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Document 62021CJ0508

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 14 de setembro de 2023.
Comissão Europeia e Interessengemeinschaft der Grenzhändler (IGG) contra Dansk Erhverv.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Venda de bebidas em lata aos residentes do Reino da Dinamarca — Venda sem depósito na condição de as bebidas adquiridas serem exportadas — Não aplicação de coima — Conceito de “auxílio de Estado” — Conceito de “recursos estatais” — Decisão que declara a inexistência de auxílio — Recurso de anulação.
Processos apensos C-508/21 P e C-509/21 P.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:669

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

14 de setembro de 2023 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Venda de bebidas em lata aos residentes do Reino da Dinamarca — Venda sem depósito na condição de as bebidas adquiridas serem exportadas — Não aplicação de coima — Conceito de “auxílio de Estado” — Conceito de “recursos estatais” — Decisão que declara a inexistência de auxílio — Recurso de anulação»

Nos processos apensos C‑508/21 P e C‑509/21 P,

que têm por objeto dois recursos de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 18 de agosto de 2021,

Comissão Europeia, representada por T. Maxian Rusche e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrente (C‑508/21 P)

recorrida em primeira instância (C‑509/21 P),

Interessengemeinschaft der Grenzhändler (IGG), com sede em Flensbourg (Alemanha), representada por M. Bauer e F. von Hammerstein, Rechtsanwälte,

recorrente (C‑509/21 P)

interveniente em primeira instância (C‑508/21 P),

sendo as outras partes no processo:

Dansk Erhverv, com sede em Copenhaga (Dinamarca), representada inicialmente por T. Mygind e H. Peytz, advokaten, e, em seguida, por H. Peytz, advokat,

recorrente em primeira instância (C‑508/21 P e C‑509/21 P),

Danmarks Naturfredningsforening, com sede em Copenhaga,

República Federal da Alemanha,

intervenientes em primeira instância (C‑508/21 P e C‑509/21 P),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, D. Gratsias, M. Ilešič, I. Jarukaitis e Z. Csehi (relator), juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de dezembro de 2022,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1

Com os presentes recursos, a Comissão Europeia e a Interessengemeinschaft der Grenzhändler (IGG), associação que representa os interesses das empresas fronteiriças do norte da República Federal da Alemanha, pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de junho de 2021, Dansk Erhverv/Comissão (T‑47/19, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2021:331), através do qual o Tribunal Geral anulou a Decisão C (2018) 6315 final da Comissão, de 4 de outubro de 2018, relativa ao auxílio de Estado SA.44865 (2016/FC) — Alemanha — Alegado auxílio estatal às lojas de bebidas situadas na fronteira alemã (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 94/62/CE

2

O artigo 7.o da Diretiva 94/62/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 1994, relativa a embalagens e resíduos de embalagens (JO 1994, L 365, p. 10), conforme modificada pela Diretiva 2015/720/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015 (JO 2015, L 115, p. 11) (a seguir «Diretiva 94/62»), sob a epígrafe «Sistemas de recuperação, recolha e valorização», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar a criação de sistemas que garantam:

a)

A recuperação e/ou a recolha das embalagens usadas e/ou dos resíduos de embalagens provenientes do consumidor ou de qualquer outro utilizador final ou do fluxo de resíduos, de forma a canalizá‑los para as soluções alternativas de gestão mais adequadas;

b)

A reutilização ou valorização incluindo a reciclagem das embalagens e/ou dos resíduos de embalagens recolhidos;

a fim de atingir os objetivos definidos na presente diretiva.

Estes sistemas serão abertos à participação dos operadores económicos dos setores abrangidos e à participação das autoridades públicas competentes e aplicar‑se‑ão também aos produtos importados em condições não discriminatórias, incluindo as modalidades ou quaisquer tarifas de acesso aos sistemas, e serão concebidos de modo a evitar entraves ao comércio ou distorções da concorrência, nos termos do Tratado [FUE].»

Diretiva 2008/98/CE

3

A Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO 2008, L 312, p. 3), define, no seu artigo 3.o, n.o 1, o conceito de «resíduos» como «quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer».

Direito alemão

4

O Verordnung über die Vermeidung und Verwertung von Verpackungsabfällen (Verpackungsverordnung) (Regulamento Relativo à Prevenção e à Reciclagem dos Resíduos de Embalagens), de 21 de agosto de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 2379, a seguir «VerpackV»), na sua versão aplicável aos factos no litígio, transpôs a Diretiva 94/62 para o ordenamento jurídico alemão.

5

Segundo o § 2, n.o 1, do VerpackV, este regulamento aplica‑se a todas as embalagens colocadas em circulação no âmbito de aplicação territorial da Gesetz zur Förderung der Kreislaufwirtschaft und Sicherung der umweltverträglichen Bewirtschaftung von Abfällen (Kreislaufwirtschaftsgesetz – KrWG) (Lei destinada a Promover a Economia Circular e a Garantir a Gestão Sustentável dos Resíduos), de 24 de fevereiro de 2012 (BGBl. 2012 I, p. 212, a seguir «Lei destinada a Promover a Economia Circular e a Garantir a Gestão Sustentável dos Resíduos»).

6

O § 9, n.o 1, do VerpackV institui um sistema de depósito para determinadas embalagens não reutilizáveis de bebidas (a seguir «sistema de depósito»), prevendo, nomeadamente, o seguinte:

«Os distribuidores que comercializem bebidas em embalagens não reutilizáveis com capacidade de 0,1 litro a 3 litros são obrigados a faturar aos seus clientes um depósito de, pelo menos, 0,25 euros por embalagem, incluindo o imposto sobre o valor acrescentado [(IVA)]. O primeiro período não se aplica às embalagens vendidas a consumidores finais fora do âmbito de aplicação territorial do VerpackV. O depósito é faturado por cada distribuidor a jusante, em todas as fases da cadeia comercial, até à venda da embalagem ao consumidor final. […] [O montante do depósito] será reembolsado no momento da retoma da embalagem. Sem retoma da embalagem, não [haverá lugar a reembolso] […]»

7

Resulta do § 15, n.o 1, ponto 14, do VerpackV que a não cobrança do depósito, em violação do disposto no § 9, n.o 1, do VerpackV, constitui uma infração administrativa (Ordnungswidrigkeit).

8

O § 69, n.o 3, da Lei destinada a Promover a Economia Circular e a Garantir a Gestão Sustentável dos Resíduos, dispõe que esse tipo de infração pode ser punido com a aplicação de uma coima de montante máximo de 100000 euros.

9

O sistema de depósito entrou em vigor em 1 de janeiro de 2003.

Antecedentes do litígio

10

Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 27 do acórdão recorrido. Para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

11

Em 14 de março de 2016, a Dansk Erhverv, uma associação profissional que representa os interesses de empresas dinamarquesas, apresentou uma denúncia à Comissão a respeito de uma violação das regras do direito da União em matéria de auxílios de Estado previstas nos artigos 107.o e 108.o TFUE.

12

Nessa denúncia, a Dansk Erhverv alegava que a República Federal da Alemanha tinha concedido a um grupo de empresas de venda a retalho do Norte da Alemanha (a seguir «estabelecimentos comerciais fronteiriços»), cuja atividade se dirigia exclusivamente aos consumidores residentes em países fronteiriços, nomeadamente na Dinamarca, um auxílio ilegal, incompatível com o mercado interno, que consistia numa isenção da obrigação geral de cobrar o depósito das embalagens de bebidas não reutilizáveis, prevista no § 9, n.o 1, do VerpackV.

13

Especialmente, a Dansk Erhverv indicou que era com o acordo das autoridades dos dois Länder em causa, a saber, o Schleswig‑Holstein e o Mecklembourg‑Pomerânia Ocidental (Alemanha), que esses estabelecimentos comerciais fronteiriços vendiam aos consumidores dinamarqueses e suecos bebidas acondicionadas em embalagens não reutilizáveis sem cobrar o correspondente depósito, concretamente, 0,25 euros, impostos incluídos, por lata. Com efeito, quando os estabelecimentos comerciais fronteiriços não cobravam depósito, essas autoridades não lhes aplicavam coimas. A Dansk Erhverv observou igualmente que a isenção de depósito também implicava uma isenção do IVA sobre o montante do depósito em causa.

14

Uma vez que os preços da cerveja e de outras bebidas são mais elevados nos países fronteiriços, como a Dinamarca, do que na Alemanha, nomeadamente devido a diferenças nos preços grossistas, no IVA e nos impostos especiais de consumo, desenvolveu‑se um comércio fronteiriço especializado, no âmbito do qual retalhistas estabelecidos nos dois Länder em causa visam os clientes fronteiriços, nomeadamente os clientes dinamarqueses. A cerveja, a água mineral e as bebidas refrescantes são vendidas exclusivamente em pacotes grandes, a saber, por «caixas» nomeadamente de 24 latas envolvidas em película de plástico. São vinte as empresas que agrupam cerca de sessenta lojas e que praticam esse comércio fronteiriço. Estas empresas fronteiriças empregam cerca de 3000 pessoas e criaram a IGG, uma associação que representa os seus interesses, recorrente no recurso no processo C‑509/21 P.

15

Como resulta do n.o 155 do acórdão recorrido, é pacífico que, na sequência do despacho do Schleswig‑Holsteinisches Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo do Land de Schleswig‑Holstein, Alemanha), de 7 de julho de 2003 (12 B 30/03), confirmado pelo despacho do Schleswig‑Holsteinisches Oberverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Superior do Land de Schleswig‑Holstein, Alemanha), de 23 de julho de 2003 (4 MB 58/03, 12 B 30/03) (a seguir «despachos dos órgãos jurisdicionais alemães de 2003»), as autoridades de execução dos dois Länder em causa (a seguir «autoridades regionais alemãs competentes») decidiram não adotar novas medidas administrativas coercivas relativamente aos estabelecimentos comerciais fronteiriços que não cobrassem depósito.

16

Essas autoridades consideraram que a obrigação de cobrar depósito não se aplicava ao comércio fronteiriço se as bebidas fossem vendidas exclusivamente a clientes domiciliados, nomeadamente, na Dinamarca e se estes últimos se comprometessem por escrito, assinando uma «declaração de exportação», a consumir essas bebidas e a eliminar a sua embalagem fora do território alemão.

17

Em 4 de outubro de 2018, no termo do procedimento preliminar de investigação de auxílios previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a Comissão adotou a decisão controvertida. Nessa decisão, a Comissão limitou‑se a examinar o pressuposto respeitante aos recursos estatais, enunciado no artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A esse respeito, examinou sucessivamente as três medidas que poderiam constituir uma vantagem financiada através de recursos estatais (a seguir «medidas controvertidas»), concretamente a não cobrança do depósito em si, a não cobrança do IVA do depósito e a não aplicação de coimas às empresas que não cobravam o referido depósito.

18

Primeiro, quanto à não cobrança do depósito, a Comissão indicou, nos considerandos 32 e 33 da decisão controvertida, que essa medida não constituía um auxílio de Estado, uma vez que o sistema de depósito não era financiado através de recursos estatais.

19

Segundo, nos considerandos 41 e 42 da decisão controvertida, a Comissão indicou que a não cobrança do IVA relativo ao depósito era uma consequência normal da aplicação das regras gerais em matéria de IVA e deduziu daí que essa não cobrança, pela sua finalidade e pela sua sistemática geral, não tendia a criar uma vantagem que constituísse um encargo suplementar para o Estado e que, por conseguinte, a referida medida também não constituía um auxílio de Estado.

20

Terceiro, no que respeita à não aplicação de coimas às empresas que não aplicavam o sistema de depósito, a Comissão recordou, nos considerandos 45 e 47 da decisão controvertida, que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a isenção da obrigação de pagamento de uma coima podia, em princípio, constituir uma vantagem concedida através de recursos estatais. Precisou, todavia, que, quando se trata de determinar se está preenchido o pressuposto relativo aos recursos estatais, importa, em princípio, distinguir os casos em que as autoridades nacionais previram a possibilidade de que os contribuintes venham a subtrair‑se ao pagamento de uma coima que normalmente é exigível, daqueles em que, pelo facto de essas autoridades terem expressamente autorizado um certo comportamento, não é aplicável uma sanção.

21

A Comissão acrescentou, nos considerandos 48 e 49 da decisão controvertida, que, quando as autoridades nacionais se veem confrontadas com dúvidas sérias e razoáveis quanto ao alcance e à interpretação de uma regra nacional que prevê uma obrigação, a não aplicação de uma coima não resulta necessariamente de uma decisão dessas autoridades no sentido de não cobrarem as coimas exigíveis, mas sim uma consequência das dificuldades de interpretação inerentes a qualquer sistema jurídico. Por conseguinte, a Comissão considerou que havia igualmente que proceder a uma distinção entre as situações em que, no âmbito do exercício normal das suas prerrogativas de poder público, as autoridades se veem confrontadas com dificuldades de interpretação da norma aplicável, e as situações em que essas mesmas autoridades decidem não cobrar as coimas em causa, apesar de as mesmas serem exigíveis, ou dar às empresas a possibilidade de não procederem ao seu pagamento.

22

Em seguida, no n.o 50 da decisão controvertida, a Comissão considerou que as autoridades regionais alemãs competentes consideravam lícita a circunstância de os estabelecimentos comerciais fronteiriços não serem obrigados a cobrar depósito, pelo que, em seu entender, a não cobrança do mesmo não constituía uma infração e a não aplicação de uma coima mais não era do que uma simples consequência da inexistência de infração.

23

No entanto, no considerando 69 da decisão controvertida, a Comissão concluiu que, no exercício normal das suas prerrogativas de poder público, as autoridades regionais alemãs competentes se viam confrontadas com dúvidas sérias e razoáveis quanto ao alcance e à interpretação da obrigação de cobrar depósito e que, por conseguinte, a não aplicação de coimas não constituía uma vantagem concedida através de recursos estatais.

24

A este respeito, no n.o 51 da decisão controvertida, a Comissão indicou que, à luz da letra do § 9, n.o 1, do VerpackV, na medida em que se aplicava ao «território alemão» e à «colocação em circulação da bebida», lhe parecia que esta disposição devia ser entendida no sentido de que impunha aos estabelecimentos comerciais transfronteiriços a cobrança de depósito.

25

Todavia, nos considerandos 52 e 53 da decisão controvertida, a Comissão considerou que o facto de essa obrigação não existir para os estabelecimentos comerciais fronteiriços, caso vendessem bebidas em lata exclusivamente a consumidores «residentes estrangeiros» que se comprometessem a consumir essas bebidas fora do território alemão, podia ser entendido como sendo coerente com o objetivo prosseguido pelo VerpackV, a saber, a promoção da restituição das embalagens não reutilizáveis na Alemanha.

26

A este respeito, a Comissão precisou que, segundo a interpretação das autoridades regionais alemãs competentes, este objetivo não exigia a cobrança de depósito a bebidas em lata consumidas no estrangeiro e cujas embalagens não eram recolhidas na Alemanha. Acrescentou que, ainda segundo a interpretação das referidas autoridades, os estabelecimentos comerciais fronteiriços se encontravam na mesma situação dos exportadores de bebidas em lata, que vendiam produtos que não se destinavam a ser consumidos na Alemanha e cujas embalagens se destinavam a ser eliminadas longe das instalações de reciclagem integradas no sistema alemão. Ora, o VerpackV não exigia que esses exportadores cobrassem depósito.

27

A Comissão sublinhou, nos considerandos 56 a 60 da decisão controvertida, que a posição das autoridades regionais alemãs competentes assentava, por um lado, num relatório elaborado por um Professor de direito em 2005, a pedido dos estabelecimentos comerciais fronteiriços, e que, por outro, essa mesma posição era contrariada por outro relatório, redigido no mesmo ano, a pedido do Governo federal alemão.

28

No considerando 61 da decisão controvertida, a Comissão acrescentou que os despachos dos órgãos jurisdicionais alemães de 2003, conforme mencionados no n.o 15 do presente acórdão, tendem a confirmar a interpretação das autoridades regionais alemãs competentes.

29

A Comissão recordou igualmente, no considerando 67 da decisão controvertida, que, uma vez que a Diretiva 94/62 não regula esta exceção de «exportação» por um consumidor, os Estados‑Membros são livres de decidir cobrar ou não depósito, desde que respeitem o princípio da não discriminação.

30

Com base nos elementos acima expostos, a Comissão, considerando que era possível pressupor que, quando um consumidor comprava uma bebida na Alemanha para a levar para outro Estado‑Membro, a embalagem dessa bebida não seria levada de volta para a Alemanha, pois acabaria no sistema de gestão dos resíduos do outro Estado‑Membro, indicou, no considerando 65 da decisão controvertida, que era razoável renunciar à obrigação de cobrar depósito quando o consumidor assinasse uma declaração de exportação. Esta instituição salientou, no considerando 68 da referida decisão, que a interpretação seguida pelas autoridades regionais alemãs competentes constituía um compromisso razoável entre o objetivo de proteção do ambiente, prosseguido pela Diretiva 94/62, e a livre circulação de mercadorias.

31

Nestas condições, nos considerandos 69 a 71 da decisão controvertida, a Comissão concluiu que, uma vez que as autoridades regionais alemãs competentes estavam confrontadas, no exercício normal das suas prerrogativas de poder público, com dúvidas sérias e razoáveis quanto ao alcance e à interpretação da obrigação de cobrar depósito, a não aplicação de coimas, mesmo que se devesse considerar que as mesmas deveriam ter sido cobradas aos estabelecimentos comerciais fronteiriços ao abrigo do VerpackV, não constituía uma vantagem concedida através de recursos estatais, pelo que essa medida não podia ser qualificada de «auxílio de Estado».

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

32

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral, em 23 de janeiro de 2019, a Dansk Erhverv interpôs recurso de anulação da decisão impugnada no Tribunal Geral.

33

Em apoio do seu recurso, a Dansk Erhverv invocou um fundamento único através do qual alegava que, ao não dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, apesar das sérias dificuldades suscitadas pela análise das medidas controvertidas, a Comissão tinha violado os direitos processuais de que a Dansk Erhverv era titular na qualidade de parte interessada ao abrigo daquela disposição. Este fundamento dividia‑se em três partes. Na primeira parte do seu fundamento único, a Dansk Erhverv alegou que a Comissão procedeu a um exame insuficiente da compatibilidade da isenção de depósito com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, com a Diretiva 94/62, com o «princípio do poluidor‑pagador» e com certas disposições do direito alemão. Na segunda parte do seu fundamento único, a Dansk Erhverv alegou que a Comissão procedeu a um exame insuficiente da não cobrança de receitas de IVA, medida essa que era concedida através de recursos estatais. Por último, na terceira parte do seu fundamento único, a Dansk Erhverv alegou que a Comissão procedeu a um exame insuficiente da medida que correspondia à não aplicação de coimas, medida essa que era concedida através de recursos estatais.

34

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida.

35

Nos n.os 57 a 75 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou a primeira parte do fundamento único inoperante, tendo declarado que o facto de uma medida nacional violar outras disposições do direito da União, e, a fortiori, do direito de um Estado‑Membro, que não as relativas aos auxílios de Estado, não pode, enquanto tal, ser utilmente invocado para demonstrar que essa medida constitui um auxílio de Estado.

36

O Tribunal Geral também julgou improcedente a segunda parte do fundamento único ao considerar, nomeadamente nos n.os 96 e 97 do acórdão recorrido, que a Comissão não podia concluir com razão, referindo‑se à jurisprudência resultante do Acórdão de 17 de março de 1993,Sloman Neptun (C‑72/91 e C‑73/91, EU:C:1993:97), que não estava preenchido o requisito relativo aos recursos estatais quanto à não cobrança do IVA do depósito, uma vez que essa não cobrança mais não era do que uma consequência indireta do mecanismo de dispensa de depósito, inerente à não cobrança do mesmo, e que a mesma não permitia demonstrar que a medida controvertida se destinava a conceder uma vantagem a certas empresas através de recursos estatais.

37

Em contrapartida, o Tribunal Geral julgou procedente a terceira parte do fundamento único pelo facto de a decisão controvertida enfermar de erros e pelo facto de outros indícios permitirem concluir que a Comissão se tinha deparado com dificuldades sérias no exame da medida controvertida, que correspondia à não aplicação de coimas às empresas que não cobravam depósito.

38

A este respeito, o Tribunal Geral considerou, antes de mais, no n.o 137 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido um erro de direito na sua fundamentação ao afirmar, para concluir no sentido de que não estavam em causa recursos estatais a propósito de uma medida que consistia na não aplicação de uma coima por uma autoridade pública, que, numa situação como a do caso concreto, havia que aplicar um critério novo, atinente a dificuldades de interpretação da norma aplicável com as quais as autoridades nacionais se veem confrontadas no exercício das suas prerrogativas de poder público.

39

Todavia, em seguida, nos n.os 157 e 163 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou nomeadamente que, no caso concreto, a Comissão tinha aplicado o critério mencionado no número anterior de forma errada. A este respeito, por um lado, o Tribunal Geral decidiu que a Comissão tinha cometido um erro de direito ao ter concluído pelo não preenchimento do pressuposto relativo aos recursos estatais sem ter examinado se as dificuldades de interpretação nas quais se baseava eram temporárias e inerentes à clarificação gradual das normas. Por outro lado, o Tribunal Geral observou que a Comissão tinha considerado erradamente que podia aplicar o critério da existência de dificuldades de interpretação da norma aplicável ao caso concreto, apesar de as autoridades regionais alemãs competentes não se terem baseado na existência de tais dificuldades para justificar a sua prática de não aplicar coimas aos estabelecimentos comerciais fronteiriços que não cobravam depósito.

40

Por último, o Tribunal Geral também considerou, nos n.os 169 a 235, que havia um conjunto de indícios reveladores da existência de dificuldades sérias que permitiam duvidar da interpretação do VerpackV acolhida pelas autoridades regionais alemãs competentes. A este respeito, no n.o 203 do acórdão recorrido, precisou que esses indícios permitiam, pelo menos, concluir pelo caráter incompleto do exame levado a cabo pela Comissão da situação que lhe tinha sido submetida, o que, enquanto tal, era um indício revelador da existência de dificuldades sérias.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

Processo C‑508/21 P

41

Com o presente recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o dispositivo do acórdão recorrido;

pronunciar‑se no processo T‑47/19, Danske Erhverv/Comissão, anulando a Secção 3.3 da decisão controvertida;

condenar a Dansk Erhverv nas despesas do presente recurso; e

condenar cada parte e cada interveniente a suportar as suas próprias despesas do processo em primeira instância.

42

A Dansk Erhverv pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso, substituindo alguns dos fundamentos do acórdão recorrido ou, em qualquer dos casos, negar provimento ao recurso;

condenar a Comissão nas despesas da Dansk Erhverv relativas ao presente recurso e ao processo em primeira instância; e

a título subsidiário, em qualquer dos casos, condenar a Comissão a suportar três quartos das despesas efetuadas pela Dansk Erhverv no processo em primeira instância.

43

A IGG pede que o Tribunal de Justiça se digne:

julgar procedente o pedido de anulação da parte decisória do acórdão recorrido;

julgar procedente o pedido de condenação da Dansk Erhverv nas despesas do presente recurso; e

negar provimento ao recurso quanto ao mais.

Processo C‑509/21 P

44

Com o presente recurso, a IGG pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

negar provimento ao recurso; e

condenar a Dansk Erhverv nas despesas.

45

A Dansk Erhverv pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso, substituindo alguns dos fundamentos do acórdão recorrido;

em qualquer dos casos, negar provimento ao recurso; e

condenar a IGG nas despesas.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

46

Em 24 de agosto de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça convidou as partes a tomarem posição sobre uma eventual apensação dos processos C‑508/21 P e C‑509/21 P para efeitos da tramitação processual ulterior.

47

Por cartas de 25 e 27 de agosto de 2021, a Comissão informou o Tribunal de Justiça de que não tinha nenhuma objeção à apensação desses processos. Por cartas de 27 de agosto de 2021, a Dansk Erhverv informou o Tribunal de Justiça de que não considerava oportuno apensar os processos naquela fase da instância.

48

Por Decisão de 9 de novembro de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu que não havia lugar à apensação dos processos naquela fase do processo.

49

Por Decisão de 18 de outubro de 2022, o Tribunal de Justiça decidiu apensar os processos C‑508/21 P e C‑509/21 P para efeitos da fase oral.

Quanto aos presentes recursos das decisões do Tribunal Geral

50

Tendo em conta a sua conexão, e em conformidade com o artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, os presentes processos devem ser apensados para efeitos do acórdão.

Quanto ao presente recurso no processo C‑509/21 P

51

Em apoio do seu recurso no processo C‑509/21 P, que cumpre apreciar em primeiro lugar, a IGG invoca seis fundamentos.

52

O primeiro fundamento é relativo a um alegado erro de direito do Tribunal Geral por ter aplicado o artigo 107.o, n.o 1, TFUE de forma errada ao interpretar incorretamente o conceito de «nexo suficientemente direto» entre uma vantagem e o orçamento do Estado no contexto da apreciação do critério dos «recursos estatais». O segundo fundamento, que se subdivide em duas partes, é relativo a um alegado erro de direito do Tribunal Geral por ter feito uma aplicação errada daquela disposição, aplicando uma regra inexata no que respeita à apreciação por parte da Comissão do critério dos «recursos estatais» em caso de dificuldades de interpretação da norma aplicável. O terceiro fundamento é relativo a um alegado erro de direito do Tribunal Geral por ter aplicado uma regra relativa à apreciação do critério dos «recursos estatais» por parte da Comissão que vai além do novo critério, relativo à existência de dificuldades de interpretação da norma aplicável. O quarto fundamento, que se subdivide em sete partes, é relativo a um alegado erro de direito do Tribunal Geral ao considerar que o exame levado a cabo pela Comissão na decisão controvertida padecia de vários erros e que existiam outros indícios que permitiam sustentar a conclusão de que se verificavam «dificuldades sérias» para determinar se tinham sido utilizados recursos estatais. O quinto fundamento é relativo a um alegado erro de direito do Tribunal Geral ao ter rejeitado os argumentos adicionais da IGG destinados a sustentar a conclusão de que a Comissão não estava confrontada com «dificuldades sérias». O sexto fundamento é relativo a um alegado erro de direito do Tribunal Geral ao ter anulado a decisão controvertida na íntegra, incluindo a parte relativa à não cobrança do IVA relativo ao depósito.

53

Importa começar por examinar o primeiro fundamento, a segunda parte do segundo fundamento e o terceiro fundamento.

Argumentos das partes

54

No âmbito do primeiro fundamento, a IGG acusa o Tribunal Geral de, nomeadamente nos n.os 140 a 146 do acórdão recorrido, no contexto da apreciação do critério dos recursos estatais, ter cometido um erro de direito ao interpretar de forma inexata o conceito de «nexo suficientemente direto» entre uma vantagem e o orçamento do Estado. Segundo a IGG, só poderia ter sido estabelecido um nexo suficientemente direto entre a não aplicação de uma coima e o orçamento do Estado se fosse juridicamente possível aplicar uma coima.

55

Ora, como o Tribunal Geral declarou no n.o 155 do acórdão recorrido, na sequência dos despachos dos órgãos jurisdicionais alemães de 2003, as autoridades regionais alemãs competentes decidiram não adotar medidas administrativas coercivas aos estabelecimentos comerciais fronteiriços que não cobravam depósito, quando os compradores assinassem uma declaração de exportação. Assim, segundo a IGG, das próprias conclusões do Tribunal Geral decorreria que a aplicação de coimas era juridicamente impossível nestas condições, e que, por conseguinte, do ponto de vista lógico, não existia um nexo suficientemente direto possível entre uma vantagem e o orçamento do Estado.

56

A este respeito, a IGG precisa que, como o Tribunal de Geral reconheceu nos n.os 140 a 142 do acórdão recorrido, as sanções só podem ser impostas se a pessoa em causa, deliberadamente ou por negligência, não tiver cumprido uma obrigação claramente definida. Na medida em que, no n.o 147 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral fez referência ao princípio do resultado «razoavelmente previsível» de uma interpretação judicial, segundo a IGG basta referir que, por um lado, tal princípio é sobretudo aplicado com base na interpretação que a jurisprudência relevante à data dos factos faz da disposição em causa e, por outro, que a jurisprudência existente no caso em apreço respaldava a posição jurídica dos dois Länder em causa.

57

Na segunda parte do segundo fundamento, a IGG acusa o Tribunal Geral de, designadamente nos n.os 140 a 158 do acórdão recorrido, ter cometido um erro de direito ao exigir um critério adicional, a saber, a necessidade de clarificação gradual das normas.

58

Por um lado, este critério adicional não seria justificado, dado que a referência do Tribunal Geral ao princípio da segurança jurídica em matéria de infrações e sanções é desprovida de sentido, tendo em conta que este princípio apenas visa proteger os indivíduos contra as sanções aplicadas pelo Estado, ao passo que, no caso em apreço, é aplicado para, em definitivo, justificar uma decisão que é prejudicial para os seus pretensos beneficiários. Segundo a IGG, o princípio da segurança jurídica justificava, pelo contrário, a conclusão inversa segundo a qual, como foi demonstrado no âmbito do primeiro fundamento, não teria sido feita nenhuma utilização de recursos estatais uma vez que a aplicação de coimas não era possível.

59

Por outro lado, segundo a IGG, a prática administrativa que consiste em não exigir que os estabelecimentos comerciais fronteiriços cobrem um depósito quando os compradores assinam uma declaração de exportação é, pelo menos, muito semelhante à hipótese de autorização expressa que estava em causa no processo Eventech (Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 16).

60

Com efeito, na decisão controvertida, a Comissão demonstrou que o objetivo da prática administrativa não era isentar os estabelecimentos comerciais fronteiriços de coimas, mas que, ao invés, as autoridades regionais alemãs competentes tinham considerado que os estabelecimentos comerciais fronteiriços não eram obrigados a cobrar depósito. O Tribunal Geral concordou com esta interpretação no n.o 103 do acórdão recorrido, relativo à não cobrança do IVA. Ora, o Tribunal Geral não explicou a razão pela qual a mesma lógica não se aplicava à não aplicação de coimas, o que, por si só, bastaria para concluir que nenhum recurso estatal tinha sido utilizado por falta de um «nexo suficientemente direto».

61

Com o seu terceiro fundamento, no essencial, a IGG acusa o Tribunal Geral de, nos n.os 166 a 203 do acórdão recorrido, ter cometido um erro de direito ao exigir uma análise completa do direito nacional aplicável por parte da Comissão. A este respeito, alega que tal exigência, pelas mesmas razões que as desenvolvidas no âmbito da segunda parte do segundo fundamento, equivale a adotar uma interpretação errada do conceito de «nexo suficientemente direto».

62

A Dansk Erhverv entende que o primeiro fundamento é inadmissível, por um lado, pelo facto de, em violação do artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a IGG tentar alterar o objeto do litígio no Tribunal Geral alegando que este último substituiu a fundamentação do autor da decisão controvertida pela sua própria fundamentação. Por outro lado, segundo a Dansk Erhverv, este fundamento é inadmissível na medida em que a IGG acusa o Tribunal Geral de ter apreciado o conteúdo da legislação alemã relativamente a uma medida que não é da sua competência, sem ter invocado nem demonstrado que o Tribunal Geral tinha desvirtuado a lei alemã aplicável. Além disso, o primeiro fundamento seria inoperante ou improcedente pelo facto de também existir um «nexo suficientemente direto» quando a vantagem concedida ao beneficiário implicar um «risco económico suficientemente concreto de encargos» que oneram o orçamento do Estado (Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e o./Comissão e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 109).

63

Quanto à segunda parte do segundo fundamento, a Dansk Erhverv responde, por um lado, que sem o critério adicional imposto no n.o 146 do acórdão recorrido, a saber, a necessidade de clarificação gradual das normas, as autoridades regionais alemãs competentes poderiam recorrer às alegadas dificuldades de interpretação para continuar a conceder indefinidamente um tratamento mais favorável a certas empresas, em violação do direito da União.

64

Por outro lado, a Dansk Erhverv alega que o argumento da IGG, segundo o qual o objetivo alegado da medida de auxílio deveria ser determinante para efeitos da apreciação da não aplicação de coimas, é inadmissível, uma vez que não consta da decisão controvertida e tem por efeito alterar o objeto do litígio no Tribunal Geral, em violação do artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Além disso, segundo a Dansk Erhverv, este argumento interpreta erradamente o Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551), do qual decorre que o Tribunal de Justiça não considerou determinante o objetivo da medida de auxílio em causa, mas sim o seu efeito.

65

No que respeita ao terceiro fundamento, a Dansk Erhverv salienta que a interpretação e a determinação do conteúdo do direito nacional fazem parte da apreciação das circunstâncias factuais que é da competência do Tribunal Geral. Assim, no Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Portovesme/Comissão (C‑606/14 P, EU:C:2017:75, n.os 62 e 63), o Tribunal de Justiça considerou que a interpretação do direito nacional pelo Tribunal Geral fazia parte da apreciação dos factos e que o Tribunal de Justiça só era competente para averiguar a existência de uma desvirtuação dos elementos de prova.

66

Além disso, a Dansk Erhverv pede que se proceda a uma substituição de fundamentos no que respeita aos n.os 135 a 138 do acórdão recorrido. Em apoio deste pedido, a Dansk Erhverv alega que o segundo a quinto fundamentos invocados pela IGG são inoperantes, uma vez que, nos referidos números do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar improcedente o primeiro argumento da terceira parte do seu fundamento único, quando admitiu que a Comissão estava autorizada a introduzir um novo critério relativo à existência de dificuldades de interpretação da norma aplicável. A Dansk Erhverv precisa que a não aplicação de coimas é comparável às situações que deram origem aos Acórdãos de 1 de dezembro de 1998, Ecotrade (C‑200/97, EU:C:1998:579, n.os 42 e 43), de 17 de junho de 1999, Piaggio (C‑295/97, EU:C:1999:313, n.os 41 a 43), e de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos (C‑279/08 P, EU:C:2011:551).

67

Com efeito, como resulta dos n.os 149 a 155 do acórdão recorrido, a situação jurídica era suficientemente clara, uma vez que o depósito também devia ser cobrado pelos estabelecimentos comerciais fronteiriços e que, por conseguinte, a não aplicação de coimas constituía uma prática contra legem. Além disso, a Dansk Erhverv alega que, para poder excluir a existência de um auxílio de Estado, a Comissão devia ter demonstrado que a prática da declaração de exportação é lícita no direito alemão, demonstração essa que a Comissão não tentou sequer fazer na decisão controvertida.

Apreciação do Tribunal de Justiça

– Considerações preliminares

68

Com vista à apreciação do primeiro fundamento, da segunda parte do segundo fundamento e do terceiro fundamento no processo C‑509/21 P, há que recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa às obrigações da Comissão no âmbito do procedimento preliminar de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, uma vez que a decisão controvertida, que foi objeto do acórdão recorrido, foi adotada no termo desse mesmo procedimento e, por conseguinte, sem que tivesse sido iniciado o procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

69

O procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE é indispensável sempre que a Comissão se depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado interno. Por conseguinte, a Comissão só se pode limitar à fase preliminar de investigação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE para adotar uma decisão favorável a um auxílio se puder adquirir a convicção, após um exame inicial, de que esse auxílio é compatível com o mercado interno. Em contrapartida, se esse exame inicial a tiver conduzido à convicção oposta ou não tiver permitido ultrapassar as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado interno, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e de, para o efeito, dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Irish Wind Farmers’ Association e o./Comissão, C‑578/21 P, EU:C:2022:898, n.o 53 e jurisprudência referida).

70

A prova da existência de dúvidas sobre a compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno, que deve ser buscada tanto nas circunstâncias que rodearam a adoção da decisão tomada no termo da investigação preliminar como no seu conteúdo, deve ser produzida pelo requerente da anulação da decisão, a partir de um conjunto de indícios concordantes (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Irish Wind Farmers’ Association e o./Comissão, C‑578/21 P, EU:C:2022:898, n.o 54 e jurisprudência referida).

71

Por conseguinte, incumbe ao juiz da União Europeia, quando é chamado a conhecer de um pedido de anulação da referida decisão, determinar se a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha na fase preliminar de investigação da medida nacional em causa devia objetivamente ter suscitado dúvidas quanto à qualificação dessa medida como auxílio, dado que tais dúvidas devem dar lugar à abertura de um procedimento formal de investigação (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Irish Wind Farmers’ Association e o./Comissão, C‑578/21 P, EU:C:2022:898, n.o 55 e jurisprudência referida).

72

Quando um recorrente pede a anulação de uma decisão de não levantar objeções, contesta, em substância, o facto de a decisão da Comissão sobre o auxílio em causa ter sido adotada sem que essa instituição tivesse iniciado o procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais. Para que o seu pedido de anulação possa ser julgado procedente, o recorrente pode invocar quaisquer fundamentos suscetíveis de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha, na fase preliminar de investigação da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno. A utilização desses argumentos não pode ter por efeito transformar o objeto do recurso nem alterar as condições da sua admissibilidade. Pelo contrário, a existência de dúvidas quanto a essa compatibilidade é precisamente a prova a apresentar para demonstrar que a Comissão estava obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de setembro de 2021, Ja zum Nürburgring/Comissão, C‑647/19 P, EU:C:2021:666, n.o 115, e de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 81 e jurisprudência referida).

73

No caso em apreço, a argumentação da IGG, conforme resumida nos n.os 54 a 61 do presente acórdão, suscita a questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na apreciação do critério respeitante aos «recursos estatais» enunciado no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, suscetível de demonstrar que a Comissão se tinha visto confrontada com dificuldades sérias durante o exame da medida controvertida, que consistia na não aplicação de uma coima às empresas que não cobravam depósito, sendo que essas dificuldades deveriam ter conduzido a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

74

A este respeito, importa antes de mais observar que, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

75

Por conseguinte, apenas as vantagens concedidas direta ou indiretamente e provenientes de recursos estatais ou que constituam um encargo suplementar para o Estado devem ser consideradas «auxílios» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, resulta dos próprios termos desta disposição e das regras processuais instituídas pelo artigo 108.o TFUE que as vantagens concedidas através de meios distintos dos recursos estatais não entram no âmbito de aplicação daquelas disposições (Acórdão de 19 de março de 2013, Bouygues e o./Comissão e o., C‑399/10 P e C‑401/10 P, EU:C:2013:175, n.o 99 e jurisprudência aí referida).

76

Quanto ao requisito relativo à utilização de recursos estatais, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o conceito de «auxílio» não abrange apenas prestações positivas, como as subvenções, mas também as intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, e que, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

77

Por conseguinte, para efeitos da declaração da existência de um auxílio de Estado, importa estabelecer um nexo suficientemente direto entre, por um lado, a vantagem concedida ao beneficiário e, por outro, uma diminuição do orçamento do Estado, ou mesmo um risco económico suficientemente concreto de encargos que o onerem (Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

78

Para apreciar a existência deste nexo, há, nomeadamente, que verificar se, pela sua finalidade e pela sua sistemática geral, a medida tende a criar uma vantagem que constitui um encargo suplementar para o Estado (Acórdão de 17 de março de 1993, Sloman Neptun, C‑72/91 e C‑73/91, EU:C:1993:97, n.o 21).

79

No caso em apreço, como resulta dos n.os 131 a 135 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que as autoridades regionais alemãs competentes consideram que, no momento da aquisição de bebidas no âmbito da declaração de exportação, não se verifica uma violação da regulamentação em causa passível de coima, pelo que, uma vez que a não cobrança do depósito é conforme com essa regulamentação, como interpretada por essas autoridades, está necessariamente excluída a possibilidade de aplicação de uma coima aos estabelecimentos comerciais fronteiriços. O Tribunal Geral conclui daí que esse contexto, no qual a não aplicação de uma coima é indissociável da não cobrança de depósito e, portanto, da interpretação da regulamentação relevante, não corresponde a nenhuma das duas hipóteses até agora examinadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de coimas. Particularmente, a dispensa de depósito e, correlativamente, a não aplicação de coimas, não resulta nem de uma isenção expressa decidida pelo autor da regulamentação nacional em causa nem de uma autorização prévia e transparente, prevista num determinado diploma, mas sim de uma simples prática das autoridades regionais alemãs competentes. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão se baseou num novo critério jurídico, atinente às dificuldades de interpretação da norma aplicável.

80

Como resulta dos n.os 38 a 40 do presente acórdão, o Tribunal Geral concluiu, no entanto, nos n.os 157, 163 e 203 do acórdão recorrido, que a Comissão fez uma aplicação errada deste novo critério.

– Quanto à existência de um erro de direito na apreciação do critério dos «recursos estatais»

81

No que respeita à admissibilidade da argumentação da IGG, por um lado, importa desde logo rejeitar a alegação da Dansk Erhverv segundo a qual, no âmbito do primeiro fundamento, e em violação do artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a IGG terá tentado alterar o objeto do litígio no Tribunal Geral, ao alegar que este último tinha substituído a fundamentação da Comissão pela sua própria fundamentação. Com efeito, há que observar que a IGG não apresentou esse argumento, mas que, pelo contrário, alegou que a impossibilidade jurídica de aplicar coimas decorre das próprias conclusões do Tribunal Geral. Quanto à alegação da IGG de que o Tribunal Geral procedeu a uma interpretação errada do direito nacional que escapa à competência do Tribunal Geral, basta observar que, com o seu primeiro fundamento, a IGG não procura pôr em causa a interpretação do direito nacional levada a cabo pelo Tribunal Geral, mas sim as consequências que este daí retirou para o exame da questão de saber se a medida controvertida implicava a concessão de uma vantagem através de recursos estatais, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Tal argumentação, destinada a demonstrar que o acórdão recorrido enferma de um erro de direito relativo à interpretação e à aplicação desta disposição do direito da União, é admissível em sede de recurso.

82

Por outro lado, deve igualmente ser afastada a argumentação da Dansk Erhverv segundo a qual, no âmbito da segunda parte do segundo fundamento, em violação do artigo 170.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a IGG procura alterar o objeto do litígio no Tribunal Geral, recorrendo ao argumento de que o objetivo alegado da medida de auxílio devia ser determinante para efeitos da apreciação da não aplicação de coimas. Com efeito, não se pode deixar de observar que a argumentação da IGG não constitui uma alteração do objeto do litígio, mas que, ao invés, aquela pretende basear‑se na análise efetuada pelo Tribunal Geral, designadamente no n.o 93 do acórdão recorrido, segundo a qual «para apreciar a existência [de um nexo suficientemente direto] há que verificar, nomeadamente, se, devido à sua finalidade e à sua sistemática geral, a medida tende a criar uma vantagem que constitua um encargo suplementar para o Estado».

83

No que se refere ao mérito da argumentação da IGG no sentido de que a existência de um nexo suficientemente direto entre a não aplicação de uma coima e o orçamento do Estado só pode ser demonstrado se for juridicamente possível a aplicação de uma coima, importa salientar que é inerente a qualquer sistema jurídico que um comportamento previamente definido como legal e lícito não exponha os sujeitos de direito a sanções (Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 36).

84

Ora, resulta do n.o 155 do acórdão recorrido que, na sequência dos despachos dos órgãos jurisdicionais alemães de 2003, conforme mencionados no n.o 15 do presente acórdão, as autoridades regionais alemãs competentes decidiram não adotar novas medidas coercivas administrativas relativamente aos estabelecimentos comerciais fronteiriços que não cobravam depósito. Com efeito, como o Tribunal Geral salientou no n.o 131 do acórdão recorrido, em caso de compra de bebidas no âmbito da declaração de exportação, as referidas autoridades consideram que não existe violação do § 9, n.o 1, do VerpackV, lido em conjugação com o § 2, n.o 1, do VerpackV, passível de coima sendo que, nesse caso, uma vez que a não cobrança do depósito é conforme com a referida regulamentação, a aplicação de uma coima aos estabelecimentos comerciais fronteiriços estava necessariamente excluída.

85

Como o Tribunal Geral declarou nos n.os 160 a 164 do acórdão recorrido, tal aplicação do direito nacional é conforme com a interpretação que lhe foi dada pela jurisprudência nacional nos despachos dos órgãos jurisdicionais alemães de 2003, como mencionados no n.o 15 do presente acórdão. Resulta, assim, das próprias constatações do Tribunal Geral que as autoridades regionais alemãs competentes aplicaram a regulamentação nacional sem se confrontarem com dificuldades de interpretação da norma aplicável.

86

A este respeito, há que recordar que o princípio da legalidade das penas está consagrado no artigo 49.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Este princípio exige que a lei defina claramente as infrações e as penas que as punem. Este requisito está preenchido quando, a partir da letra da disposição pertinente e, se necessário, com recurso à interpretação que dela é feita pelos tribunais, o particular puder conhecer os atos e omissões que geram a sua responsabilidade penal (Acórdãos de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 40, e de 24 de março de 2021, Prefettura Ufficio territoriale del governo di Firenze, C‑870/19 e C‑871/19, EU:C:2021:233, n.o 49).

87

Além disso, o Tribunal de Justiça já precisou que a clareza da lei deve ser apreciada não apenas à luz da letra da disposição pertinente mas também dos esclarecimentos resultantes de jurisprudência constante e publicada (v., neste sentido, Acórdão de 22 de maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão, C‑266/06 P, EU:C:2008:295, n.os 40 e 46).

88

Neste contexto, verifica‑se que enfermam de erro de direito as conclusões do Tribunal Geral que figuram nos n.os 157 e 203 do acórdão recorrido, conforme recordadas nos n.os 39 e 40 do presente acórdão, segundo as quais na decisão controvertida se procedeu a uma análise insuficiente e incompleta da não aplicação de coimas aos estabelecimentos comerciais fronteiriços.

89

A este respeito, resulta mais especificamente dos n.os 146 a 157 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral criticou a Comissão por não ter examinado se as dificuldades de interpretação com que as autoridades regionais alemãs competentes foram confrontadas eram temporárias e se as mesmas se inscreviam num processo de clarificação gradual das normas.

90

Todavia, há que observar que, como resulta da jurisprudência referida nos n.os 83 e 86 do presente acórdão, só um comportamento que esteja claramente definido como infração geradora da responsabilidade da pessoa em causa — se necessário com recurso à interpretação que dele é feita pelos tribunais — permite que sejam aplicadas sanções administrativas.

91

Daqui resulta que, ainda que existissem dificuldades persistentes de interpretação da norma aplicável, tal conclusão não seria suficiente para concluir pelo preenchimento do requisito relativo aos recursos estatais. A este respeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 57 a 60 das suas conclusões, a exigência de uma clarificação gradual ignora o alcance da jurisprudência referida no n.o 86 do presente acórdão.

92

Com efeito, é certo que, no n.o 147 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou acertadamente que, como resulta do Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 41), o princípio da legalidade dos crimes e das penas não pode ser interpretado no sentido de que proscreve a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal através de uma interpretação judiciária que transita de um processo para o outro. Não deixa, porém, de ser igualmente verdade que daí não se pode deduzir, como fez o Tribunal Geral nos n.os 146 e 157 do acórdão recorrido, que deva sempre existir um processo de clarificação gradual.

93

Esta apreciação não é posta em causa pelas considerações do Tribunal Geral constantes dos n.os 143 e 145 do acórdão recorrido, segundo as quais, na transposição de uma diretiva para a ordem jurídica de um Estado‑Membro é indispensável que o direito nacional em causa garanta efetivamente a plena aplicação dessa diretiva e que sugerem que uma regulamentação nacional cujo sentido não foi especificado permite que os Estados‑Membros, autores da mesma, se subtraiam, sem nenhum limite temporal, às suas obrigações em matéria de auxílios de Estado.

94

Com efeito, no presente caso, o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 94/62, não obriga os Estados‑Membros a exigir que seja cobrado um depósito aos compradores a retalho de recipientes não reutilizáveis com vista ao consumo de bebidas fora do seu território, conforme a Comissão constatou nos considerandos 63, 65 e 70 da decisão impugnada e sem que no acórdão recorrido essa conclusão tenha sido posta em causa pelo Tribunal Geral.

95

A este respeito, importa recordar que este artigo prevê que os Estados‑Membros devem assegurar a criação de sistemas de recuperação e/ou de recolha das embalagens usadas e/ou dos resíduos de embalagens provenientes do consumidor. Ora, quando os consumidores que residem num Estado‑Membro compram embalagens de bebidas noutro Estado‑Membro a fim de consumirem o seu conteúdo no seu Estado‑Membro de residência, as embalagens vazias tornam‑se resíduos, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98, neste último Estado‑Membro.

96

Daqui resulta, como salientou o advogado‑geral nos n.os 49 a 51 das suas conclusões, que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 94/62 não exige que seja cobrado depósito em circunstâncias como as que estão na origem do presente recurso, nas quais a venda de bebidas em lata em estabelecimentos comerciais fronteiriços a consumidores que assinam uma declaração de exportação se assemelha à venda de mercadorias a operadores com vista à exportação pela qual o vendedor não é obrigado a cobrar um depósito.

97

Além disso, cumpre observar que o Tribunal de Justiça declarou que um sistema de depósito só poderá atingir os objetivos prosseguidos pela Diretiva 94/62 se os consumidores que tenham pagado um depósito o puderem recuperar facilmente sem terem de regressar ao local de compra inicial. (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 2004, Radlberger Getränkegesellschaft e S. Spitz, C‑309/02, EU:C:2004:799, n.o 46). Por conseguinte, o objetivo da Diretiva 94/62 relativo à recolha eficaz de resíduos não implica que se cobre um depósito sobre embalagens não reutilizáveis não eliminadas no território do Estado de exportação, independentemente do facto de, como resulta do n.o 200 do acórdão recorrido, os estabelecimentos fronteiriços não terem sido autorizados, apesar dos seus esforços, e na sequência da oposição da Dansk Erhverv, a aderir ao sistema de depósito dinamarquês.

98

Decorre de todas as considerações precedentes que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 157 e 203 do acórdão recorrido, que, na decisão controvertida, a Comissão procedeu a uma apreciação insuficiente e incompleta da não aplicação de coimas aos estabelecimentos comerciais fronteiriços por não ter verificado se as dificuldades de interpretação com que as autoridades regionais competentes se viram confrontadas eram temporárias e se as mesmas se inseriam num processo de clarificação gradual das normas, pelo que essa instituição não estava em condições de ultrapassar, na fase de investigação preliminar, todas as dificuldades sérias encontradas para determinar se a não aplicação de uma coima constituía um auxílio de Estado.

99

Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento, a segunda parte do segundo fundamento e o terceiro fundamento e, consequentemente, anular o acórdão recorrido, sem que seja necessário apreciar os demais fundamentos do recurso.

Quanto ao presente recurso no processo C‑508/21 P

100

A recorrente invoca três fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a uma violação do artigo 264.o TFUE e do princípio da proporcionalidade, pelo facto de o Tribunal Geral ter cometido um erro de direito ao concluir que a procedência da terceira parte do fundamento único implicava a anulação integral da decisão controvertida. O segundo fundamento é relativo à existência de uma fundamentação deficiente e contraditória. O terceiro fundamento é relativo à existência de um erro de direito na conclusão de que as três medidas controvertidas são indissociáveis.

101

No entanto, tendo em conta que o acórdão recorrido foi anulado por ter sido dado provimento ao recurso no processo C‑509/21 P, já não é necessário decidir do recurso interposto pela Comissão no processo C‑508/21 P.

Quanto ao presente recurso no Tribunal Geral

102

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

103

É o que acontece no caso em apreço, uma vez que os fundamentos do recurso de anulação da decisão controvertida foram objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e o seu exame não exige a adoção de nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução do processo.

104

Em apoio do seu recurso, a Dansk Erhverv invocou um fundamento único em que alegava que a Comissão, ao não dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, apesar das sérias dificuldades suscitadas pela análise das medidas controvertidas, violou os direitos processuais de que dispõe na qualidade de parte interessada por força da mesma disposição.

105

Com a terceira parte deste fundamento único, a Dansk Erhverv alega, no essencial, que a Comissão levou a cabo um exame insuficiente da medida que consistia na não aplicação de uma coima, uma vez que esta medida era concedida através de recursos estatais.

106

A este respeito, resulta dos fundamentos expostos nos n.os 83 a 99 do presente acórdão que a Comissão não pode ser criticada por, na decisão controvertida, ter procedido a uma análise insuficiente e incompleta da não aplicação de coimas aos estabelecimentos comerciais fronteiriços.

107

Concretamente, resulta dos fundamentos expostos nos n.os 83 a 85 do presente acórdão que a Comissão considerou com razão, no considerando 50 da decisão controvertida, que as autoridades regionais alemãs competentes não isentaram os estabelecimentos comerciais fronteiriços das sanções administrativas e do pagamento das coimas que seriam normalmente devidas ao orçamento do Estado, mas que consideraram, ao invés, sem que tivessem sido confrontadas com dificuldades de interpretação da norma aplicável, que, em caso de compra de bebidas no âmbito da declaração de exportação, não existia nenhuma infração à regulamentação nacional passível de coima, sendo que, nesse caso, a não cobrança de depósito era conforme com essa regulamentação, estando por conseguinte necessariamente excluída a aplicação de coimas aos estabelecimentos comerciais fronteiriços.

108

Embora seja certo que a Comissão indicou, no considerando 51 da decisão controvertida, que a redação do §9, n.o 1, do VerpackV podia sugerir, como foi recordado no n.o 24 do presente acórdão, que esta disposição impunha aos estabelecimentos comerciais fronteiriços a obrigação de cobrar depósito, a Comissão entendeu, todavia, nos considerandos 52 e 53 desta decisão, recordados no n.o 25 do presente acórdão, que a inexistência de tal obrigação para os estabelecimentos comerciais fronteiriços caso vendessem bebidas em lata exclusivamente a consumidores «residentes estrangeiros» que se comprometessem a consumir essas bebidas fora do território alemão podia ser considerada coerente com o objetivo prosseguido pelo VerpackV de promover a restituição das embalagens de bebidas não reutilizáveis na Alemanha.

109

Resulta, além disso, do raciocínio exposto nos n.os 93 a 96 do presente acórdão que a Comissão referiu acertadamente nos considerandos 63, 65 e 70 da decisão controvertida que também não era exigível uma abordagem diferente por parte das autoridades regionais alemãs competentes, tendo em conta as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros, aquando da transposição de uma diretiva para o seu ordenamento jurídico, de garantir a plena aplicação desta diretiva, uma vez que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 94/62 não obriga os Estados‑Membros a exigir que seja cobrado depósito aos compradores a retalho de embalagens não reutilizáveis com vista ao consumo de bebidas fora do seu território.

110

Embora seja certo que, como nomeadamente resulta dos considerandos 69 e 70 da decisão controvertida, a Comissão considerou, por outro lado, que, «mesmo que» o direito nacional devesse ser interpretado no sentido de que os estabelecimentos comerciais fronteiriços eram, em todas as hipóteses, obrigados a cobrar depósito, a não aplicação de coimas resultaria, nesse caso, de uma interpretação razoável desse direito nacional, afigura‑se, à luz dos n.os 107, 108 e 109 do presente acórdão, que essas considerações eram supérfluas relativamente ao raciocínio constante, nomeadamente, dos considerandos 50, 52, 53, 63, 65 e 70 da decisão controvertida.

111

Uma vez que a prática dos estabelecimentos comerciais fronteiriços de não cobrar depósito constitui um comportamento definido previamente como legal e lícito, que não expõe esses estabelecimentos comerciais a sanções, a não aplicação de coimas não constitui, por conseguinte, uma medida concedida através de recursos estatais (v., por analogia, Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 36).

112

Tendo em conta o que precede, o fundamento único invocado pela Dansk Erhverv no Tribunal Geral deve ser julgado improcedente.

113

Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso de anulação interposto pela Dansk Erhverv no Tribunal Geral.

Quanto às despesas

114

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

115

O artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

116

No caso em apreço, no que respeita ao recurso interposto no processo C‑509/21 P, uma vez que a IGG obteve ganho de causa, há que condenar a Dansk Erhverv a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela IGG.

117

Quanto ao recurso no processo C‑508/21 P, nos termos do artigo 149.o do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 190.o, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Em conformidade com o artigo 142.o do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, as despesas são, neste caso, livremente fixadas pelo Tribunal de Justiça. No caso em apreço, há que condenar a Dansk Erhverv nas despesas relativas ao recurso no processo C‑508/21 P.

118

Por outro lado, tendo sido negado provimento ao recurso no Tribunal Geral, a Dansk Erhverv é condenada a suportar a totalidade das despesas do processo em primeira instância.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

Os processos C‑508/21 P e C‑509/21 P são apensados para efeitos do acórdão.

 

2)

É anulado o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de junho de 2021, Dansk Erhverv/Comissão (T‑47/19, EU:T:2021:331).

 

3)

É negado provimento ao recurso interposto pela Dansk Erhverv no Tribunal Geral da União Europeia.

 

4)

Não há que conhecer do recurso no processo C‑508/21 P.

 

5)

A Dansk Erhverv é condenada nas despesas efetuadas pela Interessengemeinschaft der Grenzhändler (IGG) e pela Comissão Europeia em primeira instância e no contexto dos presentes processos de recurso.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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