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Document 62021CJ0245
Judgment of the Court (First Chamber) of 22 September 2022.#Bundesrepublik Deutschland v MA and Others.#Requests for a preliminary ruling from the Bundesverwaltungsgericht.#Reference for a preliminary ruling – Regulation (EU) No 604/2013 – Determination of the Member State responsible for examining an application for international protection – Articles 27 and 29 – Transfer of the person concerned to the Member State responsible for the examination of his or her request – Suspension of the transfer due to the COVID – 19 pandemic – Impossibility of carrying out the transfer – Judicial protection – Consequences for the time limit for transfer.#Joined Cases C-245/21 and C-248/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de setembro de 2022.
Bundesrepublik Deutschland contra MA e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesverwaltungsgericht.
Reenvio prejudicial – Regulamento (UE) n.° 604/2013 – Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional – Artigos 27.° e 29.° – Transferência da pessoa em causa para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido – Suspensão da transferência devido à pandemia de COVID‑19 – Impossibilidade de proceder à transferência – Proteção jurisdicional – Consequências a nível do prazo de transferência.
Processos apensos C-245/21 e C-248/21.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 22 de setembro de 2022.
Bundesrepublik Deutschland contra MA e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesverwaltungsgericht.
Reenvio prejudicial – Regulamento (UE) n.° 604/2013 – Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional – Artigos 27.° e 29.° – Transferência da pessoa em causa para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido – Suspensão da transferência devido à pandemia de COVID‑19 – Impossibilidade de proceder à transferência – Proteção jurisdicional – Consequências a nível do prazo de transferência.
Processos apensos C-245/21 e C-248/21.
Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:709
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
22 de setembro de 2022 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Artigos 27.o e 29.o — Transferência da pessoa em causa para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido — Suspensão da transferência devido à pandemia de COVID‑19 — Impossibilidade de proceder à transferência — Proteção jurisdicional — Consequências a nível do prazo de transferência»
Nos processos apensos C‑245/21 e C‑248/21,
que têm por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), por Decisões de 26 de janeiro de 2021, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 19 de abril de 2021, no processo
Bundesrepublik Deutschland,
contra
MA (C‑245/21),
PB (C‑245/21),
LE (C‑248/21),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, I. Ziemele, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,
advogado‑geral: P. Pikamäe,
secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 9 de março de 2022,
vistas as observações apresentadas:
– |
em representação de MA e PB, por A. Petzold, Rechtsanwalt, |
– |
em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes, |
– |
em representação do Governo suíço, por S. Lauper, na qualidade de agente, |
– |
em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e G. von Rintelen, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de junho de 2022,
profere o presente
Acórdão
1 |
Os dois pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 27.o, n.o 4, e do artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31, a seguir «Regulamento Dublim III»). |
2 |
Estes pedidos de decisão prejudicial foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha) a MA, a PB (processo C‑245/21) e a LE (processo C‑248/21), a respeito de decisões adotadas pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para as Migrações e os Refugiados, Alemanha) (a seguir «Serviço») que declararam inadmissíveis os seus pedidos de asilo, concluíram pela inexistência de motivos que se opunham ao seu afastamento, ordenaram a sua recondução para Itália e impuseram‑lhes proibições de entrada e de residência. |
Quadro jurídico
Direito da União
3 |
Os considerandos 4 e 5 do Regulamento Dublim III têm a seguinte redação:
|
4 |
O artigo 27.o, n.os 3 e 4, deste regulamento dispõe: «3. Para efeitos de recursos ou de pedidos de revisão de decisões de transferência, os Estados‑Membros devem prever na sua legislação nacional que:
4. Os Estados‑Membros podem prever que as autoridades competentes possam decidir, a título oficioso, suspender a execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso ou da revisão.» |
5 |
O artigo 28.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do referido regulamento prevê: «Se a pessoa estiver retida em aplicação do presente artigo, a sua transferência do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável deve ser efetuada logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis semanas após a aceitação implícita ou explícita do pedido de tomada ou retomada a cargo por outro Estado‑Membro ou a partir do momento em que o recurso ou revisão deixe de ter efeito suspensivo em conformidade com o artigo 27.o, n.o 3.» |
6 |
O artigo 29.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento tem a seguinte redação: «1. A transferência do requerente […] do Estado‑Membro requerente para o Estado‑Membro responsável efetua‑se em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro requerente, após concertação entre os Estados‑Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.o, n.o 3. […] 2. Se a transferência não for executada no prazo de seis meses, o Estado‑Membro responsável fica isento da sua obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, e a responsabilidade é transferida para o Estado‑Membro requerente. Este prazo pode ser alargado para um ano, no máximo, se a transferência não tiver sido efetuada devido a retenção da pessoa em causa, ou para 18 meses, em caso de fuga.» |
Direito alemão
7 |
O § 80, n.o 4, da Verwaltungsgerichtsordnung (Código de Justiça Administrativa) prevê que a autoridade autora do ato administrativo pode, em certos casos, suspender a execução desse ato, salvo disposição em contrário da legislação federal. |
Litígios nos processos principais e questões prejudiciais
Processo C‑245/21
8 |
Em novembro de 2019, MA e PB apresentaram pedidos de asilo na Alemanha. |
9 |
Uma vez que uma busca no sistema Eurodac revelou que tinham entrado irregularmente no território da República Italiana e que tinham sido registados como requerentes de proteção internacional nesse Estado‑Membro, o Serviço solicitou às autoridades italianas, em 19 de novembro de 2019, que tomassem a cargo MA e PB ao abrigo do Regulamento Dublim III. |
10 |
As autoridades italianas não responderam a este pedido de tomada a cargo. |
11 |
Por Decisão de 22 de janeiro de 2020, o Serviço declarou inadmissíveis os pedidos de asilo de MA e de PB, verificou a inexistência de motivos que se opusessem ao seu afastamento, ordenou a sua recondução para Itália e proibiu‑os de entrar e de permanecer no seu território. |
12 |
Em 1 de fevereiro de 2020, MA e PB interpuseram recurso dessa decisão do Serviço para o Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo, Alemanha) competente. Além disso, PB juntou a esse recurso um pedido de suspensão da referida decisão. Esse pedido foi indeferido em 11 de fevereiro de 2020. |
13 |
Por Decisão de 8 de abril de 2020, o Serviço suspendeu, até nova ordem, a execução das ordens de afastamento ao abrigo do § 80, n.o 4, do Código de Justiça Administrativa e do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, pois, dada a evolução da pandemia de COVID‑19, a execução das transferências de MA e de PB não era possível. |
14 |
Por Sentença de 14 de agosto de 2020, o Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo), no qual foi interposto o recurso, anulou a Decisão do Serviço de 22 de janeiro de 2020. Esta sentença baseou‑se na conclusão de que, partindo do princípio de que a República Italiana era responsável pela análise dos pedidos de asilo de MA e de PB, essa responsabilidade tinha sido transferida para a República Federal da Alemanha devido ao decurso do prazo de transferência definido no artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, pois a Decisão do Serviço de 8 de abril de 2020 não tinha interrompido o decurso desse prazo. |
15 |
A República Federal da Alemanha interpôs recurso de «Revision» da Sentença de 14 de agosto de 2020 no Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha). |
Processo C‑248/21
16 |
Em agosto de 2019, LE apresentou um pedido de asilo na Alemanha. |
17 |
Tendo uma busca no sistema Eurodac revelado que, em 7 de junho de 2017, tinha apresentado em Itália um pedido de proteção internacional, o Serviço solicitou às autoridades italianas que retomassem LE a cargo ao abrigo do Regulamento Dublim III. |
18 |
As autoridades italianas responderam afirmativamente a esse pedido de retomada a cargo. |
19 |
O Serviço declarou inadmissível o pedido de asilo de LE, verificou não existirem motivos que se opusessem ao seu afastamento, ordenou que fosse reconduzido para Itália e proibiu‑o de entrar e de permanecer no seu território. |
20 |
Em 11 de setembro de 2019, LE interpôs recurso dessa decisão do Serviço para o Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo) competente. Além disso, juntou a esse recurso um pedido de suspensão da referida decisão. Esse pedido foi indeferido em 1 de outubro de 2019. |
21 |
Por carta de 24 de fevereiro de 2020, as autoridades italianas informaram as autoridades alemãs que, dada a pandemia de COVID‑19, as transferências para e a partir de Itália ao abrigo do Regulamento Dublim III não podiam ocorrer. |
22 |
Por Decisão de 25 de março de 2020, o Serviço suspendeu, até nova ordem, a execução da decisão de afastamento ao abrigo do § 80, n.o 4, do Código de Justiça Administrativa e do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, pois, dada a evolução da pandemia de COVID‑19, a execução da transferência de LE não era possível. |
23 |
Após ter indeferido, em 4 de maio de 2020, um segundo pedido de suspensão da decisão de transferência contra LE, o Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo) em que foi interposto o recurso anulou essa decisão, por Sentença de 10 de junho de 2020. Esta sentença baseou‑se em fundamentos análogos aos da sentença mencionada no n.o 14 do presente acórdão. |
24 |
A República Federal da Alemanha interpôs recurso de «Revision» da Sentença de 10 de junho de 2020 para o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal). |
Considerações comuns aos dois processos
25 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera que, no caso em apreço, os recursos nele interpostos devem ser julgados procedentes se se demonstrar, em primeiro lugar, que uma suspensão da execução de uma decisão de transferência fundamentada na impossibilidade material de transferência devido à pandemia de COVID‑19 é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, em segundo lugar, que essa suspensão pode ter por efeito interromper o prazo de transferência previsto no artigo 29.o, n.o 1, deste regulamento e, em terceiro lugar, que uma interrupção desse prazo de transferência é admitida, mesmo que um órgão jurisdicional tenha previamente indeferido um pedido de suspensão da decisão de transferência em causa. |
26 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera que, embora o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III exija que a suspensão da execução de uma decisão de transferência nele prevista esteja ligada à interposição de um recurso, a sua aplicação numa situação como a que está em causa nos processos principais pode eventualmente ser considerada, uma vez que está pendente um recurso de uma decisão de transferência e que a impossibilidade de proceder ao afastamento pode, no direito alemão, suscitar dúvidas quanto à legalidade dessa decisão. Todavia, há que ter em conta os objetivos deste regulamento, bem como os interesses respetivos das pessoas envolvidas e do Estado‑Membro em causa, cujo equilíbrio deve ser assegurado no contexto sanitário ligado à pandemia de COVID‑19. |
27 |
Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, redigidas de maneira idêntica nos processos apensos C‑245/21 e C‑248/21:
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Quanto à tramitação do processo no Tribunal de Justiça
28 |
Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2021, os presentes processos foram apensos para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão. |
29 |
Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio solicitou ao Tribunal de Justiça que os presentes reenvios prejudiciais fossem submetidos a tramitação acelerada, ao abrigo do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. |
30 |
Em apoio do seu pedido, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que vários Estados‑Membros recusaram proceder a transferências devido à pandemia de COVID‑19 e que, por isso, entre março e junho de 2020, o Serviço adotou decisões de suspensão em 20000 casos, dos quais 9303 estavam pendentes. |
31 |
O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode decidir, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos. |
32 |
No caso em apreço, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 7 de junho de 2021, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, que não havia que deferir o pedido mencionado no n.o 29 do presente acórdão. |
33 |
A este respeito, importa recordar que a tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária [v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2022, Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Cobertura extensa de seguro de doença), C‑247/20, EU:C:2022:177, n.o 41 e jurisprudência referida]. |
34 |
Por conseguinte, o grande número de pessoas ou situações jurídicas potencialmente afetadas pelas questões submetidas não é suscetível, enquanto tal, de constituir uma circunstância excecional para justificar a utilização de um procedimento acelerado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2022, Caruter, C‑642/20, EU:C:2022:308, n.o 22 e jurisprudência referida). |
35 |
Assim, a circunstância, salientada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de numerosos requerentes de proteção internacional terem sido colocados numa situação comparável à dos requerentes em causa no processo principal não pode, por si só, justificar o recurso a esse procedimento. |
36 |
Além disso, embora tenha sido possível iniciar o referido procedimento, numa situação excecional de crise, com vista a eliminar, o mais rapidamente possível, uma incerteza prejudicial ao bom funcionamento do sistema europeu de asilo (v., neste sentido, Despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2017, Jafari, C‑646/16, não publicado, EU:C:2017:138, n.o 15, e de 15 de fevereiro de 2017, Mengesteab, C‑670/16, não publicado, EU:C:2017:120, n.o 16), não resulta dos elementos apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio que o funcionamento desse sistema esteja consideravelmente dificultado enquanto se aguarda a resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas. |
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira e segunda questões
37 |
Com as suas primeiras e segundas questões nos processos C‑245/21 e C‑248/21, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o, n.o 4, e o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III devem ser interpretados no sentido de que o prazo de transferência previsto nesta última disposição é interrompido quando as autoridades competentes de um Estado‑Membro adotam, com base nesse artigo 27.o, n.o 4, uma decisão revogável de suspensão da execução de uma decisão de transferência, com o fundamento de que essa execução é materialmente impossível devido à pandemia de COVID‑19. |
38 |
O artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III prevê que a transferência da pessoa em causa para o Estado‑Membro responsável se efetua logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo por outro Estado‑Membro ou da decisão final sobre o recurso, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.o, n.o 3, do regulamento. |
39 |
Nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do referido regulamento, se a transferência não for executada no prazo de seis meses, o Estado‑Membro responsável pelo exame de um pedido de proteção internacional fica isento da sua obrigação de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, e a responsabilidade é transferida para o Estado‑Membro requerente. |
40 |
Embora resulte destas disposições que o legislador da União pretendeu favorecer uma execução rápida das decisões de transferência, não é menos verdade que essa execução pode, em certos casos, ser suspensa. |
41 |
O artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento Dublim III exige, assim, que os Estados‑Membros ofereçam às pessoas em causa uma via de recurso suscetível de conduzir à suspensão da execução da decisão de transferência tomada a seu respeito. |
42 |
Por força desta disposição, os Estados‑Membros devem prever, em primeiro lugar, que o recurso da decisão de transferência confira à pessoa em causa o direito de permanecer no Estado‑Membro que adotou essa decisão enquanto se aguarda o resultado do recurso ou, em segundo lugar, que, na sequência da interposição de um recurso da decisão de transferência, a transferência seja automaticamente suspensa durante um período razoável, durante o qual um órgão jurisdicional determina se há que conceder efeito suspensivo a esse recurso ou, em terceiro lugar, que a pessoa em causa tenha a possibilidade de interpor um recurso de suspensão da execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso dessa decisão. |
43 |
Além disso, o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III dispõe que os Estados‑Membros podem prever que as autoridades competentes possam decidir, a título oficioso, suspender a execução da decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso interposto dessa decisão. |
44 |
No caso de a suspensão da execução da decisão de transferência resultar da aplicação do artigo 27.o, n.o 3, deste regulamento, o seu artigo 29.o, n.o 1, dispõe que o prazo de transferência não começa a correr a partir da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo, mas, por derrogação, a contar da decisão final sobre o recurso interposto da decisão de transferência. |
45 |
Embora o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III não se refira diretamente à hipótese, decorrente do artigo 27.o, n.o 4, deste regulamento, em que a suspensão da execução da decisão de transferência procede de uma decisão tomada pelas autoridades competentes, resulta, todavia, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, devido à semelhança dos termos utilizados no artigo 28.o, n.o 3, terceiro parágrafo, e no artigo 29.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento e ao facto de estas disposições terem ambas por objeto determinar o período durante o qual a transferência deve ser efetuada, as referidas disposições devem ser interpretadas do mesmo modo (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2017, Khir Amayry, C‑60/16, EU:C:2017:675, n.o 70). |
46 |
Nestas condições, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou, no que respeita ao artigo 28.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do Regulamento Dublim III, que o adiamento do início do prazo de transferência no caso de o efeito suspensivo ser concedido em conformidade com o artigo 27.o, n.o 3, deste regulamento se explica pelo facto de, enquanto um recurso de uma decisão de transferência for dotado de efeito suspensivo, por definição, é impossível efetuar a transferência, razão pela qual o prazo previsto para este efeito só pode, neste caso, começar a correr quando a realização futura da transferência estiver, em princípio, acordada e só faltar regular as respetivas modalidades, a saber, a partir da data em que esse efeito suspensivo é levantado (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2017, Khir Amayry, C‑60/16, EU:C:2017:675, n.o 55). |
47 |
Ora, quando a suspensão da execução de uma decisão de transferência enquanto se aguarda o resultado do recurso interposto dessa decisão procede de uma decisão tomada pelas autoridades competentes, ao abrigo do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, a pessoa em causa encontra‑se numa situação em todos os aspetos comparável à de uma pessoa a cujo recurso é atribuído efeito suspensivo por força da lei ou de uma decisão judicial, em aplicação do artigo 27.o, n.o 3, desse regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2017, Khir Amayry, C‑60/16, EU:C:2017:675, n.o 68). |
48 |
Além disso, se o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III devesse ser interpretado no sentido de que, quando a autoridade competente exerce a faculdade prevista no artigo 27.o, n.o 4, deste regulamento, o prazo da transferência deve, mesmo assim, ser deduzido a partir da aceitação do pedido para efeitos de tomada ou de retomada a cargo, esta última disposição seria amplamente privada de efeito útil, uma vez que não pode ser utilizada sem o risco de obstar à realização da transferência nos prazos previstos pelo referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2017, Khir Amayry, C‑60/16, EU:C:2017:675, n.o 71). |
49 |
Por conseguinte, o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III deve, à semelhança do seu artigo 28.o, n.o 3, terceiro parágrafo, ser interpretado no sentido de que, quando o efeito suspensivo do recurso de uma decisão de transferência tiver sido concedido em conformidade com o artigo 27.o, n.o 4, deste regulamento, o prazo de transferência começa a correr a partir da decisão final sobre esse recurso, pelo que a execução da decisão de transferência deve ocorrer o mais tardar no prazo de seis meses a contar da decisão final sobre o referido recurso. |
50 |
No entanto, tal solução só pode ser aplicada na medida em que a decisão de suspensão da execução da decisão de transferência tenha sido adotada pelas autoridades competentes dentro dos limites do âmbito de aplicação do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III. |
51 |
Para determinar os limites desse âmbito de aplicação, há que ter em conta os termos dessa disposição, o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela legislação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 24 de março de 2022, Autoriteit Persoonsgegevens, C‑245/20, EU:C:2022:216, n.o 28 e jurisprudência referida). |
52 |
A este respeito, importa, em primeiro lugar, sublinhar que, como salientou o advogado‑geral nos n.os 50 e 51 das suas conclusões, decorre da própria redação do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III que a aplicação desta disposição está estreitamente ligada ao exercício, pela pessoa em causa, de um recurso da decisão de transferência, uma vez que a suspensão decretada por essas autoridades deve ocorrer «enquanto se aguarda o resultado do recurso». |
53 |
No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se inscreve o artigo 27.o, n.o 4, desse regulamento, há que constatar que esta disposição faz parte da secção IV do capítulo VI do referido regulamento, sob a epígrafe «Garantias processuais». |
54 |
Além disso, a referida disposição insere‑se num artigo intitulado «Vias de recurso» e surge na sequência de um número dedicado ao efeito suspensivo do recurso da decisão de transferência, número que completa autorizando os Estados‑Membros a permitir às autoridades competentes suspender a execução da decisão de transferência nos casos em que a sua suspensão na sequência da interposição de um recurso não resulte nem dos efeitos da lei nem de uma decisão judicial. |
55 |
Por outro lado, como foi salientado no n.o 49 do presente acórdão, resulta do nexo estabelecido entre o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III e do artigo 29.o, n.o 1, deste regulamento que o efeito suspensivo assim concedido cessa necessariamente no momento da adoção da decisão final sobre o recurso interposto da decisão de transferência, não contendo este artigo 29.o, n.o 1, regras destinadas a regular a contagem do prazo de transferência na hipótese de a suspensão da execução de uma decisão de transferência ser levantada pelas autoridades competentes antes ou depois do resultado do recurso interposto dessa decisão. |
56 |
Em terceiro lugar, resulta dos considerandos 4 e 5 do Regulamento Dublim III que este tem como finalidade estabelecer um método claro e operacional, baseado em critérios objetivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa, para determinar rapidamente o Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional, por forma a garantir um acesso efetivo aos processos de concessão de tal proteção e a não comprometer o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional (Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 58). |
57 |
Para alcançar este objetivo de celeridade, o legislador da União enquadrou os procedimentos de tomada e de retomada a cargo realizados nos termos do Regulamento Dublim III numa série de prazos imperativos destinados a garantir que estes procedimentos sejam executados sem demora injustificada (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2018, X e X, C‑47/17 e C‑48/17, EU:C:2018:900, n.o 69 e jurisprudência referida). |
58 |
Em especial, o prazo de transferência de seis meses estabelecido no artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III visa assegurar que a pessoa em causa seja efetivamente transferida, o mais rapidamente possível, para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional, deixando o tempo necessário aos dois Estados‑Membros em causa — atendendo à complexidade prática e às dificuldades organizacionais ligadas à execução da transferência dessa pessoa —, para se concertarem com vista à realização dessa transferência, e, mais concretamente, ao Estado‑Membro requerente, para regular as modalidades da realização da transferência (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 59). |
59 |
Ora, tendo em conta o efeito interruptivo que a suspensão da execução de uma decisão de transferência, com base no artigo 27.o, n.o 4, deste regulamento, produz no prazo de transferência, como foi exposto no n.o 49 do presente acórdão, interpretar esta disposição no sentido de que autoriza os Estados‑Membros a permitir às autoridades competentes suspender a execução das decisões de transferência por um motivo desprovido de nexo direto com a proteção jurisdicional da pessoa em causa poderia privar de qualquer efetividade o prazo de transferência previsto no artigo 29.o, n.o 1, do referido regulamento, alterar a repartição das responsabilidades entre os Estados‑Membros resultante do Regulamento Dublim III e prolongar duradouramente o tratamento dos pedidos de proteção internacional. |
60 |
Dito isto, importa igualmente recordar que o legislador da União não teve intenção de descurar a proteção jurisdicional das pessoas em causa em prol da exigência de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional e, pelo contrário, desenvolveu de modo sensível, através desse regulamento, as garantias processuais oferecidas a essas pessoas no âmbito do sistema de determinação do Estado‑Membro responsável elaborado pelo legislador da União (sistema de Dublim) (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash, C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 57). |
61 |
Por conseguinte, há que considerar que uma suspensão da execução de uma decisão de transferência só pode ser ordenada pelas autoridades competentes, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, quando as circunstâncias em torno dessa execução implicam que a referida pessoa deva, a fim de assegurar a proteção jurisdicional efetiva desta, ser autorizada a permanecer no território do Estado‑Membro que adotou a referida decisão até à adoção de uma decisão final sobre esse recurso. |
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Daqui decorre que não se pode considerar que uma decisão revogável de suspensão da execução de uma decisão de transferência pelo facto de essa execução ser materialmente impossível devido à pandemia de COVID‑19 pode ser adotada em aplicação do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III, na medida em que este motivo não apresenta um nexo direto com a proteção jurisdicional da pessoa em causa. |
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A circunstância, salientada pelo órgão jurisdicional de reenvio e pelo Governo alemão, de que resulta do direito alemão que a impossibilidade material de proceder à execução de uma decisão de transferência pode implicar a ilegalidade dessa decisão não é suscetível de pôr em causa esta conclusão. |
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Com efeito, por um lado, o caráter revogável de uma decisão de suspensão da execução de uma decisão de transferência exclui que se considere que essa suspensão foi ordenada enquanto se aguarda o resultado do recurso da decisão de transferência e com o objetivo de garantir a proteção jurisdicional da pessoa em causa, uma vez que não se pode excluir que a revogação da referida suspensão ocorra antes do resultado desse recurso. |
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Por outro lado, há que sublinhar que o legislador da União não considerou que a impossibilidade material de proceder à execução da decisão de transferência devia ser considerada suscetível de justificar a interrupção ou a suspensão do prazo de transferência previsto no artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III. |
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Com efeito, esse legislador não incluiu nesse regulamento nenhuma disposição geral que preveja tal interrupção ou suspensão. |
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Além disso, no que respeita a certos casos frequentes de impossibilidade material de execução da decisão de transferência, o referido legislador limitou‑se, no artigo 29.o, n.o 2, desse regulamento, a prever que o prazo de transferência pode ser alargado para um ano, no máximo, se a transferência não tiver sido efetuada devido a retenção da pessoa em causa, ou para dezoito meses, em caso de fuga. |
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Ora, além de esta disposição não prever a interrupção ou a suspensão do prazo de transferência, mas a sua prorrogação, há que recordar que esta prorrogação tem caráter excecional e deve, portanto, ser interpretado restritivamente, o que exclui a sua aplicação por analogia a outros casos de impossibilidade de execução da decisão de transferência [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 60, e de 31 de março de 2022, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl e o. (Internamento de um requerente de asilo num hospital psiquiátrico), C‑231/21, EU:C:2022:237, n.os 54 e 56]. |
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O Tribunal de Justiça considerou ainda que o prazo de transferência de seis meses previsto no artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III devia ser aplicado em situações em que a pessoa em causa não podia ser transferida devido ao seu estado de saúde (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o., C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 89) ou ao seu internamento compulsivo num serviço de psiquiatria hospitalar [v., neste sentido, Acórdão de 31 de março de 2022, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl e o. (Internamento de um requerente de asilo num hospital psiquiátrico), C‑231/21, EU:C:2022:237, n.o 62]. |
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Por conseguinte, as autoridades competentes não podem validamente invocar o regime aplicável, por força do direito nacional, em caso de impossibilidade material de proceder à execução de uma decisão de transferência para justificar a aplicação do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Dublim III e obstar, assim, à aplicação do prazo de transferência estabelecido, com vista a assegurar a celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional, no artigo 29.o, n.o 1, deste regulamento. |
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Tendo em conta o que precede, há que responder às primeiras e segundas questões nos processos apensos C‑245/21 e C‑248/21 que o artigo 27.o, n.o 4, e o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III devem ser interpretados no sentido de que o prazo de transferência previsto nesta última disposição não é interrompido quando as autoridades competentes de um Estado‑Membro adotam, com base nesse artigo 27.o, n.o 4, uma decisão revogável de suspensão da execução de uma decisão de transferência, com o fundamento de que essa execução é materialmente impossível devido à pandemia de COVID‑19. |
Quanto às terceiras questões
72 |
Tendo em conta a resposta dada às primeiras e segundas questões nos processos apensos C‑245/21 e C‑248/21, não há que responder às terceiras questões nesses processos, uma vez que estas foram submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio para o caso de ser dada uma resposta afirmativa às referidas primeiras e segundas questões. |
Quanto às despesas
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Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara: |
O artigo 27.o, n.o 4, e o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, |
devem ser interpretados no sentido de que: |
o prazo de transferência previsto nesta última disposição não é interrompido quando as autoridades competentes de um Estado‑Membro adotam, com base nesse artigo 27.o, n.o 4, uma decisão revogável de suspensão da execução de uma decisão de transferência, com o fundamento de que essa execução é materialmente impossível devido à pandemia de COVID‑19. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.