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Document 62021CJ0416

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 15 de setembro de 2022.
Landkreis Aichach-Friedberg contra J. Sch. Omnibusunternehmen e K. Reisen GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bayerisches Oberstes Landesgericht.
Reenvio prejudicial — Procedimentos de contratação pública — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d) — Motivos facultativos de exclusão — Acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência — Diretiva 2014/25/UE — Artigo 36.o, n.o 1 — Princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento dos proponentes — Artigo 80.o, n.o 1 — Utilização dos motivos de exclusão e dos critérios de seleção previstos na Diretiva 2014/24/UE — Proponentes que constituem uma unidade económica e que apresentaram propostas separadas que não são autónomas nem independentes — Necessidade de indícios suficientemente plausíveis para concluir pela existência de uma violação do artigo 101.o TFUE.
Processo C-416/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:689

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

15 de setembro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Procedimentos de contratação pública — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d) — Motivos facultativos de exclusão — Acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência — Diretiva 2014/25/UE — Artigo 36.o, n.o 1 — Princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento dos proponentes — Artigo 80.o, n.o 1 — Utilização dos motivos de exclusão e dos critérios de seleção previstos na Diretiva 2014/24/UE — Proponentes que constituem uma unidade económica e que apresentaram propostas separadas que não são autónomas nem independentes — Necessidade de indícios suficientemente plausíveis para concluir pela existência de uma violação do artigo 101.o TFUE»

No processo C‑416/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bayerisches Oberstes Landesgericht (Supremo Tribunal da Baviera, Alemanha), por Decisão de 24 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2021, no processo

Landkreis Aichach‑Friedberg,

contra

J. Sch. Omnibusunternehmen,

K. Reisen GmbH,

sendo interveniente:

E. GmbH & Co. KG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, S. Rodin, J.‑C. Bonichot, L. S. Rossi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Landkreis Aichach‑Friedberg, por R. Wiemann, Rechtsanwalt,

em representação de J. Sch. Omnibusunternehmen e da K. Reisen GmbH, por J. R. Eydner e A. Kafedžić, Rechtsanwälte,

em representação da E. GmbH & Co. KG, por H. Holz, S. Janka e U.‑D. Pape, Rechtsanwälte,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Santini, avvocato dello Stato,

em representação do Governo lituano, por K. Dieninis, V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė e E. Kurelaitytė, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por P. Ondrůšek e G. Wils, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o, n.o 1, e do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 337, p. 19) (a seguir «Diretiva 2014/24»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Landkreis Aichach‑Friedberg (Município de Aichach‑Friedberg, Alemanha) a J. Sch. Omnibusunternehmen (a seguir «J») e à K. Reisen GmbH a respeito da adjudicação, por este município, de um contrato público de serviços públicos de transporte por autocarro.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 93/37/CEE

3

O artigo 24.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO 1993, L 199, p. 54), continha a lista dos motivos facultativos de exclusão de empreiteiros da participação em processos de adjudicação.

Diretiva 2014/24

4

O considerando 101, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24 tem a seguinte redação:

«As autoridades adjudicantes deverão, além disso, poder excluir os operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis, por exemplo na sequência de infrações de obrigações ambientais ou sociais, incluindo as regras em matéria de acessibilidade de pessoas com deficiência ou outras formas de falta profissional grave, como a violação das regras da concorrência ou dos direitos de propriedade intelectual. […]»

5

Em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, ponto 10), desta diretiva, para efeitos da mesma, entende‑se por «operador económico» qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade pública ou agrupamento de tais pessoas e/ou entidades, incluindo agrupamentos temporários de empresas, que realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado.

6

Segundo o artigo 4.o, alínea c), da referida diretiva, esta aplica‑se aos contratos cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior a 221000 euros, nomeadamente para os contratos públicos de fornecimento e de serviços adjudicados por autoridades adjudicantes subcentrais e concursos para trabalhos de conceção organizados por essas autoridades.

7

O artigo 18.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Princípios da contratação», prevê, no seu n.o 1:

«As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não‑discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.»

8

O artigo 57.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Motivos de exclusão», dispõe:

«[…]

4.   As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:

[…]

c)

Se a autoridade adjudicante puder demonstrar, por qualquer meio adequado, que o operador económico cometeu qualquer falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade;

d)

Se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência;

e)

Se houver um conflito de interesses, na aceção do artigo 24.o, que não possa ser eficazmente corrigido por outras medidas, menos invasivas;

f)

Se houver uma distorção da concorrência decorrente da participação dos operadores económicos na preparação do procedimento de contratação, a que se refere o artigo 41.o, que não possa ser corrigida por outras medidas, menos invasivas;

[…]

6.   Qualquer operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.os 1 e 4 pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de uma importante causa de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não é excluído do procedimento de contratação.

[…]

7.   Os Estados‑Membros devem especificar as condições de aplicação do presente artigo por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e tendo em conta o direito da União. […]»

Diretiva 2014/25/UE

9

O artigo 11.o da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243), conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2364 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 337, p. 17) (a seguir «Diretiva 2014/25»), prevê:

«A presente diretiva aplica‑se às atividades que tenham por objetivo a disponibilização ou exploração de redes destinadas à prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho de ferro, sistemas automáticos, carros elétricos, tróleis, autocarros ou cabo.

No que diz respeito aos serviços de transporte, considera‑se que existe uma rede quando o serviço é prestado nas condições estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, tais como, por exemplo, as condições nas linhas a servir, a capacidade disponível ou a frequência do serviço.»

10

O artigo 15.o, alínea a), da Diretiva 2014/25 dispõe:

«Salvo por força das exclusões previstas nos artigos 18.o a 23.o ou de uma decisão ao abrigo do artigo 34.o relativamente ao exercício da atividade em causa, a presente diretiva aplica‑se aos contratos cujo valor estimado, sem [IVA], seja igual ou superior aos seguintes limiares:

a)

443000 euros para os contratos de fornecimento de bens e prestação de serviços e para os concursos de conceção.»

11

O artigo 36.o, n.o 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não‑discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

[…]»

12

Sob a epígrafe «Utilização dos motivos de exclusão e dos critérios de seleção previstos na Diretiva [2014/24]», o artigo 80.o da Diretiva 2014/25 enuncia, no seu n.o 1:

«As regras e os critérios objetivos de exclusão e de seleção dos operadores económicos que requerem a qualificação num sistema de qualificação e as regras e os critérios objetivos de exclusão e de seleção dos candidatos e dos proponentes nos concursos abertos, nos concursos limitados ou nos procedimentos por negociação, nos diálogos concorrenciais ou nas parcerias para a inovação, podem incluir os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.o da Diretiva [2014/24], nos termos e condições nele definidos.

[…]

Se os Estados‑Membros assim o exigirem, esses critérios e regras devem ainda incluir os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva [2014/24], nos termos e condições definidos no mesmo artigo.»

Direito alemão

13

O § 1 da Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (Lei Relativa às Restrições da Concorrência), de 26 de junho de 2013 (BGBl. 2013 I, p. 1750), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «GWB»), prevê:

«São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.»

14

O § 124, n.o 1, da GWB, que transpõe para o direito alemão o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, dispõe, no seu ponto 4:

«As autoridades adjudicantes podem, respeitando o princípio da proporcionalidade, excluir uma empresa da participação num procedimento de contratação em qualquer momento desse procedimento, quando:

[…]

4)

a autoridade adjudicante dispuser de elementos suficientes para concluir que a empresa celebrou com outras empresas acordos ou práticas concertadas que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência;

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

Em 19 de dezembro de 2019, o Município de Aichach‑Friedberg publicou um anúncio de concurso com vista à adjudicação, mediante concurso aberto, de um contrato público relativo a serviços públicos de transporte por autocarro, cujo valor estimado excede o limiar previsto no artigo 4.o, alínea c), da Diretiva 2014/24.

16

J é um empresário em nome individual e a K. Reisen é uma sociedade de responsabilidade limitada de transporte por autocarro da qual J é o gerente e sócio único.

17

Em 27 de fevereiro de 2020, J e a K. Reisen apresentaram propostas relativas ao anúncio de concurso por intermédio da mesma pessoa, isto é J. O património de J foi objeto de um processo de insolvência em 1 de novembro de 2019 e, por Decisão de 1 de dezembro de 2019, o administrador judicial excluiu a atividade independente de J do âmbito desse processo. Na sua proposta, J declarou que não tinha sido requerido nem instaurado nenhum processo de insolvência contra a sua empresa.

18

Em 2 de abril de 2020, J e a K. Reisen foram informados, por um lado, de que as suas propostas tinham sido excluídas por violação das regras da concorrência, uma vez que tinham sido elaboradas pela mesma pessoa, e, por outro, que o contrato em causa seria adjudicado à E. Gmbh & Co. KG.

19

Após terem apresentado uma reclamação que foi indeferida, J e a K. Reisen recorreram para a Vergabekammer Südbayern (Câmara dos Contratos Públicos da Baviera do Sul, Alemanha). Por Decisão de 12 de janeiro de 2021, esta deu provimento ao recurso, ordenando ao Município de Aichach‑Friedberg que reintegrasse as propostas destes proponentes no procedimento de adjudicação do contrato em causa. Em particular, segundo esta Câmara, tendo em conta o Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas (C‑531/16, EU:C:2018:324), o comportamento destes últimos não estava abrangido pelo artigo 101.o TFUE na medida em que constituem uma unidade económica.

20

O Município de Aichach‑Friedberg interpôs recurso dessa decisão para o Bayerisches Oberstes Landesgericht (Supremo Tribunal da Baviera, Alemanha). Segundo este município, permitir a dois proponentes que constituem uma unidade económica participar no procedimento de contratação é incompatível com os interesses dos outros proponentes e viola o princípio da igualdade de tratamento, bem como as regras da concorrência, nomeadamente porque estes proponentes estão em condições de concertar as suas propostas respetivas.

21

J e a K. Reisen consideram que, à luz do Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas (C‑531/16, EU:C:2018:324), a exclusão de um proponente com fundamento na violação das regras da concorrência só é possível se a situação em causa estiver abrangida pelo artigo 101.o TFUE. Além disso, o caráter exaustivo dos motivos de exclusão previstos na Diretiva 2014/24 opõe‑se ao recurso ao princípio da igualdade de tratamento dos proponentes.

22

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que J e a K. Reisen constituem uma unidade económica na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 101.o TFUE. Este órgão jurisdicional pretende saber se o artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 deve ser entendido no sentido de que exige, para efeitos de aplicação do motivo facultativo de exclusão nele previsto, que a autoridade adjudicante disponha de indícios suficientemente plausíveis para concluir pela existência de uma violação do artigo 101.o TFUE. Considera que há que responder afirmativamente a esta questão, uma vez que uma exclusão ao abrigo desta disposição da Diretiva 2014/24 pressupõe uma infração a uma regra do direito da concorrência. Ora, não se pode concluir pela existência dessa infração quando as empresas em causa constituem uma unidade económica e podem, por conseguinte, invocar o «privilégio de grupo».

23

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a enumeração dos motivos facultativos de exclusão que figura no artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 impede que o princípio da igualdade de tratamento possa ser invocado para justificar a não consideração de propostas apresentadas por dois proponentes que constituem uma unidade económica.

24

Concretamente, há que clarificar se a jurisprudência decorrente do Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Michaniki (C‑213/07, EU:C:2008:731, n.os 44 e segs.) é transponível para o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, apesar das diferenças entre a lista de motivos facultativos de exclusão prevista no artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 e as que figuravam nas diretivas anteriores relativas aos contratos públicos, o princípio da igualdade de tratamento continua a opor‑se à consideração de propostas que não são autónomas nem independentes apresentadas por empresas interligadas.

25

Por último, há que determinar a aplicabilidade da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às propostas que não são autónomas nem independentes por parte de proponentes interligados (Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C‑531/16, EU:C:2018:324) às propostas apresentadas por proponentes que constituem uma unidade económica. O órgão jurisdicional de reenvio considera que, à luz deste acórdão, o princípio da igualdade de tratamento se opõe a fortiori a que um contrato possa ser adjudicado a proponentes que constituam uma unidade económica e que não estejam em condições de apresentar propostas autónomas ou independentes.

26

Nestas circunstâncias, o Bayerisches Oberstes Landesgericht (Supremo Tribunal da Baviera) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 57.o, n.o 4, [primeiro parágrafo,] alínea d), da Diretiva [2014/24] ser interpretado no sentido de que a autoridade adjudicante deve ter indícios suficientemente plausíveis para concluir que os operadores económicos violaram o artigo 101.o TFUE?

[Em caso de resposta afirmativa:]

2)

Deve o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva [2014/24], enquanto disposição que regula [exaustivamente] os motivos facultativos de exclusão, ser interpretado no sentido de que o princípio da igualdade de tratamento (artigo 18.o, n.o 1, desta diretiva) — quando as propostas apresentadas não são autónomas nem independentes — não pode obstar à adjudicação de um contrato?

3)

Deve o artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva [2014/24] ser interpretado no sentido de que se opõe à adjudicação de um contrato a empresas que constituem uma unidade económica, uma vez que cada uma delas apresentou uma proposta?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

27

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende a interpretação do artigo 18.o, n.o 1, e do artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 no âmbito de um procedimento de adjudicação de um contrato relativo a serviços públicos de transporte por autocarro.

28

Importa recordar, a este respeito, que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, T‑Systems Magyarország, C‑263/19, EU:C:2020:373, n.o 45 e jurisprudência referida).

29

No caso em apreço, cumpre observar que a disponibilização ou exploração de redes destinadas à prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por autocarros é expressamente referida, no artigo 11.o da Diretiva 2014/25, entre os domínios a que esta última se aplica. Assim, na medida em que, com o contrato em causa no processo principal, a autoridade adjudicante vise essa disponibilização ou exploração de redes e que esse contrato ultrapasse o limiar indicado no artigo 15.o, alínea a), desta diretiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, há que considerar que, atento o seu objeto, o referido contrato é abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva.

30

A este respeito, atendendo às disposições citadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, importa salientar, em primeiro lugar, que é necessário interpretar o artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2014/25, segundo o qual as entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada e que corresponde, em substância, ao disposto no artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24.

31

Em segundo lugar, no que respeita aos motivos de exclusão facultativos, a Diretiva 2014/25 não contém uma disposição autónoma, mas remete a este respeito para a Diretiva 2014/24.

32

Em particular, o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25 dispõe que, se os Estados‑Membros assim o exigirem, as regras e os critérios objetivos de exclusão e de seleção dos candidatos e dos proponentes, nomeadamente em procedimentos abertos, limitados ou por negociação, devem incluir os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, «nos termos e condições definidos no mesmo artigo».

33

Importa sublinhar que a expressão «nos termos e condições definidos no mesmo artigo» remete para as condições referidas nesse artigo 57.o, n.o 4 (v., por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact, C‑465/11, EU:C:2012:801, n.o 33).

34

Por conseguinte, no caso de, na sequência das verificações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a Diretiva 2014/25 ser aplicável ao procedimento de contratação em causa no processo principal, é necessário, para dar uma resposta útil às questões submetidas, que o Tribunal de Justiça interprete o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, e, em particular, o primeiro parágrafo, alínea d), desta disposição, que é especificamente referido no pedido de decisão prejudicial, uma vez que o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25 permite aos Estados‑Membros aplicar a referida disposição da Diretiva 2014/24 a esses procedimentos.

Quanto à primeira questão

35

Nestas condições, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, lido em conjugação com o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, deve ser interpretado no sentido de que o motivo facultativo de exclusão previsto neste artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), abrange apenas os casos em que há indícios suficientemente plausíveis para concluir que os operadores económicos violaram o artigo 101.o TFUE.

36

Resulta do pedido de decisão prejudicial que as dúvidas deste órgão jurisdicional quanto ao alcance do motivo facultativo de exclusão previsto no referido artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), se baseiam no facto de o § 124, n.o 1, ponto 4, da GWB, que transpõe para o direito alemão o referido artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), retomar a formulação da proibição dos acordos que restringem a concorrência que figura no § 1 da GWB, que, no essencial, reproduz, no direito alemão, o artigo 101.o TFUE. Ora, o referido órgão jurisdicional recorda que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C‑531/16, EU:C:2018:324, n.o 28 e jurisprudência referida) que este último artigo não é aplicável quando os acordos que proíbe são executados por empresas que, como no caso em apreço, constituem uma unidade económica.

37

Antes de mais, há que recordar que, em conformidade com o artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, as autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência.

38

É forçoso constatar que esta disposição visa, de maneira geral, «acordos [celebrados] com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência». A sua redação não menciona o artigo 101.o TFUE, e, em particular, contrariamente a este último, não exige que estes acordos sejam celebrados «entre empresas», na aceção desta disposição, e que sejam «suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros».

39

Daqui resulta que o artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 remete para casos em que os operadores económicos celebram um acordo anticoncorrencial, seja ele qual for, não se limitando apenas aos acordos entre empresas a que se refere o artigo 101.o TFUE.

40

Em seguida, o objetivo subjacente ao artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 confirma esta interpretação.

41

O Tribunal de Justiça declarou que a faculdade, ou mesmo a obrigação, de a autoridade adjudicante excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação se destina especialmente a permitir‑lhe apreciar a idoneidade e a fiabilidade de cada um dos operadores económicos. Em especial, o motivo facultativo de exclusão referido no artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, lido em conjugação com o considerando 101 desta diretiva, funda‑se num elemento essencial da relação entre o adjudicatário do contrato e a autoridade adjudicante, a saber, a fiabilidade do primeiro, na qual assenta a confiança que a segunda deposita naquele (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Tim, C‑395/18, EU:C:2020:58, n.o 41).

42

Assim, o artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 visa permitir às autoridades adjudicantes apreciar e ter em conta a idoneidade e a fiabilidade de cada um dos operadores económicos, a fim de poder excluir dos procedimentos de contratação os proponentes não fiáveis com os quais não poderiam manter uma relação de confiança para levar a bom termo a prestação dos serviços em questão no âmbito da execução do contrato em causa.

43

Ora, este objetivo afigura‑se diferente do previsto no artigo 101.o TFUE. Com efeito, este último visa reprimir os comportamentos anticoncorrenciais das empresas e dissuadi‑las de adotar tais comportamentos (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 37).

44

O objetivo do artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 conduz, por conseguinte, a uma interpretação ampla desta disposição segundo a qual, nomeadamente, os acordos entre operadores económicos que não afetam o comércio entre Estados‑Membros possam ser tidos em conta pelas autoridades adjudicantes no âmbito do motivo facultativo de exclusão nele previsto.

45

Por último, quanto ao contexto da referida disposição, há que salientar que, no âmbito do motivo facultativo de exclusão previsto no artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2014/24, o conceito de «falta profissional», que abrange qualquer comportamento culposo que afete a credibilidade, a integridade ou a fiabilidade profissional do operador económico em causa, deve ser objeto de uma interpretação ampla (v., neste sentido, Despacho de 4 de junho de 2019, Consorzio Nazionale Servizi, C‑425/18, EU:C:2019:476, n.os 29 e 30).

46

Nestas condições, uma vez que, como resulta do considerando 101 da Diretiva 2014/24, a violação das regras da concorrência pode, à luz do objetivo do artigo 57.o, n.o 4, desta diretiva, exposto no n.o 39 do presente acórdão, ser considerada um tipo de falta profissional grave, seria incoerente dar ao conceito de «acordos», previsto no primeiro parágrafo, alínea d), desta disposição, uma interpretação restrita, limitada apenas aos acordos entre empresas referidos no artigo 101.o TFUE.

47

Tanto mais que o conceito de «operador económico», definido no artigo 2.o, n.o 1, alínea 10, da Diretiva 2014/24, não se refere ao conceito de «empresa» na aceção do artigo 101.o TFUE.

48

Consequentemente, há que concluir que, embora a existência de um acordo na aceção do artigo 101.o TFUE deva considerar‑se abrangida pelo motivo de facultativo de exclusão que figura no artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, não deixa de ser verdade que esta última disposição tem um alcance mais amplo, que abrange igualmente a celebração, por operadores económicos, de acordos anticoncorrenciais não abrangidos pelo artigo 101.o TFUE. Por conseguinte, o simples facto de esse acordo celebrado entre dois operadores económicos não estar abrangido por este artigo não impede que possa ser abrangido por esse motivo facultativo de exclusão.

49

Todavia, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, importa sublinhar que esta disposição da Diretiva 2014/24 visa os casos em que há indícios suficientes que permitem à autoridade adjudicante considerar que foi celebrado um acordo entre dois ou mais operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência, o que pressupõe necessariamente a existência de uma convergência de vontades de pelo menos dois operadores económicos diferentes.

50

No caso em apreço, há que salientar, como refere a Comissão Europeia, que, num caso como o que está em causa no processo principal, não se pode considerar que dois operadores económicos cujas decisões são adotadas essencialmente pela mesma pessoa singular possam celebrar «acordos» entre si, na medida em que não parecem existir duas vontades distintas que sejam suscetíveis de convergir. No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, atenta a relação existente entre J e a K. Reisen, é possível que possam celebrar esses acordos com o objetivo de distorcer a concorrência. Caso contrário, o motivo facultativo de exclusão previsto no artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 não se pode aplicar à sua situação.

51

À luz das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, lido em conjugação com o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, deve ser interpretado no sentido de que o motivo facultativo de exclusão previsto neste artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), abrange os casos em que há indícios suficientemente plausíveis para concluir que os operadores económicos celebraram um acordo proibido pelo artigo 101.o TFUE, mas não se limita apenas aos acordos previstos neste último artigo.

Quanto à segunda e terceira questões

52

Com a segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, lido em conjugação com o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, deve ser interpretado no sentido de que este artigo 57.o, n.o 4, regula exaustivamente os motivos facultativos de exclusão, o que impede que o princípio da igualdade de tratamento, previsto no artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2014/25, possa obstar à adjudicação do contrato em causa a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes.

53

No contexto análogo da Diretiva 93/37, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 24.o, primeiro parágrafo, desta diretiva, que, à semelhança do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, continha a lista de motivos facultativos de exclusão, deve ser entendido no sentido de que enumera exaustivamente as causas suscetíveis de justificar a exclusão de um empreiteiro da participação num procedimento de contratação por razões relativas às suas qualidades profissionais e baseada em elementos objetivos. Por conseguinte, esse preceito obsta a que os Estados‑Membros ou as entidades adjudicantes completem a lista nele contida com outras causas de exclusão baseadas em critérios relativos à qualidade profissional (Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Michaniki, C‑213/07, EU:C:2008:731, n.o 43).

54

Do mesmo modo, o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 enumera exaustivamente os motivos facultativos de exclusão suscetíveis de justificar a exclusão de um operador económico da participação num procedimento de contratação por razões baseadas em elementos objetivos relativos às suas qualidades profissionais, bem como a um conflito de interesses ou a uma distorção da concorrência resultante da sua participação na preparação desse procedimento.

55

A este respeito, o facto, sublinhado pelo órgão jurisdicional de reenvio, de esta disposição incluir atualmente um maior número de motivos facultativos de exclusão do que as diretivas anteriores da União em matéria de adjudicação de contratos públicos não pode ter nenhuma influência no caráter exaustivo da lista prevista na referida disposição.

56

Com efeito, atendendo à natureza dos motivos de exclusão que figuram no artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, há que considerar que o legislador da União adotou a mesma abordagem no que respeita aos diferentes motivos de exclusão que figuram nas sucessivas diretivas da União em matéria de adjudicação de contratos públicos e que consiste, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 42 do Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Michaniki (C‑213/07, EU:C:2008:731), em instituir apenas motivos de exclusão baseados no apuramento objetivo de factos ou comportamentos próprios do operador económico em causa, suscetíveis de pôr em causa a honorabilidade profissional ou a sua aptidão económica ou financeira para levar a cabo as obras abrangidas pelo contrato público a cuja adjudicação se candidata, ou, no que respeita aos contratos abrangidos pela Diretiva 2014/24, criar uma situação que, no contexto do procedimento de contratação em causa, constitua um conflito de interesses ou uma distorção da concorrência, situações referidas, respetivamente, no artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea e), e no artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea f), desta diretiva.

57

Todavia, o facto de os motivos facultativos de exclusão que figuram no artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, a que se refere o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, serem enumerados exaustivamente não impede que o princípio da igualdade de tratamento, previsto no artigo 36.o, n.o 1, desta última diretiva, possa obstar à adjudicação do contrato em causa a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes.

58

Com efeito, esta enumeração exaustiva não exclui a faculdade de os Estados‑Membros manterem ou estabelecerem regras materiais destinadas, designadamente, a garantir, em matéria de contratos públicos, o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento e pelo princípio da transparência que decorre deste último, que se impõem às autoridades adjudicantes em qualquer procedimento de adjudicação desses contratos e que constituem a base das diretivas da União relativas aos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos, na condição de o princípio da proporcionalidade ser observado (v., por analogia, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 21, e de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 30).

59

Em particular, no caso de proponentes interligados, o princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2014/25 seria violado caso se admitisse que estes proponentes podem apresentar propostas coordenadas ou concertadas, isto é, não autónomas nem independentes, suscetíveis de lhes conferir vantagens injustificadas relativamente aos outros proponentes (v., por analogia, Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C‑531/16, EU:C:2018:324, n.o 29).

60

Neste contexto, o respeito do princípio da proporcionalidade exige que a entidade adjudicante seja obrigada a examinar e a apreciar os factos, a fim de determinar se a relação existente entre duas entidades exerceu uma influência concreta no conteúdo das respetivas propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento de adjudicação pública, sendo a constatação de uma influência dessa natureza, independentemente da sua forma, suficiente para excluir as referidas empresas do procedimento (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de maio de 2009, Assitur, C‑538/07, EU:C:2009:317, n.o 32, e de 8 de fevereiro de 2018, Lloyd’s of London, C‑144/17, EU:C:2018:78, n.o 38).

61

Com efeito, a constatação de que as ligações entre os proponentes tiveram uma influência sobre o conteúdo das propostas apresentadas no âmbito de um mesmo procedimento basta para que essas propostas não possam ser tidas em conta pela entidade adjudicante, uma vez que tais propostas devem ser apresentadas com total autonomia e independência quando provenham de proponentes interligados (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2018, Specializuotas transportas, C‑531/16, EU:C:2018:324, n.o 38).

62

Estas considerações aplicam‑se a fortiori no caso de proponentes que não estão simplesmente interligados, mas que constituem uma unidade económica.

63

Assim, caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão, na sequência das verificações e das apreciações necessárias, de que as propostas em causa no processo principal não foram apresentadas de maneira autónoma e independente, o artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2014/25 opõe‑se à adjudicação do contrato em causa aos proponentes que tenham apresentado essas propostas.

64

À luz das considerações precedentes, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, lido em conjugação com o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, deve ser interpretado no sentido de que este artigo 57.o, n.o 4, regula exaustivamente os motivos facultativos de exclusão suscetíveis de justificar a exclusão de um operador económico da participação num procedimento de contratação por razões baseadas em elementos objetivos relativos à sua qualidade profissional, bem como a um conflito de interesses ou a uma distorção da concorrência que resultaria da sua participação nesse procedimento. Todavia, o referido artigo 57.o, n.o 4, não impede que o princípio da igualdade de tratamento, previsto no artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2014/25, possa obstar à adjudicação do contrato em causa a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes.

Quanto às despesas

65

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017, lido em conjugação com o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE, conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2364 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017,

deve ser interpretado no sentido de que:

o motivo facultativo de exclusão previsto neste artigo 57.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea d), abrange os casos em que há indícios suficientemente plausíveis para concluir que os operadores económicos celebraram um acordo proibido pelo artigo 101.o TFUE, mas não se limita apenas aos acordos previstos neste último artigo.

 

2)

O artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, conforme alterada pelo Regulamento Delegado 2017/2365, lido em conjugação com o artigo 80.o, n.o 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, conforme alterada pelo Regulamento Delegado 2017/2364,

deve ser interpretado no sentido de que:

o artigo 57.o, n.o 4, regula exaustivamente os motivos facultativos de exclusão suscetíveis de justificar a exclusão de um operador económico da participação num procedimento de contratação por razões baseadas em elementos objetivos relativos à sua qualidade profissional, bem como a um conflito de interesses ou a uma distorção da concorrência que resultaria da sua participação nesse procedimento. Todavia, o referido artigo 57.o, n.o 4, não impede que o princípio da igualdade de tratamento, previsto no artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva 2014/25, conforme alterada pelo Regulamento Delegado 2017/2364, possa obstar à adjudicação do contrato em causa a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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