Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62021CJ0393

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 16 de fevereiro de 2023.
    Processo intentado por Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
    Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 805/2004 — Título executivo europeu para créditos não contestados — Artigo 23.o, alínea c) — Suspensão da execução de uma decisão certificada como título executivo europeu — Circunstâncias excecionais — Conceito.
    Processo C-393/21.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:104

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    16 de fevereiro de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil e comercial — Regulamento (CE) n.o 805/2004 — Título executivo europeu para créditos não contestados — Artigo 23.o, alínea c) — Suspensão da execução de uma decisão certificada como título executivo europeu — Circunstâncias excecionais — Conceito»

    No processo C‑393/21,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), por Decisão de 23 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2021, no processo instaurado por

    Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH

    sendo intervenientes:

    Arik Air Limited,

    Asset Management Corporation of Nigeria (AMCON),

    antstolis Marekas Petrovskis,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, L. S. Rossi, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

    advogado‑geral: P. Pikamäe,

    secretária: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 8 de setembro de 2022,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH, por F. Heemann, Rechtsanwalt, e A. Juškys, advokatas,

    em representação da Arik Air Limited, por L. Augytė‑Kamarauskienė, advokatė,

    em representação da Asset Management Corporation of Nigeria (AMCON), por A. Banys, A. Ivanauskaitė e K. Švirinas, advokatai,

    em representação do Governo lituano, por K. Dieninis, V. Kazlauskaitė‑Švenčionienė e E. Kurelaitytė, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por S. L. Kalėda e S. Noë, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de outubro de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO 2004, L 143, p. 15), bem como do artigo 36.o, n.o 1, e do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a companhia aérea Arik Air Limited à Lufthansa Technik AERO Alzey GmbH (a seguir «Lufthansa») a respeito de um pedido de suspensão do processo de execução instaurado contra a Arik Air com base num título executivo europeu emitido por um órgão jurisdicional alemão a favor da Lufthansa.

    Quadro jurídico

    Regulamento n.o 805/2004

    3

    Os considerandos 8, 18 e 20 do Regulamento n.o 805/2004 têm a seguinte redação:

    «(8)

    Nas Conclusões de Tampere, o Conselho Europeu considerou que a execução num Estado‑Membro diferente daquele em que a decisão é proferida deve ser simplificada e acelerada, suprimindo todas as medidas intermédias a tomar antes da execução no Estado‑Membro em que é requerida. Uma decisão certificada como Título Executivo Europeu pelo tribunal de origem deve ser tratada, para efeitos de execução, como se tivesse sido proferida no Estado‑Membro em que a execução é requerida. […]

    […]

    (18)

    A confiança mútua na administração da justiça nos Estados‑Membros autoriza que o tribunal de um Estado‑Membro considere que todos os requisitos de certificação como Título Executivo Europeu estão preenchidos, a fim de permitir a execução da decisão em todos os outros Estados‑Membros sem revisão jurisdicional da correta aplicação das normas processuais mínimas no Estado‑Membro onde a decisão deve ser executada.

    […]

    (20)

    O pedido de certificação como Título Executivo Europeu para créditos não contestados deverá ser facultativo para o credor, que pode igualmente optar pelo sistema de reconhecimento e de execução previsto pelo Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil comercial (JO 2001, L 12, p. 1),] ou por outros instrumentos comunitários.»

    4

    Segundo o artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objeto»:

    «O presente regulamento tem por objetivo criar o Título Executivo Europeu para créditos não contestados, a fim de assegurar, mediante a criação de normas mínimas, a livre circulação de decisões, transações judiciais e instrumentos autênticos em todos os Estados‑Membros, sem necessidade de efetuar quaisquer procedimentos intermédios no Estado‑Membro de execução previamente ao reconhecimento e à execução.»

    5

    Nos termos do artigo 5.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Supressão do exequatur»:

    «Uma decisão que tenha sido certificada como Título Executivo Europeu no Estado‑Membro de origem será reconhecida e executada nos outros Estados‑Membros sem necessidade de declaração da executoriedade ou contestação do seu reconhecimento.»

    6

    O artigo 6.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Requisitos de certificação como Título Executivo Europeu», dispõe, no seu n.o 1, alínea a), e no seu n.o 2:

    «1.   Uma decisão sobre um crédito não contestado proferida num Estado‑Membro será, mediante pedido apresentado a qualquer momento ao tribunal de origem, certificada como Título Executivo Europeu se:

    a)

    A decisão for executória no Estado‑Membro de origem; e

    […]

    2.   Em caso de cessação, suspensão ou limitação da força executória de uma decisão certificada como Título Executivo Europeu, o tribunal de origem emitirá, a pedido apresentado a qualquer momento, uma certidão que indique a não existência ou a limitação dessa força executiva, utilizando para o efeito o formulário‑tipo constante do [a]nexo IV.»

    7

    O artigo 10.o do Regulamento n.o 805/2004, sob a epígrafe «Retificação ou revogação da certidão de Título Executivo Europeu», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   A certidão de Título Executivo Europeu será, mediante pedido dirigido ao tribunal de origem:

    a)

    Retificada, nos casos em que, devido a erro material, exista uma discrepância entre a decisão e a certidão;

    b)

    Revogada nos casos em que tenha sido emitida de forma claramente errada, em função dos requisitos previstos no presente regulamento.

    2.   A legislação do Estado‑Membro de origem é aplicável à retificação ou à revogação da certidão de Título Executivo Europeu.»

    8

    O artigo 11.o deste regulamento, sob a epígrafe «Efeitos da certidão de Título Executivo Europeu», tem a seguinte redação:

    «A certidão de Título Executivo Europeu só produz efeitos dentro dos limites da força executória da decisão.»

    9

    Segundo o artigo 18.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Suprimento da inobservância das normas mínimas»:

    «1.   Se o processo no Estado‑Membro de origem não observar os requisitos processuais constantes dos artigos 13.o a 17.o, esta inobservância será sanada e a decisão pode ser certificada como Título Executivo Europeu, se:

    a)

    A decisão tiver sido notificada ao devedor de acordo com os requisitos constantes dos artigos 13.o ou 14.o;

    b)

    O devedor tiver tido a possibilidade de impugnar a decisão, por meio de uma revisão total, e tiver sido devidamente informado na decisão, ou juntamente com esta, sobre os requisitos processuais para essa impugnação, incluindo o nome e o endereço da instituição a que deve ser dirigida, bem como, quando aplicável, o respetivo prazo;

    c)

    O devedor não tiver contestado a decisão de acordo com os requisitos processuais relevantes.

    2.   Se o processo no Estado‑Membro de origem não observar os requisitos processuais constantes do artigo 13.o ou do artigo 14.o, esta inobservância será sanada se se provar pela conduta do devedor na ação judicial que o devedor foi citado ou notificado pessoalmente em tempo útil para poder preparar a sua defesa.»

    10

    O artigo 20.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Trâmites de execução», dispõe, no seu n.o 1:

    «Sem prejuízo das disposições do presente capítulo, os trâmites de execução são regidos pelo direito do Estado‑Membro de execução.

    Uma decisão certificada como Título Executivo Europeu será executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado‑Membro de execução.»

    11

    O artigo 21.o do Regulamento n.o 805/2004, sob a epígrafe «Recusa de execução», prevê:

    «1.   A pedido do devedor, a execução será recusada pelo tribunal competente do Estado‑Membro de execução se a decisão certificada como Título Executivo Europeu for inconciliável com uma decisão anteriormente proferida num Estado‑Membro ou num país terceiro, desde que:

    a)

    Envolva as mesmas partes e a mesma causa de pedir; e

    b)

    Tenha sido proferida no Estado‑Membro de execução ou reúna as condições necessárias para o seu reconhecimento no Estado‑Membro de execução; e

    c)

    Não tenha sido alegada, nem tiver sido possível alegar, a incompatibilidade para impugnar o crédito durante a ação judicial no Estado‑Membro de origem.

    2.   A decisão ou a sua certificação como Título Executivo Europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado‑Membro de execução.»

    12

    Nos termos do artigo 23.o deste regulamento, sob a epígrafe «Suspensão ou limitação da execução»:

    «Quando o devedor tiver:

    contestado uma decisão certificada como Título Executivo Europeu, incluindo um pedido de revisão na aceção do artigo 19.o, ou

    requerido a retificação ou revogação da certidão de Título Executivo Europeu em conformidade com o artigo 10.o,

    o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode, a pedido do devedor:

    a)

    Limitar o processo de execução a providências cautelares; ou

    b)

    Subordinar a execução à constituição de uma garantia, conforme determinar;

    c)

    Em circunstâncias excecionais, suspender o processo de execução.»

    Regulamento n.o 1215/2012

    13

    O artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 dispõe:

    «As decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros sem quaisquer formalidades.»

    14

    O artigo 44.o deste regulamento prevê:

    «1.   Caso seja apresentado um pedido de recusa da execução de uma decisão nos termos da [s]ubsecção 2 da [s]ecção 3, o tribunal do Estado‑Membro requerido pode, a pedido da pessoa contra a qual é requerida a execução:

    a)

    Limitar o processo de execução a medidas cautelares;

    b)

    Subordinar a execução à constituição de uma garantia que determinará; ou

    c)

    Suspender total ou parcialmente o processo de execução.

    2.   A pedido da pessoa contra a qual é requerida a execução, a autoridade competente do Estado‑Membro requerido suspende o processo de execução se a executoriedade da decisão for suspensa no Estado‑Membro de origem.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    15

    Em 14 de junho de 2019, o Amtsgericht Hünfeld (Tribunal de Primeira Instância de Hünfeld, Alemanha) emitiu uma injunção de pagamento contra a Arik Air com vista à cobrança de um crédito de 2292993,32 euros a favor da Lufthansa. Com base nesta injunção, esse órgão jurisdicional emitiu, em 24 de outubro de 2019, um título executivo europeu e, em 2 de dezembro de 2019, uma certidão de título executivo europeu.

    16

    Um agente de execução que exercia a sua atividade na Lituânia (a seguir «agente de execução») recebeu um pedido da Lufthansa para que executasse esse título executivo em conformidade com essa certidão.

    17

    A Arik Air apresentou no Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha), com fundamento no artigo 10.o do Regulamento n.o 805/2004, um pedido de revogação da certidão de título executivo europeu e de cessação da cobrança coerciva do crédito, com o fundamento de que os atos processuais lhe foram notificados irregularmente pelo Amtsgericht Hünfeld (Tribunal de Primeira Instância de Hünfeld), o que implicou o incumprimento do prazo de que dispunha para deduzir oposição contra a injunção de pagamento emitida por esse órgão jurisdicional.

    18

    A Arik Air apresentou igualmente, na Lituânia, ao agente de execução, um pedido de suspensão do processo de execução até que o órgão jurisdicional alemão, também chamado a pronunciar‑se a este respeito, decida definitivamente sobre o pedido de revogação da certidão de título executivo europeu e de cessação da cobrança coerciva. O referido agente de execução indeferiu esse pedido de suspensão, considerando que a regulamentação nacional pertinente não previa a possibilidade de requerer uma suspensão baseada, como no caso em apreço, no facto de ter sido contestada a decisão a executar num órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem.

    19

    Por Despacho de 9 de abril de 2020, o Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main) subordinou a suspensão da execução do título executivo europeu, de 24 de outubro de 2019, ao depósito pela Arik Air de uma garantia no montante de 2000000 euros. Esse órgão jurisdicional alegou que, na falta de pagamento desta garantia, o pedido de suspensão desse título não podia ser satisfeito, uma vez que a Arik Air não tinha demonstrado que o referido título tinha sido ilegalmente emitido, nem que os prazos para deduzir oposição tinham sido ultrapassados sem que tivesse havido culpa da sua parte.

    20

    A Arik Air interpôs no Kauno apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Kaunas, Lituânia) um recurso da decisão do agente de execução que recusou suspender esse processo de execução. Por Despacho de 11 de junho de 2020, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso.

    21

    Por Despacho de 25 de setembro de 2020, o Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas, Lituânia), pronunciando‑se sobre o recurso interposto pela Arik Air, anulou o Despacho do Kauno apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Kaunas), de 11 de junho de 2020, e decidiu suspender o processo de execução em causa até à decisão definitiva do órgão jurisdicional alemão sobre os pedidos da Arik Air. O Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas) considerou que, tendo em conta o risco de prejuízo desproporcionado suscetível de resultar do processo de execução instaurado contra a Arik Air, a interposição de um recurso da certidão de título executivo europeu no tribunal do Estado‑Membro de origem constituía um fundamento suficiente para suspender esse processo. Considerou também, contrariamente ao Kauno apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Kaunas), que, na falta de informações que confirmassem que a garantia fixada pelo órgão jurisdicional alemão tinha sido prestada nesta fase do processo, não existia nenhum motivo para considerar que cabia a este último órgão jurisdicional decidir pronunciar‑se sobre o mérito do pedido de suspensão dos atos de execução.

    22

    A Lufthansa interpôs no Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de cassação do Despacho do Kauno apygardos teismas (Tribunal Regional de Kaunas) de 25 de setembro de 2020.

    23

    Esse órgão jurisdicional interroga‑se, antes de mais, sobre o alcance, as condições de aplicação e o âmbito da fiscalização efetuada pelos tribunais ou pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de execução ao abrigo do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004.

    24

    A este respeito, o referido órgão jurisdicional considera que resulta da própria redação deste artigo que o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução dispõe de uma margem de apreciação no que respeita à possibilidade de ordenar a suspensão do processo de execução e pergunta qual seria o âmbito dessa margem. Observa, por um lado, que as expressões «contestado» e «incluindo», que figuram no referido artigo, pressupõem que abrange todas as vias de recurso no Estado‑Membro de origem, condição que parece estar preenchida no caso em apreço e, por outro, que o alcance do conceito de «circunstâncias excecionais» deve ser objeto de uma interpretação uniforme nos Estados‑Membros.

    25

    O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, embora, no caso em apreço, estejam pendentes processos judiciais nos tribunais do Estado‑Membro de origem, as partes no processo principal estão em desacordo quanto ao sentido, ao alcance e às perspetivas de sucesso desses processos. Assim, enquanto a Arik Air sustenta que exerce um direito de recurso, a Lufthansa contesta que essa parte disponha desse direito e alega que apenas procura atrasar o processo de execução. Por conseguinte, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre o âmbito do controlo do processo que decorre no Estado‑Membro de origem ao qual deve eventualmente ter de proceder.

    26

    Em seguida, o referido órgão jurisdicional pergunta‑se, tendo em conta a utilização da conjunção «ou» que figura entre as diferentes medidas previstas no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 que o tribunal ou a autoridade competente no Estado‑Membro de execução pode adotar com vista a suspender ou limitar a execução, se é possível aplicar simultaneamente várias dessas medidas.

    27

    Por último, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, em aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, uma decisão de suspensão da executoriedade adotada no Estado‑Membro de origem deve produzir os seus efeitos no Estado‑Membro de execução em conformidade com a obrigação geral de reconhecimento das decisões em matéria civil e comercial, definida no artigo 36.o, n.o 1, deste regulamento. Todavia, uma obrigação distinta da suspensão do processo de execução é igualmente mencionada no artigo 44.o, n.o 2, do referido regulamento. Em contrapartida, o Regulamento n.o 805/2004 não especifica se a suspensão da força executória de uma decisão judicial no Estado‑Membro de origem deve levar a suspender automaticamente a execução dessa decisão noutro Estado‑Membro ou se uma decisão das autoridades competentes do Estado‑Membro de execução é necessária para esse efeito. Por conseguinte, há que perguntar se um regime semelhante ao previsto pelo Regulamento n.o 1215/2012 deve ser aplicado no âmbito do Regulamento n.o 805/2004.

    28

    Foi neste contexto que o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Como deve ser interpretado o conceito de “circunstâncias excecionais” constante do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, tendo em conta os objetivos do Regulamento n.o 805/2004, designadamente o objetivo de acelerar e simplificar a execução das decisões dos Estados‑Membros e a salvaguarda efetiva do direito a um processo equitativo? Qual é a margem de apreciação de que dispõem as autoridades competentes do Estado‑Membro de execução para interpretar [este] conceito […]?

    2)

    Ao decidir sobre a aplicação do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, devem ser consideradas relevantes circunstâncias como as do caso presente, relacionadas com um processo judicial no Estado de origem que decide uma questão relativa à anulação da decisão com base na qual foi emitido um título executivo europeu? Segundo que critérios deve ser apreciado o processo de recurso no Estado‑Membro de origem e qual deve ser o alcance da apreciação do processo que decorre no Estado‑Membro de origem que é efetuada pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de execução?

    3)

    Qual é o objeto da apreciação ao decidir sobre a aplicação do conceito de “circunstâncias excecionais” constante do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004: deve ser apreciado o impacto das circunstâncias específicas do litígio quando a decisão do Estado de origem é contestada no Estado de origem, devem ser analisados os possíveis benefícios ou prejuízos potenciais da medida em causa referida no artigo 23.o [deste] regulamento, ou devem ser analisadas as capacidades económicas do devedor, ou outras circunstâncias, para executar a decisão?

    4)

    Nos termos do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, é possível a aplicação simultânea de várias medidas previstas neste artigo? Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, em que critérios devem basear‑se as autoridades competentes do Estado de execução ao decidir sobre o mérito e proporcionalidade da aplicação [simultânea] de várias dessas medidas?

    5)

    Deve o regime jurídico previsto no artigo 36.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1215/2012], ser aplicado a uma decisão do Estado de origem relativa à suspensão (ou à anulação) da executoriedade, ou é aplicável um regime jurídico análogo ao previsto no artigo 44.o, n.o 2, des[t]e regulamento?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira a terceira questões

    29

    Com a primeira a terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que interprete o conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, e, em especial, se e em que medida circunstâncias relacionadas com o processo judicial instaurado, no Estado‑Membro de origem, contra a decisão certificada como título executivo europeu ou contra a certidão de título executivo europeu são pertinentes para efeitos da determinação do alcance deste conceito.

    30

    Nos termos do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, quando o devedor tiver contestado uma decisão certificada como Título Executivo Europeu, incluindo um pedido de revisão na aceção do artigo 19.o deste regulamento, ou requerido a retificação ou a revogação da certidão de Título Executivo Europeu em conformidade com o artigo 10.o do referido regulamento, o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode, a pedido do devedor, em circunstâncias excecionais, suspender o processo de execução.

    31

    Há que observar que esta disposição não contém nenhuma remissão para o direito dos Estados‑Membros no que respeita ao sentido e ao alcance a atribuir ao conceito de «circunstâncias excecionais», pelo que, tendo em conta as exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade, este conceito deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União e deve ser interpretado de maneira uniforme no território desta última (v., neste sentido, Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Zinātnes parks, C‑347/20, EU:C:2022:59, n.o 42 e jurisprudência referida).

    32

    O facto de o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 805/2004 remeter para a lei do Estado‑Membro de execução no que respeita aos trâmites de execução não pode invalidar esta conclusão. Com efeito, como salienta igualmente o advogado‑geral no n.o 15 das suas conclusões, esta remissão não prejudica as disposições do capítulo IV deste regulamento, e, nomeadamente do seu artigo 23.o, que estabelece os requisitos de uma limitação ou de uma suspensão do processo de execução na hipótese de ter sido apresentada uma contestação ou um pedido pelo devedor no Estado‑Membro de origem.

    33

    Por conseguinte, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para efeitos da interpretação do conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, há que ter em conta não apenas a redação desta disposição, mas igualmente o contexto em que se insere e os objetivos que prossegue o ato de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 9 de outubro de 2019, BGL BNP Paribas, C‑548/18, EU:C:2019:848, n.o 25 e jurisprudência referida).

    34

    No que respeita, primeiro, à redação do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, resulta dos próprios termos desta disposição, em especial da utilização do verbo «poder» e do adjetivo «excecionais», que, embora deixe aos tribunais ou às autoridades do Estado‑Membro de execução uma margem de apreciação na avaliação da necessidade de suspender a execução de uma decisão certificada como título executivo europeu, o legislador da União pretendeu enquadrar essa faculdade através da constatação da existência de circunstâncias que qualificou de «excecionais», pelo que essa disposição deve ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2015, Thomas Cook Belgium, C‑245/14, EU:C:2015:715, n.o 31 e jurisprudência referida).

    35

    Dito isto, há que deduzir da utilização, pelo legislador da União, do conceito de «circunstâncias excecionais» que este não pretendeu limitar o alcance do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004 apenas às situações de força maior que resultam, regra geral, de acontecimentos imprevisíveis e inelutáveis provenientes de uma causa estranha ao devedor.

    36

    Tendo em conta estes elementos textuais, há que considerar que a faculdade de suspender o processo de execução de uma decisão certificada como título executivo europeu deve ser reservada aos casos em que o prosseguimento da execução exporia o devedor a um risco real de prejuízo particularmente grave cuja reparação seria impossível ou extremamente difícil em caso de procedência da contestação ou do pedido que tenha apresentado no Estado‑Membro de origem.

    37

    Além disso, resulta da leitura do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004 que a existência de um processo judicial, instaurado pelo devedor no Estado‑Membro de origem, quer para contestar uma decisão certificada como título executivo europeu quer para pedir a retificação ou a revogação da certidão de título executivo europeu, constitui um requisito prévio à apreciação, pelo tribunal ou pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução, da existência de circunstâncias excecionais a fim de suspender eventualmente a execução desse título.

    38

    Segundo, no que respeita ao contexto em que se insere o artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, importa observar que, na sistemática deste regulamento, a supressão do exequatur, prevista no seu artigo 5.o, assenta numa nítida repartição de competências entre os tribunais e autoridades do Estado‑Membro de origem e os do Estado‑Membro de execução, acompanhada de exigências a observar tanto no âmbito do processo que conduz à adoção de uma decisão relativa a um crédito não contestado como no momento da execução dessa decisão. Esta repartição de competências decorre do facto de o crédito e o título executivo europeu que o constata serem estabelecidos com base no direito do Estado‑Membro de origem, ao passo que os trâmites de execução são regidos, em conformidade com o artigo 20.o do referido regulamento, pelo direito do Estado‑Membro de execução.

    39

    Assim, no Estado‑Membro de origem, a certificação de uma decisão relativa a um crédito não contestado como título executivo europeu está sujeita ao respeito das normas mínimas previstas no capítulo III do Regulamento n.o 805/2004. A este propósito, em aplicação do artigo 18.o deste regulamento, a inobservância dessas normas só pode ser sanada perante os tribunais ou as autoridades desse Estado.

    40

    Por seu turno, os tribunais ou as autoridades competentes do Estado‑Membro de execução, no âmbito da competência que lhes é conferida pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 805/2004, estão habilitados a examinar a existência de elementos que justifiquem a recusa de execução, em aplicação do artigo 21.o, n.o 1, deste regulamento, ou a limitação ou a suspensão da execução, em conformidade com o artigo 23.o do referido regulamento.

    41

    No entanto, nenhuma contestação relativa à decisão proferida no Estado‑Membro de origem ou à sua certificação como título executivo europeu pode ser submetida à apreciação desses tribunais ou autoridades. Com efeito, como resulta do artigo 21.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004, lido à luz do considerando 18 do mesmo, a confiança mútua entre Estados‑Membros na administração da justiça em cada um deles deve levar a que qualquer tribunal de um Estado‑Membro possa considerar que todos os requisitos de certificação como título executivo europeu estão preenchidos, pelo que a decisão relativa a um crédito não contestado ou a sua certificação não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado‑Membro de execução.

    42

    Resulta assim da sistemática do Regulamento n.o 805/2004 que os tribunais ou as autoridades competentes do Estado‑Membro de execução não são competentes para analisar, direta ou indiretamente no âmbito de um pedido de suspensão do processo de execução, tal decisão proferida no Estado‑Membro de origem ou a sua certificação como título executivo europeu.

    43

    Tendo em conta esta repartição de competências entre os tribunais e as autoridades do Estado‑Membro de origem e os do Estado‑Membro de execução, efetuada pelo Regulamento n.o 805/2004, os tribunais ou autoridades do Estado‑Membro de execução dispõem de uma margem de apreciação limitada no que respeita à apreciação das circunstâncias com base nas quais é possível deferir um pedido de suspensão da execução. Assim, aquando da apreciação desse pedido e para determinar o caráter excecional das circunstâncias invocadas em seu apoio pelo devedor, esses tribunais ou autoridades devem limitar‑se, depois de terem constatado a existência de uma contestação ou de um pedido no Estado‑Membro de origem, na aceção do artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004, a ponderar os interesses em presença, a saber, o interesse do credor, que consiste em proceder a uma execução imediata da decisão relativa ao seu crédito, e o do devedor, que consiste em evitar danos particularmente graves e irreparáveis ou dificilmente reparáveis, para identificar o justo equilíbrio pretendido por esse artigo. Nesta apreciação, está excluído, como salienta o advogado‑geral no n.o 30 das suas conclusões, que os referidos tribunais ou autoridades efetuem qualquer apreciação, ainda que prima facie, da procedência da contestação ou do pedido apresentado pelo devedor no Estado‑Membro de origem.

    44

    Terceiro, a necessidade de uma interpretação estrita do conceito de «circunstâncias excecionais» é corroborada pela interpretação teleológica do artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004.

    45

    Com efeito, como resulta do seu artigo 1.o, lido em conjugação com o considerando 8 deste regulamento, este visa assegurar a livre circulação designadamente das decisões relativas a créditos não contestados, acelerar e simplificar a sua execução num Estado‑Membro diferente daquele em que a decisão é proferida. Tendo em conta este objetivo, impõe‑se igualmente a interpretação estrita dos requisitos que não permitam a execução imediata dessas decisões, previstos nos artigos 21.o e 23.o do referido regulamento.

    46

    Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira e terceira questões que o artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «circunstâncias excecionais» nele contido visa uma situação em que o prosseguimento do processo de execução de uma decisão certificada como título executivo europeu, quando o devedor tenha apresentado, no Estado‑Membro de origem, uma contestação dessa decisão ou um pedido de retificação ou revogação da certidão de título executivo europeu, exporia esse devedor a um risco real de prejuízo particularmente grave cuja reparação seria, em caso de anulação da referida decisão ou de retificação ou revogação da certidão de título executório, impossível ou extremamente difícil. Este conceito não remete para circunstâncias relacionadas com o processo judicial instaurado no Estado‑Membro de origem contra a decisão certificada como título executivo europeu ou contra a certidão de título executivo europeu.

    Quanto à quarta questão

    47

    Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação simultânea das medidas de limitação, de constituição de uma garantia ou de suspensão da execução que prevê nas alíneas a), b) e c).

    48

    A este respeito, importa observar que, sob a epígrafe «Suspensão ou limitação da execução», o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 enumera as medidas que podem ser ordenadas pelo tribunal ou pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução, a pedido do devedor, a saber, a limitação do processo de execução a providências cautelares, a subordinação da execução à constituição de uma garantia ou a suspensão da execução em circunstâncias excecionais.

    49

    Resulta da redação deste artigo que as medidas nele previstas estão ligadas pela conjunção «ou» que pode, em certas versões linguísticas, ter um sentido alternativo ou cumulativo (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Autoservizi Giordano, C‑513/18, EU:C:2020:59, n.o 24 e jurisprudência referida). A utilização desta conjunção não é, por conseguinte, reveladora da intenção do legislador da União quanto à possibilidade de uma aplicação simultânea das medidas previstas no artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004.

    50

    Em contrapartida, a sistemática deste artigo e o alcance das medidas nele previstas permitem considerar que a aplicação simultânea da medida de suspensão do processo de execução prevista no artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, por um lado, e da medida de limitação deste processo prevista nesse artigo 23.o, alínea a), ou da medida, prevista no referido artigo 23.o, alínea b), que consiste em obrigar o credor a constituir uma garantia, por outro, não é possível.

    51

    Com efeito, a suspensão do processo de execução, ordenada a pedido do devedor em conformidade com o artigo 23.o, alínea c), do Regulamento n.o 805/2004, obsta, tendo em conta os seus efeitos imediatos na prossecução desse processo, à possibilidade de o limitar a providências cautelares na aceção do artigo 23.o, alínea a), deste regulamento. A obrigação imposta ao credor de constituir uma garantia, em aplicação do artigo 23.o, alínea b), do referido regulamento, está, por seu turno, prevista para poder proceder imediatamente à execução do crédito em causa, o que exclui logicamente a aplicação simultânea da medida de suspensão da execução.

    52

    Todavia, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 52 das suas conclusões, não está excluído que o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução possa impor ao credor a prestação de uma garantia como condição da execução das medidas de execução de caráter exclusivamente cautelar.

    53

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que permite a aplicação simultânea das medidas de limitação e de constituição de uma garantia que prevê nas alíneas a) e b), mas não permite a aplicação simultânea de uma destas duas medidas com a de suspensão do processo de execução prevista na alínea c).

    Quanto à quinta questão

    54

    A quinta questão, que visa a interpretação do artigo 36.o, n.o 1, e do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, tem por objeto os efeitos de uma decisão proferida no Estado‑Membro de origem, que ordena a suspensão da executoriedade de uma decisão relativa a um crédito não contestado, certificada como título executivo europeu, sobre o processo de execução desta última decisão, que foi instaurado no Estado‑Membro de execução.

    55

    A título preliminar, há que salientar que, embora não resulte do pedido de decisão prejudicial que, à data em que o processo foi submetido ao Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional alemão competente se tinha pronunciado, a título definitivo, sobre a suspensão da execução do título executivo europeu de 24 de outubro de 2019, estava, nessa data, pendente nesse órgão jurisdicional um processo instaurado nesse sentido, pelo que não se pode excluir que seja proferida uma decisão de suspensão da execução desse título. Por conseguinte, não se afigura manifesto que uma resposta à quinta questão não seja útil ao órgão jurisdicional de reenvio para decidir o litígio que lhe foi submetido. Daqui resulta que esta questão é admissível.

    56

    Importa igualmente salientar que, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio peça a interpretação do artigo 36.o, n.o 1, e do artigo 44.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, o Regulamento n.o 805/2004, com base no qual o processo de execução foi instaurado no processo principal, regula ele próprio, no seu artigo 6.o, n.o 2, a situação da suspensão da força executória de uma decisão certificada como título executivo europeu.

    57

    Sendo o Tribunal de Justiça competente para extrair do conjunto dos elementos fornecidos por esse órgão jurisdicional de reenvio, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2021, Profi Credit Slovakia, C‑485/19, EU:C:2021:313, n.o 50 e jurisprudência referida), há que entender a quinta questão no sentido de que se refere à interpretação do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004.

    58

    Por conseguinte, com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que, quando a força executória de uma decisão certificada como título executivo europeu tiver sido suspensa no Estado‑Membro de origem, o tribunal do Estado‑Membro de execução é obrigado, com base nessa decisão, a suspender o processo de execução instaurado neste último Estado.

    59

    A este respeito, importa salientar que resulta do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 805/2004 que a certificação de uma decisão relativa a um crédito não contestado como título executivo europeu está sujeita a vários requisitos, entre os quais o estabelecido no artigo 6.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, relativos à força executória dessa decisão no Estado‑Membro de origem.

    60

    Em conformidade com o artigo 11.o deste regulamento, a certidão de título executivo europeu só produz efeitos dentro dos limites da força executória da referida decisão.

    61

    Resulta destas disposições que um título executivo europeu não pode produzir efeitos jurídicos se a força executória da decisão assim certificada tiver sido suspensa no Estado‑Membro de origem.

    62

    É neste contexto que o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004 prevê que, em caso de cessação, suspensão ou limitação da força executória de uma decisão certificada como Título Executivo Europeu, o tribunal de origem emitirá, a pedido apresentado a qualquer momento, uma certidão que indique a não existência ou a limitação dessa força executiva, utilizando para o efeito o formulário‑tipo constante do anexo IV deste regulamento.

    63

    Por conseguinte, quando a força executória da decisão certificada como título executivo europeu tiver sido suspensa no Estado‑Membro de origem, o tribunal ou a autoridade competente do Estado‑Membro de execução é obrigado a suspender o processo de execução instaurado nesse Estado em caso de apresentação da certidão prevista no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004.

    64

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004, lido em conjugação com o artigo 11.o do mesmo, deve ser interpretado no sentido de que, quando a força executória de uma decisão certificada como título executivo europeu tiver sido suspensa no Estado‑Membro de origem e a certidão prevista nesse artigo 6.o, n.o 2, tiver sido apresentada ao tribunal do Estado‑Membro de execução, esse tribunal é obrigado a suspender, com base nessa decisão, o processo de execução instaurado neste último Estado.

    Quanto às despesas

    65

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 23.o, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    o conceito de «circunstâncias excecionais» nele contido visa uma situação em que o prosseguimento do processo de execução de uma decisão certificada como título executivo europeu, quando o devedor tenha apresentado, no Estado‑Membro de origem, uma contestação dessa decisão ou um pedido de retificação ou revogação da certidão de título executivo europeu, exporia esse devedor a um risco real de prejuízo particularmente grave cuja reparação seria, em caso de anulação da referida decisão ou de retificação ou revogação da certidão de título executório, impossível ou extremamente difícil. Este conceito não remete para circunstâncias relacionadas com o processo judicial instaurado no Estado‑Membro de origem contra a decisão certificada como título executivo europeu ou contra a certidão de título executivo europeu.

     

    2)

    O artigo 23.o do Regulamento n.o 805/2004

    deve ser interpretado no sentido de que:

    permite a aplicação simultânea das medidas de limitação e de constituição de uma garantia que prevê nas alíneas a) e b), mas não permite a aplicação simultânea de uma destas duas medidas com a de suspensão do processo de execução prevista na alínea c).

     

    3)

    O artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 805/2004, lido em conjugação com o artigo 11.o do mesmo,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    quando a força executória de uma decisão certificada como título executivo europeu tiver sido suspensa no Estado‑Membro de origem e a certidão prevista nesse artigo 6.o, n.o 2, tiver sido apresentada ao tribunal do Estado‑Membro de execução, esse tribunal é obrigado a suspender, com base nessa decisão, o processo de execução instaurado neste último Estado.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: lituano.

    Top