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Document 62021CJ0195

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 31 de março de 2022.
LB contra Smetna palata na Republika Bulgaria.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rayonen sad Lukovit.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Aplicabilidade a uma situação puramente interna — Artigo 58.o, n.os 1 e 4 — Critérios de seleção — Capacidade técnica e profissional dos proponentes — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 — Artigo 8.o, n.o 3 — Medidas de controlo — Possibilidade de as autoridades nacionais que protegem os interesses financeiros da União apreciarem de maneira diferente um procedimento de contratação pública.
Processo C-195/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:239

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

31 de março de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Aplicabilidade a uma situação puramente interna — Artigo 58.o, n.os 1 e 4 — Critérios de seleção — Capacidade técnica e profissional dos proponentes — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 — Artigo 8.o, n.o 3 — Medidas de controlo — Possibilidade de as autoridades nacionais que protegem os interesses financeiros da União apreciarem de maneira diferente um procedimento de contratação pública»

No processo C‑195/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rayonen sad Lukovit (Tribunal Regional de Lukovit, Bulgária), por Decisão de 26 de março de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de março de 2021, no processo

LB

contra

Smetna palata na Republika Bulgaria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Jääskinen, presidente de Secção, M. Safjan e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de LB, por A. S. Aslanyan, аdvokat,

em representação da Smetna palata na Republika Bulgaria, por T. Tsvetkov e D. A. Dimitrova, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Wils, J. Baquero Cruz, P. Ondrůšek e D. Drambozova, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 58.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 337, p. 19) (a seguir «Diretiva 2014/24»), do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO 1995, L 312, p. 1), bem como dos princípios da segurança jurídica e da efetividade.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe LB à Smetna palata na Republika Bulgaria (Tribunal de Contas da República da Bulgária) (a seguir «Tribunal de Contas») a respeito de uma sanção administrativa que lhe foi aplicada por este último por irregularidades cometidas num processo de contratação pública.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 2988/95

3

O Regulamento n.o 2988/95 é composto por três títulos: o título I, com a epígrafe «Princípios gerais» (artigos 1.o a 3.o), o título II, com a epígrafe «Medidas e sanções administrativas» (artigos 4.o a 7.o), e o título III, com a epígrafe «Controlos» (artigos 8.o a 11.o).

4

O artigo 8.o, n.os 2 e 3, deste regulamento dispõe:

«2.   As medidas de controlo são adaptadas às especificidades de cada setor e proporcionais aos objetivos prosseguidos. Estas medidas têm em conta as práticas e estruturas administrativas existentes nos Estados‑Membros e são determinadas de forma a não gerar imposições económicas e custos administrativos excessivos.

A natureza e a frequência dos controlos e verificação no local a efetuar pelos Estados‑Membros[,] bem como as suas regras de execução, são determinadas, sempre que necessário, pelas regulamentações setoriais, a fim de assegurar uma aplicação uniforme e eficaz das regulamentações em causa, nomeadamente prevenir e detetar irregularidades.

3.   As regulamentações setoriais devem conter as disposições necessárias para assegurar um controlo equivalente através da aproximação dos procedimentos e métodos de controlo.»

Regulamento (UE) n.o 1303/2013

5

Os considerandos 43 e 122 do Regulamento (UE) n.o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 320), enunciam:

«(43)

A fim de assegurar a aplicação de mecanismos de controlo proporcionados e salvaguardar o valor acrescentado dos instrumentos financeiros, os beneficiários finais visados não deverão ser desencorajados por encargos administrativos excessivos. […]

[…]

(122)

[…] A fim de reduzir os encargos administrativos para os beneficiários, deverão ser definidas regras específicas para reduzir o risco de sobreposição de auditorias das mesmas operações por diversas instituições, nomeadamente, o Tribunal de Contas, a Comissão e a autoridade de auditoria.»

6

Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.o deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, aplicam‑se as seguintes definições:

[…]

36)

“Irregularidade”, uma violação do direito da União, ou do direito nacional relacionado com a sua aplicação, resultante de um ato ou omissão de um operador económico envolvido na execução dos [Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI)] que tenha, ou possa ter, por efeito lesar o orçamento da União através da imputação de uma despesa indevida ao orçamento da União;

[…]»

Diretiva 2014/24

7

Sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», o artigo 1.o da Diretiva 2014/24 dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva estabelece as regras aplicáveis aos procedimentos de contratação adotados por autoridades adjudicantes relativamente a contratos públicos e a concursos de conceção cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 4.o»

8

Sob a epígrafe «Montante limiares», o artigo 4.o desta diretiva estabelece:

«A presente diretiva aplica‑se aos contratos cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior aos seguintes limiares:

a)

5548000 [euros] para os contratos de empreitada de obras públicas;

[…]»

9

Sob a epígrafe «Princípios da contratação», o artigo 18.o da referida diretiva prevê, no seu n.o 1:

«As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.»

10

Sob a epígrafe «Critérios de seleção», o artigo 58.o da Diretiva 2014/24 estabelece:

«1.   Os critérios de seleção podem estar relacionados com:

a)

A habilitação para o exercício da atividade profissional;

b)

A capacidade económica e financeira;

c)

A capacidade técnica e profissional.

As autoridades adjudicantes só podem impor aos operadores económicos os critérios referidos nos n.os 2, 3 e 4 a título de condições de participação. As autoridades adjudicantes limitam as condições às que são adequadas para assegurar que um candidato ou proponente disponha da capacidade legal e financeira e das habilitações técnicas e profissionais necessárias para cumprir o contrato a adjudicar. Todos os requisitos devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato.

[…]

4.   No que respeita à capacidade técnica e profissional, as autoridades adjudicantes podem impor requisitos de molde a assegurar que os operadores económicos disponham dos recursos humanos e técnicos e da experiência necessários para assegurar um nível de qualidade adequado na execução do contrato.

As autoridades adjudicantes podem exigir, em especial, que os operadores económicos tenham um nível suficiente de experiência, comprovado por referências adequadas de contratos executados no passado. As autoridades adjudicantes podem partir do princípio de que um operador económico não possui as capacidades profissionais exigidas caso tenha concluído que o operador económico em questão se encontra numa situação de conflito de interesses suscetível de afetar negativamente a execução do contrato.

Nos concursos para a aquisição de fornecimentos que impliquem operações de montagem ou instalação, a prestação de serviços ou a execução de obras, a capacidade profissional do operador económico para prestar o serviço ou executar a instalação ou a obra em causa pode ser apreciada em função das suas capacidades, eficiência, experiência e fiabilidade.

[…]»

11

Nos termos do artigo 67.o desta diretiva, sob a epígrafe «Critérios de adjudicação»:

«1.   Sem prejuízo das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais relativas ao preço de certos fornecimentos ou à remuneração de determinados serviços, as autoridades adjudicantes devem adjudicar os contratos públicos com base no critério da proposta economicamente mais vantajosa.

2.   A proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da autoridade adjudicante deve ser identificada com base no preço ou custo, utilizando uma abordagem de custo‑eficácia, como os custos do ciclo de vida em conformidade com o artigo 68.o, e pode incluir a melhor relação qualidade/preço, que deve ser avaliada com base em critérios que incluam aspetos qualitativos, ambientais e/ou sociais ligados ao objeto do contrato público em causa. Estes critérios podem compreender, por exemplo:

a)

Qualidade, designadamente valor técnico, características estéticas e funcionais, acessibilidade, conceção para todos os utilizadores, características sociais, ambientais e inovadoras, negociação e respetivas condições;

b)

Organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato; ou

[…]»

Direito búlgaro

Lei dos Contratos Públicos

12

O artigo 1.o, n.o 1, do Zakon za obshtestvenite porachki (Lei dos Contratos Públicos, DV n.o 13, de 16 de fevereiro de 2016), na versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «Lei dos Contratos Públicos»), prevê:

«A presente lei define os requisitos e as modalidades de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento ou dos contratos públicos de prestação de serviços, bem como a tramitação de concursos organizados por autoridades adjudicantes com o objetivo de assegurar a atribuição eficaz de:

[…]

2. recursos concedidos a título de fundos e programas europeus;

[…]»

13

O artigo 2.o desta lei dispõe:

«(1)   Os contratos públicos são adjudicados de acordo com os princípios do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), nomeadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento, da livre prestação de serviços e do reconhecimento mútuo, bem como os princípios deles decorrentes:

1.

Igualdade e não discriminação;

2.

Livre concorrência;

3.

Proporcionalidade;

4.

Publicidade e transparência.

(2)   Quando adjudicam contratos públicos, as autoridades adjudicantes não podem restringir a concorrência através da imposição de condições ou de requisitos que ofereçam uma vantagem ilícita ou limitem indevidamente o acesso de operadores económicos aos contratos públicos e que não estejam justificados pelo objeto, o valor, o grau de dificuldade, a quantidade ou a dimensão do contrato público.

[…]»

14

Nos termos do artigo 59.o da referida lei:

«(1)   A autoridade adjudicante pode estabelecer critérios de seleção para os candidatos ou proponentes relativos a:

[…]

3. capacidade técnica e profissional.

(2)   As autoridades adjudicantes só podem aplicar aos candidatos ou proponentes os critérios de seleção previstos na presente lei que sejam necessários para garantir a sua capacidade de execução do contrato. Os critérios estabelecidos devem estar em conformidade com o objeto, o valor, a dimensão e a complexidade do contrato. Quando o contrato incluir lotes, os critérios de seleção para cada um dos lotes devem ter em conta o objeto, o valor, a dimensão e a complexidade do lote em causa.

[…]»

15

O artigo 247.o, n.o 1, da mesma lei estabelece:

«[…] A autoridade adjudicante que infrinja a proibição prevista nos artigos 2.o, n.o 2, 11.o, n.o 5, 16.o, 21.o, n.os 14, 15 ou 17, 149.o, n.o 8, ou 150.o, n.o 4, é punida com coima no montante de 2 % do valor do contrato celebrado, incluindo IVA, mas nunca superior a 10000 [leva búlgaros (BNG)] [(cerca de 5100 euros)].

[…]»

16

Em conformidade com o artigo 260.o, n.os 1 e 2, da Lei dos Contratos Públicos:

«(1)   Os autos de notícia das infrações previstas na presente lei, levantados pelas autoridades do Tribunal de Contas, são lavrados por auditores autorizados no prazo de seis meses a contar da data em que houve conhecimento da identidade do seu autor, não podendo esse prazo exceder três anos a contar da data da prática da infração.

(2)   As decisões que apliquem uma sanção administrativa são adotadas pelo presidente do Tribunal de Contas ou por funcionários autorizados por este último.»

17

O n.o 3 das «disposições complementares» da Lei dos Contratos Públicos prevê que esta lei introduz os requisitos impostos pela Diretiva 2014/24.

Lei dos Fundos Europeus

18

O artigo 49.o, n.o 2, do Zakon za upravlenie na sredstvata ot evropeyskite strukturni i investitsionni fondove (Lei Relativa à Gestão dos Recursos dos Fundos Estruturais e de Investimento Europeus, DV n.o 101, de 22 de dezembro de 2015), na versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «Lei dos Fundos Europeus»), dispõe:

«Para a designação de um contratante para atividades ligadas a obras, serviços e/ou fornecimento de mercadorias que sejam objeto de um contrato público, na aceção da Lei dos Contratos Públicos, são aplicáveis as regras enunciadas em:

1.

Lei dos Contratos Públicos — quando o beneficiário seja uma autoridade adjudicante, na aceção da referida lei;

[…]»

Lei do Ordenamento do Território

19

Nos termos do artigo 137.o, n.o 1, do Zakon za ustroystvo na teritoriata (Lei do Ordenamento do Território, DV n.o 1, de 2 de janeiro de 2001), na versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «Lei do Ordenamento do Território»):

«[…] As obras de construção classificam‑se do seguinte modo em função das características, da importância, da complexidade e do risco de exploração:

1. Primeira categoria:

[…]

g) equipamentos de geoproteção e de reforço das margens dos cursos de água e do litoral;

[…]»

20

O artigo 163.oa desta lei dispõe:

«(1)   […] O construtor da obra está obrigado a contratar, através da celebração de um contrato de trabalho, pessoas tecnicamente aptas a assumir a direção técnica das construções.

(2)   […] Consideram‑se tecnicamente aptas as pessoas que tenham obtido um diploma de ensino superior acompanhado da qualificação de “engenheiro civil”, “engenheiro” ou “arquiteto”, bem como as pessoas com diploma do ensino secundário correspondente a uma formação de quatro anos e uma qualificação profissional nos domínios da “arquitetura e construção” ou da “técnica”.

[…]

(4)   […] O diretor técnico é um engenheiro civil, um arquiteto ou um técnico de engenharia civil que dirige os trabalhos de construção e garante a assunção das responsabilidades previstas no artigo 163.o, n.o 2, pontos 1 a 5, e, no que se refere às construções da quinta categoria, também as responsabilidades previstas no artigo 168.o, n.o 1, e no artigo 169.oa, n.o 1. A direção técnica especializada dos trabalhos de construção e de montagem distintos pode ser assumida por outras pessoas tecnicamente aptas, na aceção do n.o 2, em conformidade com a especialização e o nível de qualificação profissional que adquiriram.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21

Ao abrigo de um contrato administrativo celebrado em 21 de março de 2018 entre o ministro do Ambiente e dos Cursos de Água (Bulgária), na sua qualidade de diretor da autoridade de gestão do programa operacional «Ambiente 2014‑2020», e o município de Lukovit (Bulgária), foi atribuída a esta cidade uma subvenção cofinanciada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e pelo Fundo de Coesão no montante máximo de 649732,14 BGN (cerca de 331000 euros). Esta subvenção destinava‑se ao financiamento de obras de estabilização de um deslizamento de terras na estrada que conduz a um aterro regional situado no território dessa cidade.

22

Por Decisão de 5 de abril de 2018, LB, na sua qualidade de presidente da Câmara de Lukovit, lançou um «concurso público» para a adjudicação de um contrato público que tinha por objeto a realização dessas obras. O valor estimado deste contrato era de 482668 BGN, sem IVA (cerca de 247000 euros).

23

Esta decisão, publicada no próprio dia no registo dos contratos públicos da Agência dos Contratos Públicos, aprovava o anúncio de concurso e os documentos do concurso público em causa no processo principal.

24

O anúncio de concurso indicava que a finalidade do projeto era a reconstrução e a melhoria do troço rodoviário como meio de transporte e que os critérios de adjudicação seriam a «qualidade» e o «preço», tendo cada um deles um peso até 50 %.

25

Quanto às condições de participação nesse procedimento de contratação, o anúncio de concurso precisava, antes de mais, que cada participante devia estar inscrito no registo profissional central da indústria da construção para a execução de construções do grupo IV, categoria I, abrangidas pelo artigo 137.o, n.o 1, ponto 1, alínea g), da Lei do Ordenamento do Território, ou num registo correspondente para os participantes sediados noutro Estado‑Membro.

26

Por outro lado, quanto aos requisitos relativos à «capacidade técnica e profissional», o anúncio de concurso indicava que os candidatos deviam comprovar, nomeadamente, ter exercido atividades de construção de edifícios com um objeto idêntico ou semelhante ao do contrato em causa no processo principal, nos cinco anos anteriores à apresentação da proposta. O anúncio de concurso precisava, a este respeito, que devia entender‑se por atividade «similar» as atividades de consolidação de deslizamento de terras e/ou flancos de colina e/ou de margens e/ou de fossas ou de um edifício em construção equivalente.

27

Por último, quanto aos requisitos aplicáveis ao pessoal técnico de engenharia, o anúncio de concurso enunciava que as especificidades do contrato exigiam, nomeadamente, a presença de um diretor técnico de construção com a qualificação profissional de «engenheiro de projeto» ou de «engenheiro civil» ou de uma especialidade análoga, quando a qualificação tenha sido adquirida num Estado‑Membro que não possua uma especialidade correspondente. O diretor técnico devia, além disso, comprovar ter uma experiência mínima de três anos na sua especialidade.

28

Foram apresentadas três propostas no prazo fixado. Depois de terem sido pedidas explicações suplementares a cada um dos três participantes, o presidente da Câmara de Lukovit, por Decisão de 24 de julho de 2018, decidiu, por um lado, excluir dois deles por não preencherem os critérios de seleção e, por outro, adjudicar o contrato ao terceiro. Posteriormente, em 29 de agosto de 2018, foi celebrado um contrato no valor de 481293,72 BGN, sem IVA (cerca de 245500 euros), entre esta cidade e o adjudicatário.

29

Por Decisão de 9 de novembro de 2018, com base num controlo a posteriori da legalidade do procedimento de contratação em causa no processo principal, a autoridade de gestão do programa operacional «Ambiente 2014‑2020» aplicou uma correção financeira geral no montante de 5 % do valor das despesas relacionadas e reconhecidas como elegíveis ao abrigo do contrato de 29 de agosto de 2018. Esta autoridade criticou a autoridade adjudicante por ter, por um lado, avaliado uma proposta que não correspondia às especificações técnicas prescritas e, por outro, dado instruções pouco claras e confusas a um dos participantes, o que conduziu à sua exclusão ilícita e o impediu de apresentar uma proposta cujo preço fosse inferior ao proposto pelo adjudicatário selecionado.

30

Para determinar a correção a aplicar a cada uma destas duas irregularidades, esta autoridade de gestão tomou em consideração, a título de circunstâncias atenuantes, o facto de, em primeiro lugar, terem sido apresentadas três propostas, o que indicava um nível satisfatório de concorrência; em segundo lugar, o facto de o valor estimado do contrato ser inferior aos limiares de publicidade obrigatória no Jornal Oficial da União Europeia, pelo que a inexistência de efeitos transfronteiriços restringiu o círculo das pessoas interessadas; em terceiro lugar, o facto de que o critério de adjudicação «melhor relação preço/qualidade» não teria necessariamente garantido que a proposta de preço mais baixo fosse classificada em primeiro lugar.

31

Paralelamente ao controlo efetuado pela referida autoridade de gestão, o vice‑presidente do Tribunal de Contas ordenou, por Despacho de 2 de outubro de 2019, uma auditoria à conformidade da gestão dos dinheiros públicos e das atividades do município de Lukovit no período compreendido entre 1 de janeiro de 2018 e 30 de junho de 2019.

32

Em 18 de junho de 2020, um auditor do Tribunal de Contas lavrou um auto de notícia por infração administrativa, salientando que o presidente da Câmara de Lukovit tinha, com a Decisão de 5 de abril de 2018, violado o princípio da livre concorrência previsto no artigo 2.o, n.o 2, da Lei dos Contratos Públicos. Com efeito, ao exigir a presença de um diretor técnico de construção com uma qualificação profissional de «engenheiro de projeto» e/ou de «engenheiro civil», com uma experiência mínima de três anos na sua especialidade, o anúncio de concurso em causa no processo principal estabeleceu um requisito de qualificações mais rigoroso do que o resultante do artigo 163.oa, n.o 2, da Lei do Ordenamento do Território.

33

O presidente da Câmara de Lukovit deduziu oposição a esse auto de notícia, justificando o requisito de qualificação em causa no processo principal, mencionado no n.o 27 do presente acórdão, com as especificidades ligadas a uma operação de estabilização de um deslizamento de terras e à sua complexidade em termos de engenharia. Esclareceu igualmente que este requisito resultava do programa operacional por intermédio do qual o financiamento do projeto tinha sido assegurado. O presidente da Câmara de Lukovit acrescentou que, além disso, não foi constatada nenhuma infração às regras de livre concorrência previstas no artigo 2.o, n.o 2, da Lei dos Contratos Públicos aquando do controlo a posteriori efetuado pela autoridade de gestão do programa operacional «Ambiente 2014‑2020».

34

Por Decisão de 16 de dezembro de 2020, o presidente do Tribunal de Contas indeferiu a oposição e, com base nas constatações e nas conclusões contidas no referido auto de notícia, aplicou ao presidente da Câmara de Lukovit, ao abrigo do artigo 260.o, n.o 2, da Lei dos Contratos Públicos, uma coima no montante de 10000 BGN (cerca de 5100 euros).

35

O presidente da Câmara de Lukovit impugnou esta decisão através de interposição de recurso para o Rayonen sad Lukovit (Tribunal Regional de Lukovit, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

36

Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se o artigo 58.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 obsta a que a autoridade adjudicante estabeleça um requisito de qualificação mais rigoroso do que o previsto no artigo 163.oa da Lei do Ordenamento do Território ou se, pelo contrário, se esta última disposição se limitar a prever requisitos mínimos válidos para todas as categorias de construção, essa autoridade podia legalmente fixar o requisito de qualificação em causa no processo principal, tendo em conta o facto de as obras de estabilização de terras figurarem entre as atividades de construção que apresentam o nível de complexidade mais elevado.

37

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o modo como as diferentes autoridades nacionais encarregadas de zelar pelo respeito da Lei dos Contratos Públicos ou da Lei dos Fundos Europeus devem coordenar os seus controlos e conclusões quanto à legalidade dos procedimentos de contratação pública. A este respeito, diversos textos de «soft law» preconizam, por um lado, que as autoridades de gestão e as autoridades de fiscalização sejam proibidas de interpretar mais rigorosamente as regras de seleção do adjudicatário e, por outro, que os pareceres das diversas autoridades de controlo sejam coordenados para evitar qualquer divergência quanto à legalidade dos procedimentos e das despesas efetuadas.

38

Todavia, importa ter igualmente em consideração, como sublinhou o Tribunal de Contas, a independência e a complementaridade das diferentes autoridades de controlo. Assim, em caso de violação comprovada da Lei dos Contratos Públicos constitutiva de uma irregularidade, a autoridade de gestão aplica correções financeiras exclusivamente às pessoas coletivas beneficiárias, ao passo que o Tribunal de Contas pode aplicar sanções administrativas às pessoas singulares responsáveis. A este título, pode pôr em causa a responsabilidade administrativa de caráter penal das autoridades adjudicantes ou das pessoas autorizadas por si designadas.

39

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as medidas e as sanções administrativas previstas no título II do Regulamento n.o 2988/95 devem variar consoante haja ou não um comportamento culposo e consoante o grau de perigosidade social. Dado que a natureza e a gravidade da violação, bem como as suas consequências financeiras para o orçamento da União, são tomadas em consideração na determinação das correções financeiras, pelas autoridades encarregadas de zelar pelo cumprimento da Lei dos Fundos Europeus, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se essas mesmas circunstâncias devem ser igualmente tidas em conta em caso de aplicação de sanções por violação das regras da União relativas à adjudicação de contratos públicos.

40

Em quarto e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto à questão de saber se o artigo 247.o, n.o 1, da Lei dos Contratos Públicos, nos termos do qual pode ser aplicada à autoridade adjudicante «uma coima até 2 % do valor do contrato celebrado, IVA incluído, mas limitada a 10000 BGN», o que corresponde a cerca de 16 vezes o salário mínimo, é conforme com os princípios da legalidade, da efetividade e da proporcionalidade.

41

Foi nestas circunstâncias que o Rayonen sad Lukovit (Tribunal Regional de Lukovit) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 58.o, n.o 4, da Diretiva [2014/24] ser interpretado no sentido de que os requisitos impostos nos critérios de seleção de capacidade profissional do pessoal do operador económico para um contrato especializado no setor da construção podem ser mais estritos do que os requisitos mínimos de formação e qualificação profissional estabelecidos pela legislação nacional especial (artigo 163.oa, n.o 4, da [Lei do Ordenamento do Território]), sem que isso constitua, por si, uma restrição da concorrência? Mais concretamente: a exigência de «proporcionalidade» dos requisitos estabelecidos de participação em relação ao objeto do contrato: a) obriga o órgão jurisdicional nacional a apreciar a proporcionalidade com base nas provas recolhidas e nos parâmetros concretos do contrato, mesmo nos casos em que a legislação nacional indica uma série de especialidades profissionais que, em princípio, são qualificadas para exercer as atividades estabelecidas no contrato, ou b) permite que a fiscalização jurisdicional seja limitada à apreciação da questão de saber se os requisitos para a participação são demasiado estritos tendo em conta os que, em princípio, são previstos pela legislação nacional especial?

2)

Devem as disposições do título II «Medidas e sanções administrativas» do Regulamento n.o 2988/95 ser interpretadas no sentido de que a mesma infração à [Lei dos Contratos Públicos], que transpõe a Diretiva [2014/24] (incluindo a infração cometida na definição dos critérios de seleção pelos quais foi aplicada sanção ao recorrente), pode implicar consequências jurídicas diferentes consoante a infração tenha sido cometida involuntariamente, [dolosamente] ou por negligência?

3)

Os princípios da segurança jurídica e da efetividade no que diz respeito ao objetivo do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95 e aos considerandos 43 e 122 do Regulamento n.o 1303/13, permitem que as diferentes autoridades nacionais incumbidas de proteger os interesses financeiros da União Europeia apreciem de forma diferente os mesmos factos no procedimento de contratação pública? Mais concretamente, permitem que a autoridade de gestão do programa operacional não declare a existência de uma infração quando da definição dos critérios de seleção, ao passo que o Tribunal de Contas, no âmbito do controlo posterior, sem que circunstâncias especiais ou supervenientes se tenham verificado, considera que estes critérios restringem a concorrência e, por essa razão, aplica uma sanção administrativa à [autoridade] adjudicante?

4)

O princípio da proporcionalidade é contrário a uma disposição legislativa nacional como o artigo 247.o, n.o 1, da [Lei dos Contratos Públicos], segundo a qual a [autoridade] adjudicante que infringe formalmente a proibição do artigo 2.o, n.o 2, desta lei é punida com uma coima no montante de 2 % do valor do contrato, incluindo IVA, mas nunca superior a 10000 leva búlgaros, sem que devam ser considerados a gravidade da infração e os seus efeitos reais ou potenciais sobre os interesses da União Europeia?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

42

A título preliminar, importa salientar que o valor estimado do contrato em causa no processo principal, no montante de 482668 BGN, sem IVA (cerca de 247000 euros), é inferior ao limiar de aplicabilidade da Diretiva 2014/24, fixado em 5548000 euros pelo seu artigo 4.o, alínea a), no que respeita aos contratos de empreitada de obras públicas, pelo que este contrato não é abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

43

No entanto, como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando uma legislação nacional remete de modo direto e incondicional, no que respeita às soluções que prevê para situações não abrangidas por um ato do direito da União, para as soluções adotadas por esse ato, há um certo interesse da União em que as disposições do ato para que se remete sejam interpretadas de modo uniforme. Com efeito, dessa forma é possível evitar divergências de interpretação futuras e garantir um tratamento idêntico a essas situações e às abrangidas pelo âmbito de aplicação das referidas disposições (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 36 e 37; de 5 de abril de 2017, Borta, C‑298/15, EU:C:2017:266, n.os 33 e 34; e de 10 de setembro de 2020, Tax‑Fin‑Lex, C‑367/19, EU:C:2020:685, n.o 21).

44

No caso em apreço, a Lei dos Contratos Públicos, que transpôs para a ordem jurídica búlgara a Diretiva 2014/24, aplica‑se mais genericamente a todos os procedimentos de contratação pública subvencionados por fundos europeus, independentemente do valor dos contratos, como resulta tanto do artigo 1.o, n.o 1, desta lei como do artigo 49.o, n.o 2, da Lei dos Fundos Europeus.

45

Assim, uma vez que as disposições da Diretiva 2014/24 se tornaram aplicáveis, de modo direto e incondicional, a situações que, como a do contrato em causa no processo principal, escapam normalmente ao seu âmbito de aplicação, o Tribunal de Justiça deve responder à primeira questão prejudicial.

46

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 58.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um processo de contratação pública, uma autoridade adjudicante pode estabelecer, nos critérios de seleção relativos à capacidade técnica e profissional dos operadores económicos, requisitos mais rigorosos do que os requisitos mínimos impostos pela legislação nacional a esse respeito.

47

Importa observar que a resposta a esta questão decorre claramente da própria redação do artigo 58.o da Diretiva 2014/24.

48

Em conformidade com o artigo 58.o, n.o 1, segundo parágrafo, dessa diretiva, uma autoridade adjudicante só pode impor aos operadores económicos, a título de condições de participação, os critérios referidos no artigo 58.o, n.os 2, 3 e 4, da referida diretiva, relativos, respetivamente, à habilitação para o exercício da atividade profissional, à capacidade económica e financeira e à capacidade técnica e profissional. Por outro lado, as mencionadas condições devem limitar‑se às que são adequadas para assegurar que um candidato ou proponente disponha da capacidade legal e financeira e das habilitações técnicas e profissionais necessárias para o cumprimento do contrato a adjudicar. Além disso, todos estes requisitos devem estar ligados e ser proporcionados ao objeto do contrato.

49

A autoridade adjudicante deve cumprir ainda, no momento da determinação dos critérios de seleção, os princípios fundamentais da contratação pública enunciados no artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24. Incumbe‑lhe também, em primeiro lugar, tratar os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como atuar de maneira transparente e proporcionada, e, em segundo lugar, garantir que a organização do contrato não tem o intuito de que não seja abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência, organizando‑o no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.

50

No entanto, uma vez que a autoridade adjudicante é quem está mais bem colocada para avaliar as suas próprias necessidades, o legislador da União reconheceu‑lhe um amplo poder de apreciação para a determinação dos critérios de seleção, o que está patente, nomeadamente, na utilização recorrente do verbo «poder» no artigo 58.o da Diretiva 2014/24. Assim, em conformidade com o n.o 1 deste artigo, esta autoridade beneficia de uma certa latitude para definir os requisitos de participação num procedimento de contratação pública que considere deverem estar ligados e ser proporcionados ao objeto do contrato, bem como adequados para assegurar que um candidato ou proponente disponha da capacidade legal e financeira e das habilitações técnicas e profissionais necessárias para cumprir o contrato a adjudicar. Mais concretamente, segundo o n.o 4 do referido artigo, a autoridade adjudicante aprecia livremente os requisitos de participação que considera apropriados, do seu ponto de vista, a assegurar, nomeadamente, um nível de qualidade adequado na execução do contrato.

51

Por conseguinte, quando um requisito de qualificação encontre justificação no objeto do contrato, seja proporcionado a este e cumpra igualmente com os demais requisitos recordados nos n.os 48 e 49 do presente acórdão, o artigo 58.o da Diretiva 2014/24 não pode impedir uma autoridade adjudicante de impor esse requisito no anúncio de concurso pelo simples facto de exceder o nível de exigência mínimo imposto pela legislação nacional. Para este efeito, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais interpretar, tanto quanto possível, o seu direito interno em conformidade com o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 57, e de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 70).

52

No caso em apreço, o requisito de qualificação em causa no processo principal parece estar justificado à luz do artigo 58.o da Diretiva 2014/24, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Em primeiro lugar, este requisito apresenta indubitavelmente uma ligação com o objeto do contrato em causa no processo principal. Em segundo lugar, o mencionado requisito não parece ter excedido a margem de apreciação de que dispõe a autoridade adjudicante na fase da definição dos critérios de seleção, tanto mais que foram apresentadas três propostas apesar de o valor estimado desse contrato ser modesto, dado nem sequer atingir 5 % do limiar de aplicabilidade da Diretiva 2014/24.

53

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 58.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, no âmbito de um procedimento de contratação pública, uma autoridade adjudicante possa estabelecer, nos critérios de seleção relativos à capacidade técnica e profissional dos operadores económicos, requisitos mais rigorosos do que os requisitos mínimos impostos pela legislação nacional, desde que sejam adequados a garantir que um candidato ou um proponente dispõe da competência técnica e profissional necessária para cumprir o contrato a adjudicar, estejam ligados ao objeto do contrato e sejam proporcionados a este.

Quanto à segunda e quarta questões

54

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 4.o e 5.o do Regulamento n.o 2988/95 devem ser interpretados no sentido de que a imposição, por uma autoridade adjudicante, de critérios de seleção que violam o artigo 58.o da Diretiva 2014/24 pode ter consequências diferentes consoante se trate de um ato não culposo ou de uma violação dolosa ou por negligência.

55

Quanto à quarta questão, a mesma visa, em substância, determinar se o princípio da proporcionalidade deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual pode ser aplicada à autoridade adjudicante que viola as regras de contratação pública uma coima até 2 % do valor do contrato celebrado, IVA incluído, mas limitada a 10000 BGN, ou seja, cerca de 5100 euros, sem que seja necessário determinar a gravidade da violação e o seu real ou potencial impacto financeiro nos interesses da União.

56

Importa observar que a segunda e quarta questões assentam na premissa de que o requisito de qualificação em causa no processo principal foi estabelecido pela autoridade adjudicante em violação do artigo 58.o da Diretiva 2014/24.

57

Ora, na medida em que resulta da resposta dada à primeira questão que esse requisito se afigura compatível com esta disposição, o Tribunal de Justiça não tem de examinar a segunda e quarta questões.

Quanto à terceira questão

58

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, conjugado com os considerandos 43 e 122 do Regulamento n.o 1303/2013, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais que protegem os interesses financeiros da União apreciem de maneira diferente as mesmas circunstâncias num procedimento de contratação pública.

59

Importa recordar que, nos termos do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, as regulamentações setoriais devem conter as disposições necessárias para assegurar um controlo equivalente através da aproximação dos procedimentos e métodos de controlo.

60

O considerando 43 do regulamento setorial aplicável no processo principal, a saber, o Regulamento n.o 1303/2013, enuncia, nomeadamente, que, a fim de assegurar a aplicação de mecanismos de controlo proporcionados e salvaguardar o valor acrescentado dos instrumentos financeiros, os beneficiários finais visados não deverão ser desencorajados por encargos administrativos excessivos. Quanto ao considerando 122 do mencionado regulamento, o mesmo clarifica que, a fim de reduzir os encargos administrativos para os beneficiários, deverão ser definidas regras específicas para reduzir o risco de sobreposição de auditorias das mesmas operações por diversas instituições, nomeadamente, o Tribunal de Contas, a Comissão e a autoridade de auditoria.

61

No entanto, resulta manifestamente da decisão de reenvio que a auditoria à gestão do município de Lukovit foi efetuada pelo Tribunal de Contas com vista a assegurar o respeito da Lei dos Contratos Públicos, e não o cumprimento do Regulamento n.o 1303/2013, pelo que esta auditoria e a sanção aplicada com base nela não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

62

Além disso, como a Comissão salientou nas suas observações escritas, o Regulamento n.o 1303/2013 não impede os Estados‑Membros de instituírem órgãos encarregados do controlo e da auditoria da atividade dos organismos públicos ou privados, não sendo a competência desses órgãos, portanto, regida por este regulamento.

63

Por conseguinte, os considerandos 43 e 122 do referido regulamento não têm impacto na resposta à questão prejudicial.

64

Afigura‑se, assim, que nenhuma das disposições dos Regulamentos n.os 2988/95 e 1303/2013 se opõe a que um procedimento de contratação pública possa ser objeto de dois controlos, um exercido pela autoridade de gestão e o outro pela autoridade de auditoria. Tanto a independência de cada uma destas autoridades como as diferentes finalidades que lhes são atribuídas tornam admissível a possibilidade de controlarem sucessivamente um mesmo procedimento de contratação pública.

65

Por outro lado, a circunstância de, no caso em apreço, a autoridade de gestão do programa operacional «Ambiente 2014‑2020» ter considerado que o requisito de qualificação em causa no processo principal não era contrário às regras de contratação pública não pode criar nenhum tipo de confiança legítima na esfera jurídica da autoridade adjudicante. Com efeito, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima só é extensivo a um particular ao qual uma autoridade administrativa nacional tenha suscitado expectativas fundadas devido a garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, que a mesma lhe forneceu. Todavia, a conceção unitária do Estado, que prevalece tanto no direito internacional público como no direito da União, exclui, por princípio, que uma autoridade nacional possa invocar o princípio do direito da União de proteção da confiança legítima num litígio que a coloque em liça com outra entidade estatal (Acórdão de 20 de maio de 2021, Riigi Tugiteenuste Keskus, C‑6/20, EU:C:2021:402, n.os 69 e 70).

66

Assim, a circunstância de a autoridade de gestão do programa operacional «Ambiente 2014‑2020» já ter aprovado, ainda que implicitamente, o requisito de qualificação em causa no processo principal não pode ser invocado pela autoridade adjudicante para impedir o Tribunal de Contas de examinar a sua compatibilidade com o direito da União.

67

Todavia, importa salientar, por um lado, que uma intervenção conjugada de uma autoridade de gestão com uma autoridade de auditoria deve respeitar os direitos e os princípios garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com especial enfoque no princípio da proporcionalidade. A este respeito, o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95 prevê, aliás, que as medidas de controlo são determinadas de modo a não gerar imposições económicas e custos administrativos excessivos.

68

No caso em apreço, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio, nada leva a crer que, no território da República da Bulgária, os beneficiários de fundos europeus sejam desencorajados de solicitar esses fundos devido à existência de custos administrativos excessivos.

69

Por outro lado, os controlos a posteriori efetuados por uma autoridade de gestão e por uma autoridade de auditoria não podem afetar a legalidade de uma decisão de adjudicação que se tornou definitiva em relação aos participantes no contrato e à autoridade adjudicante, entendendo‑se que as apreciações efetuadas a este respeito pela autoridade adjudicante estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO 1989, L 395, p. 33).

70

Decorre das considerações precedentes que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2988/95, conjugado com o Regulamento n.o 1303/2013, deve ser interpretado no sentido de que, sem prejuízo do princípio da proporcionalidade, não se opõe a que as autoridades nacionais que protegem os interesses financeiros da União apreciem de maneira diferente as mesmas circunstâncias num procedimento de contratação pública.

Quanto às despesas

71

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

1)

O artigo 58.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, no âmbito de um procedimento de contratação pública, uma autoridade adjudicante possa estabelecer, nos critérios de seleção relativos à capacidade técnica e profissional dos operadores económicos, requisitos mais rigorosos do que os requisitos mínimos impostos pela legislação nacional, desde que sejam adequados a garantir que um candidato ou um proponente dispõe da competência técnica e profissional necessária para cumprir o contrato a adjudicar, estejam ligados ao objeto do contrato e sejam proporcionados a este.

 

2)

O artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, conjugado com o Regulamento (UE) n.o 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que, sem prejuízo do princípio da proporcionalidade, não se opõe a que as autoridades nacionais que protegem os interesses financeiros da União apreciem de maneira diferente as mesmas circunstâncias num procedimento de contratação pública.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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