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Document 62021CJ0419

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 1 de dezembro de 2022.
X sp. z o.o. sp. k. contra Z.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2011/7/UE — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Artigo 2.o, n.o 1 — Conceito de “transações comerciais” — Indemnização pelos custos de cobrança suportados pelo credor em caso de atraso de pagamento do devedor — Artigo 6.o — Montante fixo mínimo de 40 euros — Atraso em vários pagamentos a título de remuneração de fornecimentos de mercadorias ou de prestações de serviços efetuados em execução de um único e mesmo contrato.
Processo C-419/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:948

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

1 de dezembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2011/7/UE — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Artigo 2.o, n.o 1 — Conceito de “transações comerciais” — Indemnização pelos custos de cobrança suportados pelo credor em caso de atraso de pagamento do devedor — Artigo 6.o — Montante fixo mínimo de 40 euros — Atraso em vários pagamentos a título de remuneração de fornecimentos de mercadorias ou de prestações de serviços efetuados em execução de um único e mesmo contrato»

No processo C‑419/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância da Cidade de Varsóvia, Polónia), por Decisão de 21 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de julho de 2021, no processo

X sp. z o.o., sp. k.,

contra

Z,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Piçarra (relator), exercendo funções de presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação de Z, por A. Moroziewicz, adwokat,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Brauhoff e G. Gattinara, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, ponto 1, e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2011, L 48, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a X sp. z o.o., sp. k., a Z, a propósito de um pedido de indemnização de montante fixo pelos custos suportados com a cobrança da dívida devido a atrasos de pagamento sucessivos no âmbito de um único e mesmo contrato.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 3, 17, 19 e 22 da Diretiva 2011/7 enunciam:

«(3)

Nas transações comerciais entre operadores económicos ou entre operadores económicos e entidades públicas, acontece com frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o que foi acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais. Ainda que os bens sejam entregues ou os serviços prestados, as correspondentes faturas são pagas muito depois do termo do prazo. Atrasos de pagamento desta natureza afetam a liquidez e complicam a gestão financeira das empresas. Também põem em causa a competitividade e a viabilidade das empresas, quando o credor é forçado a recorrer a financiamento externo devido a atrasos de pagamento. […]

[…]

(17)

O pagamento do devedor deverá ser considerado como feito fora do prazo, para efeitos do direito a cobrar juros de mora, caso o credor não tenha a soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais.

[…]

(19)

É necessária a justa indemnização dos credores pelos custos suportados com a cobrança da dívida devido a atrasos de pagamento, a fim de desincentivar tais práticas. Os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento para os quais a presente diretiva deverá prever um montante fixo mínimo que pode ser cumulado com os juros de mora. A indemnização sob a forma de um montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida. […]

[…]

(22)

A presente diretiva não deverá impedir os pagamentos em prestações ou faseados. Todavia, importa que cada prestação ou pagamento seja pago nos termos acordados e que se reja pelas disposições da presente diretiva relativas aos atrasos de pagamento.»

4

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   O propósito da presente diretiva consiste em combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, promovendo assim a competitividade das empresas e, em particular, das [pequenas e médias empresas (PME)].

2.   A presente diretiva aplica‑se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.»

5

Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1.

“Transação comercial”, qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração;

[…]

4.

“Atraso de pagamento”, qualquer falta de pagamento dentro do prazo contratual ou legal e caso estejam preenchidas as condições estabelecidas no n.o 1 do artigo 3.o ou no n.o 1 do artigo 4.o;

[…]»

6

O artigo 4.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Transações entre empresas e entidades públicas», prevê, no n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que, nas transações comerciais em que o devedor é uma entidade pública, o credor tem direito, após o termo do prazo fixado nos n.os 3, 4 ou 6, a receber juros de mora legais, sem necessidade de interpelação, caso estejam preenchidas as seguintes condições:

a)

O credor ter cumprido as suas obrigações contratuais e legais; e

b)

O credor não ter recebido dentro do prazo o montante devido, salvo se o atraso não for imputável ao devedor.»

7

Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2011/7, sob a epígrafe «Calendários de pagamento»:

«A presente diretiva não prejudica a competência das partes para, nos termos das disposições pertinentes da legislação nacional aplicável, chegarem a acordo em relação a calendários de pagamento em prestações. Nesse caso, sempre que uma das prestações não seja efetuada na data acordada, os juros e a indemnização previstos na presente diretiva são calculados apenas com base nos montantes vencidos.»

8

O artigo 6.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que, caso se vençam juros de mora em transações comerciais nos termos dos artigos 3.o ou 4.o, o credor tenha direito a receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 [euros].

2.   Os Estados‑Membros asseguram que o montante fixo referido no n.o 1 é devido sem necessidade de interpelação, enquanto indemnização pelos custos de cobrança da dívida do credor.

3.   O credor, para além do montante fixo previsto no n.o 1, tem o direito de exigir uma indemnização razoável do devedor pelos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante fixo e sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor. A indemnização pode incluir despesas, nomeadamente, com o recurso aos serviços de um advogado ou com a contratação de uma agência de cobrança de dívidas.»

9

O artigo 7.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Cláusulas contratuais e práticas abusivas», enuncia no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros dispõem no sentido de que qualquer cláusula contratual ou prática sobre a data de vencimento ou o prazo de pagamento, a taxa de juro de mora ou a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida não é exequível ou confere direito a indemnização se for manifestamente abusiva para o credor.

Com vista a determinar se uma cláusula contratual ou prática é manifestamente abusiva para o credor, na aceção do primeiro parágrafo, são ponderadas todas as circunstâncias do caso, incluindo:

[…]

c)

O facto de o devedor ter uma eventual razão objetiva para não respeitar […] o montante fixo a que se refere o n.o 1 do artigo 6.o»

Direito polaco

10

O artigo 4.o, n.o 1, da ustawa o przeciwdziałaniu nadmiernym opóźnieniom w transakcjach handlowych (Lei em Matéria de Luta contra Atrasos Excessivos nas Transações Comerciais), de 8 de março de 2013, na sua versão consolidada (Dz. U. de 2021, posição 424, a seguir «Lei de 8 de março de 2013»), define o conceito de «transação comercial» como «um contrato que tenha por objeto o fornecimento de mercadorias ou a prestação de serviços a título oneroso, se as partes referidas no artigo 2.o [desta lei] celebrarem o referido contrato no âmbito da atividade que exercem».

11

O artigo 8.o, n.o 1, da referida lei tem a seguinte redação:

«Nas transações comerciais em que o devedor seja uma entidade pública, o credor tem direito a receber, sem necessidade de interpelação, juros de mora nas transações comerciais pelo período compreendido entre a data de vencimento da remuneração pecuniária e a data do pagamento, se estiverem cumulativamente preenchidos os seguintes requisitos:

1)

o credor tiver executado a sua prestação;

2)

o credor não tiver recebido o pagamento no prazo previsto no contrato.»

12

O artigo 10.o, n.os 1 a 3, da mesma lei dispõe:

«1.   A partir da data em que adquire o direito aos juros a que se referem o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o, n.o 1, o credor tem direito a receber do devedor, sem necessidade de interpelação, uma indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida correspondente ao montante de:

1)

40 euros — quando o valor da remuneração pecuniária não exceda 5000 zl[ó]tis polacos (PLN) [(cerca de 1070 euros)];

2)

70 euros — quando o valor da remuneração pecuniária seja superior a 5000 PLN mas inferior a 50000 PLN [(cerca de 10700 euros)];

3)

100 euros — quando o valor da remuneração pecuniária seja igual ou superior a 50000 PLN.

[…]

2.   Para além do montante referido no n.o 1, o credor tem igualmente direito ao reembolso, num montante razoável, dos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante.

3.   O direito ao montante a que se refere o n.o 1 é devido a título de cada transação comercial, sob reserva do artigo 11.o, n.o 2, ponto 2.»

13

Nos termos do artigo 11.o, da Lei de 8 de março de 2013:

«1.   As partes numa transação comercial podem estabelecer no contrato um calendário de pagamento da prestação pecuniária em prestações, desde que a fixação desse calendário não seja manifestamente abusiva em relação ao credor.

2.   Se as partes numa transação comercial tiverem previsto no contrato o pagamento da remuneração pecuniária em prestações, o direito:

1)

aos juros referidos no artigo 7.o, n.o 1, ou no artigo 8.o, n.o 1;

2)

aos montantes referidos no artigo 10.o, n.o 1, e ao reembolso dos custos suportados com a cobrança da dívida referidos no artigo 10.o, n.o 2,

é devido em relação a cada prestação não paga.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

X, sociedade de direito polaco, celebrou com Z, um hospital público, um contrato nos termos do qual devia fornecer sucessivamente material médico a este hospital, segundo um calendário predeterminado. Cada fornecimento devia ser pago num prazo de 60 dias.

15

Não tendo Z feito, na data de vencimento, os pagamentos devidos a título de remuneração de doze fornecimentos sucessivos de mercadorias, X intentou no Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância da Cidade de Varsóvia, Polónia), órgão jurisdicional de reenvio, uma ação destinada a obter a condenação de Z, nos termos da Lei de 8 de março de 2013, a pagar‑lhe uma indemnização de montante fixo pelos custos suportados com a cobrança, correspondente a doze vezes o montante fixo mínimo de 40 euros, ou seja, de 480 euros.

16

O órgão jurisdicional de reenvio refere que é chamado a determinar se, no âmbito de um único e mesmo contrato, cada atraso de pagamento do devedor dá direito ao pagamento de um montante fixo mínimo de 40 euros pelos custos suportados com a cobrança, ou se esse montante é devido uma única vez, independentemente do número de pagamentos em atraso. Considera que a aplicação da Lei de 8 de março de 2013 ao processo principal leva a acolher a segunda solução, uma vez que o artigo 10.o, n.o 3, desta lei prevê que o montante fixo é devido por cada «transação comercial».

17

Todavia, esse órgão jurisdicional salienta que o artigo 4.o, ponto 1, da referida lei define expressamente o conceito de «transação comercial» como um «contrato», ao contrário do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7, pelo que a solução do litígio no processo principal pressupõe, previamente, que se interprete esta última disposição e o artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva.

18

Nestas circunstâncias, o Sąd Rejonowy dla m.st. Warszawy w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância da Cidade de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 6.o, n.o 1, da [Diretiva 2011/7/UE], ser interpretado no sentido de que, no caso de um contrato no qual as partes previram vários fornecimentos de mercadorias e pagamentos por cada fornecimento num prazo determinado após cada um desses fornecimentos, é devido, no mínimo, um montante fixo de 40 euros pelo atraso de cada um dos pagamentos dos diferentes fornecimentos, ou o direito da União apenas exige que se assegure ao credor o pagamento de um montante fixo de 40 euros pela totalidade da transação comercial que inclui vários fornecimentos, independentemente do número de atrasos de pagamento dos diferentes fornecimentos?

2)

Na aceção do artigo 2.o, ponto 1, da [Diretiva 2011/7], um contrato que tem por objeto o fornecimento de mercadorias, que obriga o fornecedor a fornecer à entidade adjudicante, por um preço fixado nesse contrato, determinada quantidade de mercadorias, ao mesmo tempo que confere à entidade adjudicante o direito de decidir unilateralmente sobre os prazos e a quantidade de mercadorias de cada um dos fornecimentos que constituem a execução do objeto desse contrato, incluindo a possibilidade de renunciar a uma parte das mercadorias contratadas sem sofrer quaisquer consequências negativas por esse motivo, e nos termos do qual a entidade adjudicante é obrigada a pagar cada fornecimento parcial num determinado prazo calculado a partir da data da receção desse fornecimento parcial, constitui uma transação comercial, ou cada um desses fornecimentos parciais, efetuados com base nas necessidades comunicadas pela entidade adjudicante, constitui uma transação comercial autónoma na aceção da diretiva, mesmo que não constitua um contrato autónomo na aceção do direito nacional?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda questão

19

Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «transações comerciais» aí previsto abrange todos os fornecimentos de mercadorias efetuados em execução de um único contrato ou se abrange unicamente o contrato em execução do qual esses bens devem ser sucessivamente fornecidos.

20

A este respeito, importa recordar, por um lado, que a Diretiva 2011/7, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, se aplica a todos os pagamentos efetuados como remuneração de «transações comerciais» e, por outro, que este conceito é definido, de modo muito amplo, no artigo 2.o, ponto 1, desta diretiva como «qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração» (Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 21).

21

Uma vez que o artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7 não contém nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o sentido e o alcance do conceito de «transações comerciais», esta disposição exige uma interpretação autónoma e uniforme, que tenha em conta simultaneamente os termos e o contexto da disposição em que se insere este conceito, bem como as finalidades dessa disposição e do ato do direito da União de que é parte [v., neste sentido, Acórdãos de 9 de julho de 2020, RL (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento), C‑199/19, EU:C:2020:548, n.o 27, e de 18 de novembro de 2020, Techbau, C‑299/19, EU:C:2020:937, n.o 38].

22

Quanto à redação do artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7, a utilização da expressão «qualquer transação» evidencia que o conceito de «transações comerciais», como foi recordado no n.o 20 do presente acórdão, deve ser entendido em sentido amplo e, por conseguinte, não coincide necessariamente com o conceito de «contrato».

23

Esta disposição estabelece duas condições para que uma transação possa ser qualificada de «transação comercial». Esta transação deve, por um lado, ser efetuada entre empresas ou entre empresas e entidades públicas. Por outro lado, deve conduzir ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 22 e jurisprudência referida).

24

Por conseguinte, quando as partes acordaram, no âmbito de um mesmo contrato, fornecimentos de mercadorias ou prestações de serviços sucessivos, criando cada um deles uma obrigação de pagamento a cargo do devedor, as duas condições previstas no artigo 2.o, ponto 1, desta diretiva estão preenchidas para que cada fornecimento ou prestação de serviços efetuado em execução desse contrato seja qualificado de transação comercial, na aceção desta disposição.

25

A sistemática da Diretiva 2011/7 confirma que o legislador da União não pretendeu fazer coincidir o conceito de «transação comercial» com o de «contrato». Com efeito, como foi recordado no n.o 20 do presente acórdão, o artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva dispõe que esta «[se aplica] a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais», quer essas transações correspondam, ou não, a um contrato específico. Por conseguinte, uma interpretação restritiva do conceito de «transação comercial» que o faça coincidir com o de «contrato» estaria em contradição com a própria definição do âmbito de aplicação material da referida diretiva.

26

No que respeita às finalidades da Diretiva 2011/7, que visa principalmente proteger o credor contra os atrasos de pagamento e desincentivar os atrasos de pagamento, nada sugere que o conceito de «transação comercial» deva necessariamente corresponder ao de «contrato».

27

Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «transações comerciais» aí previsto abrange todos os fornecimentos de mercadorias ou prestações de serviços sucessivos efetuados em execução de um único contrato.

Quanto à primeira questão

28

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, em conjugação com o seu artigo 4.o, deve ser interpretado no sentido de que, quando um único contrato prevê fornecimentos de mercadorias ou prestações de serviços sucessivos, devendo cada um deles ser pago num prazo determinado, o montante fixo mínimo de 40 euros é devido por cada atraso de pagamento, a título de indemnização do credor pelos custos suportados com a cobrança da dívida, ou se é devido uma única vez, independentemente do número de pagamentos em mora.

29

A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que, quando se vençam juros de mora em transações comerciais, o credor tem o direito a receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida. Além disso, no seu n.o 2, este artigo obriga os Estados‑Membros a assegurar que este montante fixo mínimo seja devido automaticamente, mesmo na falta de interpelação ao devedor, e se destine a indemnizar o credor pelos custos de cobrança da dívida do credor. Por último, no seu n.o 3, o referido artigo reconhece ao credor o direito de exigir ao devedor, além do referido montante fixo mínimo de 40 euros, uma indemnização razoável pelos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante fixo e sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor.

30

O conceito de «atraso de pagamento» que está na origem do direito do credor a obter do devedor não apenas juros legais, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, mas também um montante fixo mínimo de 40 euros, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, é definido no artigo 2.o, ponto 4, da mesma diretiva como qualquer falta de pagamento dentro do prazo contratual ou legal. Ora, uma vez que a mesma diretiva abrange, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 2, «todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais», este conceito de «atraso de pagamento» é aplicável a cada transação comercial considerada individualmente (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 28).

31

Em segundo lugar, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 define as condições de exigibilidade do montante fixo mínimo de 40 euros, remetendo, no que respeita às transações comerciais entre empresas e entidades públicas, para o artigo 4.o da referida diretiva. Este último artigo prevê, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros asseguram que, nessas transações comerciais, um credor que tenha cumprido as suas obrigações e que não tenha recebido o montante devido na data de vencimento, tem direito, no termo do prazo fixado nos n.os 3, 4 e 6 do referido artigo, a juros de mora legais, sem necessidade de interpelação, salvo se o atraso não for imputável ao devedor (Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 31 e jurisprudência referida).

32

Resulta do exposto, por um lado, que o direito a receber juros de mora legais, previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, bem como o direito a um montante fixo mínimo, previsto no artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, que têm origem num «atraso de pagamento», na aceção do artigo 2.o, ponto 4, da referida diretiva, estão ligados a «transações comerciais» consideradas individualmente. Por outro lado, estes juros legais, tal como este montante fixo, tornam‑se exigíveis automaticamente no termo do prazo de pagamento previsto no artigo 4.o, n.os 3, 4 e 6, da mesma diretiva, desde que estejam preenchidas as condições que constam do seu n.o 1. O considerando 17 da Diretiva 2011/7 precisa, a esse respeito, que «[o] pagamento do devedor deverá ser considerado como feito fora do prazo, para efeitos do direito a cobrar juros de mora, caso o credor não tenha a soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais» (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 32).

33

No que respeita às condições de exigibilidade, respetivamente, dos juros de mora e do montante fixo mínimo, nem o artigo 4.o, n.o 1, nem o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 distinguem consoante os pagamentos devidos como remuneração das mercadorias fornecidas ou dos serviços prestados, não efetuados no prazo, procedam ou não de um único contrato. Por conseguinte, a redação destas disposições não pode sustentar a interpretação segundo a qual, no caso de um único contrato, o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, só é devido ao credor uma única vez, independentemente do número de pagamentos distintos em atraso.

34

Esta conclusão é corroborada pelo artigo 5.o da Diretiva 2011/7, que se refere a uma hipótese comparável à que está em causa no processo principal, para efeitos da aplicação desta diretiva. Com efeito, resulta deste artigo, lido à luz do considerando 22 da referida diretiva, que, quando as partes tiverem acordado um calendário de pagamento que fixa os montantes a pagar em prestações, é exigível um montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, por cada prestação de pagamento não paga no vencimento.

35

Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal e sistemática do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 que o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, é devido a um credor que cumpriu as suas obrigações, por cada pagamento não efetuado na data de vencimento da remuneração de uma transação comercial, expressa numa fatura ou num pedido equivalente de pagamento, incluindo quando vários pagamentos a título de remuneração de fornecimentos de mercadorias ou de prestações de serviços sucessivas em cumprimento de um único e mesmo contrato estão em atraso, salvo se o atraso não for imputável ao devedor (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 34).

36

Em terceiro lugar, essa interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2011/7 é confirmada pela finalidade da mesma. Resulta, com efeito, do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, lido à luz do seu considerando 3, que a mesma visa não só desincentivar os atrasos de pagamento, evitando que se tornem financeiramente aliciantes para os devedores, visto serem baixas ou inexistentes as taxas de juro que se aplicam aos atrasos de pagamento nessa situação, como também a proteção efetiva do credor contra esses atrasos, assegurando‑lhe uma indemnização que compense do modo mais completo possível os custos suportados com a cobrança do crédito. A esse respeito, o considerando 19 da referida diretiva precisa, por um lado, que os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento e, por outro, que a indemnização sob a forma de um montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.os 35 e 36).

37

Nesta perspetiva, a acumulação, por parte do devedor, de vários atrasos no pagamento de fornecimentos de mercadorias ou de prestações de serviços sucessivos, em execução de um único e mesmo contrato, não pode ter por efeito reduzir o montante fixo mínimo devido a título de indemnização dos custos suportados com a cobrança por cada atraso de pagamento a um único montante fixo. Semelhante redução equivaleria, desde logo, a privar de efeito útil o artigo 6.o da Diretiva 2011/7, cujo objetivo é, como foi sublinhado no número anterior, não só desincentivar esses atrasos de pagamento como também indemnizar «o credor pelos custos de cobrança da dívida», custos que tendem a aumentar na proporção do número de pagamentos e de montantes que o devedor não paga na data de vencimento. Tal redução equivaleria, além disso, a conceder ao devedor uma derrogação ao direito ao montante fixo previsto no artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, sem que essa derrogação seja justificada por nenhuma «razão objetiva» na aceção do artigo 7.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), da referida diretiva. Por último, esta redução equivaleria a dispensar o devedor de uma parte do encargo financeiro decorrente da sua obrigação de pagar, a título de cada fatura não paga na data de vencimento, o montante fixo de 40 euros, previsto no referido artigo 6.o, n.o 1 (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 37).

38

Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, em conjugação com o artigo 4.o da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando um único contrato prevê fornecimentos de mercadorias ou prestações de serviços sucessivos, devendo cada um deles ser pago num prazo determinado, o montante fixo mínimo de 40 euros a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida é devido ao credor por cada atraso de pagamento.

Quanto às despesas

39

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais:

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «transações comerciais» aí previsto abrange todos os fornecimentos de mercadorias ou prestações de serviços sucessivos efetuados em execução de um único contrato.

 

2)

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, em conjugação com o artigo 4.o da mesma diretiva,

deve ser interpretado no sentido de que:

quando um único contrato prevê fornecimentos de mercadorias ou prestações de serviços sucessivos, devendo cada um deles ser pago num prazo determinado, o montante fixo mínimo de 40 euros a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida é devido ao credor por cada atraso de pagamento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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