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Document 62021CJ0329

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 20 de abril de 2023.
    DIGI Communications NV contra Nemzeti Média- és Hírközlési Hatóság Hivatala.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Fővárosi Törvényszék.
    Reenvio prejudicial — Telecomunicações — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE (Diretiva‑Quadro) — Artigo 4.o, n.o 1 — Diretiva 2002/20/CE (Diretiva Autorização) — Artigo 7.o — Adjudicação de direitos de utilização de frequências — Processo de leilão — Sociedade comercial gestora de participações sociais [holding] não registada como prestadora de serviços de comunicações eletrónicas no Estado‑Membro em causa — Exclusão de um procedimento de adjudicação — Direito de recurso da decisão de adjudicação.
    Processo C-329/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:303

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    20 de abril de 2023 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Telecomunicações — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/21/CE (Diretiva‑Quadro) — Artigo 4.o, n.o 1 — Diretiva 2002/20/CE (Diretiva Autorização) — Artigo 7.o — Adjudicação de direitos de utilização de frequências — Processo de leilão — Sociedade comercial gestora de participações sociais [holding] não registada como prestadora de serviços de comunicações eletrónicas no Estado‑Membro em causa — Exclusão de um procedimento de adjudicação — Direito de recurso da decisão de adjudicação»

    No processo C‑329/21,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste Capital, Hungria), por Decisão de 18 de maio de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2021, no processo

    DIGI Communications NV

    contra

    Nemzeti Média‑ és Hírközlési Hatóság Hivatala,

    sendo interveniente:

    Magyar Telekom Nyrt.,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. Gratsias (relator), M. Ilešič, I. Jarukaitis e O. Spineanu‑Matei, juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretária: S. Beer, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 1 de junho de 2022,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da DIGI Communications NV, por A. Keller e Gy. Wellmann, ügyvédek,

    em representação da Nemzeti Média‑ és Hírközlési Hatóság Hivatala, por K. Géczi, A. Kovács e A. Lapsánszky, na qualidade de agentes, e por G. Trinn, ügyvéd,

    em representação do Governo húngaro, por G. Koós, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por L. Malferrari e K. Talabér‑Ritz, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de outubro de 2022,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37) (a seguir «Diretiva‑Quadro»), do artigo 7.o da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO 2002, L 108, p. 21), conforme alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «Diretiva Autorização»), e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a DIGI Communications NV à Nemzeti Média‑ és Hírközlési Hatóság Hivatala (Autoridade Nacional das Comunicações e dos Meios de Comunicação, Hungria) (a seguir «NMHH»), a respeito de uma decisão desta última, no termo de um processo de leilão, que atribui direitos de utilização de frequências em apoio da implantação da tecnologia 5G e serviços adicionais de banda larga sem fios (a seguir «decisão de adjudicação controvertida»).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva‑Quadro

    3

    Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, sob a epígrafe «Direito de recurso»:

    «Os Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas que tenha sido afetado/a por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional [a seguir “ARN”] tenha o direito de interpor recurso dessa decisão junto de um órgão de recurso que seja independente das partes envolvidas. Esse órgão, que pode ser um tribunal, deve ter os meios de perícia necessários para poder exercer eficazmente as suas funções. Os Estados‑Membros devem assegurar que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso eficaz.

    […]»

    4

    O artigo 8.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objetivos de política geral e princípios de regulação», dispõe, nos seus n.os 2 e 5:

    «2.   As [ARN] devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente:

    a)

    Assegurando que os utilizadores, incluindo os utilizadores deficientes, os utilizadores idosos e os utilizadores com necessidades sociais especiais obtenham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade;

    b)

    Assegurando que não existam distorções ou restrições da concorrência no setor das comunicações eletrónicas, incluindo no que diz respeito à transmissão de conteúdos;

    d)

    Incentivando uma utilização eficiente e assegurando uma gestão eficaz das radiofrequências e dos recursos de numeração.

    […]

    5.   As [ARN] devem, na concretização dos objetivos referidos nos n.os 2, 3 e 4, aplicar princípios de regulação objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais, nomeadamente:

    […]

    c)

    Salvaguardando a concorrência em benefício dos consumidores e promovendo, sempre que possível, a concorrência baseada nas infraestruturas;

    […]»

    Diretiva Autorização

    5

    O artigo 2.o da Diretiva Autorização, sob a epígrafe «Definições», prevê:

    «1.   Para efeitos da presente diretiva, aplicam‑se as definições constantes do artigo 2.o da [Diretiva‑Quadro].

    2.   É igualmente aplicável a seguinte definição

    “Autorização geral”, o quadro regulamentar estabelecido pelos Estados‑Membros que garante direitos no respeitante à oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas e que fixa obrigações específicas para o setor, que podem aplicar‑se a todos os tipos ou a tipos específicos de redes e serviços de comunicações eletrónicas, em conformidade com a presente diretiva.»

    6

    O artigo 3.o da Diretiva Autorização, sob a epígrafe «Autorização geral de redes e serviços de comunicações eletrónicas», enuncia:

    «1.   Os Estados‑Membros garantirão a liberdade de oferecer serviços e redes de comunicações eletrónicas, sob reserva das condições fixadas na presente diretiva. Para o efeito, os Estados‑Membros não impedirão que uma empresa ofereça serviços ou redes de comunicações eletrónicas, exceto pelos motivos constantes do n.o 1 do artigo 46.o do Tratado.

    2.   A oferta de serviços de comunicações eletrónicas ou a oferta de redes de comunicações eletrónicas pode, sem prejuízo das obrigações específicas referidas no n.o 2 do artigo 6.o ou dos direitos de utilização referidos no artigo 5.o, apenas estar sujeita a uma autorização geral. Pode exigir‑se que a empresa em causa apresente uma notificação mas não que obtenha uma decisão expressa ou qualquer outro ato administrativo da [ARN] para poder exercer os direitos decorrentes da autorização. Após a notificação, se exigida, a empresa pode iniciar a sua atividade, sob reserva, se necessário, do disposto nos artigos 5.o, 6.o e 7.o sobre direitos de utilização.

    […]

    3.   A notificação referida no n.o 2 não implica mais do que uma declaração de uma pessoa singular ou coletiva à [ARN] da intenção de iniciar a oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas e a comunicação das informações mínimas necessárias para permitir à [ARN] manter um registo ou lista dos fornecedores de serviços e redes de comunicações eletrónicas. Essas informações devem limitar‑se ao necessário para a identificação do fornecedor, como, por exemplo, o número de registo da sociedade e à indicação das pessoas de contacto, ao endereço do fornecedor, a uma breve descrição do serviço ou rede e à data provável do início da atividade.»

    7

    O artigo 6.o da Diretiva Autorização, sob a epígrafe «Condições associadas à autorização geral e aos direitos de utilização de radiofrequências e de números, e obrigações específicas», dispõe, no seu n.o 1:

    «A autorização geral para a oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas, os direitos de utilização de radiofrequências e os direitos de utilização de números podem estar sujeitos apenas às condições enumeradas no anexo. Tais condições devem ser não discriminatórias, proporcionais e transparentes e, no caso dos direitos de utilização de radiofrequências, devem cumprir o artigo 9.o da Diretiva 2002/21/CE (Diretiva‑Quadro).»

    8

    Nos termos do artigo 7.o da Diretiva «Autorização», sob a epígrafe «Procedimento aplicável à limitação do número de direitos de utilização de radiofrequências a conceder»:

    «1.   Caso um Estado‑Membro considere a hipótese de limitar o número de direitos de utilização de radiofrequências a conceder ou de prolongar o prazo de validade de direitos existentes em condições distintas das especificadas nesses direitos, deve, designadamente:

    a)

    Ter em devida conta a necessidade de maximizar os benefícios para os utilizadores e facilitar o desenvolvimento da concorrência,

    […]

    3.   Se a concessão de direitos de utilização de radiofrequências tiver de ser limitada, os Estados‑Membros concedem esses direitos com base em critérios de seleção objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais. Tais critérios de seleção devem atribuir a devida importância à consecução dos objetivos do artigo 8.o da [Diretiva‑Quadro] e às exigências do artigo 9.o dessa diretiva.

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    9

    Em 18 de julho de 2019, a NMHH deu início a um processo de leilão que tem por objeto a adjudicação de direitos de utilização de frequências em apoio da implantação da tecnologia 5G e de comunicação adicionais de banda larga sem fios (a seguir «processo de leilão controvertido»), segundo as modalidades detalhadas em «documentação» publicada no mesmo dia

    10

    A DIGI Communications, sociedade registada nos Países Baixos e não inscrita na Hungria como prestadora de serviços de comunicações eletrónicas, apresentou uma candidatura para participar no processo de leilão controvertido. A NMHH considerou que esta candidatura era formalmente inválida dado que, segundo essa autoridade, a DIGI Communications tinha exercido, de modo abusivo, o seu direito de participar nesse processo e feito prova de um comportamento destinado a contornar o referido processo tentando induzir em erro a referida autoridade.

    11

    Com efeito, segundo a NMHH, a DIGI Communications tinha‑se candidatado em vez da sua filial húngara DIGI Távközlési és Szolgáltató Korlátolt Felelősségű Társaság, uma sociedade registada na Hungria e que aí presta serviços de comunicações eletrónicas. Uma eventual candidatura dessa filial foi excluída do processo de leilão controvertido por força de uma norma prevista na documentação.

    12

    A NMHH prosseguiu o processo de leilão controvertido na sequência da sua decisão de excluir a DIGI Communications.

    13

    Esta impugnou judicialmente essa decisão de exclusão. O seu recurso foi julgado improcedente em primeira instância e, em segunda instância, pela Kúria (Supremo Tribunal, Hungria).

    14

    Entretanto, a NMHH adotou a decisão de adjudicação controvertida, através da qual concedeu os direitos de utilização das frequências objeto do processo de leilão controvertido aos três prestadores de serviços de comunicações eletrónicas presentes no mercado húngaro.

    15

    Por recurso interposto no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio, a DIGI Communications pediu a anulação da decisão de adjudicação controvertida, baseando‑se a sua legitimidade processual na sua qualidade de «empresa afetada», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro.

    16

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação da referida disposição, constatando a inexistência de definição desse conceito de «empresa afetada» na Diretiva‑Quadro e invocando, nomeadamente, os Acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Tele2 Telecommunication (C‑426/05, EU:C:2008:103), e de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria (C‑282/13, EU:C:2015:24). Refere‑se, mais especificamente, aos três requisitos analisados pelo Tribunal de Justiça, nos processos que deram origem a esses acórdãos, para demonstrar que uma empresa é afetada, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro.

    17

    Segundo esse órgão jurisdicional, esses requisitos consistem em demonstrar, primeiro, que a empresa em causa oferece redes ou serviços de comunicações eletrónicas e constitui um concorrente de ou dos destinatários da decisão da ARN em causa, segundo, que essa decisão é tomada no âmbito de um procedimento que visa salvaguardar a concorrência e, terceiro, que a referida decisão é suscetível de afetar a posição dessa empresa no mercado.

    18

    Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    [a)]

    Pode ser considerada concorrente das empresas destinatárias de uma decisão da [ARN], na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva‑Quadro], uma empresa registada e que opera noutro Estado‑Membro, que não presta ela própria serviços de comunicações eletrónicas no mercado a que a decisão se refere, quando uma empresa sob o seu domínio direto está presente no mercado relevante como prestadora de serviços e concorre nesse mercado com as empresas destinatárias da decisão?

    [b)]

    Para responder à questão 1.[a)], é necessário examinar se a sociedade mãe que pretende interpor o recurso constitui uma unidade económica com a empresa sob o seu domínio, que está presente como concorrente no mercado relevante?

    2)

    [a)]

    O processo de leilão conduzido por uma [ARN], na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva‑Quadro] e do artigo 7.o da [Diretiva Autorização], que visa os direitos de utilização de frequências em apoio da implantação da tecnologia 5G, relacionados com serviços adicionais de banda larga sem fios, é um processo destinado à defesa da concorrência? Deve a decisão da [ARN] que declara o resultado do referido processo de leilão ser também interpretada como tendo por objetivo a defesa da concorrência neste sentido?

    [b)]

    Em caso de resposta afirmativa pelo Tribunal de Justiça à questão 2.[a)], o facto de a [ARN] ter recusado, através de uma decisão final contida numa decisão separada, o registo da sua proposta à empresa que interpôs recurso judicial, tendo como consequência que esta última não pudesse participar no processo de leilão e, por conseguinte, não fosse destinatária da decisão que determinou o resultado do processo, afeta o objetivo da defesa da concorrência da decisão?

    3)

    [a)]

    Deve o artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva‑Quadro], à luz do artigo 47.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que apenas confere o direito de recurso da decisão de uma [ARN] a uma empresa:

    cuja posição no mercado seja direta e efetivamente afetada pela decisão; ou

    cuja posição no mercado demonstre ser altamente suscetível de ser afetada pela decisão; ou

    cuja posição no mercado possa ser direta ou indiretamente afetada pela decisão?

    [b)]

    A afetação referida na questão 3.[a)] é, por si só, demonstrada pelo facto de a empresa ter apresentado uma proposta no processo de leilão, ou seja, de pretender participar no processo, mas que tal não foi possível por não preencher os requisitos, ou pode o órgão jurisdicional exigir lhe, legitimamente, que demonstre, além disso, essa afetação através de elementos de prova?

    4)

    À luz das respostas dadas à primeira a terceira questões prejudiciais, deve o artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva‑Quadro], em conjugação com o artigo 47.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que constitui uma empresa prestadora de serviços de comunicações eletrónicas que é afetada pela decisão da [ARN] que declara o resultado de um processo de leilão dos direitos de utilização de frequências em apoio da implantação da tecnologia 5G, relacionados com serviços adicionais de banda larga sem fios, e que, por conseguinte, tem direito de recurso, uma empresa:

    [a)]

    que não exerça uma atividade económica de prestação de serviços no mercado relevante, mas que tenha uma empresa sob o seu domínio direto que preste serviços de comunicações eletrónicas nesse mesmo mercado, e

    [b)]

    à qual foi recusada a inscrição no processo de leilão através de decisão definitiva e final da [ARN], antes de ser proferida a decisão que declara o resultado do processo de leilão impugnado, o que a excluiu da participação posterior nesse processo?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade

    19

    Nas suas observações, a NMHH alega que as questões prejudiciais não são pertinentes para a solução do litígio no processo principal. Considera, em substância, que a questão da aplicação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro não se coloca no caso em apreço, tendo em conta o facto de a ordem jurídica húngara prever vias de recurso à disposição das empresas que, como a DIGI Communications, estão excluídas de um processo de leilão como o que está em causa no processo principal e que, tendo exercido essas vias de recurso, já não podem ser consideradas afetadas por uma decisão que põe termo a esse processo.

    20

    Segundo jurisprudência constante, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 2 de outubro de 2018, Ministerio Fiscal, C‑207/16, EU:C:2018:788, n.o 45 e jurisprudência referida).

    21

    No caso em apreço, como resulta da decisão de reenvio, as questões submetidas têm especialmente por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro e do artigo 7.o da Diretiva Autorização. Além disso, a interpretação solicitada afigura‑se necessária para a resolução do litígio no processo principal, cuja realidade não é, aliás, contestada, e o órgão jurisdicional de reenvio forneceu, nessa decisão, elementos de facto e de direito suficientes para permitir ao Tribunal de Justiça responder de forma útil a essas questões. Por outro lado, os argumentos avançados pela NMHH dizem respeito, em substância, ao âmbito de aplicação e ao alcance e, consequentemente, à interpretação, das disposições do direito da União sobre as quais incidem as questões prejudiciais. Tais argumentos, que dizem respeito ao mérito das questões submetidas, não podem conduzir à inadmissibilidade das mesmas [v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2022, Proximus (Listas telefónicas eletrónicas públicas), C‑129/21, EU:C:2022:833, n.o 59 e jurisprudência referida].

    22

    Nestas condições, há que declarar que estas questões são admissíveis.

    Quanto ao mérito

    23

    Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 14 de maio de 2020, T‑Systems Magyarország, C‑263/19, EU:C:2020:373, n.o 45 e jurisprudência referida).

    Quanto à segunda questão

    24

    Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva Autorização deve ser interpretado no sentido de que um processo de seleção para a concessão de direitos de utilização de frequências e a decisão de adjudicação a que esse processo conduz se destinam à defesa da concorrência e, em caso de resposta afirmativa a esta questão, se o facto de esse processo incluir uma fase de exame da conformidade das eventuais candidaturas com o caderno de encargos correspondente, que pode conduzir à exclusão definitiva de um candidato desse processo, pode ser considerado contrário a esse objetivo.

    25

    Em primeiro lugar, importa salientar, por um lado, que o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva Autorização exige que os Estados‑Membros, ao analisarem a oportunidade de limitar o número de direitos de utilização de radiofrequências a conceder ou de prolongarem o prazo de validade de direitos existentes em condições distintas das especificadas nesses direitos, tenham em devida conta a necessidade de facilitar o desenvolvimento da concorrência. Por outro lado, o n.o 3 deste artigo especifica que, se a concessão desses direitos tiver de ser limitada, os Estados‑Membros os concedem com base em critérios de seleção objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais que devem atribuir a devida importância à consecução dos objetivos previstos no artigo 8.o da Diretiva‑Quadro.

    26

    Como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 8.o da Diretiva‑Quadro impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantir que as ARN tomam todas as medidas razoáveis para promover a concorrência na oferta de serviços de comunicações eletrónicas, assegurando que a concorrência no setor das comunicações eletrónicas não seja distorcida nem restringida, eliminando os últimos obstáculos ao fornecimento desses serviços ao nível da União (Acórdão de 26 de julho de 2017, Persidera, C‑112/16, EU:C:2017:597, n.o 37 e jurisprudência referida).

    27

    Além disso, o quadro regulamentar aplicável no caso em apreço baseia‑se entre outros num objetivo de concorrência efetiva e não distorcida e visa o seu desenvolvimento no respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade (Acórdão de 26 de julho de 2017, Persidera, C‑112/16, EU:C:2017:597, n.o 42).

    28

    Decorre do que precede que um processo como o processo de leilão controvertido e, por conseguinte, a decisão de adjudicação a que esse processo conduz visam promover e desenvolver uma concorrência efetiva e não distorcida, no respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

    29

    Em segundo lugar, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se este objetivo de promover e desenvolver uma concorrência efetiva e não distorcida é afetado pelo facto de, através de uma decisão distinta, a ARN em causa ter recusado o registo da candidatura da empresa que, por esse facto, já não é destinatária da decisão que põe termo ao processo de leilão em causa.

    30

    No que respeita aos processos de adjudicação das radiofrequências, o quadro regulamentar aplicável no presente caso permite, em princípio, devido à escassez destas e com vista à sua gestão eficaz, limitar o número de direitos de utilização de radiofrequências a atribuir (Acórdão de 26 de julho de 2017, Europa Way e Persidera, C‑560/15, EU:C:2017:593, n.o 73). Neste contexto, os Estados‑Membros gozam, no respeito dos objetivos e das obrigações fixadas pelo quadro regulamentar aplicável, da liberdade de escolha entre a instauração de processos concorrenciais ou comparativos, gratuitos ou onerosos, devendo o juiz nacional apreciar se esse procedimento de seleção satisfaz esses objetivos e essas obrigações (Acórdão de 26 de julho de 2017, Europa Way e Persidera, C‑560/15, EU:C:2017:593, n.os 65 e 66).

    31

    Daqui resulta que os Estados‑Membros beneficiam de uma margem de apreciação, no que respeita à natureza e às modalidades dos processos de adjudicação de frequências que organizam, e que nada permite considerar, em princípio, que tal processo não pode incluir uma fase de exame da conformidade das eventuais candidaturas com o caderno de encargos definido pela ARN que implica, se for caso disso, a exclusão deste processo de algumas das entidades que apresentaram candidaturas, desde que o referido procedimento, considerado no seu conjunto, possa ser considerado conforme com os requisitos e as condições estabelecidas no artigo 7.o da Diretiva Autorização.

    32

    Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 7.o da Diretiva Autorização deve ser interpretado no sentido de que um processo de seleção para efeitos da adjudicação de direitos de utilização de frequências e a decisão de adjudicação a que esse processo conduz visam promover e desenvolver uma concorrência efetiva e não distorcida, no respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade. O facto de esse processo compreender uma fase de exame da conformidade das eventuais candidaturas com o caderno de encargos correspondente não é contrário a esse objetivo, desde que o referido processo seja, no seu conjunto, conforme com os requisitos e as condições previstas nesse artigo 7.o

    Quanto à primeira, terceira e quarta questões

    33

    Importa recordar, antes de mais, que, segundo jurisprudência constante, o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro constitui uma emanação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, garantido pelas disposições do artigo 47.o da Carta, por força do qual incumbe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União (Acórdão de 13 de outubro de 2016, Prezes Urzędu Komunikacji Elektronicznej e Petrotel, C‑231/15, EU:C:2016:769, n.o 20 e jurisprudência referida).

    34

    Na hipótese referida no artigo 4.o da Diretiva‑Quadro, o imperativo de conferir uma proteção jurisdicional efetiva, de que resulta este artigo, deve aplicar‑se igualmente aos utilizadores e às empresas aos quais a ordem jurídica da União, nomeadamente as diretivas sobre comunicações eletrónicas, confere direitos e que são afetados por uma decisão de uma ARN (Acórdão de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria, C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 34 e jurisprudência referida).

    35

    Por outro lado, como recordado no n.o 26 do presente acórdão, uma vez que as ARN devem, nos termos do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva‑Quadro, promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente assegurando que a concorrência no setor das comunicações eletrónicas não seja distorcida nem restringida, uma interpretação estrita do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, de acordo com a qual esta disposição apenas confere um direito de recurso às pessoas que são destinatárias das decisões da ARN, seria dificilmente compatível com os objetivos gerais e os princípios reguladores que decorrem para as ARN do artigo 8.o da Diretiva‑Quadro e, em particular, com o objetivo de promoção da concorrência (Acórdão de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria, C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 36 e jurisprudência referida).

    36

    Assim, segundo jurisprudência constante, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro visa tanto os destinatários da decisão em causa como as outras empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas e que podem ser concorrentes desses destinatários, desde que essa decisão seja suscetível de afetar a sua posição no mercado (Acórdão de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria, C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 37).

    37

    Todavia, contrariamente ao que parece ser a premissa do órgão jurisdicional de reenvio e como salientou igualmente o advogado‑geral, no n.o 24 das suas conclusões, não se pode inferir desta jurisprudência que o âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro esteja limitado, além desses destinatários, apenas às empresas concorrentes desses destinatários.

    38

    Com efeito, resulta da própria redação desta disposição que os Estados‑Membros têm a obrigação de reconhecer o direito de recurso a qualquer utilizador ou empresa que, por um lado, «ofereça redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas» e que, por outro, «tenha sido afetado/a [pela]» decisão de uma ARN que pretenda impugnar, sem limitar esse direito apenas aos concorrentes do ou dos destinatários dessa decisão.

    39

    Atendendo ao que precede, e tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 23 do presente acórdão, há que considerar que, com a sua primeira, terceira e quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que confere um direito de recurso a uma empresa:

    que participou, como candidata, num processo de leilão no setor das comunicações eletrónicas conduzido pela ARN de um Estado‑Membro diferente daquele em que essa empresa está estabelecida e conduz as suas operações,

    que não preste ela própria um serviço de comunicações eletrónicas no mercado do Estado‑Membro afetado por esse processo, mas tenha uma empresa sob o seu domínio direto presente nesse mercado, e

    que foi objeto de uma decisão dessa ARN que recusou registar a sua candidatura no âmbito do referido processo por não preencher os requisitos exigidos, decisão essa que se tornou em seguida definitiva,

    para impugnar a decisão subsequente pela qual a referida ARN adjudicou a terceiros o contrato objeto do processo de leilão.

    40

    A este respeito, importa sublinhar que a interpretação pelo Tribunal de Justiça do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro que, como recordado no n.o 33 do presente acórdão, constitui uma emanação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, garantido pelas disposições do artigo 47.o da Carta, deve ter em conta a importância desse direito fundamental, como resulta do sistema implementado por esta última no seu conjunto. Importa, designadamente, tomar em consideração que, embora o artigo 52.o, n.o 1, da Carta admita limitações ao exercício dos direitos por ela consagrados, este artigo exige que qualquer limitação respeite o conteúdo essencial do direito fundamental em causa e que, no respeito do princípio da proporcionalidade, essa limitação seja necessária e responda efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2013, ZZ, C‑300/11, EU:C:2013:363, n.o 51).

    41

    Além disso, segundo jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria, C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 32 e jurisprudência referida).

    42

    No caso em apreço, importa, em primeiro lugar, recordar que nem a Diretiva‑Quadro, nem a Diretiva Autorização contêm uma definição do conceito de «prestador de serviços de comunicações eletrónicas» (Acórdão de 30 de abril de 2014, UPC DTH, C‑475/12, EU:C:2014:285, n.o 55). Por conseguinte, para precisar o alcance deste conceito, há que fazer referência ao quadro normativo instituído pela Diretiva Autorização e aos objetivos visados pelo conjunto das disposições pertinentes.

    43

    Importa recordar que, segundo o artigo 3.o da Diretiva Autorização, os Estados‑Membros garantirão a liberdade de oferecer serviços e redes de comunicações eletrónicas, sob reserva das condições fixadas nesta diretiva. Nos termos do n.o 2 deste artigo 3.o, a oferta de serviços de comunicações eletrónicas ou a oferta de redes de comunicações eletrónicas pode apenas estar sujeita a uma autorização geral, que constitui, segundo o artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva, um quadro regulamentar estabelecido pelos Estados‑Membros que garante direitos no respeitante à oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas e que fixa obrigações específicas para o setor, que podem aplicar‑se a todos os tipos ou a tipos específicos de redes e serviços de comunicações eletrónicas, em conformidade com a mesma diretiva.

    44

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva Autorização, a autorização geral para a oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas podem estar sujeitos apenas às condições enumeradas no anexo dessa diretiva, que devem ser não discriminatórias, proporcionais e transparentes.

    45

    Além disso, por força do artigo 3.o, n.o 2, segundo período, da referida diretiva, «[p]ode exigir‑se que a empresa em causa apresente uma notificação mas não que obtenha uma decisão expressa ou qualquer outro ato administrativo da [ARN] para poder exercer os direitos decorrentes da autorização». O n.o 3 deste artigo precisa, a este respeito, que a notificação referida nesse n.o 2 não implica mais do que uma declaração de uma pessoa singular ou coletiva à ARN, nomeadamente, «da intenção de iniciar a oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas».

    46

    Resulta do que precede que, segundo as informações fornecidas na audiência pela NMHH, num Estado‑Membro como a Hungria, que impõe às empresas interessadas a apresentação de uma notificação, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva Autorização, essas empresas só devem apresentar essa notificação antes de iniciar a oferta efetiva de redes ou de serviços de comunicações eletrónicas. Assim, não se pode excluir que uma empresa que pretende iniciar essa atividade possa participar num processo como o processo de leilão controvertido antes de entregar essa notificação à ARN em causa.

    47

    Tendo em conta esta constatação, reconhecer apenas às empresas que já tenham apresentado uma notificação à ARN competente a qualidade de empresa que «[oferece] redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas» para efeitos da aplicação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro equivaleria a excluir, em princípio, da proteção jurisdicional que aí é garantida, qualquer novo ator que pretenda integrar o mercado, incluindo os operadores que tenham tomado a iniciativa de participar, como candidatos, num processo de leilão para nele entrar efetivamente. Ora, tal interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, em conjugação com as disposições acima referidas da Diretiva Autorização, não respeitaria o conteúdo essencial do direito fundamental a um recurso efetivo consagrado no artigo 47.o da Carta, uma vez que privaria esses operadores da possibilidade de impugnarem uma decisão suscetível de os afetar, e seria contrária tanto aos objetivos recordados no n.o 26 do presente acórdão como à jurisprudência referida nos n.os 33 a 36 do mesmo.

    48

    Por conseguinte, para lhe ser reconhecida a qualidade de empresa que «[oferece] redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, uma empresa não tem necessariamente de apresentar às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa uma notificação formal, nos casos em que tal notificação seja exigida pelo direito desse Estado‑Membro em aplicação do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva Autorização, nem, mais genericamente, estar já presente no mercado desse Estado‑Membro, desde que essa empresa preencha os requisitos objetivos a que está sujeita, no referido Estado‑Membro, a autorização geral prevista nesta última disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    49

    Assim, considera‑se que satisfaz os requisitos mencionados no número anterior uma empresa que, embora ainda não tenha integrado o mercado, participou, como candidata, num processo como o processo de leilão controvertido, na condição de preencher esses requisitos objetivos, e isto independentemente da questão de saber se detém uma filial presente no mercado.

    50

    Em segundo lugar, quanto ao requisito previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, nos termos do qual uma empresa deve ser «[afetada pela]» decisão de uma ARN que pretende impugnar, este requisito deve ser considerado preenchido desde que esta decisão seja suscetível de afetar a posição dessa empresa no mercado ou quando os direitos que lhe são conferidos pelo direito da União sejam potencialmente afetados pela referida decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Tele2 Telecommunication, C‑426/05, EU:C:2008:103, n.os 32 e 39, e de 22 de janeiro de 2015, T‑Mobile Austria, C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 37). Assim, este requisito está preenchido se os direitos da empresa em causa forem potencialmente afetados pela decisão da ARN em questão, devido, por um lado, ao seu conteúdo e, por outro, à atividade exercida ou pretendida por essa empresa (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2008, Arcor, C‑55/06, EU:C:2008:244, n.o 176).

    51

    Por conseguinte, uma empresa que tenha participado, como candidata, num processo como o processo de leilão controvertido é afetada, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça na jurisprudência recordada no número anterior, por uma decisão da ARN no termo desse processo.

    52

    Com efeito, a abordagem concreta dessa empresa, que consiste em candidatar‑se no âmbito de um processo de leilão para entrar efetivamente no mercado afetado por esse processo, basta, em princípio, para demonstrar que a decisão pela qual a ARN põe termo a esse processo atribuindo a terceiros os direitos de utilização de radiofrequências que a referida empresa esperava obter, tem, pelo seu conteúdo, um impacto na atividade pretendida pela mesma empresa e, por conseguinte, afeta potencialmente os seus direitos, na aceção desta disposição.

    53

    O simples facto de essa empresa ter sido excluída do processo de leilão que conduziu à decisão de adjudicação que põe termo a esse processo por uma decisão que se tornou definitiva, como no caso em apreço, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, não pode retirar à referida empresa a sua qualidade de empresa afetada, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, pela referida decisão de adjudicação.

    54

    Importa acrescentar que é certo que o Tribunal de Justiça já declarou, no contexto dos contratos públicos abrangidos pela Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO 1989, L 395, p. 33), que o interesse em agir de um proponente excluído de um processo de adjudicação de um contrato contra a decisão de adjudicação desse contrato não pode resultar do facto de o contrato poder eventualmente ser adjudicado ao referido proponente se, na sequência da anulação desta decisão, a entidade adjudicante decidir lançar um novo processo de adjudicação (Despacho de 17 de maio de 2022, Estaleiros Navais de Peniche, C‑787/21, não publicado, EU:C:2022:414, n.o 27).

    55

    Todavia, esta diretiva dispõe, em substância, no seu artigo 2.o‑A, n.o 2, que os proponentes e candidatos devem dispor de um direito de recurso da decisão de adjudicação se estiverem «interessados», no sentido de que «ainda não [foram] definitivamente excluídos». No Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia (C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.os 72 e 75), o Tribunal de Justiça concluiu, assim, pela falta de interesse em agir por parte desses proponentes excluídos por referência a esta disposição.

    56

    Ora, não se pode deixar de observar que a Diretiva‑Quadro não contém nenhuma disposição análoga ao artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva 89/665. Por conseguinte, tratando‑se de uma disposição que limita o direito fundamental a uma proteção jurisdicional efetiva, e tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 40 do presente acórdão que sublinha a importância do princípio da proporcionalidade neste contexto, não há que aplicar a mesma abordagem por analogia para efeitos da interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, uma vez que o legislador não considerou necessário incluir tal disposição nesta última diretiva.

    57

    Assim, há que considerar que, no contexto de um recurso interposto nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, por uma empresa com vista a impugnar a decisão de adjudicação que põe termo ao processo de leilão no qual essa empresa participou, como candidata, mas da qual foi excluída por uma decisão anterior, que se tornou definitiva, pode ser retirado o interesse em agir dessa empresa, nomeadamente, de que esta última poderia eventualmente participar num novo processo de leilão relativo à adjudicação dos mesmos direitos de utilização de radiofrequências e, sendo caso disso, atribuir‑lhe esses direitos, se, na sequência da anulação da referida decisão, a entidade adjudicante decidir lançar tal processo.

    58

    Em terceiro lugar, importa, todavia, recordar a importância que tem o princípio da autoridade do caso julgado, tanto no ordenamento jurídico da União como nos ordenamentos jurídicos nacionais. Com efeito, a fim de garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após o esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de terminados os prazos previstos para esses recursos já não possam ser postas em causa (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 185 e jurisprudência referida).

    59

    Por conseguinte, quando uma empresa que foi excluída de um processo de leilão como o processo de leilão controvertido por uma decisão da ARN que se tornou definitiva na sequência de uma decisão judicial, interpõe um recurso, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, para impugnar a decisão de adjudicação que põe termo a esse processo, esse recurso não deve afetar a autoridade de caso julgado associada a essa decisão judicial.

    60

    Importa sublinhar, a este respeito, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a autoridade de caso julgado abrange os elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente julgados por uma decisão judicial (Acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric, C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.o 102 e jurisprudência referida). Assim, a aplicação do princípio da autoridade do caso julgado no caso em apreço depende, em princípio, do alcance do recurso interposto pela DIGI Communications para impugnar a decisão de adjudicação controvertida e, portanto, da eventual sobreposição entre esse alcance e o da decisão judicial pela qual o seu recurso que impugna a decisão de a excluir do processo de leilão controvertido foi definitivamente julgado improcedente. Mais concretamente, como salienta, em substância, o advogado‑geral no n.o 86 das suas conclusões, depende da questão de saber se a DIGI Communications impugna a decisão de adjudicação controvertida para pôr em causa a sua exclusão desse processo de leilão, contestando a aplicação a seu respeito de um critério de exclusão ilegal, ou se põe em causa a legalidade da adjudicação de direitos de utilização de frequências por razões diferentes das que motivaram a sua própria exclusão do referido processo.

    61

    Atendendo a todos os fundamentos precedentes, há que responder à primeira, terceira e quarta questões que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que confere um direito de recurso a uma empresa:

    que participou, como candidata, num processo de leilão no setor das comunicações eletrónicas conduzido pela ARN de um Estado‑Membro diferente daquele em que essa empresa está estabelecida e conduz as suas operações,

    que não preste ela própria um serviço de comunicações eletrónicas no mercado do Estado‑Membro em causa nesse processo, mas que preencha os requisitos objetivos a que está sujeita, nesse Estado‑Membro, a autorização geral referida no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva Autorização, independentemente de, eventualmente, ter sob o seu domínio outra empresa presente nesse mercado, e

    que foi objeto de uma decisão da ARN que recusou registar a sua candidatura no âmbito do referido processo por não preencher os requisitos exigidos, decisão essa que se tornou definitiva na sequência de uma decisão judicial que negou provimento ao recurso interposto dessa decisão,

    para impugnar a decisão subsequente pela qual a ARN em causa adjudicou a terceiros o contrato objeto do processo de leilão, desde que o recurso interposto por essa empresa não afete a autoridade de caso julgado associada a essa decisão judicial.

    Quanto às despesas

    62

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 7.o da Diretiva 2022/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas, conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    um processo de seleção para efeitos da adjudicação de direitos de utilização de frequências e a decisão de adjudicação a que esse processo conduz visam promover e desenvolver uma concorrência efetiva e não distorcida, no respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade;

    o facto de esse processo compreender uma fase de exame da conformidade das eventuais candidaturas com o caderno de encargos correspondente não é contrário a esse objetivo, desde que o referido processo seja, no seu conjunto, conforme com os requisitos e as condições previstas nesse artigo 7.o

     

    2)

    O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

    deve ser interpretado no sentido de que confere um direito de recurso a uma empresa:

    que participou, como candidata, num processo de leilão no setor das comunicações eletrónicas conduzido pela autoridade reguladora nacional de um Estado‑Membro diferente daquele em que essa empresa está estabelecida e conduz as suas operações;

    que não preste ela própria um serviço de comunicações eletrónicas no mercado do Estado‑Membro em causa nesse processo, mas que preencha os requisitos objetivos a que está sujeita, nesse Estado‑Membro, a autorização geral referida no artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2002/20, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, independentemente de, eventualmente, ter sob o seu domínio outra empresa presente nesse mercado, e

    que foi objeto de uma decisão da autoridade reguladora nacional que recusou registar a sua candidatura no âmbito do referido processo por não preencher os requisitos exigidos, decisão essa que se tornou definitiva na sequência de uma decisão judicial que negou provimento ao recurso interposto dessa decisão,

    para impugnar a decisão subsequente pela qual a autoridade reguladora nacional em causa adjudicou a terceiros o contrato objeto do processo de leilão, desde que o recurso interposto por essa empresa não afete a autoridade de caso julgado associada a essa decisão judicial.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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