que a União e os Estados‑Membros se respeitam e se assistem mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados [Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito de ser ouvido pela autoridade judiciária de execução), C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 44 e jurisprudência referida].

    49

    Por último, e na sequência das considerações que precedem, as autoridades judiciárias de emissão e de execução devem usar plenamente os instrumentos previstos, designadamente, no artigo 8.o, n.o 1, e no artigo 15.o da referida decisão‑quadro, de forma a favorecer a confiança mútua em que assenta essa cooperação [Acórdão de 6 de dezembro de 2018, IK (Execução de uma pena acessória), C‑551/18 PPU, EU:C:2018:991, n.o 63 e jurisprudência referida].

    Quanto às condições em que a autoridade judiciária de execução pode recusar, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, a entrega de uma pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu devido à existência de um risco real de essa pessoa, em caso de entrega à autoridade judiciária de emissão, sofrer uma violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal previamente estabelecido por lei

    50

    À luz, nomeadamente, das considerações recordadas nos n.os 40 a 46 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, no que diz respeito ao artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, que, quando a autoridade judiciária de execução chamada a decidir sobre a entrega de uma pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu dispõe de elementos que revelam falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão, essa autoridade não pode presumir a existência de motivos sérios e comprovados para acreditar que, em caso de entrega a este último Estado‑Membro, essa pessoa correrá um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo, sem proceder a uma verificação concreta e precisa que tenha em conta, nomeadamente, a situação pessoal da referida pessoa, a natureza da infração em causa e o contexto factual em que se insere a referida emissão, como declarações de autoridades públicas que possam interferir no tratamento a dar a um caso específico [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 69].

    51

    Por conseguinte, informações sobre a existência ou o agravamento de falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial num Estado‑Membro não bastam, por si só, para justificar a recusa de execução desse mandado emitido por uma autoridade judiciária desse Estado‑Membro [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 63].

    52

    No âmbito do exame em duas fases, mencionado no n.o 50 do presente acórdão e enunciado pela primeira vez, no que diz respeito ao artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, no Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas no sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 47 a 75), a autoridade judiciária de execução deve, numa primeira fase, determinar se existem elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados tendentes a demonstrar a existência de um risco real de violação, no Estado‑Membro de emissão, do direito fundamental a um processo equitativo garantido por esta disposição, em razão de falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial no Estado‑Membro [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 54 e jurisprudência referida].

    53

    Numa segunda fase, a autoridade judiciária de execução deve verificar, de forma concreta e precisa, em que medida essas falhas constatadas na primeira fase podem ter impacto a nível dos órgãos jurisdicionais do referido Estado‑Membro competentes para conhecer dos processos a que a pessoa interessada será sujeita e se, tendo em conta a situação pessoal dessa pessoa, a natureza da infração pela qual é exercida a ação penal contra ela e o contexto factual em que se insere o mandado de detenção, e à luz das informações eventualmente prestadas por esse Estado‑Membro nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, existem motivos sérios e comprovados para acreditar que a referida pessoa correrá tal risco em caso de entrega a este último Estado‑Membro [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 55 e jurisprudência referida].

    54

    Nos casos em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre se este exame em duas fases, que foi consagrado pelo Tribunal de Justiça, nos Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586), e de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033), à luz das garantias de independência e de imparcialidade inerentes ao direito fundamental a um processo equitativo previsto no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, é aplicável quando está em causa a garantia, igualmente inerente a este direito fundamental, relativa a um tribunal previamente estabelecido por lei e, em caso afirmativo, quais são as condições e modalidades de aplicação do referido exame a este respeito. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se nomeadamente sobre a incidência, neste mesmo exame, da circunstância de um órgão como o KRS, que é composto de forma preponderante por membros que representam os poderes legislativo ou executivo ou escolhidos por estes, participar na nomeação ou na progressão na carreira dos membros do poder judicial no Estado‑Membro de emissão.

    55

    No que respeita à aplicabilidade do exame em duas fases recordado nos n.os 52 e 53 do presente acórdão, na hipótese referida no número anterior, importa, em primeiro lugar, sublinhar os laços indissociáveis que, nos próprios termos do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, existem, para efeitos do direito fundamental a um processo equitativo, na aceção desta disposição, entre as garantias de independência e de imparcialidade dos juízes, bem como o acesso a um tribunal previamente estabelecido por lei.

    56

    Da jurisprudência do Tribunal de Justiça, desenvolvida à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, resulta, portanto, que, embora o direito a um tal tribunal, que é garantido tanto pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH como pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, seja um direito autónomo, este está, porém, intimamente ligado às garantias de independência e de imparcialidade decorrentes destas duas disposições. Mais especificamente, ainda que todas estas exigências ditadas pelas referidas disposições prossigam um objetivo preciso que as tornam garantias específicas de um processo equitativo, estas garantias visam o respeito dos princípios fundamentais do Estado de direito e da separação dos poderes. Na base de cada uma destas exigências encontra‑se o imperativo de preservar a confiança que o poder judicial deve inspirar ao litigante e a independência deste poder relativamente aos outros poderes [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 124 e jurisprudência referida].

    57

    No que diz respeito, mais concretamente, ao processo de nomeação dos juízes, o Tribunal de Justiça declarou, referindo‑se sempre à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, tendo em conta as consequências fundamentais que este processo implica para o bom funcionamento e a legitimidade do poder judicial num Estado democrático regido pelo primado do direito, tal processo constitui necessariamente um elemento inerente ao conceito de «tribunal estabelecido pela lei», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, precisando‑se que a independência de um tribunal, na aceção desta disposição, é apreciada, nomeadamente, pelo modo como os seus membros foram nomeados [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 125 e jurisprudência referida].

    58

    O Tribunal de Justiça salientou ainda que as garantias de acesso a um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei, nomeadamente as que determinam o conceito e a composição de tal tribunal, representam a pedra angular do direito ao processo equitativo. A verificação da questão de saber se, pela sua composição, uma instância constitui um tribunal desse tipo, quando surja uma dúvida séria quanto a esse ponto, é necessária à confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos particulares [Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 126 e jurisprudência referida].

    59

    Em segundo lugar, importa sublinhar que o facto de se admitir que uma autoridade judiciária de execução pode não dar seguimento a um mandado de detenção europeu com base unicamente numa circunstância como a referida no segundo período do n.o 54 do presente acórdão conduziria a uma interpretação do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 que ignora a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 44 e 46 deste acórdão.

    60

    Além disso, ao interpretar esta disposição, é necessário assegurar não só o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas cuja entrega é pedida, mas também a tomada em consideração de outros interesses, como a necessidade de respeitar, sendo caso disso, os direitos fundamentais das vítimas das infrações em causa.

    61

    A este respeito, a existência de direitos de terceiros em processos penais implica, no contexto do mecanismo do mandado de detenção europeu, um dever de cooperação para o Estado‑Membro de execução. Além disso, à luz desses direitos, a constatação da existência, em caso de entrega da pessoa em causa ao Estado‑Membro de emissão, de um risco real de violação do direito fundamental desta pessoa a um processo equitativo deve basear‑se em elementos de facto suficientes (v. igualmente, neste sentido, TEDH, 9 de julho de 2019, Castaño c. Bélgica, CE:ECHR:2019:0709JUD000835117, §§ 82, 83 e 85).

    62

    Nesta mesma ótica, um dos objetivos da Decisão‑Quadro 2002/584 é a luta contra a impunidade. Se a existência de falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial num Estado‑Membro bastasse, por si só, para permitir à autoridade judiciária de execução não proceder ao exame em duas fases referido nos n.os 52 e 53 do presente acórdão e recusar executar, com base no artigo 1.o, n.o 3, desta Decisão‑Quadro, um mandado de detenção europeu emitido pelo Estado‑Membro de emissão, tal implicaria um elevado risco de impunidade das pessoas que tentam escapar à justiça depois de serem condenadas ou de recair sobre elas a suspeita de terem cometido uma infração, mesmo que não houvesse elementos concretos que permitissem considerar que estas correriam um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo, em caso de entrega [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 64].

    63

    Em terceiro lugar, a abordagem referida no número anterior conduziria a uma suspensão de facto da execução do mecanismo do mandado de detenção europeu em relação a este Estado‑Membro, em violação da competência do Conselho Europeu e do Conselho nesta matéria.

    64

    Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça recordou, esta execução só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no artigo 2.o TUE, incluindo o do Estado de direito, verificada pelo Conselho Europeu nos termos do artigo 7.o, n.o 2, TUE, com as consequências previstas no n.o 3 do mesmo artigo [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 57].

    65

    Por conseguinte, só se houver uma decisão do Conselho Europeu, seguida da suspensão, pelo Conselho, da aplicação da Decisão‑Quadro 2002/584 no que respeita ao Estado‑Membro em causa, é que a autoridade judiciária de execução seria obrigada a recusar automaticamente a execução de qualquer mandado de detenção europeu emitido por esse Estado‑Membro, sem ter de proceder a qualquer apreciação concreta do risco real que corre a pessoa em causa de que o conteúdo essencial do seu direito fundamental a um processo equitativo seja afetado [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 58 e jurisprudência referida].

    66

    Das considerações expostas nos n.os 55 a 65 do presente acórdão decorre que a autoridade judiciária de execução deve proceder ao exame em duas fases referido nos n.os 52 e 53 deste acórdão, a fim de apreciar se, em caso de entrega da pessoa em causa ao Estado‑Membro de emissão, esta última correrá um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal independente previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

    Quanto à primeira fase do exame

    67

    No âmbito da primeira fase deste exame, a autoridade judiciária de execução deve avaliar, em termos gerais, a existência de um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo, nomeadamente associado à falta de independência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão ou ao incumprimento da exigência de um tribunal estabelecido por lei, em razão de falhas sistémicas ou generalizadas neste Estado‑Membro [v., neste sentido, acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 61 e jurisprudência referida].

    68

    Essa avaliação deve ser efetuada tendo em conta o padrão de proteção do direito fundamental garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 62 e jurisprudência referida].

    69

    Neste sentido, no que diz respeito, por um lado, às exigências de independência e de imparcialidade, que, tal como foi salientado nos n.os 55 a 58 do presente acórdão, estão intimamente ligadas à exigência de um tribunal previamente estabelecido por lei, estas pressupõem a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 67 e jurisprudência referida).

    70

    No que respeita às decisões de nomeação, é necessário, nomeadamente, que as condições substantivas e as modalidades processuais que presidem à adoção dessas decisões sejam de tal ordem que não possam fazer surgir tais dúvidas legítimas no que diz respeito aos juízes nomeados (Acórdão de 26 de março de 2020, Réexamen Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 71 e jurisprudência referida).

    71

    Por outro lado, no que diz respeito à exigência de um tribunal previamente estabelecido por lei, o Tribunal de Justiça observou, referindo‑se à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.o da CEDH (TEDH, 8 de julho de 2014, Biagioli c. San Marino, CE:ECHR:2014:0708DEC000816213, §§ 72 a 74, e TEDH, 2 de maio de 2019, Pasquini c. San Marino, CE:ECHR:2019:0502JUD005095616, §§ 100 e 101 e jurisprudência referida), que a expressão «estabelecido pela lei» reflete nomeadamente o princípio do Estado de Direito. Esta expressão diz respeito não só à base legal da própria existência do tribunal, mas também à composição da formação de julgamento em cada processo e ainda a qualquer outra disposição de direito interno cujo desrespeito leve à irregularidade da participação de um ou mais juízes no exame do processo, o que inclui, particularmente, disposições relativas à independência e à imparcialidade dos membros do tribunal em causa. Além disso, o direito de ser julgado por um tribunal «estabelecido pela lei» engloba, pela sua própria natureza, o processo de nomeação dos juízes (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Réexamen Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 73).

    72

    No que se refere aos critérios de apreciação da existência de uma violação do direito fundamental a um tribunal previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, há que salientar que nem todas as irregularidades no processo de nomeação de juízes podem ser consideradas uma violação.

    73

    Uma irregularidade cometida na nomeação dos juízes no sistema judicial em causa implica tal violação, nomeadamente quando essa irregularidade seja de uma natureza e de uma gravidade tais que cria um risco real de que outros ramos do poder, particularmente o executivo, possam pôr em perigo a integridade do resultado a que conduz o processo de nomeação e semeie, assim, uma dúvida legítima no espírito dos sujeitos de direito quanto à independência e à imparcialidade do ou dos juízes em causa [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.o 130 e jurisprudência referida].

    74

    Uma constatação relativa à existência de uma violação da exigência de um tribunal previamente estabelecido por lei e às consequências de tal violação está sujeita a uma apreciação global de uma série de fatores, que, em conjunto, contribuem para gerar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas quanto à independência e à imparcialidade dos juízes [v., neste sentido, Acórdãos de2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 131 e 132, e de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação), C‑487/19, EU:C:2021:798, n.os 152 a 154].

    75

    Assim, a circunstância de um órgão, como um conselho nacional da magistratura, envolvido no processo de nomeação dos juízes ser, de forma preponderante, composto por membros escolhidos pelo poder legislativo não pode, por si só, conduzir a que se questione a independência dos juízes nomeados no termo do referido processo (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen,C‑272/19, EU:C:2020:535, n.os 55 e 56). Todavia, tal não é o caso se essa mesma circunstância, conjugada com outros elementos pertinentes e com as condições em que foram feitas essas escolhas, conduzir a que se gerem tais dúvidas [v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar do juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596), n.o 103].

    76

    A circunstância de um órgão composto, de forma preponderante, por membros que representam os poderes legislativo ou executivo ou por estes escolhidos intervir no processo de nomeação dos juízes do Estado‑Membro de emissão não basta, portanto, por si só, para justificar uma decisão da autoridade judiciária de execução de recusa da entrega da pessoa em causa.

    77

    Daqui decorre que, no contexto de um processo de entrega ligado à execução de um mandado de detenção europeu, a avaliação da existência de um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo, nomeadamente associado à falta de independência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão ou ao incumprimento da exigência de um tribunal previamente estabelecido por lei, em razão de falhas sistémicas ou generalizadas neste Estado‑Membro, exige uma apreciação global baseada em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados relativos ao funcionamento do sistema judicial no referido Estado‑Membro, designadamente no quadro geral de nomeação dos juízes do mesmo Estado‑Membro.

    78

    Nos presentes casos, para além das informações que figuram numa proposta fundamentada dirigida pela Comissão Europeia ao Conselho com fundamento no artigo 7.o, n.o 1, TUE [Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 61], constituem, designadamente, elementos particularmente pertinentes para efeitos dessa avaliação os referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber a Resolução do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), de 23 de janeiro de 2020, e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, como a proferida nos Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982), de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recurso) (C‑824/18, EU:C:2021:153), de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, EU:C:2021:596), e de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, EU:C:2021:798), que contêm indicações relativas ao estado de funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão.

    79

    No âmbito dessa avaliação, a autoridade judiciária de execução pode também ter em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na qual foi declarada uma violação da exigência de um tribunal estabelecido por lei no que respeita ao processo de nomeação dos juízes (v., nomeadamente, Tribunal EDH, 22 de julho de 2021, Reczkowicz c. Polónia, CE:ECHR:2021:0722JUD004344719).

    80

    Para todos os efeitos, deve ainda acrescentar‑se que estes elementos pertinentes incluem igualmente uma jurisprudência constitucional do Estado‑Membro de emissão, que põe em causa o primado do direito da União e o caráter vinculativo da CEDH, bem como o caráter obrigatório dos acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativos à conformidade com este direito e com esta convenção das regras do referido Estado‑Membro relativas à organização do seu sistema judicial, nomeadamente à nomeação dos juízes.

    81

    Quando a autoridade judiciária de execução considere, com base em elementos como os referidos nos n.os 78 a 80 do presente acórdão, que existe um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo, nomeadamente associado à falta de independência dos órgãos jurisdicionais do referido Estado‑Membro ou ao incumprimento da exigência de um tribunal previamente estabelecido por lei, em razão de falhas sistémicas ou generalizadas no Estado‑Membro de emissão, esta não pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu sem proceder à segunda fase do exame referido nos n.os 52 e 53 do presente acórdão.

    Quanto à segunda fase do exame

    82

    No âmbito desta segunda fase, a autoridade judiciária de execução deve apreciar se as falhas sistémicas ou generalizadas verificadas na primeira fase deste exame são suscetíveis de se concretizar em caso de entrega da pessoa em causa ao Estado‑Membro de emissão e se, nas circunstâncias específicas dos casos em apreço, esta pessoa corre, portanto, um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

    83

    No caso de um processo de entrega para efeitos de execução de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, cabe à pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu apresentar elementos concretos de que as falhas sistémicas ou generalizadas do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão tiveram uma incidência concreta no tratamento do seu processo penal e, no caso de um processo de entrega para efeitos de procedimento penal, de que essas falhas são suscetíveis de ter tal incidência. A apresentação de tais elementos concretos relativos à incidência, no seu caso específico, das falhas sistémicas ou generalizadas supramencionadas permite, sem prejuízo da possibilidade de esta pessoa comunicar qualquer outro elemento pontual e específico do caso em apreço, concluir que o processo para o qual a sua entrega é pedida pela autoridade judiciária de emissão viola de forma concreta o seu direito fundamental a um processo equitativo.

    84

    Se a autoridade judiciária de execução considerar que os elementos apresentados pela pessoa em causa, embora sugerindo que estas falhas sistémicas e generalizadas tiveram ou são suscetíveis de ter uma incidência concreta no caso específico desta pessoa, são insuficientes para demonstrar a existência, neste caso, de um risco real de violação do direito fundamental a um tribunal previamente estabelecido por lei, e, por conseguinte, para recusar a execução do mandado de detenção europeu em causa, a referida autoridade deve, em aplicação do artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, solicitar à autoridade judiciária de emissão que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares que considere necessárias.

    85

    Uma vez que a autoridade judiciária de emissão deve transmitir todas essas informações à autoridade judiciária de execução [Acórdão de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria), C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 64 e jurisprudência referida], qualquer conduta que comprove a ausência de cooperação leal da parte da autoridade judiciária de emissão pode ser considerada pela autoridade judiciária de execução como um elemento pertinente para avaliar se a pessoa cuja entrega é pedida corre, caso essa entrega tenha lugar, um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, n.o 2, da Carta.

    86

    Posto isto, e no que diz respeito, por um lado, ao caso em apreço no processo C‑562/21 PPU, de um mandado de detenção europeu emitido com vista à entrega para execução de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, cabe à pessoa cuja entrega é pedida invocar os elementos concretos com base nos quais considera que as falhas sistémicas ou generalizadas do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão tiveram uma incidência concreta sobre o processo penal de que é objeto, e nomeadamente sobre a composição da formação de julgamento chamada a decidir sobre o processo penal em causa, de tal modo que um ou diversos juízes desta formação não ofereceram as garantias de independência e de imparcialidade exigidas por força do direito da União.

    87

    Conforme se depreende dos n.os 74 a 76 do presente acórdão, e contrariamente ao alegado pelo Governo neerlandês, não basta, neste contexto, a informação de que um ou diversos juízes, que participaram no processo que conduziu à condenação da pessoa cuja entrega é pedida, foram nomeados sob proposta de um órgão composto de modo preponderante por membros que representam os poderes legislativo ou executivo ou escolhidos por estes, como é o caso do KRS desde a entrada em vigor da Lei de 8 de dezembro de 2017.

    88

    Por conseguinte, a pessoa em causa terá ainda de fornecer, no que respeita à formação de julgamento chamada a decidir sobre o seu processo penal, elementos relativos, designadamente, ao procedimento de nomeação do ou dos juízes em causa e ao eventual destacamento dos mesmos, que permitissem à autoridade judiciária de execução concluir, nas circunstâncias do caso em apreço, pela existência de motivos sérios e comprovados para considerar que a composição desta formação de julgamento foi suscetível de afetar o direito fundamental dessa pessoa a um processo equitativo num tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, aquando do processo penal de que a referida pessoa foi objeto.

    89

    Assim, por exemplo, as informações de que a autoridade judiciária de execução disponha e que se refiram a um destacamento de um determinado juiz na formação de julgamento chamada a decidir sobre o processo penal relativo à pessoa cuja entrega é pedida, destacamento decidido pelo ministro da Justiça com base em critérios não conhecidos previamente e revogável a qualquer momento por uma decisão que não é fundamentada por este ministro, podem constituir motivos sérios e comprovados para concluir pela existência de um risco real de violação, no caso concreto da pessoa em causa, deste direito fundamental (v., por analogia, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.os 77 a 90).

    90

    Além disso, é pertinente qualquer informação relativa à tramitação do processo penal que conduziu à condenação da pessoa em causa, tal como, sendo caso disso, o eventual exercício por esta pessoa das vias de recurso disponíveis. Em especial, é necessário ter em conta a possibilidade de a referida pessoa solicitar, no Estado‑Membro de emissão, a recusa de um ou de vários membros da formação de julgamento por motivos relacionados com uma violação do seu direito fundamental a um processo equitativo, bem como o eventual exercício por esta mesma pessoa do seu direito de solicitar essa recusa e as informações obtidas relativamente ao seguimento dado a esse pedido neste processo ou num eventual processo de recurso.

    91

    No presente processo, o Governo polaco salientou, nas suas observações escritas, sem que tal tenha sido posto em causa na audiência, que o direito processual polaco prevê a possibilidade de a pessoa em questão solicitar a recusa de um juiz, ou da formação de julgamento no seu conjunto, chamada a decidir sobre o processo penal de que é objeto, se essa pessoa tiver dúvidas no que respeita à independência ou à imparcialidade de um ou de vários juízes da formação de julgamento em causa.

    92

    Ora, nada nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça no âmbito do presente processo prejudicial permite, na falta de informação mais pormenorizada quanto ao estado do direito nacional e de várias disposições relevantes do mesmo, concluir que a existência de tal possibilidade de a pessoa em questão fazer valer os seus direitos foi posta em causa pelo simples facto, evocado pelo órgão jurisdicional de reenvio e referido no n.o 19 do presente acórdão, de, desde a entrada em vigor, em 14 de fevereiro de 2020, da lei de 20 de dezembro de 2019, ter deixado de ser possível impugnar de maneira efetiva a validade da nomeação de um juiz ou a legalidade do exercício das funções judiciais deste último.

    93

    No que respeita, por outro lado, ao caso em apreço no processo C‑563/21 PPU, de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal, há que salientar que a circunstância, referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a pessoa cuja entrega é pedida não poder ter conhecimento, antes da eventual entrega, da identidade dos juízes que serão chamados a decidir sobre o processo penal de que esta pessoa será provavelmente objeto após a entrega, não basta, por si só, para recusar a referida entrega.

    94

    Com efeito, nada no sistema estabelecido pela Decisão‑Quadro 2002/584 permite considerar que a entrega de uma pessoa ao Estado‑Membro de emissão para efeitos de procedimento penal está condicionada pela garantia de que este procedimento conduz a um processo penal perante um órgão jurisdicional preciso e, ainda menos, pela identificação precisa dos juízes que serão chamados a decidir desse processo penal.

    95

    A interpretação contrária privaria a segunda fase do exame referido nos n.os 52 e 53 do presente acórdão de qualquer efeito útil e comprometeria não só a realização do objetivo da Decisão‑Quadro 2002/584, recordado no n.o 42 do presente acórdão, mas também a confiança recíproca entre os Estados‑Membros subjacente ao mecanismo do mandado de detenção europeu criado por esta decisão‑quadro.

    96

    Dito isto, em circunstâncias como as do processo C‑563/21 PPU, em que a composição da formação de julgamento chamada a decidir sobre o processo relativo à pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu não é conhecida no momento em que a autoridade judiciária de execução deve decidir da entrega desta pessoa ao Estado‑Membro de emissão, esta autoridade não pode, porém, prescindir de uma apreciação global das circunstâncias do caso em apreço destinadas a verificar, com base nos elementos fornecidos pela referida pessoa e completados, sendo caso disso, pelas informações fornecidas pela autoridade judiciária de emissão, se existe, em caso de entrega, um risco real de violação do direito fundamental da mesma pessoa a um processo equitativo num tribunal previamente estabelecido por lei.

    97

    Tal como o advogado‑geral observou, em substância, no n.o 63 das suas conclusões, tais elementos podem, nomeadamente, referir‑se às declarações prestadas pelas autoridades públicas suscetíveis de ter uma incidência no caso concreto em causa. A autoridade judiciária de execução pode igualmente basear‑se em qualquer outra informação que considere pertinente, como a associada à situação pessoal do interessado, à natureza da infração que lhe é imputada e ao contexto factual em que se insere a emissão do mandado de detenção europeu, mas também, sendo caso disso, em qualquer em outra informação de que disponha no que respeita aos juízes que compõem as formações de julgamento presumivelmente competentes para decidir do processo de que esta pessoa será objeto após a sua entrega ao Estado‑Membro de emissão.

    98

    A este respeito, deve, todavia, notar‑se, tendo em conta as considerações expostas no n.o 87 do presente acórdão, que as informações relativas à nomeação, sob proposta de um órgão composto, de forma preponderante, por membros que representam os poderes legislativo ou executivo ou por estes escolhidos, como é o caso do KRS, desde a entrada em vigor da Lei de 8 de dezembro de 2017, de um ou de diversos juízes com assento no órgão jurisdicional competente ou, se esta for conhecida, na formação de julgamento em causa, não bastam para concluir que a pessoa em causa corre, em caso de entrega, um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal previamente estabelecido por lei. Tal conclusão pressupõe, em todo o caso, uma apreciação caso a caso do procedimento de nomeação do juiz ou dos juízes em causa.

    99

    Da mesma maneira, embora a autoridade judiciária de execução não possa excluir que a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal corre, no caso de entrega, um risco real de violação deste direito fundamental pelo simples facto de essa pessoa dispor, no Estado‑Membro de emissão, da possibilidade de solicitar a recusa de um ou de diversos membros da formação de julgamento chamada a decidir do seu processo penal, a existência dessa possibilidade pode, todavia, ser tida em conta pela referida autoridade como elemento pertinente para avaliar a existência desse risco [v., por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria), C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 117].

    100

    A este respeito, o facto de tal recusa só poder, sendo caso disso, ser solicitada, no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal, após a entrega da pessoa em causa e depois de esta pessoa ter tido conhecimento da composição da formação de julgamento chamada a pronunciar‑se sobre o procedimento de que esta pessoa é objeto, é irrelevante no âmbito da apreciação da existência de um risco real de essa pessoa sofrer, em caso de entrega, uma violação do referido direito fundamental.

    101

    Se, no termo de uma apreciação global, a autoridade judiciária de execução constatar que existem motivos sérios e comprovados para acreditar que, uma vez entregue, a pessoa em causa corre um risco real de violação do seu direito a um processo equitativo num tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, esta autoridade deve abster‑se, com base no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, de dar execução ao mandado de detenção europeu em causa. Caso contrário, deve proceder à execução do mesmo, em conformidade com a obrigação de princípio estabelecida no artigo 1.o, n.o 2, da referida decisão‑quadro [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 61].

    102

    À luz de todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que, quando a autoridade judiciária de execução chamada a decidir sobre a entrega de uma pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu dispõe de elementos que revelam falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão, nomeadamente no que se refere ao procedimento de nomeação dos membros do referido poder, essa autoridade apenas pode recusar a entrega desta pessoa:

    no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, se a referida autoridade constatar que, nas circunstâncias específicas do processo, existem motivos sérios e comprovados para crer que, tendo em conta, nomeadamente, os elementos fornecidos por essa pessoa e relativos à composição da formação de julgamento chamada a decidir sobre o seu processo penal ou a qualquer outra circunstância pertinente para a apreciação da independência e da imparcialidade desta formação de julgamento, houve uma violação do direito fundamental da mesma pessoa a um processo equitativo num tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, e

    no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal, se esta mesma autoridade constatar que, nas circunstâncias específicas do processo, existem motivos sérios e comprovados para crer que, tendo em conta, nomeadamente, os elementos fornecidos pela pessoa em causa e relativos à sua situação pessoal, à natureza da infração que lhe é imputada, ao contexto factual em que este mandado de detenção europeu se insere ou a qualquer outra circunstância pertinente para a apreciação da independência e da imparcialidade da formação de julgamento provavelmente chamada a decidir sobre o processo relativo a essa pessoa, esta última corre, em caso de entrega, um risco real de violação deste direito fundamental.

    Quanto às despesas

    103

    Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    O artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, com a redação da Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que, quando a autoridade judiciária de execução chamada a decidir sobre a entrega de uma pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu dispõe de elementos que revelam falhas sistémicas ou generalizadas no que respeita à independência do poder judicial no Estado‑Membro de emissão, nomeadamente no que se refere ao procedimento de nomeação dos membros do referido poder, essa autoridade apenas pode recusar a entrega desta pessoa:

     

    no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, se a referida autoridade constatar que, nas circunstâncias específicas do processo, existem motivos sérios e comprovados para crer que, tendo em conta, nomeadamente, os elementos fornecidos por essa pessoa e relativos à composição da formação de julgamento chamada a decidir sobre o seu processo penal ou a qualquer outra circunstância pertinente para a apreciação da independência e da imparcialidade desta formação de julgamento, houve uma violação do direito fundamental da mesma pessoa a um processo equitativo num tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e

    no contexto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal, se esta mesma autoridade constatar que, nas circunstâncias específicas do processo, existem motivos sérios e comprovados para crer que, tendo em conta, nomeadamente, os elementos fornecidos pela pessoa em causa e relativos à sua situação pessoal, à natureza da infração que lhe é imputada, ao contexto factual em que este mandado de detenção europeu se insere ou a qualquer outra circunstância pertinente para a apreciação da independência e da imparcialidade da formação de julgamento provavelmente chamada a decidir sobre o processo relativo a essa pessoa, esta última corre, em caso de entrega, um risco real de violação deste direito fundamental.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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