EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62021CJ0555

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de fevereiro de 2023.
UniCredit Bank Austria AG contra Verein für Konsumenteninformation.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2014/17/UE — Contratos de crédito aos consumidores relativos a imóveis para uso residencial — Artigo 25.o, n.o 1 — Reembolso antecipado — Direito do consumidor a uma redução do custo total do crédito correspondente aos juros e encargos devidos pelo prazo restante do contrato — Artigo 4.o, ponto 13 — Conceito de “custo total do crédito para o consumidor” — Encargos independentes da duração do contrato.
Processo C-555/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:78

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

9 de fevereiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 2014/17/UE — Contratos de crédito aos consumidores relativos a imóveis para uso residencial — Artigo 25.o, n.o 1 — Reembolso antecipado — Direito do consumidor a uma redução do custo total do crédito correspondente aos juros e encargos devidos pelo prazo restante do contrato — Artigo 4.o, ponto 13 — Conceito de “custo total do crédito para o consumidor” — Encargos independentes da duração do contrato»

No processo C‑555/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), por Decisão de 19 de agosto de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de setembro de 2021, no processo

UniCredit Bank Austria AG

contra

Verein für Konsumenteninformation,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, M. Safjan (relator), N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretária: S. Beer, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de julho de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação da UniCredit Bank Austria AG, por M. Kellner e F. Liebel, Rechtsanwälte,

em representação do Verein für Konsumenteninformation, por A.‑M. Kosesnik‑Wehrle e S. Langer, Rechtsanwälte,

em representação do Governo alemão, por J. Möller e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Rocchitta, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por G. Goddin, B.‑R. Killmann e H. Tserepa‑Lacombe, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 60, p. 34).

2

O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o UniCredit Bank Austria AG (a seguir «UCBA») à Verein für Konsumenteninformation (a seguir «VKI»), a propósito do recurso, pela UCBA, a uma cláusula‑tipo constante dos seus contratos de crédito imobiliário que prevê que, em caso de reembolso antecipado do crédito pelo consumidor, os encargos de tratamento independentes da duração do crédito não lhe são reembolsados.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/48/CE

3

O artigo 3.o da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO 2008, L 133, p. 66), sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

g)

“Custo total do crédito para o consumidor”: todos os custos, incluindo juros, comissões, taxas e encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito que o consumidor deve pagar e que são conhecidos do mutuante, com exceção dos custos notariais; os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, em especial os prémios de seguro, são igualmente incluídos se, além disso, a celebração do contrato de serviço for obrigatória para a obtenção de todo e qualquer crédito ou para a obtenção do crédito nos termos e condições de mercado.

[…].»

4

O artigo 16.o da Diretiva 2008/48, com a epígrafe «Reembolso antecipado», prevê, no seu n.o 1:

«É garantida ao consumidor a possibilidade de, em qualquer momento, cumprir, integral ou parcialmente, as suas obrigações no âmbito de um contrato de crédito. Nestes casos, o consumidor tem direito a uma redução do custo total do crédito consistindo essa redução nos juros e nos custos do período remanescente do contrato.»

Diretiva 2014/17

5

Os considerandos 15, 19, 20, 22 e 50 da Diretiva 2014/17 têm a seguinte redação:

«(15)

O objetivo da presente diretiva é assegurar que os consumidores que celebrem contratos de crédito para bens imóveis beneficiem de um nível de proteção elevado. […]

[…]

(19)

Por razões de segurança jurídica, o enquadramento legal da União no domínio dos contratos de crédito para imóveis de habitação deverá ser coerente com outros atos normativos da União [Europeia] e supletivo em relação aos mesmos, em particular nos domínios da proteção do consumidor e da supervisão prudencial. […]

(20)

A fim de assegurar um enquadramento coerente para os consumidores no domínio do crédito, bem como de minimizar os encargos administrativos para os mutuantes e os intermediários de crédito, o núcleo da presente diretiva deverá seguir a estrutura da Diretiva [2008/48] […]

[…]

22)

Simultaneamente, é importante ter em conta as especificidades dos contratos de crédito para imóveis de habitação, que justificam uma abordagem diferenciada. […]

[…]

(50)

O custo total do crédito para o consumidor deverá incluir todos os custos que este tenha de pagar no âmbito do contrato de crédito e que sejam do conhecimento do mutuante. Por conseguinte, deverá incluir juros, comissões, impostos, remuneração dos intermediários de crédito, despesas de avaliação do imóvel para efeitos da hipoteca e quaisquer outros encargos, com exceção dos emolumentos notariais, necessários para a obtenção do crédito, por exemplo um seguro de vida, ou para a sua obtenção nos termos e condições comercializadas, por exemplo um seguro contra incêndio. […] O custo total do crédito para o consumidor deverá excluir os custos que este tenha de pagar pela compra do prédio urbano ou rústico, tais como impostos e emolumentos notariais associados ou as despesas de registo predial. […]»

6

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece um quadro comum aplicável a determinados aspetos das disposições legais, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos de crédito aos consumidores garantido por hipoteca ou outro direito para imóveis de habitação, incluindo a obrigação de efetuar uma avaliação de solvabilidade antes da concessão de um crédito, como base para o desenvolvimento de normas eficazes de celebração de contratos para imóveis de habitação nos Estados‑Membros, e a determinados requisitos prudenciais e de supervisão, incluindo para o estabelecimento e supervisão de intermediários de crédito, de representantes nomeados e de instituições que não sejam instituições de crédito.»

7

O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

13)

“Custo total do crédito para o consumidor”, o custo total do crédito para o consumidor na aceção do artigo 3.o, alínea g), da Diretiva [2008/48], incluindo o custo da avaliação do imóvel se essa avaliação for necessária para a obtenção do crédito, mas excluindo as despesas relativas ao registo da transmissão de propriedade do imóvel. Estão excluídos os eventuais encargos devidos pelo consumidor por incumprimento de obrigações que lhe incumbam por força do contrato de crédito;

[…]»

8

O artigo 14.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Informação pré‑contratual», dispõe nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que o mutuante e, se for o caso, o intermediário de crédito ou o representante nomeado prestem ao consumidor a informação personalizada necessária para comparar os produtos de crédito disponíveis no mercado, avaliar as suas implicações e tomar uma decisão esclarecida e informada quanto à celebração do contrato de crédito:

a)

Sem demora indevida após a prestação das informações necessárias pelo consumidor quanto às suas necessidades, situação financeira e preferências nos termos do artigo 20.o; e

b)

Em tempo útil antes de o consumidor ficar vinculado por uma proposta contratual ou por um contrato de crédito.

2.   A informação personalizada referida no n.o 1 é prestada, em papel ou noutro suporte duradouro, através da [ficha de informação normalizada europeia (FINE)], cujo modelo consta do Anexo II.»

9

O artigo 25.o da Diretiva 2014/17, com a epígrafe «Reembolso antecipado», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que o consumidor tem o direito de cumprir total ou parcialmente as suas obrigações decorrentes de um contrato de crédito antes do termo desse contrato. Nestes casos, o consumidor tem direito a uma redução do custo total do crédito consistindo essa redução nos juros e nos custos do período remanescente do contrato.»

10

O artigo 41.o da referida diretiva, com a epígrafe «Caráter imperativo da presente diretiva», prevê:

«Os Estados‑Membros asseguram que:

[…]

b)

As disposições que venham a adotar para transpor a presente diretiva não possam ser contornadas de tal modo que os consumidores corram o risco de perder a proteção garantida pela presente diretiva em resultado da redação dos contratos, em especial integrando contratos de crédito abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva em contratos de crédito cujo caráter ou objetivo permita evitar a aplicação daquelas disposições.»

Direito austríaco

11

O artigo 20.o da Bundesgesetz über Hypothekar‑ und Immobilienkreditverträge und sonstige Kreditierungen zu Gunsten von Verbrauchern (Lei Federal relativa aos Contratos de Crédito Hipotecário e Imobiliário e Outros Créditos aos Consumidores), de 26 de novembro de 2015 (BGBl. I, 135/2015) na redação em vigor até 31 de dezembro de 2020 (BGBl. I, 93/2017), sob a epígrafe «Reembolso antecipado», previa, no seu n.o 1:

«O mutuário tem o direito, que pode exercer a todo o tempo, de reembolsar total ou parcialmente o montante do crédito antes do termo do prazo estipulado. O reembolso antecipado do montante total do crédito e dos juros equivale à rescisão do contrato de crédito. No caso de reembolso antecipado, os juros a pagar pelo mutuário são reduzidos proporcionalmente à consequente redução da dívida remanescente e eventualmente à redução do prazo do contrato; os custos dependentes da duração do contrato são proporcionalmente reduzidos.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

A VKI, uma associação destinada a proteger os interesses dos consumidores, intentou uma ação nos tribunais cíveis austríacos destinada a obter a condenação da UCBA, uma instituição de crédito, a cessar a utilização, na celebração de contratos relativos a créditos garantidos por hipotecas abrangidas pela Diretiva 2014/17, de uma cláusula contratual tipo. Esta cláusula prevê que, em caso de reembolso antecipado do crédito pelo consumidor, os juros e os custos dependentes do período do crédito são reduzidos proporcionalmente, ao passo que «os encargos de tratamento independentes do período de duração do crédito não serão reembolsados, mesmo proporcionalmente».

13

A VKI considera que essa cláusula é incompatível com o artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17, que consagra o direito do consumidor à redução do custo total do crédito em caso de reembolso antecipado do crédito. A este respeito, remete para o Acórdão de 11 de setembro de 2019, Lexitor (C‑383/18, EU:C:2019:702), em que o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, que prevê esse direito em matéria de contratos de crédito aos consumidores, deve ser interpretado no sentido de que esse direito inclui todos os encargos impostos ao consumidor.

14

O tribunal de primeira instância julgou improcedente a ação da VKI, com o fundamento de a Diretiva 2014/17 instituir um sistema diferente da Diretiva 2008/48. Entende que as duas diretivas apresentam diferenças, nomeadamente no que respeita ao conceito de «custo total do crédito para o consumidor» objeto de redução em caso de reembolso antecipado.

15

O tribunal de recurso revogou essa sentença, considerando que, devido à sua redação quase idêntica, o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48 e o artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17 devem ser interpretados da mesma forma. Entendeu que, tendo em conta o Acórdão de 11 de setembro de 2019, Lexitor (C‑383/18, EU:C:2019:702), não é possível deduzir da Diretiva 2014/17 que as despesas independentes da duração do contrato de crédito não devam ser reembolsadas proporcionalmente.

16

Em sede de recurso de Revision interposto pela UCBA, o tribunal de reenvio, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça, Áustria), considera que a abordagem do tribunal de recurso não se impõe de maneira evidente.

17

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é certo que se pode considerar que, atendendo à redação quase idêntica das duas disposições e ao objetivo comum às duas diretivas de assegurar uma proteção elevada do consumidor, o artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17 deve ser interpretado no mesmo sentido do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48.

18

Não obstante, os contratos de crédito aos consumidores regulados pela Diretiva 2008/48 apresentam grandes diferenças em relação aos contratos de crédito garantidos por hipoteca ou relativos a bens imóveis, regulados pela Diretiva 2014/17, uma vez que estes últimos incluem geralmente numerosas despesas independentes da duração do contrato, cujo montante a instituição de crédito não controla efetivamente. A esse título, o órgão jurisdicional de reenvio evoca, nomeadamente, as despesas de avaliação do imóvel, de autenticação das assinaturas para efeitos da inscrição da hipoteca no registo predial, de pedido de registo de graduação com vista a uma cessão ou garantia e de registo para o pedido de inscrição da hipoteca no registo predial.

19

Além disso, no que respeita aos encargos independentes da duração do contrato no âmbito da Diretiva 2014/17, o mutuante não dispõe de uma margem de manobra contratual para requalificar esses custos de despesas dependentes desse período. A este respeito, os tribunais austríacos fiscalizam, se necessário por meio de uma requalificação, se certos encargos impostos ao consumidor correspondem a uma remuneração pela utilização temporária de capitais ou se visam indemnizar uma prestação do mutuante independente da duração do contrato.

20

Nestas circunstâncias, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva [2014/17] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê que, no caso de o mutuário exercer o direito de reembolsar o montante do crédito, total ou parcialmente, antes do termo do prazo estipulado, os juros e os encargos dependentes da duração do contrato a pagar pelo mutuário são reduzidos proporcionalmente, ao passo que não prevê uma disposição equivalente no que respeita aos encargos independentes da duração do contrato?»

Quanto à questão prejudicial

21

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que dispõe que o direito do consumidor à redução do custo total do crédito em caso de reembolso antecipado do crédito apenas inclui os juros e os encargos dependentes da duração do crédito.

22

De acordo com essa disposição, os Estados‑Membros devem assegurar que o consumidor tem o direito de cumprir total ou parcialmente as suas obrigações decorrentes de um contrato de crédito antes do termo desse contrato. Nesses casos, o consumidor tem direito a uma redução do custo total do crédito, correspondente aos juros e aos encargos relativos ao período remanescente do contrato.

23

Em primeiro lugar, no que respeita às despesas suscetíveis de fazer parte do «custo total do crédito para o consumidor», o legislador da União adotou uma definição ampla deste conceito.

24

Com efeito, resulta do artigo 4.o, ponto 13, da Diretiva 2014/17, conjugado com o artigo 3.o, alínea g), da Diretiva 2008/48, que o conceito de «custo total do crédito para o consumidor», na aceção da primeira destas disposições, inclui todos os custos que o consumidor deve pagar a título do contrato de crédito e que sejam conhecidos do mutuante. Só estão expressamente excluídos, como confirma o considerando 50 da Diretiva 2014/17, os custos notariais, os custos de registo relacionados com a transmissão da propriedade do bem imóvel, tal como os custos de inscrição no registo predial e os respetivos encargos, bem como os custos suportados pelo consumidor em caso de incumprimento das obrigações previstas no contrato de crédito.

25

Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os tipos de encargos que menciona e que são recordados no n.o 18 do presente acórdão fazem parte dos custos que o consumidor deve assumir a título do contrato de crédito em causa no processo principal e que são do conhecimento do mutuante, nomeadamente para efeitos dos casos expressamente previstos no artigo 4.o, ponto 13, da Diretiva 2014/17 e no artigo 3.o, alínea g), da Diretiva 2008/48, e se, sendo caso disso, fazem parte das exceções resumidas no número anterior, especialmente dos encargos notariais.

26

Em segundo lugar, quanto ao alcance do conceito de «redução do custo total do crédito ao consumidor», referido no artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17, o Tribunal de Justiça já declarou, nos n.os 24 e 25 do Acórdão de 11 de setembro de 2019(Lexitor, C‑383/18, EU:C:2019:702), no que respeita ao artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, que nem a referência ao «período remanescente do contrato», que figura nessa disposição, nem uma análise comparativa das suas diferentes versões linguísticas permitem determinar o alcance exato da redução exata da redução prevista nessa disposição. O Tribunal de Justiça deduziu daí, no n.o 26 desse acórdão, que, de acordo com a sua jurisprudência constante, esta disposição devia ser interpretada em função do seu contexto e dos objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.

27

O artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17 está redigido em termos quase idênticos aos do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2008/48, pelo que há que considerar que a sua redação não permite determinar, por si só, o alcance exato da redução prevista nessa disposição. Por conseguinte, há que interpretá‑la à luz do seu contexto e dos objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.

28

A este respeito, resulta dos considerandos 19 e 20 da Diretiva 2014/17 que, por razões de segurança jurídica, há que assegurar a coerência e a complementaridade desta diretiva com outros atos adotados no domínio da proteção dos consumidores. No entanto, resulta igualmente do considerando 22 dessa diretiva que devem ser tidas em conta as particularidades dos contratos de crédito relativos aos imóveis para uso residencial, particularidades essas que justificam uma abordagem diferenciada.

29

Há que lembrar ainda que, por força do seu artigo 1.o, conjugado com o seu considerando 15, a Diretiva 2014/17 estabelece um quadro comum aplicável a determinados aspetos das disposições legais, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de contratos de crédito aos consumidores garantido por hipoteca ou outro crédito relativo a imóveis de habitação, a fim de lhes assegurar um nível de proteção elevado (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2020, Association française des usagers de banques, C‑778/18, EU:C:2020:831, n.o 34).

30

Ora, como sublinha o advogado‑geral, em substância, no n.o 69 das suas conclusões, há que observar que o direito à redução previsto no artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17 não visa colocar o consumidor na situação em que se encontraria se o contrato de crédito tivesse sido celebrado por um período inferior, um montante inferior ou, mais genericamente, em condições diferentes. Em contrapartida, visa adaptar esse contrato em função das circunstâncias do reembolso antecipado.

31

Nestas condições, esse direito não pode incluir os custos que, independentemente da duração do contrato, são imputados ao consumidor a favor do mutuante ou de terceiros a título de prestações já executadas integralmente no momento do reembolso antecipado.

32

É certo que, no contexto da Diretiva 2008/48, o Tribunal de Justiça já declarou que a efetividade do direito do consumidor à redução do custo total do crédito ficaria diminuída se essa redução pudesse limitar‑se a tomar em consideração apenas os encargos apresentados pelo mutuante como dependentes da duração do contrato, uma vez que os encargos e a sua discriminação são determinados unilateralmente pelo banco e a faturação dos encargos pode integrar uma certa margem de lucro. Além disso, limitar a possibilidade de redução do custo total do crédito aos encargos expressamente relacionados com a duração do contrato comportaria o risco de o consumidor ser sujeito a maiores pagamentos não recorrentes no momento da celebração do contratos de crédito, pois o mutuante poderia ser tentado a reduzir ao mínimo os custos dependentes da duração do contrato (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2019, Lexitor, C‑383/18, EU:C:2019:702, n.os 31 e 32).

33

Para esse efeito, o Tribunal de Justiça sublinhou que, no âmbito dessa diretiva, a margem de manobra de que dispõem as instituições de crédito na sua faturação e na sua organização interna torna, na prática, muito difícil a determinação, por um consumidor ou por um tribunal, dos encargos objetivamente relacionados com a duração do contrato (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2019, Lexitor, C‑383/18, EU:C:2019:702, n.o 33).

34

A este respeito, há que lembrar, porém, que, de acordo com o artigo 14.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/17, o mutuante ou, sendo caso disso, o intermediário de crédito ou o seu representante designado, é obrigado a fornecer ao consumidor informações pré‑contratuais através da FINE, que consta do anexo II dessa diretiva. Essa ficha prevê uma discriminação dos custos a pagar pelo consumidor em função do seu caráter recorrente ou não.

35

Ora, essa discriminação normalizada dos encargos a cargo do consumidor reduz sensivelmente a margem de manobra de que dispõem as instituições de crédito na sua faturação e na sua organização interna e permite, tanto ao consumidor como a um tribunal nacional, verificar se um tipo de encargos está objetivamente ligado à duração do contrato.

36

Por conseguinte, o risco de comportamento abusivo do mutuante, evocado na jurisprudência referida nos n.os 32 e 33 do presente acórdão, não pode justificar que os encargos independentes da duração do contrato estejam incluídos no direito à redução do custo total do crédito, previsto no artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17.

37

A este respeito, há que recordar, porém, que, para garantir a proteção de que beneficiam os consumidores ao abrigo da Diretiva 2014/17, o artigo 41.o, alínea b), desta impõe aos Estados‑Membros que assegurem que as disposições que venham a adotar para transpor esta diretiva não possam ser contornadas de tal modo que os consumidores corram o risco de perder a proteção garantida pela referida diretiva em resultado da redação dos contratos.

38

A fim de garantir essa proteção, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar que os encargos que, independentemente da duração do contrato de crédito, são impostos ao consumidor não constituem objetivamente uma remuneração do mutuante pela utilização temporária do capital objeto desse contrato ou por prestações que, no momento do reembolso antecipado, deveriam ainda ser fornecidas ao consumidor. A este respeito, o mutuante é obrigado a demonstrar o caráter recorrente ou não dos custos em causa.

39

Em face de todos estes fundamentos, há que responder à questão submetida que o artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que dispõe que o direito do consumidor à redução do custo total do crédito em caso de reembolso antecipado do crédito apenas inclui os juros e os encargos dependentes da duração do crédito.

Quanto às despesas

40

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 25.o, n.o 1, da Diretiva 2014/17/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação e que altera as Diretivas 2008/48/CE e 2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010,

 

deve ser interpretado no sentido de que:

 

não se opõe a uma regulamentação nacional que dispõe que o direito do consumidor à redução do custo total do crédito em caso de reembolso antecipado do crédito apenas inclui os juros e os encargos dependentes da duração do crédito.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

Top