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Document 62021CJ0158

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 31 de janeiro de 2023.
Processo penal contra Lluís Puig Gordi e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha).
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Processos de entrega entre os Estados‑Membros — Requisitos de execução — Competência da autoridade judiciária de emissão — Artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de acesso a um tribunal previamente estabelecido por lei — Possibilidade de emitir um novo mandado de detenção europeu contra a mesma pessoa.
Processo C-158/21.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:57

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

31 de janeiro de 2023 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Processos de entrega entre os Estados‑Membros — Requisitos de execução — Competência da autoridade judiciária de emissão — Artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito de acesso a um tribunal previamente estabelecido por lei — Possibilidade de emitir um novo mandado de detenção europeu contra a mesma pessoa»

No processo C‑158/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), por Decisão de 9 de março de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de março de 2021, no processo penal contra

Lluís Puig Gordi,

Carles Puigdemont Casamajó,

Antoni Comín Oliveres,

Clara Ponsatí Obiols,

Meritxell Serret Aleu,

Marta Rovira Vergés,

Anna Gabriel Sabaté,

sendo intervenientes:

Ministerio Fiscal,

Abogacía del Estado,

Partido político VOX

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente, C. Lycourgos, E. Regan, P. G. Xuereb e L. S. Rossi, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, N. Piçarra, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, I. Ziemele e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretária: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 5 de abril de 2022,

vistas as observações apresentadas:

em representação de L. Puig Gordi, por S. Bekaert, advocaat, e G. Boyé Tuset, abogado,

em representação de C. Puigdemont Casamajó, por G. Boyé Tuset, abogado,

em representação de A. Comín Oliveres, por G. Boyé Tuset, J. Costa Rosselló e I. Elbal, abogados,

em representação de C. Ponsatí Obiols, por G. Boyé Tuset e I. Elbal Sánchez, abogados,

em representação de M. Rovira Vergés, por A. Van den Eynde Adroer, abogado,

em representação de A. Gabriel Sabaté, por B. Salellas Vilar, abogado,

em representação do Ministerio Fiscal, por F. A. Cadena Serrano, C. Madrigal Martínez‑Pereda, J. Moreno Verdejo e J. A. Zaragoza Aguado, fiscales,

em representação do Partido político VOX, por M. Castro Fuertes, abogada, e M. P. Hidalgo López, procuradora,

em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, A. Gavela Llopis e J. Ruiz Sánchez, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes, assistidas por F. Matthis e B. Renson, avocats,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo romeno, por E. Gane e A. Wellman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra Lluís Puig Gordi, Carles Puigdemont Casamajó, Antoni Comín Oliveres, Clara Ponsatí Obiols, Meritxell Serret Aleu, Marta Rovira Vergés e Anna Gabriel Sabaté.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 6, 8 e 12 da Decisão‑Quadro 2002/584 têm a seguinte redação:

«(6)

O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.

[…]

(8)

As decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objeto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado‑Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega.

[…]

(12)

A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia […], nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da presente decisão‑quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objetivos que confortem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos.

[…]»

4

O artigo 1.o desta decisão‑quadro dispõe:

«1.   O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.   Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.   A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o do Tratado da União Europeia.»

5

Os artigos 3.o, 4.o e 4.o‑A da referida decisão‑quadro enunciam os motivos de não execução do mandado de detenção europeu.

6

O artigo 6.o, n.o 1, da mesma decisão‑quadro prevê:

«A autoridade judiciária de emissão é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão competente para emitir um mandado de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.»

7

O artigo 8.o da Decisão‑Quadro 2002/584 expõe as informações que o mandado de detenção europeu deve conter e precisa que este deve ser traduzido na língua oficial ou numa das línguas oficiais do Estado‑Membro de execução.

8

O artigo 15.o, n.os 2 e 3, desta decisão‑quadro tem a seguinte redação:

«2.   Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias […]

3.   A autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.»

Direito belga

9

O artigo 4.o da loi du 19 décembre 2003 relative au mandat d’arrêt européen (Lei de 19 de dezembro de 2003 relativa ao Mandado de Detenção Europeu) (Moniteur belge, de 22 de dezembro de 2003, p. 60075), na versão aplicável aos factos no processo principal, dispõe:

«A execução de um mandado de detenção europeu será recusada nos casos seguintes:

[…]

5.o

se houver razões sérias para crer que a execução do mandado de detenção europeu terá o efeito de violar os direitos fundamentais da pessoa em causa, tal como consagrados no artigo 6.o do Tratado da União Europeia.»

Tramitação no processo principal e questões prejudiciais

10

No âmbito do processo penal principal, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), o órgão jurisdicional de reenvio, emitiu mandados de detenção europeus, em 14 de outubro de 2019, contra C. Puigdemont Casamajó e, em 4 de novembro de 2019, contra A. Comín Oliveres, L. Puig Gordi e C. Ponsatí Obiols.

11

O Reino da Bélgica instaurou processos de execução dos mandados de detenção europeus emitidos contra C. Puigdemont Casamajó, A. Comín Oliveres e L. Puig Gordi.

12

Estes processos foram suspensos, porquanto visam C. Puigdemont Casamajó e A. Comín Oliveres depois de estes terem adquirido a qualidade de deputados do Parlamento Europeu.

13

Por Despacho de 7 de agosto de 2020, o Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg Brussel (Tribunal de Primeira Instância de Língua Neerlandesa de Bruxelas, Bélgica) recusou a execução do mandado de detenção europeu emitido contra L. Puig Gordi.

14

O órgão jurisdicional de reenvio refere que esta decisão se baseou na apreciação segundo a qual não tinha competência para decidir no processo penal contra L. Puig Gordi e, logo, para emitir esse mandado de detenção europeu. A este respeito, referindo‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «autoridade judiciária», na aceção do artigo 6.o da Decisão‑Quadro 2002/584, aos considerandos 8 e 12 desta decisão‑quadro, ao Acórdão do TEDH de 2 de junho de 2005, Claes e o. c. Bélgica (CE:ECHR:2005:0602JUD004682599), e à legislação belga, o Nederlandstalige rechtbank van eerste aanleg Brussel (Tribunal de Primeira Instância de Língua Neerlandesa de Bruxelas) considerou que podia pronunciar‑se sobre a competência da autoridade judiciária de emissão, a saber, o órgão jurisdicional de reenvio, para esse fim. Concluiu pela falta de competência deste último, invocando pareceres do Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária (a seguir «GTDA») de 25 de abril e de 13 de junho de 2019, os Acórdãos do TEDH de 22 de junho de 2000, Coëme e o. c. Bélgica (CE:ECHR:2000:0622JUD003249296), e de 2 de junho de 2005, Claes e o. c. Bélgica (CE:ECHR:2005:0602JUD004682599), o considerando 12 da referida decisão‑quadro, bem como as disposições de direito belga e de direito espanhol.

15

O Ministério Público belga interpôs recurso do Despacho de 7 de agosto de 2020, referido no n.o 13 do presente acórdão, na cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica), que negou provimento a este recurso por Acórdão de 7 de janeiro de 2021.

16

Este último acórdão refere‑se a um relatório do GTDA de 27 de maio de 2019, aos Acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem referidos no n.o 14 do presente acórdão e a um documento relativo à competência do órgão jurisdicional de reenvio fornecido, a pedido do Ministério Público belga, por um juiz da Secção Penal desta última jurisdição. Com base nestes elementos, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) decidiu que a competência do órgão jurisdicional de reenvio para julgar L. Puig Gordi não assentava numa base legal expressa e daí deduziu que a execução do mandado de detenção europeu emitido contra o mesmo poria em perigo os seus direitos fundamentais. Além disso, considerou que devia ter em conta um risco extremamente grave de violação da presunção de inocência.

17

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio indica que deve, nomeadamente, determinar se pode emitir um novo mandado de detenção europeu contra L. Puig Gordi depois de ter sido recusada a execução de um mandado de detenção europeu anterior e se deve manter ou retirar os mandados de detenção europeus emitidos contra os outros arguidos no processo penal em causa no processo principal.

18

A este respeito, considera, em primeiro lugar, que a autoridade judiciária de execução não dispõe, por força do direito da União, da faculdade para fiscalizar a competência da autoridade judiciária de emissão. Com efeito, uma eventual falta de competência não constitui um motivo de recusa previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584 e deve distinguir‑se da falta da qualidade de «autoridade judiciária», na aceção desta decisão‑quadro. Ora, a recusa de execução de um mandado de detenção europeu não pode basear‑se num motivo de recusa previsto unicamente pelo direito nacional.

19

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em segundo lugar, que os órgãos jurisdicionais belgas não são competentes para interpretar o direito espanhol. No caso em apreço, estes últimos órgãos jurisdicionais, além disso, interpretaram erradamente esse direito, baseando‑se nomeadamente em pareceres do GTDA, que não foi criado nos termos do direito internacional e cujas opiniões não exprimem a posição do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Em contrapartida, os referidos órgãos jurisdicionais não tiveram em conta várias decisões do órgão jurisdicional de reenvio relativas à sua própria competência e a confirmação dessa competência por um Acórdão do Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha) de 17 de fevereiro de 2021.

20

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio alega que os órgãos jurisdicionais belgas deviam, antes de se pronunciarem sobre a execução do mandado de detenção europeu emitido contra L. Puig Gordi, ter pedido informações complementares, ao abrigo do artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584.

21

Em quarto lugar, a existência de um risco grave de violação dos direitos fundamentais da pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu não constitui um motivo de recusa de execução enunciado nesta decisão‑quadro. Assim, o Tribunal de Justiça só admitiu esse motivo de recusa, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro, na condição de ser demonstrada a existência de falhas sistémicas ou generalizadas no Estado‑Membro de emissão.

22

Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A Decisão‑Quadro [2002/584] permite que a autoridade judiciária de execução recuse a entrega da pessoa procurada através de um MDE, com base em causas de recusa previstas no seu direito nacional, mas não previstas como tais na decisão‑quadro?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior e com o objetivo de garantir a viabilidade de um MDE e fazer uso adequado da solução prevista no artigo 15.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro [2002/584]:

Deve a autoridade judiciária de emissão indagar e analisar os direitos dos diferentes Estados[‑Membros] a fim de ter em consideração os eventuais motivos de recusa de um MDE não previstos na Decisão‑Quadro [2002/584]?

3)

À luz das respostas às questões anteriores, tendo em conta que, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro [2002/584], a competência da autoridade judiciária de emissão para emitir um MDE é determinada nos termos do direito do Estado[‑Membro] de emissão:

Deve o referido preceito ser interpretado no sentido de que a autoridade judiciária de execução pode questionar a competência da autoridade judiciária de emissão para atuar na ação penal concreta e recusar a entrega por entender que esta não é competente para o emitir?

4)

Quanto à eventual possibilidade de a autoridade judiciária de execução controlar o respeito dos direitos fundamentais da pessoa procurada no Estado[‑Membro] de emissão:

a)

A Decisão‑Quadro [2002/584] permite que a autoridade judiciária de execução recuse a entrega da pessoa procurada por entender que existe um risco de violação dos seus direitos fundamentais no Estado‑Membro de emissão, com base num relatório de um grupo de trabalho apresentado à autoridade judiciária nacional de execução pela própria pessoa procurada?

b)

Para efeitos da questão anterior, esse relatório constitui um elemento objetivo, fiável, preciso e devidamente atualizado para justificar, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a recusa de entrega da pessoa procurada com base num risco sério de violação dos seus direitos fundamentais?

c)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, que elementos exige o direito da União para que um Estado‑Membro possa concluir que no Estado‑Membro de emissão existe o risco de violação de direitos fundamentais[,] alegado pela pessoa procurada[,] e que justifique a recusa do MDE?

5)

As respostas às questões anteriores são condicionadas pela circunstância de a pessoa cuja entrega é pedida ter podido defender nos órgãos jurisdicionais do Estado[‑Membro] de emissão, beneficiando inclusivamente de um duplo grau de jurisdição, a falta de competência da autoridade judiciária de emissão, o seu mandado de detenção [contra a mesma] e a garantia dos seus direitos fundamentais?

6)

As respostas às questões anteriores são condicionadas quando a autoridade judiciária de execução recusa um MDE por causas não expressamente previstas na Decisão‑Quadro [2002/584], em particular por entender que a autoridade judiciária de emissão não tem competência e por considerar que existe um risco grave de violação de direitos fundamentais no Estado[‑Membro] de emissão, fazendo‑o sem solicitar à autoridade judiciária de emissão as informações complementares específicas suscetíveis de condicionar essa decisão?

7)

Se resultar das respostas às questões anteriores que, nas circunstâncias do caso, a Decisão‑Quadro [2002/584] se opõe à recusa de entrega de uma pessoa com base nas referidas causas de recusa:

A Decisão‑Quadro [2002/584] opor‑se‑ia a que este Tribunal de reenvio emitisse um novo MDE contra a mesma pessoa e perante o mesmo Estado‑Membro?»

Quanto à tramitação do processo no Tribunal de Justiça

Quanto ao pedido de aplicação da tramitação prejudicial acelerada

23

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial acelerada ao abrigo do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

24

Em apoio do seu pedido, esse órgão jurisdicional salienta que o processo principal tem natureza penal, que este processo foi suspenso até à resposta do Tribunal de Justiça ao pedido de decisão prejudicial e que as pessoas procuradas não são objeto de nenhuma medida privativa de liberdade.

25

O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada, em derrogação das disposições deste regulamento.

26

No caso em apreço, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 31 de março de 2021, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, que não havia que deferir o pedido referido no n.o 23 do presente acórdão.

27

Com efeito, importa recordar que a aplicação da tramitação prejudicial acelerada não depende da natureza do litígio no processo principal enquanto tal, mas das circunstâncias excecionais específicas do processo em causa, que devem demonstrar a urgência extraordinária em decidir sobre estas questões (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de maio de 2018, KN, C‑191/18, não publicado, EU:C:2018:383, n.o 20 e jurisprudência referida).

28

Ora, no que respeita ao processo principal, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) não demonstrou a existência de circunstâncias excecionais específicas deste processo suscetíveis de demonstrar uma urgência extraordinária.

29

Assim, por um lado, uma vez que o processo prejudicial implica a suspensão do processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio até à resposta do Tribunal de Justiça, este efeito suspensivo inerente ao mecanismo prejudicial não pode justificar a submissão de um reenvio prejudicial a tramitação prejudicial acelerada (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de janeiro de 2014, Nguyen e Schönherr, C‑2/14, não publicado, EU:C:2014:1999, n.o 14 e jurisprudência referida).

30

Por outro lado, o facto de as pessoas visadas no processo penal no processo principal não estarem atualmente detidas constitui um motivo para não aplicar a tramitação prejudicial acelerada nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2018, Minister for Justice and Equality, C‑508/18 e C‑509/18, não publicado, EU:C:2018:766, n.o 13 e jurisprudência referida).

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

31

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de novembro de 2022, C. Puigdemont Casamajó, A. Comín Oliveres, L. Puig Gordi e C. Ponsatí Obiols pediram a reabertura da fase oral do processo.

32

Em apoio deste pedido, alegam que factos novos e argumentos que não foram debatidos entre as partes podem ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça no presente processo.

33

Mais especificamente, referem‑se à assinatura do Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, Puigdemont i Casamajó e o./Parlamento e Espanha [C‑629/21 P(R), EU:C:2022:413], a um parecer do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 30 de agosto de 2022, às decisões proferidas por órgãos jurisdicionais espanhóis, ao facto de vários arguidos no processo penal em causa no processo principal terem sido espiados pelas autoridades espanholas, às tomadas de posição de membros da Comissão Europeia e a uma comunicação da Comissão Eleitoral Central. Além disso, formulam uma série de críticas às conclusões do advogado‑geral no presente processo.

34

A este respeito, importa salientar que, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que ainda não foi debatido.

35

No caso em apreço, deve salientar‑se, por um lado, que os factos apresentados como novos por C. Puigdemont Casamajó, A. Comín Oliveres, L. Puig Gordi e C. Ponsatí Obiols não são suscetíveis de ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça.

36

Com efeito, estes factos dizem respeito quer à situação individual dos arguidos no processo penal em causa no processo principal quer a supostas falhas do sistema judicial espanhol. Ora, não cabe ao Tribunal de Justiça, no âmbito do presente processo prejudicial, apreciar essa situação individual ou determinar se as supostas falhas estão demonstradas, mas unicamente proceder à interpretação das disposições relevantes do direito da União.

37

No que respeita, por um lado, às críticas referentes às conclusões do advogado‑geral, deve recordar‑se que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 41].

38

Além disso, em virtude do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral as baseia. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não pode constituir, em si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 42].

39

Com efeito, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, designadamente quando considerar que não está suficientemente esclarecido.

40

No caso em apreço, todavia, ouvido o advogado‑geral, o Tribunal de Justiça considera que dispõe, no termo da fase escrita do processo e da audiência realizada, de todos os elementos necessários para decidir, uma vez que os argumentos apresentados contra as conclusões do advogado‑geral no pedido de reabertura da fase oral do processo foram amplamente debatidos entre as partes em causa e os interessados.

41

Tendo em conta o que precede, não há que deferir este pedido.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade das primeira a sexta questões prejudiciais

42

L. Puig Gordi, C. Puigdemont Casamajó, A. Comín Oliveres, C. Ponsatí Obiols, M. Rovira Vergés e A. Gabriel Sabaté contestam a admissibilidade de algumas das questões submetidas.

43

Em primeiro lugar, C. Ponsatí Obiols, L. Puig Gordi, C. Puigdemont Casamajó e A. Comín Oliveres alegam que as primeira a sexta questões são, no seu conjunto, manifestamente inúteis para a tramitação do processo penal principal.

44

Antes de mais, estas questões dizem respeito às regras relativas à execução dos mandados de detenção europeus, pelo que as respostas às referidas questões não têm interesse para o órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que este tem, no processo penal principal, a qualidade de autoridade judiciária de emissão. Embora o Tribunal de Justiça tenha, na verdade, aceitado, no Acórdão de 25 de julho de 2018, AY (Mandado de detenção — Testemunha) (C‑268/17, EU:C:2018:602), responder a questões relativas à execução de mandados de detenção europeus submetidas por uma autoridade judiciária de emissão, as circunstâncias do processo principal distinguem‑se, todavia, das do processo que deu origem a esse acórdão. Com efeito, neste último processo, a autoridade judiciária de execução não se pronunciou sobre o mandado de detenção europeu em causa e o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre uma questão de mérito, relativa ao princípio ne bis in idem, que tinha interesse tanto para a autoridade judiciária de emissão como para a autoridade judiciária de execução.

45

Em seguida, deve ter‑se em conta o facto de a decisão da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) de recusa de execução do mandado de detenção europeu referente a L. Puig Gordi se basear não apenas numa violação do direito a um processo equitativo mas igualmente na violação da presunção de inocência. Ora, as primeira a sexta questões não dizem respeito a este último fundamento, o que implica que as respostas do Tribunal de Justiça a essas questões não poderão, em todo o caso, levar a considerar que esse mandado de detenção europeu deve ser executado.

46

Por último, três dos arguidos no processo penal principal beneficiam de imunidade enquanto deputados do Parlamento Europeu, pelo que estes não podem ser objeto de um mandado de detenção europeu, o que torna hipotéticas, no que lhes diz respeito, as primeira a sexta questões.

47

Em segundo lugar, C. Ponsatí Obiols, L. Puig Gordi, C. Puigdemont Casamajó e A. Comín Oliveres alegam que a primeira questão é, em todo o caso, inadmissível por outro motivo. Com efeito, essa questão visa obter do Tribunal de Justiça elementos de interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584 que permitam apreciar a compatibilidade de uma disposição legislativa belga com esta decisão‑quadro, embora esta disposição continue a ser aplicável na ordem jurídica belga seja qual for a resposta do Tribunal de Justiça, uma vez que a referida decisão‑quadro não tem efeito direto.

48

Em terceiro lugar, segundo M. Rovira Vergés e A. Gabriel Sabaté, a quinta questão não está relacionada com o processo principal, uma vez que os arguidos não puderam contestar a competência do órgão jurisdicional de reenvio ou invocar os seus direitos fundamentais nos órgãos jurisdicionais espanhóis.

49

Em quarto lugar, M. Rovira Vergés e A. Gabriel Sabaté sustentam que a sexta questão deve ser declarada inadmissível alegando, respetivamente, que, no caso em apreço, a autoridade judiciária de execução se baseou em informações complementares fornecidas pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) e que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a possibilidade de uma autoridade judiciária de execução apresentar um pedido de informações complementares.

50

Quanto a estes diferentes aspetos, deve recordar‑se, a título preliminar, que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o processo principal e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 54 e jurisprudência referida).

51

O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.o 55 e jurisprudência referida).

52

No que respeita, em primeiro lugar, à alegação de que as primeira a sexta questões não têm utilidade para a tramitação do processo penal principal, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio especifica que o pedido de decisão prejudicial visa, nomeadamente, permitir‑lhe determinar se pode emitir um novo mandado de detenção europeu contra L. Puig Gordi depois de a execução de um mandado de detenção europeu anterior emitido contra este último ter sido recusada, e se deve manter ou retirar os mandados de detenção europeus emitidos contra os outros arguidos no processo penal em causa no processo principal.

53

Estas considerações são suscetíveis de justificar que esse órgão jurisdicional possa, enquanto autoridade judiciária de emissão, interrogar o Tribunal de Justiça sobre os requisitos de execução de um mandado de detenção europeu.

54

Com efeito, a garantia dos direitos fundamentais no âmbito de um processo relativo a um mandado de detenção europeu é, em primeira linha, da responsabilidade do Estado‑Membro de emissão. Por conseguinte, e uma vez que a emissão desse mandado pode ter como consequência a detenção da pessoa que é objeto dele, para assegurar a garantia destes direitos, a autoridade judiciária de emissão deve dispor da faculdade de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça para determinar se deve manter ou retirar um mandado de detenção europeu ou se pode emitir esse mandado [v., neste sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2018, AY (Mandado de detenção — Testemunha), C‑268/17, EU:C:2018:602, n.os 28 e 29, e de 28 de janeiro de 2021, Spetsializirana prokuratura (Carta de Direitos), C‑649/19, EU:C:2021:75, n.o 39].

55

O argumento de C. Ponsatí Obiols segundo o qual esta faculdade não pode ser exercida com vista a determinar em que condições a autoridade judiciária de execução deve, a fim de assegurar o cumprimento do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), recusar a execução de um mandado de detenção europeu não pode prosperar, uma vez que a autoridade judiciária de emissão deve, com vista a respeitar os princípios da confiança mútua e da cooperação leal, abster‑se de emitir ou de manter um mandado de detenção europeu cuja execução deva ser recusada, especialmente para evitar a violação desse artigo 47.o, segundo parágrafo (v., por analogia, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Gavanozov II, C‑852/19, EU:C:2021:902, n.o 60).

56

Do mesmo modo, o facto, invocado por C. Ponsatí Obiols, de uma autoridade judiciária de execução já ter recusado a execução do mandado de detenção europeu emitido contra L. Puig Gordi não é suscetível de demonstrar que as primeira a sexta questões não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, uma vez que a existência dessa decisão de recusa é, pelo contrário, suscetível de justificar que o órgão jurisdicional de reenvio se interrogue sobre a questão de saber se pode, sem violar o direito da União, emitir um novo mandado de detenção europeu a fim de obter a entrega de L. Puig Gordi e se devem ser adotadas novas medidas relativamente aos outros arguidos no processo penal principal.

57

Nestas circunstâncias, uma vez que a realização dessa apreciação tem, em última análise, por objeto precisar os poderes e as obrigações da autoridade judiciária de emissão, o facto de o órgão jurisdicional de reenvio não interrogar o Tribunal de Justiça sobre todos os fundamentos invocados pela cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) para recusar a execução do mandado de detenção europeu emitido contra L. Puig Gordi não é suficiente para demonstrar que as primeira a sexta questões não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do processo principal.

58

Além disso, o facto de três dos arguidos no processo principal beneficiarem de imunidade pela sua qualidade de deputados do Parlamento Europeu não é, em todo o caso, suscetível de demonstrar que essas questões têm caráter hipotético, uma vez que os outros arguidos nesse processo, entre os quais L. Puig Gordi, não beneficiam, com efeito, dessa imunidade.

59

Em segundo lugar, no que respeita, mais especificamente, à pretensa inadmissibilidade da primeira questão, basta recordar que, em conformidade com o artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos atos adotados pelas instituições da União Europeia, independentemente do facto de terem efeito direto ou não (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 89, e de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 56).

60

Em terceiro lugar, quanto à pretensa inadmissibilidade da quinta questão, deve salientar‑se que a argumentação de M. Rovira Vergés e A. Gabriel Sabaté a este respeito contradiz as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à tramitação, nos órgãos jurisdicionais espanhóis, do processo relativo às pessoas procuradas.

61

Ora, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o juiz nacional tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal, assim como para interpretar e aplicar o direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2022, Volkswagen, C‑134/20, EU:C:2022:571, n.o 36 e jurisprudência referida).

62

O mesmo se aplica, em quarto lugar, ao argumento apresentado por M. Rovira Verés segundo o qual a sexta questão deve ser declarada inadmissível pelo facto de a autoridade judiciária de execução se ter baseado, no caso em apreço, em informações complementares fornecidas pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), na sua qualidade de autoridade judiciária de emissão. Com efeito, este último sublinhou expressamente, na decisão de reenvio, que não tinha fornecido essas informações à autoridade judiciária de execução, mas que um dos seus membros tinha respondido às perguntas feitas pelo Ministério Público belga, a fim de preparar a sua argumentação numa audiência realizada durante o processo de execução dos mandados de detenção europeus em causa no processo principal.

63

Além disso, contrariamente ao que alega A. Gabriel Sabaté, com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça não sobre a possibilidade de uma autoridade judiciária de execução apresentar um pedido de informações complementares mas sobre a existência de uma obrigação de essa autoridade judiciária apresentar esse pedido antes de poder recusar a execução de um mandado de detenção europeu invocando a falta de competência da autoridade judiciária de emissão para emitir um mandado de detenção europeu e a existência de um sério risco de violação de direitos fundamentais no Estado‑Membro de emissão.

64

Ora, essa questão deve ser entendida no sentido de que incide sobre a interpretação do direito da União. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é obrigado a pronunciar‑se sobre a mesma.

65

Resulta do que precede que as primeira a sexta questões são admissíveis.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira questão

66

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que uma autoridade judiciária de execução dispõe da faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu com base num motivo de não execução que não decorre dessa decisão‑quadro, mas apenas do direito do Estado‑Membro de execução.

67

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a Decisão‑Quadro 2002/584, ao instituir um sistema simplificado e eficaz de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal, destina‑se a facilitar e a acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, fixado à União, de se tornar num espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros [Acórdão de 29 de abril de 2021, X (Mandado de detenção europeu — Ne bis in idem), C‑665/20 PPU, EU:C:2021:339, n.o 37 e jurisprudência referida].

68

Para esse efeito, decorre desta decisão‑quadro, e especialmente do seu artigo 1.o, n.o 2, que a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, ao passo que a recusa de execução é concebida como uma exceção que deve ser objeto de interpretação estrita [v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, X (Mandado de detenção europeu — Ne bis in idem), C‑665/20 PPU, EU:C:2021:339, n.o 46 e jurisprudência referida].

69

A este respeito, importa, em primeiro lugar, sublinhar que o princípio do reconhecimento mútuo pressupõe que apenas os mandados de detenção europeus, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da referida decisão‑quadro, devem ser executados em conformidade com as disposições desta, o que exige que esse mandado, que, nessa disposição, é qualificado de «decisão judiciária», seja emitido por uma «autoridade judiciária», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da mesma decisão‑quadro [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 38 e jurisprudência referida].

70

Em segundo lugar, a autoridade judiciária de execução não deve dar seguimento a um mandado de detenção europeu que não respeite os requisitos mínimos de que depende a sua validade, entre os quais figuram os previstos no artigo 8.o da Decisão‑Quadro 2002/584 [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2018, IK (Execução de uma pena acessória), C‑551/18 PPU, EU:C:2018:991, n.o 43, e de 9 de outubro de 2019, NJ (Procuradoria de Viena), C‑489/19 PPU, EU:C:2019:849, n.o 29].

71

Em terceiro lugar, as autoridades judiciárias de execução devem ou podem recusar a execução do mandado de detenção europeu pelos motivos de não execução previstos nos artigos 3.o, 4.o e 4.o‑A desta decisão‑quadro [v., neste sentido, Acórdão de 27 de maio de 2019, PF (Procurador‑Geral da Lituânia), C‑509/18, EU:C:2019:457, n.o 24 e jurisprudência referida].

72

Em quarto lugar, a existência de um risco de violação dos direitos fundamentais enunciados nos artigos 4.o e 47.o da Carta é suscetível de permitir à autoridade judiciária de execução abster‑se, a título excecional, e na sequência de um exame adequado, de dar seguimento ao mandado de detenção europeu, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 2019, Dorobantu, C‑128/18, EU:C:2019:857, n.o 83, e de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 46 e jurisprudência referida].

73

Assim, há que constatar que cada um dos motivos considerados na jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de que obrigam ou autorizam a autoridade judiciária de execução a não dar seguimento a um mandado de detenção europeu decorrem da Decisão‑Quadro 2002/584.

74

Além disso, resulta do que precede que esses motivos têm um alcance estritamente limitado e que, portanto, só a título excecional permitem recusar a execução de um mandado de detenção europeu.

75

Ora, admitir que é permitido a cada Estado‑Membro acrescentar aos referidos motivos outros motivos que permitam à autoridade judiciária de execução não dar seguimento a um mandado de detenção europeu seria suscetível, por um lado, de violar a aplicação uniforme da Decisão‑Quadro 2002/584, subordinando a sua aplicação a normas de direito nacional, e, por outro, de privar de efetividade a obrigação de executar os mandados de detenção europeus enunciada no artigo 1.o, n.o 2, desta decisão‑quadro, permitindo, na prática, a cada Estado‑Membro determinar livremente o alcance que reveste essa obrigação para as suas autoridades judiciárias de execução.

76

Tal interpretação obstaria ao bom funcionamento do sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal instituído pela referida decisão‑quadro e, logo, iria contra o objetivo prosseguido pela mesma, recordado no n.o 67 do presente acórdão.

77

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que os órgãos jurisdicionais belgas recusaram a execução do mandado de detenção europeu referente a L. Puig Gordi com base no artigo 4.o, ponto 5, da loi du 19 décembre 2003 relative au mandat d’arrêt européen (Lei de 19 de dezembro de 2003 relativa ao Mandado de Detenção Europeu), que dispõe que a execução de um mandado de detenção europeu deve ser recusada se houver razões sérias para crer que essa execução teria por efeito lesar os direitos fundamentais da pessoa em causa, consagrados pelo direito da União.

78

Ora, essa disposição, desde que seja interpretada no sentido de que tem o mesmo alcance que o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, só permite recusar a execução de um mandado de detenção europeu no contexto referido no n.o 72 do presente acórdão e não pode, portanto, ser considerada como estabelecendo um motivo de não execução que não decorre dessa decisão‑quadro.

79

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que uma autoridade judiciária de execução não dispõe da faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu com base num motivo de não execução que não decorra desta decisão‑quadro, mas apenas do direito do Estado‑Membro de execução. Em contrapartida, essa autoridade judiciária pode aplicar uma disposição nacional que preveja que a execução de um mandado de detenção europeu seja recusada quando essa execução pudesse conduzir a uma violação de um direito fundamental consagrado pelo direito da União, desde que o alcance dessa disposição não exceda o do artigo 1.o, n.o 3, da referida decisão‑quadro, como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

Quanto à segunda questão

80

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto à terceira questão

81

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.os 1 e 2, e o artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 devem ser interpretados no sentido de que a autoridade judiciária de execução pode verificar se um mandado de detenção europeu foi emitido por uma autoridade judiciária competente para esse efeito e recusar a execução desse mandado de detenção europeu quando considere que não é esse o caso.

82

Como foi recordado no n.o 69 do presente acórdão, resulta do artigo 1.o, n.os 1 e 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 que apenas os mandados de detenção europeus emitidos por uma autoridade judiciária, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, desta decisão‑quadro, devem ser executados.

83

O artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê que a autoridade judiciária de emissão é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão competente para emitir um mandado de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.

84

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «autoridade judiciária», na aceção desta disposição, requer, em toda a União, uma interpretação autónoma e uniforme [v., neste sentido, Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau), C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 49] e que este conceito implica, nomeadamente, que a autoridade em causa atue com independência no exercício das suas funções inerentes à emissão de um mandado de detenção europeu [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 38].

85

Embora incumba, em consequência, à autoridade judiciária de execução assegurar‑se, antes de executar um mandado de detenção europeu, de que este foi efetivamente emitido por uma autoridade judiciária, na aceção deste artigo 6.o, n.o 1, a autoridade judiciária de execução não pode, em contrapartida, verificar, ao abrigo desta disposição, se a autoridade judiciária de emissão é, à luz das regras do direito do Estado‑Membro de emissão, competente para emitir um mandado de detenção europeu.

86

Com efeito, embora o legislador da União tenha consagrado um conceito autónomo e uniforme de «autoridade judiciária», na aceção da Decisão‑Quadro 2002/584, confiou todavia a cada Estado‑Membro a designação, no âmbito da sua autonomia processual, das autoridades judiciárias competentes para emitir um mandado de detenção europeu [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de novembro de 2016, Kovalkovas, C‑477/16 PPU, EU:C:2016:861, n.o 31, e de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau), C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 48].

87

Uma vez que essa designação deriva assim exclusivamente, em razão dessa escolha feita pelo legislador da União, do direito de cada Estado‑Membro, cabe às autoridades judiciárias do Estado‑Membro de emissão apreciar, no quadro definido no artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 e, se for caso disso, sob a fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais superiores, a sua competência, tendo em conta o direito desse Estado‑Membro, para emitir um mandado de detenção europeu.

88

Como salientou o advogado‑geral no n.o 74 das suas conclusões, considerar que a apreciação da sua própria competência pela autoridade judiciária de emissão pode, em seguida, ser fiscalizada pela autoridade judiciária de execução equivaleria a conferir a esta última autoridade uma função geral de fiscalização das decisões processuais adotadas no Estado‑Membro de emissão, o que seria contrário ao princípio do reconhecimento mútuo, que constitui, nos termos do considerando 6 da Decisão‑Quadro 2002/584, a pedra angular da cooperação judiciária.

89

Consequentemente, há que responder à terceira questão que o artigo 1.o, n.os 1 e 2, e o artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 devem ser interpretados no sentido de que a autoridade judiciária de execução não pode verificar se um mandado de detenção europeu foi emitido por uma autoridade judiciária competente para esse efeito e recusar a execução desse mandado de detenção europeu quando considere que não é esse o caso.

Quanto à quarta questão, alínea c), e quanto à quinta questão

90

A título preliminar, importa salientar, por um lado, que a quarta questão, alínea c), tem por objeto, de maneira geral, os elementos de que a autoridade judiciária de execução deve dispor para recusar a execução de um mandado de detenção europeu pelo facto de essa execução implicar um risco de violação de direitos fundamentais no Estado‑Membro de emissão, o que justifica apreciar em primeiro lugar esta subquestão.

91

Por outro lado, apesar da formulação geral da referida subquestão, resulta da decisão de reenvio que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) se interroga, mais precisamente, para efeitos da referida execução, sobre a pertinência de um suposto risco de que a pessoa que é objeto desse mandado de detenção europeu, na sequência da sua entrega a esse Estado‑Membro, fique exposta a uma violação do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, visto que essa pessoa seria julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito.

92

Nestas circunstâncias, há que considerar que, com a sua quarta questão, alínea c), e a sua quinta questão, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade judiciária de execução chamada a decidir da entrega da pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu pode recusar a sua execução quando considerar que essa pessoa, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, embora a referida pessoa tenha podido invocar, nos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro, os seus direitos fundamentais para contestar a competência da autoridade judiciária de emissão e esse mandado de detenção europeu.

93

Importa recordar que tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo, ele próprio assente na confiança recíproca entre estes últimos, têm, no direito da União, uma importância fundamental, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais especificamente, o princípio da confiança mútua impõe a cada um desses Estados‑Membros, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União, especialmente os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 40 e jurisprudência referida].

94

Assim, quando aplicam o direito da União, os Estados‑Membros podem ser obrigados, por força desse mesmo direito, a presumir o respeito dos direitos fundamentais por parte dos outros Estados‑Membros, pelo que não lhes é possível exigir a outro Estado‑Membro um nível de proteção nacional dos direitos fundamentais mais elevado do que o assegurado pelo direito da União, nem tão‑pouco, salvo em circunstâncias excecionais, verificar se esse outro Estado‑Membro respeitou efetivamente, num caso concreto, os direitos fundamentais garantidos pela União [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 41 e jurisprudência referida].

95

Dito isto, o elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros, no qual se baseia o mecanismo do mandado de detenção europeu, funda‑se na premissa segundo a qual os órgãos jurisdicionais penais do Estado‑Membro de emissão, que, na sequência da execução de um mandado de detenção europeu, deverão conduzir o procedimento penal de repressão ou de execução da pena ou de uma medida de segurança privativa de liberdade, bem como o procedimento penal de mérito, satisfazem as exigências inerentes ao direito fundamental a um processo equitativo, garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Este direito fundamental reveste importância cardinal enquanto garante da proteção do conjunto dos direitos que para os litigantes emergem do direito da União e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do valor do Estado de direito [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 45 e jurisprudência referida].

96

Nestas circunstâncias, embora, a fim de garantir a plena aplicação dos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos subjacentes ao funcionamento deste mecanismo do mandado de detenção europeu, caiba, em primeiro lugar, a cada Estado‑Membro assegurar, sob a fiscalização última do Tribunal de Justiça, a salvaguarda das exigências inerentes ao referido direito fundamental, abstendo‑se de qualquer medida suscetível de o prejudicar, a existência de um risco real de que a pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu sofra, em caso de entrega à autoridade judiciária de emissão, uma violação do mesmo direito fundamental é suscetível de permitir, como recordado no n.o 72 do presente acórdão, à autoridade judiciária de execução não dar, a título excecional, seguimento a esse mandado de detenção europeu, com fundamento no artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 46 e jurisprudência referida].

97

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando a autoridade judiciária de execução chamada a decidir sobre a entrega de uma pessoa contra quem foi emitido um mandado de detenção europeu dispõe de elementos que parecem demonstrar a existência de um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, em razão de falhas sistémicas ou generalizadas do funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão, esta autoridade deve verificar, de maneira concreta e precisa, tendo em conta a situação pessoal dessa pessoa, a natureza da infração pela qual é criminalmente perseguida e o contexto factual em que se insere a emissão do mandado de detenção europeu, se existem motivos sérios e comprovados para acreditar que a referida pessoa correrá esse risco em caso de entrega a esse Estado‑Membro [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 52, e de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 50].

98

No que respeita à aplicabilidade deste exame em duas fases ao motivo de recusa de execução de um mandado de detenção europeu que é objeto da quarta questão, alínea c), importa recordar que a autoridade judiciária de execução deve, nomeadamente, proceder a esse exame, a fim de apreciar se, em caso de entrega da pessoa em causa ao Estado‑Membro de emissão, esta última correrá um risco real de violação do seu direito fundamental a um processo equitativo num tribunal independente previamente estabelecido por lei, consagrado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 66].

99

Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma no dia 4 de novembro de 1950, que deve ser tida em conta no âmbito da interpretação do artigo 47.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2021, Openbaar Ministerie (Direito de ser ouvido pela autoridade judiciária de execução), C‑428/21 PPU e C‑429/21 PPU, EU:C:2021:876, n.o 64], que a competência de um órgão jurisdicional para conhecer de um processo, em aplicação das regras nacionais aplicáveis, faz parte da exigência de um «tribunal estabelecido por lei», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, desta convenção (v., neste sentido, TEDH, 20 de julho de 2006, Sokurenko e Strygun c. Ucrânia, CE:ECHR:2006:0720JUD002945804, §§ 26 a 29, e TEDH, 1 de dezembro de 2020, Guðmundur Andri Ástráðsson c. Islândia, CE:ECHR:2020:1201JUD002637418, §§ 217 e 223).

100

Particularmente, um supremo tribunal nacional que decida em primeira e última instância sobre um processo penal sem dispor de uma base jurídica expressa que lhe confira competência para julgar todos os arguidos não pode ser considerado um tribunal estabelecido por lei, na aceção deste artigo 6.o, n.o 1 (v., neste sentido, TEDH, 22 de junho de 2000, Coëme e o. c. Bélgica, CE:ECHR:2000:0622JUD003249296, §§ 107 a 110, e TEDH, 2 de junho de 2005, Claes e o. c. Bélgica, CE:ECHR:2005:0602JUD004682599, §§ 41 a 44).

101

Nestas condições, embora a autoridade judiciária de execução não possa, como resulta da resposta à terceira questão, verificar a competência da autoridade judiciária de emissão, incumbe, em contrapartida, à autoridade judiciária de execução, quando a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu alegue que será, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, exposta a uma violação do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, uma vez que será julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, apreciar o mérito dessa alegação no âmbito do exame em duas fases referido no n.o 97 do presente acórdão.

102

No que diz respeito ao conteúdo desse exame, há que salientar que, no âmbito da primeira fase, a autoridade judiciária de execução do mandado de detenção europeu em questão deve determinar se existem elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados destinados a demonstrar a existência de um risco real de violação, no Estado‑Membro de emissão, do direito fundamental a um processo equitativo garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, especialmente associado a um incumprimento da exigência de um tribunal estabelecido por lei, em razão de falhas sistémicas ou generalizadas neste Estado‑Membro ou de falhas que afetem um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertence a pessoa em causa [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 89, e de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 67].

103

No contexto das alegações relativas ao risco, para a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu, de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, a autoridade judiciária de execução deve, para determinar se essas falhas estão demonstradas, proceder a uma apreciação global do funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão tendo em conta a exigência de um tribunal estabelecido por lei [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 77]. Esta autoridade judiciária deverá considerar que estas falhas estão demonstradas se resultar dessa apreciação global que os arguidos estão, de um modo geral, privados, nesse Estado‑Membro, de uma via de recurso efetiva que permita fiscalizar a competência do órgão jurisdicional penal chamado a decidir, na forma de um exame da sua própria competência por esse órgão jurisdicional ou de um recurso interposto noutro órgão jurisdicional.

104

A este respeito, desde que as alegações relativas à falta de competência de um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão para julgar a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu não se confundam com uma contestação da competência da autoridade judiciária de emissão ou dos requisitos de emissão desse mandado de detenção europeu, o facto de esta última competência ou de esses requisitos poderem ser ou terem efetivamente sido contestados no processo em causa, nos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro não pode, enquanto tal, ser considerado com tendo caráter decisivo para efeitos de decisão sobre a execução do referido mandado de detenção europeu.

105

No entanto, a tramitação dos processos relativos ao mandado de detenção europeu nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão deve, dado que fornece indicações sobre as práticas desses órgãos jurisdicionais e sobre a sua interpretação das regras nacionais pertinentes, ser tida em consideração pela autoridade judiciária de execução na sua apreciação global da tramitação previsível do processo penal após a entrega de uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu [v., por analogia, Acórdão de 15 de outubro de 2019, Dorobantu, C‑128/18, EU:C:2019:857, n.o 80 e jurisprudência referida], sobretudo numa situação como a do processo principal em que, ao abrigo do direito desse Estado‑Membro, o mesmo órgão jurisdicional é, em princípio, chamado a exercer as funções de autoridade judiciária de emissão e de tribunal de julgamento.

106

Numa segunda fase, a autoridade judiciária de execução deve verificar, de maneira concreta e precisa, em que medida as falhas identificadas na primeira fase do exame referido no n.o 97 do presente acórdão podem ter impacto nos processos a que a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu será sujeita e se, tendo em conta a situação pessoal dessa pessoa, a natureza da infração pela qual é exercida a ação penal contra ela e o contexto factual em que se insere a emissão desse mandado de detenção europeu, existem motivos sérios e comprovados para acreditar que a referida pessoa correrá um risco real de violação do direito fundamental a um processo equitativo garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, em caso de entrega a esse Estado‑Membro [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 55, e de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 53].

107

Quando esse risco resulta, segundo as alegações da pessoa visada, do facto de, em caso de entrega, poder ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, a existência desse risco só poderá ser constatada se, tendo em conta as regras judiciais de competência e de processo aplicáveis no Estado‑Membro de emissão, a falta de competência do órgão jurisdicional provavelmente chamado a decidir do processo de que essa pessoa será objeto no referido Estado‑Membro for manifesta.

108

Com efeito, embora essa falta de competência possa suscitar preocupações legítimas, nomeadamente quanto à imparcialidade do órgão jurisdicional em causa e obstar à entrega da referida pessoa, uma divergência quanto ao alcance preciso dessas regras entre as autoridades judiciárias do Estado‑Membro de emissão e as do Estado‑Membro de execução não pode fundamentar validamente essa constatação.

109

Por último, uma vez que resulta da decisão de reenvio que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) se interroga, nomeadamente, sobre a possibilidade de uma autoridade judiciária de execução recusar a execução de um mandado de detenção europeu devido a um risco de violação do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, sem ter constatado a existência de falhas sistémicas ou generalizadas no Estado‑Membro de emissão, há que recordar que as duas fases do exame referido no n.o 97 do presente acórdão implicam uma análise das informações obtidas com base em critérios diferentes, de modo que essas fases não se podem confundir [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão), C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 56].

110

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a constatação, por parte da autoridade judiciária de execução, da existência de elementos que revelam falhas sistémicas ou generalizadas do funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão não pode justificar que essa autoridade judiciária recuse a execução de um mandado de detenção europeu sem ter procedido efetivamente à segunda fase do exame referido no n.o 97 do presente acórdão [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 81].

111

Do mesmo modo, quando uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu alega estar exposta a um risco de violação do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta com o fundamento de que será julgada por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de emissão sem competência para esse efeito, mas a autoridade judiciária de execução considera que os elementos de que dispõe não constituem elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados para demonstrar a existência de falhas sistémicas ou generalizadas do funcionamento do sistema judicial desse Estado‑Membro ou falhas que afetem a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertence essa pessoa, essa autoridade não pode recusar a execução do mandado de detenção europeu pelo fundamento invocado pela referida pessoa.

112

Com efeito, importa sublinhar que, quando a ordem jurídica do Estado‑Membro de emissão prevê vias de recurso que permitem fiscalizar a competência do órgão jurisdicional chamado a julgar uma pessoa entregue em execução de um mandado de detenção europeu, na forma de um exame da sua própria competência por esse órgão jurisdicional ou de um recurso interposto noutro órgão jurisdicional, o risco de essa pessoa ser julgada por um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro sem competência para esse efeito, pode, em princípio, ser afastado pelo exercício, pela referida pessoa, dessas vias de recurso.

113

Além disso, tendo em conta a natureza da violação do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta invocada pela pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu e que se encontra numa situação como a visada pela quarta questão, alínea c), há que constatar que o exercício dessas vias de recurso deve permitir, desde que sejam efetivas, evitar a própria ocorrência dessa violação ou, em todo o caso, de danos irreparáveis decorrentes desta última.

114

Ora, na falta de elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados suscetíveis de demonstrar a existência de falhas sistémicas ou generalizadas do funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão ou de falhas que afetem a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertence a pessoa em causa, não existe uma razão válida para a autoridade judiciária de execução presumir que as vias de recurso referidas no n.o 112 do presente acórdão são inexistentes ou ineficazes, uma vez que esta autoridade judiciária deve, pelo contrário, como salientou o advogado‑geral no n.o 116 das suas conclusões, basear a sua análise na existência e eficácia das referidas vias de recurso, em conformidade com o princípio da confiança mútua.

115

A confiança que deve ser reconhecida aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão constitui, de resto, o corolário do princípio, recordado no n.o 54 do presente acórdão, segundo o qual a garantia do respeito dos direitos fundamentais de uma pessoa objeto de um mandado de detenção europeu decorre, em primeira linha, da responsabilidade desse Estado‑Membro.

116

Na falta dessa confiança, a autoridade judiciária de execução seria levada, a partir do momento em que lhe sejam submetidas alegações como as que estão em causa no processo principal, a proceder a uma fiscalização da aplicação, pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão, das suas próprias regras judiciais de competência e de processo num caso individual, o que, como foi salientado no n.o 88 do presente acórdão, seria contrário ao princípio do reconhecimento mútuo subjacente à Decisão‑Quadro 2002/584. Ora, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esta decisão‑quadro, lida à luz das disposições da Carta, não pode ser interpretada de modo que ponha em causa a efetividade do sistema de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 47].

117

A interpretação que precede permite assim garantir que o exame, pela autoridade judiciária de execução, do respeito do direito previsto no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão pode, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ser tido em consideração apenas em circunstâncias excecionais [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 191].

118

Esta interpretação é igualmente suscetível de assegurar que sejam tidos em consideração, além das garantias decorrentes, para a pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu, do artigo 47.o da Carta, outros interesses, como a necessidade de respeitar, sendo caso disso, os direitos fundamentais das vítimas das infrações em causa [v., por analogia, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.os 60 a 63].

119

Tendo em conta o que precede, há que responder à quarta questão, alínea c), e à quinta questão que o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade judiciária de execução chamada a decidir da entrega de uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu não pode recusar a sua execução com o fundamento de que essa pessoa, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, exceto se,

por um lado, essa autoridade judiciária dispuser de elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que demonstrem a existência de falhas sistémicas ou generalizadas do funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão ou de falhas que afetem a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertence a pessoa em causa, tendo em conta a exigência de um tribunal estabelecido por lei, que impliquem que os litigantes em causa sejam, de um modo geral, privados, nesse Estado‑Membro, de uma via de recurso efetiva que permita fiscalizar a competência do órgão jurisdicional penal chamado a decidir, e

por outro, a referida autoridade judiciária constatar que, nas circunstâncias específicas do processo em causa, existem motivos sérios e comprovados para acreditar que, tendo em conta, nomeadamente, os elementos fornecidos pela pessoa que é objeto desse mandado de detenção europeu relativos à sua situação pessoal, à natureza da infração pela qual é criminalmente perseguida, ao contexto factual em que se insere o referido mandado de detenção europeu ou a qualquer outra circunstância pertinente, o órgão jurisdicional provavelmente chamado a decidir do processo de que essa pessoa será objeto no Estado‑Membro de emissão é, de maneira manifesta, incompetente para esse efeito.

120

A circunstância de a pessoa em causa ter podido, perante os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão, invocar os seus direitos fundamentais para contestar a competência da autoridade judiciária de emissão e o mandado de detenção europeu emitido contra si não tem importância decisiva a este respeito.

Quanto à quarta questão, alíneas a) e b)

121

Com a quarta questão, alíneas a) e b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu alega que, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, a existência de um relatório do GTDA pode justificar, por si só, que a autoridade judiciária de execução recuse a execução desse mandado de detenção europeu ou, em alternativa, que possa ser tida em conta por essa autoridade judiciária para decidir se deve recusar a execução do referido mandado de detenção europeu pelo motivo invocado por essa pessoa.

122

Decorre da resposta dada à quarta questão, alínea c), que a execução de um mandado de detenção europeu só pode ser recusada com o fundamento de que a pessoa visada pelo mesmo, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito se a autoridade judiciária de execução concluir, por um lado, pela existência de um risco real de violação, nesse Estado‑Membro, do direito fundamental a um processo equitativo garantido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta devido a falhas sistémicas ou generalizadas no funcionamento do sistema judicial do referido Estado‑Membro ou a falhas que afetem a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertence essa pessoa e, por outro, pela manifesta falta de competência do órgão jurisdicional provavelmente chamado a decidir do processo de que a referida pessoa será objeto nesse mesmo Estado‑Membro.

123

Uma vez que essa conclusão deve assentar simultaneamente em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados relativos ao funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão, bem como numa análise concreta e precisa da situação individual da pessoa procurada, um relatório do GTDA que, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não se refira diretamente a esta situação não basta para justificar a recusa de execução de um mandado de detenção europeu contra essa pessoa.

124

No entanto, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados em que a autoridade judiciária de execução deve basear‑se para a realização da primeira fase do exame referido no n.o 97 do presente acórdão podem resultar, designadamente, de decisões judiciais internacionais, como acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de decisões judiciais do Estado‑Membro de emissão, e de decisões, de relatórios e de outros documentos elaborados pelos órgãos do Conselho da Europa ou pertencentes ao sistema das Nações Unidas (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 89).

125

Por conseguinte, uma vez que o mandato do GTDA provém das Resoluções 15/18, 20/16 e 33/30 do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, ele próprio criado pela Resolução 60/251 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 15 de março de 2006, um relatório elaborado pelo GTDA pode fazer parte dos elementos que podem ser tidos em conta na primeira fase desse exame, sem que, no entanto, a autoridade judiciária de execução esteja vinculada pelas conclusões que figuram nesse relatório.

126

Consequentemente, há que responder à quarta questão, alíneas a) e b), que o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu alega que, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, a existência de um relatório do GTDA que não se refira diretamente à situação dessa pessoa não pode justificar, por si só, que a autoridade judiciária de execução recuse a execução desse mandado de detenção europeu, mas esse relatório pode, em contrapartida, ser tido em conta por essa autoridade judiciária, entre outros elementos, para apreciar a existência de falhas sistémicas ou generalizadas no funcionamento do sistema judicial desse Estado‑Membro ou de falhas que afetam a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertença a referida pessoa.

Quanto à sexta questão

127

A título preliminar, importa salientar que a sexta questão tem por objeto a possibilidade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu pelo facto de a autoridade judiciária de emissão ser incompetente para emitir esse mandado de detenção europeu, ou porque a pessoa que é objeto deste último, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito.

128

Uma vez que resulta da resposta dada à terceira questão que o primeiro desses dois motivos não pode, em todo o caso, justificar a recusa de execução de um mandado de detenção europeu, há que examinar a sexta questão unicamente na parte em que diz respeito ao segundo dos referidos motivos.

129

Por conseguinte, há que considerar que, com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade judiciária de execução recuse a execução de um mandado de detenção europeu com o fundamento de que a pessoa que é objeto desse mandado, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, sem ter previamente solicitado à autoridade judiciária de emissão informações complementares.

130

O artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê que, se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias.

131

Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, a fim, nomeadamente, de garantir que o funcionamento do mandado de detenção europeu não seja paralisado, a obrigação de cooperação leal, inscrita no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, deve presidir ao diálogo entre as autoridades judiciárias de execução e as autoridades judiciárias de emissão. Decorre do princípio da cooperação leal que a União e os Estados‑Membros se respeitam e se assistem mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 48 e jurisprudência referida].

132

Nesta perspetiva, as autoridades judiciárias de emissão e de execução devem, a fim de assegurar uma cooperação eficaz em matéria penal, usar plenamente os instrumentos previstos, designadamente, no artigo 8.o, n.o 1, e no artigo 15.o da Decisão‑Quadro 2002/584, para favorecer a confiança mútua em que assenta essa cooperação [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 49 e jurisprudência referida].

133

Neste contexto, importa recordar que, como decorre do n.o 107 do presente acórdão, a autoridade judiciária de execução só pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu com o fundamento de que a pessoa visada pelo mesmo, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito na condição, nomeadamente, de essa autoridade judiciária de execução ter constatado que, à luz das regras judiciais de competência e de processo aplicáveis nesse Estado‑Membro, a falta de competência do órgão jurisdicional provavelmente chamado a decidir do processo de que essa pessoa será objeto no referido Estado‑Membro é manifesta.

134

Uma vez que tal constatação assenta necessariamente numa análise do direito do Estado‑Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução não pode, sob pena de violar o princípio da cooperação leal, proceder a essa constatação sem ter previamente solicitado à autoridade judiciária de emissão informações relativas a essas regras.

135

Importa, no entanto, sublinhar que decorre da resposta dada à quarta questão, alínea c), que tal pedido não se justifica no caso de a autoridade judiciária de execução considerar que não dispõe de elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que permitam demonstrar a existência de falhas sistémicas ou generalizadas do funcionamento do sistema judicial desse Estado‑Membro ou de falhas que afetem a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertence a pessoa em causa. Com efeito, essa autoridade judiciária não pode, nesse caso, recusar a execução de um mandado de detenção europeu com base na falta manifesta de competência do órgão jurisdicional provavelmente chamado a julgar essa pessoa.

136

Consequentemente, há que responder à sexta questão que o artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade judiciária de execução recuse a execução de um mandado de detenção europeu com o fundamento de que a pessoa que é objeto desse mandado, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, sem ter previamente solicitado à autoridade judiciária de emissão informações complementares.

Quanto à sétima questão

137

O órgão jurisdicional de reenvio especifica que solicita ao Tribunal de Justiça uma resposta à sétima questão se resultar das respostas às primeira a sexta questões que, nas circunstâncias do processo principal, a Decisão‑Quadro 2002/584 se opõe à recusa da entrega de uma pessoa com base nas causas referidas nessas questões.

138

Uma vez que o artigo 267.o TFUE não habilita o Tribunal de Justiça a aplicar as regras do direito da União a uma situação determinada (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Bouygues travaux publics e o., C‑17/19, EU:C:2020:379, n.o 51 e jurisprudência referida), há que responder, para os devidos efeitos, à sétima questão, sem prejuízo da apreciação, pelos órgãos jurisdicionais competentes, da possibilidade de executar os mandados de detenção europeus emitidos pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo principal.

139

Com esta sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que se opõe à emissão de vários mandados de detenção europeus sucessivos contra uma pessoa procurada com vista a obter a sua entrega por um Estado‑Membro depois de a execução de um primeiro mandado de detenção europeu contra essa pessoa ter sido recusada por esse Estado‑Membro.

140

A este respeito, importa antes de mais salientar que nenhuma disposição da Decisão‑Quadro 2002/584 exclui a emissão de vários mandados de detenção europeus sucessivos contra uma pessoa, incluindo quando a execução de um primeiro mandado de detenção europeu contra essa pessoa tenha sido recusada.

141

Além disso, essa emissão pode revelar‑se necessária, especialmente após os elementos que impediram a execução de um primeiro mandado de detenção europeu terem sido afastados ou, quando a decisão de recusa de execução desse mandado de detenção europeu não estiver em conformidade com o direito da União, com vista a conduzir o processo de entrega de uma pessoa procurada ao seu termo e, assim, favorecer, como salientou o advogado‑geral no n.o 137 das suas conclusões, a realização do objetivo de luta contra a impunidade prosseguido por esta decisão‑quadro.

142

Em contrapartida, por um lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a emissão de um mandado de detenção europeu cuja execução conduzisse a uma violação do artigo 47.o da Carta e devesse, nas condições expostas na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser recusada pela autoridade judiciária de execução não é compatível com os princípios da confiança mútua e da cooperação leal (v., por analogia, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Gavanozov II, C‑852/19, EU:C:2021:902, n.o 60).

143

Por conseguinte, uma autoridade judiciária de emissão não pode, na falta de uma alteração das circunstâncias, emitir um novo mandado de detenção europeu contra uma pessoa depois de uma autoridade judiciária de execução ter recusado dar seguimento a um primeiro mandado de detenção europeu emitido contra essa pessoa, em conformidade com o que lhe impunha o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta.

144

Por outro lado, uma vez que, como foi salientado no n.o 54 do presente acórdão, a emissão de um mandado de detenção europeu pode ter por consequência a detenção da pessoa que é objeto desse mandado, por conseguinte, é suscetível de comprometer a liberdade individual desta última, cabe à autoridade judiciária que tenciona emitir um mandado de detenção europeu examinar se, à luz das especificidades do caso em apreço, essa emissão reveste um caráter proporcionado [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de maio de 2019, PF (Procurador‑Geral da Lituânia), C‑509/18, EU:C:2019:457, n.o 49, e de 13 de janeiro de 2021, MM, C‑414/20 PPU, EU:C:2021:4, n.o 64].

145

No âmbito desse exame, incumbe nomeadamente a essa autoridade judiciária ter em conta a natureza e a gravidade da infração pela qual a pessoa procurada é acusada, as consequências para essa pessoa do ou dos mandados de detenção europeus anteriormente emitidos contra a mesma ou ainda as perspetivas de execução de um eventual novo mandado de detenção europeu.

146

Tendo em conta o que precede, há que responder à sétima questão que a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à emissão de vários mandados de detenção europeus sucessivos contra uma pessoa procurada com vista a obter a sua entrega por um Estado‑Membro depois de a execução de um primeiro mandado de detenção europeu contra essa pessoa ter sido recusada por esse Estado‑Membro, desde que a execução de um novo mandado de detenção europeu não conduza a uma violação do artigo 1.o, n.o 3, desta decisão‑quadro e que a emissão desse último mandado de detenção europeu revista um caráter proporcionado.

Quanto às despesas

147

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

A Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009,

deve ser interpretada no sentido de que:

uma autoridade judiciária de execução não dispõe da faculdade de recusar a execução de um mandado de detenção europeu com base num motivo de não execução que não decorra da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada, mas apenas do direito do Estado‑Membro de execução. Em contrapartida, essa autoridade judiciária pode aplicar uma disposição nacional que preveja que a execução de um mandado de detenção europeu seja recusada quando essa execução pudesse conduzir a uma violação de um direito fundamental consagrado pelo direito da União, desde que o alcance dessa disposição não exceda o do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada, como interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

2)

O artigo 1.o, n.os 1 e 2, e o artigo 6.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299,

devem ser interpretados no sentido de que:

a autoridade judiciária de execução não pode verificar se um mandado de detenção europeu foi emitido por uma autoridade judiciária competente para esse efeito e recusar a execução desse mandado de detenção europeu quando considere que não é esse o caso.

 

3)

O artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

a autoridade judiciária de execução chamada a decidir da entrega de uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu não pode recusar a sua execução com o fundamento de que essa pessoa, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, exceto se,

por um lado, essa autoridade judiciária dispuser de elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados que demonstrem a existência de falhas sistémicas ou generalizadas do funcionamento do sistema judicial do Estado‑Membro de emissão ou de falhas que afetem a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertence a pessoa em causa, tendo em conta a exigência de um tribunal estabelecido por lei, que impliquem que os litigantes em causa sejam, de um modo geral, privados, nesse Estado‑Membro, de uma via de recurso efetiva que permita fiscalizar a competência do órgão jurisdicional penal chamado a decidir, e

por outro, a referida autoridade judiciária constatar que, nas circunstâncias específicas do processo em causa, existem motivos sérios e comprovados para acreditar que, tendo em conta, nomeadamente, os elementos fornecidos pela pessoa que é objeto desse mandado de detenção europeu relativos à sua situação pessoal, à natureza da infração pela qual é criminalmente perseguida, ao contexto factual em que se insere o referido mandado de detenção europeu ou a qualquer outra circunstância pertinente, o órgão jurisdicional provavelmente chamado a decidir do processo de que essa pessoa será objeto no Estado‑Membro de emissão é, de maneira manifesta, incompetente para esse efeito.

A circunstância de a pessoa em causa ter podido, perante os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de emissão, invocar os seus direitos fundamentais para contestar a competência da autoridade judiciária de emissão e o mandado de detenção europeu emitido contra si não tem importância decisiva a este respeito.

 

4)

O artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais,

deve ser interpretado no sentido de que:

numa situação em que uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu alega que, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, a existência de um relatório do Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária que não se refira diretamente à situação dessa pessoa não pode justificar, por si só, que a autoridade judiciária de execução recuse a execução desse mandado de detenção europeu, mas esse relatório pode, em contrapartida, ser tido em conta por essa autoridade judiciária, entre outros elementos, para apreciar a existência de falhas sistémicas ou generalizadas no funcionamento do sistema judicial desse Estado‑Membro ou de falhas que afetam a proteção jurisdicional de um grupo objetivamente identificável de pessoas a que pertença a referida pessoa.

 

5)

O artigo 15.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que a autoridade judiciária de execução recuse a execução de um mandado de detenção europeu com o fundamento de que a pessoa que é objeto desse mandado, na sequência da sua entrega ao Estado‑Membro de emissão, corre o risco de ser julgada por um órgão jurisdicional sem competência para esse efeito, sem ter previamente solicitado à autoridade judiciária de emissão informações complementares.

 

6)

A Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299,

deve ser interpretada no sentido de que:

não se opõe à emissão de vários mandados de detenção europeus sucessivos contra uma pessoa procurada com vista a obter a sua entrega por um Estado‑Membro depois de a execução de um primeiro mandado de detenção europeu contra essa pessoa ter sido recusada por esse Estado‑Membro, desde que a execução de um novo mandado de detenção europeu não conduza a uma violação do artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme alterada, e que a emissão desse último mandado de detenção europeu revista um caráter proporcionado.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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