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Document 62021CJ0128

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de janeiro de 2024.
    Lietuvos notarų rūmai e o. contra Lietuvos Respublikos konkurencijos taryba.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas.
    Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 101.° TFUE — Conceitos de “empresa” e de “decisões de associações de empresas” — Decisões da Ordem dos Notários de um Estado‑Membro que fixam as regras de cálculo dos honorários — Restrição “por objeto” — Proibição — Inexistência de justificação — Coima — Aplicação à associação de empresas e respetivos membros — Autor da infração.
    Processo C-128/21.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:49

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    18 de janeiro de 2024 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 101.o TFUE — Conceitos de “empresa” e de “decisões de associações de empresas” — Decisões da Ordem dos Notários de um Estado‑Membro que fixam as regras de cálculo dos honorários — Restrição “por objeto” — Proibição — Inexistência de justificação — Coima — Aplicação às associações de empresas e respetivos membros — Autor da infração»

    No processo C‑128/21,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia), por Decisão de 17 de fevereiro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de fevereiro de 2021, no processo

    Lietuvos notarų rūmai,

    M. S.,

    S. Š,

    D. V.,

    V. P.,

    J. P.,

    D. L.‑B.,

    D. P.,

    R. O. I.

    contra

    Lietuvos Respublikos konkurencijos taryba,

    sendo intervenientes:

    Lietuvos Respublikos teisingumo ministerija,

    Lietuvos Respublikos finansų ministerija,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Primeira Secção, Z. Csehi, presidente da Décima Secção, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

    advogado‑geral: G. Pitruzzella,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 15 de setembro de 2022,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Lietuvos notarų rūmai, M. S., S. Š, D. V., V. P., J. P., D. L.‑B, D. P. e R. O. I., por L. Butkevičius e V. Vadapalas, advokatai,

    em representação do Lietuvos Respublikos konkurencijos taryba, por M. Dumbrytė‑Ožiūnienė e M. Š. Keserauskas, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo Lituano, por K. Dieninis e R. Dzikovič, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por F. Jimeno Fernández, I. Rogalski e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de janeiro de 2023,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Lietuvos notarų rūmai (Ordem dos Notários da Lituânia, a seguir «Ordem dos Notários») e M. S., S. Š, D. V., V. P., J. P., D. L.‑B., D. P. e R. O. I., pessoas singulares que exercem a profissão de notário na Lituânia, ao Lietuvos Respublikos konkurencijos taryba (Conselho da Concorrência da República da Lituânia, a seguir «Conselho da Concorrência») relativamente a uma decisão deste último que aplica coimas a essa Ordem e aos seus notários por violação do direito da concorrência lituano e da União.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), dispõe:

    «As autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência têm competência para aplicar, em processos individuais, os artigos [101.o] e [102.o TFUE]. Para o efeito, podem, atuando oficiosamente ou na sequência de denúncia, tomar as seguintes decisões:

    […]

    aplicar coimas, sanções pecuniárias compulsórias ou qualquer outra sanção prevista pelo respetivo direito nacional.

    […]»

    4

    O artigo 23.o desse regulamento prevê, nos seus n.os 2 e 4:

    «2.   A Comissão [Europeia] pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

    a)

    Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.o] ou [102.o TFUE]; ou

    […]

    A coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10 % do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

    Quando a infração cometida por uma associação se referir às atividades dos seus membros, a coima não deve exceder 10 % da soma do volume de negócios total de cada membro ativo no mercado cujas atividades forem afetadas pela infração da associação.

    […]

    4.   Quando for aplicada uma coima a uma associação de empresas tendo em conta o volume de negócios dos seus membros e essa associação se encontrar em situação de insolvência, a associação é obrigada a apelar às contribuições dos seus membros para cobrir o montante da coima.

    Se essas contribuições não tiverem sido pagas à associação no prazo fixado pela Comissão, esta pode exigir o pagamento da coima diretamente a qualquer uma das empresas cujos representantes eram membros dos órgãos diretivos envolvidos da associação.

    Depois de exigir o pagamento nos termos do segundo parágrafo, a Comissão pode exigir, sempre que tal seja necessário para assegurar o pagamento total da coima, o pagamento do saldo remanescente a qualquer um dos membros da associação que estavam ativos no mercado em que foi cometida a infração.

    Todavia, a Comissão não exigirá o pagamento nos termos do segundo ou terceiro parágrafos às empresas que demonstrarem não ter executado a decisão de infração da associação e que, quer a desconheciam, quer dela se tenham distanciado ativamente, antes de a Comissão ter iniciado a investigação no processo.

    A responsabilidade financeira de cada empresa no tocante ao pagamento da coima não pode exceder 10 % do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.»

    Direito lituano

    Lei da Concorrência

    5

    O artigo 5.o, n.o 1, da Lietuvos Respublikos konkurencijos istatymas (Lei da República da Lituânia relativa à Concorrência), de 23 de março de 1999 (Žin., 1999, n.o 30‑856), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei da Concorrência»), prevê:

    «São proibidos e nulos desde a sua celebração todos os acordos que tenham por objeto restringir a concorrência ou que restrinjam ou sejam suscetíveis de restringir a concorrência, incluindo:

    1)

    os que consistam em estabelecer (fixar) direta ou indiretamente o preço de determinados bens ou quaisquer outras condições de compra ou de venda;

    […]»

    Lei do Notariado

    6

    O artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Lietuvos Respublikos notariato įstatymas (Lei da Republica da Lituânia relativa ao Notariado), de 15 de setembro de 1992 (Žin., 1992, n.o I‑2882), na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal (a seguir «Lei do Notariado»), dispõe:

    «Um notário é uma pessoa habilitada pelo Estado para exercer as funções previstas na presente lei e certificar a legalidade das transações e dos documentos no âmbito de relações jurídicas civis. Pode igualmente agir na qualidade de mediador no âmbito de litígios cíveis a fim de os dirimir.»

    7

    O artigo 6.o, primeiro parágrafo, desta lei prevê:

    «O número de notários, a sua sede e a sua jurisdição territorial são determinados pelo ministro da Justiça da República da Lituânia segundo a metodologia por este estabelecida para avaliar as exigências de serviços jurídicos prestados pelos notários aos residentes.»

    8

    Nos termos do artigo 8.o da referida lei:

    «Os notários da República da Lituânia reúnem‑se na Ordem dos Notários […]

    Todos os notários são membros da Ordem dos Notários.

    A Ordem dos Notários é uma pessoa coletiva.

    O Estatuto da Ordem dos Notários é aprovado pela Assembleia da Ordem dos Notários e é aprovado pelo ministro da Justiça da República da Lituânia.»

    9

    O artigo 9.o da mesma lei tem a seguinte redação:

    «As principais competências da Ordem dos Notários são as seguintes:

    1)

    coordenar a atividade dos notários;

    2)

    assegurar a melhoria das qualificações dos notários;

    3)

    proteger e representar os interesses dos notários perante as autoridades públicas e administrativas;

    4)

    elaborar projetos de atos normativos sobre as questões relativas à profissão notarial e apresentá‑los ao ministro da Justiça da República da Lituânia;

    5)

    uniformizar a prática notarial;

    6)

    controlar o modo como os notários exercem as suas funções e cumprem as exigências da ética profissional;

    7)

    assegurar a conservação e a utilização dos documentos elaborados pelos notários no exercício das suas funções;

    8)

    assegurar a realização dos estágios profissionais dos notários;

    9)

    exercer as outras competências previstas por outras leis e pelo Estatuto da Ordem dos Notários.»

    10

    O artigo 10.o, ponto 7, da Lei do Notariado dispõe que a Ordem dos Notários, no exercício das suas competências, adota medidas que permitam assegurar a uniformidade da prática notarial.

    11

    O artigo 11.o, segundo e terceiro parágrafos, desta lei prevê:

    «O ministro da Justiça da República da Lituânia aprova os atos normativos previstos na presente lei, tendo em conta o parecer do Conselho da Ordem dos Notários.

    Se considerar que as resoluções ou as decisões da Ordem dos Notários não estão em conformidade com a legislação da República da Lituânia, o ministro da Justiça da República da Lituânia pode interpor recurso perante o Vilniaus apygardos teismas [(Tribunal Regional de Vílnius, Lituânia)] para obter a anulação das referidas resoluções ou decisões. O recurso deve ser interposto no prazo de um mês a contar da data de receção da resolução ou decisão objeto de recurso.»

    12

    Nos termos do artigo 12.o da referida lei, os notários exercem as suas competências independentemente da influência das autoridades públicas e das autoridades competentes em matéria orçamental e obedecem apenas à lei.

    13

    Em conformidade com o artigo 13.o da mesma lei, os notários respeitam as decisões da Ordem dos Notários no âmbito da sua atividade.

    14

    O artigo 19.o da Lei do Notariado dispõe:

    «Um notário cobra honorários pela redação de atos notariais, pela elaboração de projetos de operações e pela prestação de serviços consultivos e técnicos, cujos montantes (as tarifas) são fixados pelo ministro da Justiça da República da Lituânia, tendo em conta os critérios de determinação dos montantes (as tarifas) dos honorários dos notários mencionados no artigo 191 da presente lei e em consonância com o ministro das Finanças da República da Lituânia e com a Ordem dos Notários. O montante dos honorários deve garantir ao notário rendimentos que lhe permitam ser economicamente independente, garantir aos clientes boas condições de serviço, contratar pessoal que disponha das qualificações necessárias e ter um escritório bem equipado tecnicamente. […]

    Em função da situação financeira do seu cliente, o notário pode dispensá‑lo da totalidade ou de parte do pagamento dos honorários.

    […]»

    15

    O artigo 21.o, primeiro parágrafo, desta lei prevê que os notários exercem a sua atividade de forma autónoma e são economicamente independentes.

    16

    Nos termos do artigo 28.o, primeiro parágrafo, da referida lei:

    «Os atos notariais podem ser lavrados por qualquer notário, exceto em matéria sucessória. Nestes casos, o ministro da Justiça da República da Lituânia fixa a competência territorial dos notários.»

    Estatuto da Ordem dos Notários

    17

    O artigo 8.o, n.o 1, do Estatuto da Ordem dos Notários da Lituânia, aprovado pelo Lietuvos Respublikos teisingumo ministro įsakymas Nr. 1R — 3 (Decreto n.o 1R‑3, do ministro da Justiça da República da Lituânia), de 3 de janeiro de 2008 (Žin., 2008, n.o 6‑222) (a seguir «Estatuto da Ordem dos Notários»), dispõe:

    «A Ordem dos Notários, no exercício da sua atividade, desempenha as seguintes funções:

    […]

    6)

    adota medidas para uniformizar a prática notarial;

    7)

    sintetiza a prática notarial e dá pareceres aos notários;

    […]»

    18

    O artigo 10.o, ponto 4, deste estatuto prevê, nomeadamente, que os membros da Ordem dos Notários estão vinculados às decisões do Conselho da mesma.

    19

    Nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do referido estatuto:

    «O Conselho é um órgão colegial de direção do Ordem dos Notários. É composto por oito membros designados (escolhidos) pela assembleia dos notários por três anos.»

    20

    O artigo 19.o do mesmo estatuto prevê:

    «1.   […] as assembleias dos notários das jurisdições em causa elegem um candidato a membro do Conselho. […]

    2.   As eleições dos candidatos a membro do Conselho realizam‑se nas jurisdições através de votação pública ou secreta. […]

    […]

    4.   Cada membro do Conselho responde perante a assembleia dos notários da área de jurisdição territorial que foi convocada e que propôs a sua candidatura.

    […]

    6.   O presidente e o vice‑presidente são membros do Conselho. O presidente dirige o Conselho.»

    21

    Nos termos do artigo 20.o, n.o 1, do Estatuto da Ordem dos Notários, o Conselho garante a boa execução das funções desta Ordem.

    22

    O artigo 23.o, n.o 1, desse estatuto prevê que as decisões do Conselho são tomadas por maioria simples e voto público.

    23

    Em conformidade com os artigos 26.o, n.o 3, e 28.o, n.o 3, do Estatuto da Ordem dos Notários, o presidente e o vice‑presidente desta Ordem são eleitos pela sua assembleia.

    Tabela provisória

    24

    O ministro da Justiça da República da Lituânia aprovou, através do įsakymas Nr. 57 (Despacho n.o 57), de 12 de setembro de 1996 (Žin., 1996, n.o 87‑2075), a tabela provisória dos honorários cobrados pelos notários pela prática de atos notariais, redação de transações, consulta e serviços técnicos (a seguir «tabela provisória»). Esta tabela prevê, nomeadamente, grelhas nas quais os notários podem fixar os seus honorários a título das atividades de autenticação de uma hipoteca sobre um bem imóvel, autenticação de um penhor, autenticação de um contrato relativo ao direito de servidão, ao direito de usufruto ou ao direito de superfície, ou relativo às disposições para a utilização de um bem, e autenticação de um contrato de permuta de um bem imóvel.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    25

    Através da Decisão n.o 2S‑2(2018) de 26 de abril de 2018, o Conselho da Concorrência declarou que a Ordem dos Notários e os notários que pertencem ao Conselho dessa Ordem tinham violado o artigo 5.o, n.o 1, ponto 1, da Lei da Concorrência, e o artigo 101.o, n.o 1, alínea a), TFUE, e aplicou‑lhes coimas.

    26

    Nesta decisão, o Conselho da Concorrência salientou que, por Decisões de 30 de agosto de 2012, 23 de abril de 2015, 26 de maio de 2016 e 26 de janeiro de 2017, o Conselho da Ordem dos notários tinha adotado regras destinadas a clarificar os métodos de cálculo dos honorários exigíveis pelos notários a título:

    da aprovação de transações hipotecárias e aposição de cláusulas de execução, em situações em que as partes da transação não indiquem o valor da propriedade hipotecada e em situações em que são hipotecadas várias propriedades numa única transação hipotecária;

    da realização de atos notariais, preparação de projetos de transações, consultoria e serviços técnicos em situações em que é constituída uma servidão ao abrigo de um único contrato para várias propriedades, e

    da validação de um contrato de permuta, em situações em que se permutam partes de diferentes bens através de um contrato.

    27

    Estas decisões (a seguir «orientações») foram adotadas por unanimidade pelos membros do Conselho que participaram nas reuniões e foram publicadas no sítio interno da Ordem dos Notários.

    28

    O Conselho da Concorrência considerou que ao adotar as orientações, os recorrentes no processo principal tinham, na realidade, estabelecido um mecanismo de cálculo do montante dos honorários faturados pelos notários a título das atividades visadas por essas orientações, que fixava, em todos os casos, o montante desses honorários no montante mais elevado autorizado pela tabela provisória. Ora, segundo o Conselho da Concorrência, antes da adoção das orientações, os notários dispunham de margem de apreciação para o cálculo desses honorários e podiam, em certos casos, definir montantes de honorários inferiores aos fixados pelas orientações.

    29

    O Conselho da Concorrência concluiu que os recorrentes no processo principal tinham fixado indiretamente os montantes dos referidos honorários. Entendeu que, ao adotar as orientações, a Ordem dos Notários, agindo através do seu órgão de direção, a saber, o Conselho, e dos seus membros, tinha celebrado um acordo que limitava a concorrência em violação do artigo 5.o, n.o 1, ponto 1, da Lei da Concorrência, e do artigo 101.o, n.o 1, alínea a), TFUE. O Conselho da Concorrência considerou que a Ordem dos Notários constituía uma associação que agrupava operadores económicos, ou seja, os notários, e que as orientações deviam ser qualificadas de decisão de uma associação de empresas, em cuja adoção participaram os oito notários membros do Conselho dessa Ordem.

    30

    O Conselho da Concorrência qualificou também as orientações de acordo que tem por objeto limitar a concorrência entre os notários, identificou o mercado dos atos notariais na Lituânia como o mercado relevante e considerou que a violação foi posta em prática entre 30 de agosto de 2012 e pelo menos 16 de novembro de 2017. Além disso, entendeu que o facto de o ministro da Justiça da República da Lituânia ter consentido as ações em causa dos recorrentes no processo principal constituía uma circunstância atenuante e, por conseguinte, reduziu em 5 % o montante das coimas.

    31

    Os recorrentes no processo principal interpuseram um recurso destinado à anulação da decisão do Conselho da Concorrência mencionada no n.o 25 do presente acórdão no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia). Por Acórdão de 19 de fevereiro de 2019, este órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e anulou parcialmente a referida decisão.

    32

    O Conselho da Concorrência interpôs recurso desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

    33

    Em apoio do seu recurso, o Conselho da Concorrência afirma que os notários são operadores económicos e podem concorrer entre si através do preço, ou seja, através do montante dos honorários, nos limites fixados na tabela provisória. Os recorrentes no processo principal não dispõem do direito de uniformizar a prática notarial de uma maneira contrária ao direito da concorrência e não existe uma lacuna na regulamentação nacional. Segundo o Conselho da Concorrência, o artigo 101.o TFUE é aplicável no processo principal, uma vez que as decisões da Ordem dos Notários se aplicam em todo o território lituano, que os honorários dos notários se aplicam quer aos utentes lituanos quer aos nacionais de outros Estados‑Membros que utilizam os serviços dos notários na Lituânia, e que um notário estabelecido na Lituânia pode lavrar atos no quadro de relações transfronteiriças entre operadores económicos.

    34

    Os recorrentes no processo principal alegam que um notário é essencialmente um operador de funções públicas, um agente ou um representante público. Os notários concorrem entre si através da qualidade dos serviços e não do preço. As orientações visam aplicar as competências de que dispõe Ordem dos Notários para uniformizar a prática notarial e dar pareceres aos notários, previstas no artigo 9.o, ponto 5, da Lei do Notariado e no artigo 8.o, n.o 1, pontos 6 e 7, do Estatuto da Ordem dos Notários. Visam também colmatar uma lacuna na regulamentação nacional, proteger os interesses dos consumidores, garantir os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, e proteger os notários contra uma responsabilidade civil injustificada. O ministro da Justiça da República da Lituânia teve conhecimento das orientações, mas não recorreu aos órgãos jurisdicionais para obter a sua anulação, nem tomou a iniciativa de alterar a tabela provisória. Os recorrentes no processo principal defendem também que o Tratado FUE não é aplicável no caso em apreço, por não existir mercado comum dos serviços notariais na União Europeia.

    35

    O órgão jurisdicional de reenvio observa que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a questão de saber se funções notariais como as atribuídas aos notários lituanos constituem uma atividade económica, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e se esses notários constituem empresas na aceção dessa disposição.

    36

    Este órgão jurisdicional pergunta‑se se a competência conferida à Ordem dos Notários para uniformizar a prática notarial satisfaz o critério, definido no n.o 68 do Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98), segundo o qual «um Estado‑Membro […] tem o cuidado de […] conservar o seu poder de decisão em última instância», ou o critério, referido no n.o 46 do Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International (C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890), segundo o qual «o Estado deve exercer uma fiscalização efetiva e o poder de decisão em última instância».

    37

    O órgão jurisdicional de reenvio observa, a este respeito, que o ministro da Justiça da República da Lituânia pode recorrer aos órgãos jurisdicionais para anular uma decisão eventualmente ilegal da Ordem dos Notários e pode também completar a tabela provisória para indicar como há que calcular a remuneração dos notários a título das atividades visadas pelas orientações.

    38

    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se também se as orientações devem ser consideradas decisões de uma associação de empresas, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e se esta disposição deve ser interpretada no sentido de que as referidas orientações têm por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

    39

    Na medida em que os recorrentes no processo principal afirmam que as orientações prosseguem vários objetivos que, em sua opinião, justificam a sua adoção, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se, à luz dos critérios enunciados no n.o 97 do Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98), esses objetivos podem considerar‑se legítimos e, em caso afirmativo, se as limitações previstas nas orientações excedem o que é necessário para serem alcançados.

    40

    Põe‑se, além disso, a questão de saber se o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que os notários que são membros do Conselho se podem considerar membros da associação que violou o artigo 101.o TFUE, e se lhes podem ser aplicadas coimas a título da sua participação nessa violação.

    41

    Nestas condições, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE ser interpretado no sentido de que os notários na República da Lituânia, no exercício de atividade relacionada com as [orientações], são empresas na aceção d[esta disposição]?

    2)

    Deve o artigo 101.o, n.o 1, TFUE ser interpretado no sentido de que as [orientações] constituem uma decisão de uma associação na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, essas orientações têm por objet[o] ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno para efeitos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE?

    4)

    Quando se pronuncia sobre uma possível violação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, estas [orientações] devem ser avaliadas à luz dos critérios enunciados no n.o 97 do Acórdão [de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98)]?

    5)

    Em caso de resposta afirmativa à quarta questão, devem os objetivos invocados pelos [recorrentes no processo principal], isto é, uniformizar a prática notarial, colmatar uma lacuna regulamentar, proteger os interesses dos consumidores, salvaguardar o princípio da igualdade de tratamento dos consumidores e o princípio da proporcionalidade, e proteger os notários contra a responsabilidade civil injustificada, constituir objetivos legítimos na avaliação destas orientações à luz dos critérios enunciados no n.o 97 do Acórdão [de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, EU:C:2002:98)]?

    6)

    Em caso de resposta afirmativa à quinta questão, deve considerar‑se que as restrições impostas nessas orientações não vão além do que é necessário para garantir que os objetivos legítimos são alcançados?

    7)

    Deve o artigo 101.o TFUE ser interpretado no sentido de que se pode considerar que os notários que eram membros do Conselho violaram esse artigo e podem ser[‑lhes aplicada uma coima] com o fundamento de que participaram na adoção das [orientações] enquanto exerciam funções como notários?»

    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    42

    Os recorrentes no processo principal afirmam que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível uma vez que o artigo 101.o TFUE, cuja interpretação é objeto desse pedido, não é aplicável ao processo principal e que, assim, as questões submetidas só respeitam à aplicação do direito lituano a uma situação puramente interna.

    43

    A este propósito, há que reconhecer que a problemática da aplicabilidade do artigo 101.o TFUE ao litígio no processo principal resulta do mérito das questões prejudiciais submetidas e não da sua admissibilidade, pelo que há que examinar os argumentos dos recorrentes no processo principal referidos no número anterior no quadro da apreciação de mérito dessas questões (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 30).

    44

    Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    45

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que os notários estabelecidos num Estado‑Membro devem ser considerados «empresas», na aceção desta disposição, quando exercem, em certas situações, atividades que consistem na aprovação de transações hipotecárias, na aposição de cláusulas de execução, na realização de atos notariais, na preparação de projetos de transações, na consultoria, na prestação de serviços técnicos e na validação de contratos de permuta.

    46

    Nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objet[o] ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

    47

    A título liminar, importa observar que os recorrentes no processo principal e o Governo Lituano afirmam que esta disposição não é aplicável no processo principal, uma vez que as orientações não podem afetar o comércio entre Estados‑Membros, na aceção da referida disposição. Com efeito, devido à natureza dos atos notariais e da regulamentação nacional de cada Estado‑Membro, os notários só podem lavrar atos notariais no território dos Estados‑Membros em que estão estabelecidos. Não existe, portanto, mercado comum dos serviços notariais que possa ser afetado pelas orientações.

    48

    A este respeito, é jurisprudência constante que, para serem suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos objetivos de direito ou de facto, permitir prever com um grau de probabilidade suficiente que exercem uma influência direta ou indireta, atual ou potencial, nos fluxos de trocas comerciais entre Estados‑Membros, de modo a fazer recear que podem obstar à realização de um mercado único entre Estados‑Membros. É, além disso, necessário que esta influência não seja insignificante (Acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 65 e jurisprudência referida, e de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas, C‑211/22, EU:C:2023:529, n.o 62 e jurisprudência referida).

    49

    Assim, a afetação das trocas entre Estados‑Membros resulta em geral da reunião de diversos fatores que, isoladamente considerados, não são necessariamente determinantes. Para verificar se um acordo afeta sensivelmente o comércio entre os Estados‑Membros, é necessário examinar esse acordo no seu contexto económico e jurídico (Acórdão de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, EU:C:2009:576, n.o 37 e jurisprudência referida).

    50

    Segundo jurisprudência igualmente constante, um cartel que se estende a todo o território de um Estado‑Membro tem, pela sua própria natureza, por efeito consolidar barreiras de caráter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado FUE (Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 95 e jurisprudência referida, e de 16 de julho de 2015, ING Pensii, C‑172/14, EU:C:2015:484, n.o 49 e jurisprudência referida).

    51

    Além disso, o conceito de «comércio entre os Estados‑Membros», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não se limita às trocas transfronteiriças de produtos e serviços, revestindo um alcance mais amplo que cobre toda a atividade económica transfronteiriça, incluindo o estabelecimento (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2001, Ambulanz Glöckner, C‑475/99, EU:C:2001:577, n.o 49).

    52

    No caso em apreço, é pacífico que o alcance das orientações se estende a todo o território da República da Lituânia na medida em que, enquanto decisões da Ordem dos Notários, são obrigatórias para todos os notários estabelecidos nesse Estado‑Membro, por força do artigo 13.o da Lei do Notariado e do artigo 10.o, ponto 4, do Estatuto da Ordem dos Notários.

    53

    Embora um notário só possa, em princípio, prestar serviços no Estado‑Membro em que está estabelecido, não deixa de ser verdade, por outro lado, que a profissão de notário está, em princípio, sujeita à liberdade de estabelecimento (v neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Comissão/Letónia, C‑151/14, EU:C:2015:577, n.o 48). Ora, regras como as orientações, que são relativas a um aspeto fundamental do exercício dessa profissão no Estado‑Membro em causa, podem, em princípio, influir sensivelmente na escolha dos nacionais de outros Estados‑Membros de se estabelecerem nesse primeiro Estado‑Membro para exercer a referida profissão. Além disso, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 52 das suas conclusões, nacionais de outros Estados‑Membros que não a República da Lituânia podem recorrer aos serviços dos notários estabelecidos neste último Estado‑Membro.

    54

    Nestas condições, as orientações, na medida em que devem ser qualificadas de acordos entre empresas ou decisões de associações de empresas, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, são suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, na aceção desta disposição.

    55

    Feito este esclarecimento, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no contexto do direito da concorrência, o conceito de «empresa», visado na referida disposição, inclui qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 46 e jurisprudência referida, e de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 35).

    56

    Resulta de jurisprudência igualmente constante que constitui atividade económica qualquer atividade que consista em propor bens ou serviços num dado mercado (Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 47 e jurisprudência referida, e de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 36).

    57

    Ora, quanto aos notários, o Tribunal de Justiça já declarou que, na medida em que exercem uma profissão liberal que implica, enquanto atividade principal, a prestação de vários serviços distintos mediante remuneração, exercem, em princípio, uma atividade económica (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de março de 1987, Comissão/Países Baixos, C‑235/85, EU:C:1987:161, n.o 9, e de 1 de fevereiro de 2017, Comissão/Hungria, C‑392/15, EU:C:2017:73, n.os 98 a 101).

    58

    Além disso, a natureza complexa e técnica dos serviços que prestam e a circunstância de o exercício da sua profissão ser regulamentado não são suscetíveis de pôr em causa esta apreciação (v., por analogia, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 49 e jurisprudência referida, e de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.o 38).

    59

    No processo principal, resulta das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que os notários estabelecidos na Lituânia exercem as suas atividades no quadro de uma profissão liberal, e não enquanto funcionários públicos. Com efeito, o artigo 19.o da Lei do Notariado prevê que o notário cobra honorários pela redação de atos notariais, pela elaboração de projetos de operações e pela prestação de serviços consultivos e técnicos. Por sua vez, o artigo 12.o desta lei dispõe que os notários exercem as suas competências independentemente da influência das autoridades públicas e das autoridades competentes em matéria orçamental e obedecem apenas à lei. Por último, nos termos do artigo 21.o da referida lei, o notário exerce a sua atividade de forma autónoma e é economicamente independente.

    60

    Todavia, os recorrentes no processo principal e o Governo Lituano defendem, em substância, que os notários lituanos não exercem uma atividade económica quando participam no desempenho de funções de caráter público.

    61

    A este propósito, resulta de jurisprudência constante que não têm caráter económico que justifique a aplicação das regras da concorrência previstas pelo Tratado FUE as atividades associadas ao exercício de prerrogativas de poder público (Acórdãos de 12 de julho de 2012, Compass‑Datenbank, C‑138/11, EU:C:2012:449, n.o 36 e jurisprudência referida, e de 6 de maio de 2021, Analisi G. Caracciolo, C‑142/20, EU:C:2021:368, n.o 56).

    62

    Ora, a circunstância de uma entidade dispor, para o exercício de uma parte das suas atividades, de prerrogativas de poder público não impede, por si só, que seja qualificada de empresa, na aceção do direito da concorrência, quanto às suas atividades que tenham um caráter económico, desde que estas possam ser dissociadas do exercício de prerrogativas de poder público (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de julho de 2012, Compass‑Datenbank, C‑138/11, EU:C:2012:449, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida, e de 24 de março de 2022, GVN/Comissão, C‑666/20 P, não publicado, EU:C:2022:225, n.o 71).

    63

    No caso em apreço, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, as atividades notariais visadas pelas orientações, que consistem na aprovação de transações hipotecárias, na aposição de cláusulas de execução, na realização de atos notariais, na preparação de projetos de transações, na consultoria, na prestação de serviços técnicos e na validação de contratos de permuta, em certas situações, não se afiguram associadas ao exercício de prerrogativas de poder público.

    64

    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, em substância, que não estão direta e especificamente ligadas ao exercício da autoridade pública a atividade notarial de autenticação de documentos que reflitam compromissos unilaterais ou de convenções livremente subscritas pelas partes (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Comissão/Hungria, C‑392/15, EU:C:2017:73, n.os 119 e 120, e jurisprudência referida), a constituição de hipotecas (Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/França, C‑50/08, EU:C:2011:335, n.o 97), a simples aposição da fórmula executória (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Comissão/Hungria, C‑392/15, EU:C:2017:73, n.os 125 a 127), e jurisprudência referida), a preparação de projetos de transações, a consultoria e a prestação de serviços técnicos pelos notários (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑157/09, EU:C:2011:794, n.o 72 e jurisprudência referida).

    65

    Além disso, não resulta das informações fornecidas ao Tribunal de Justiça que as atividades notariais visadas pelas orientações estão indissociavelmente ligadas a outras atividades que implicam o exercício de prerrogativas de poder público.

    66

    Acresce que, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, os notários estabelecidos na Lituânia exercem, nos limites das suas respetivas competências territoriais, uma grande parte das suas atividades em condições de concorrência, uma vez que o artigo 28.o, primeiro parágrafo, da Lei do Notariado dispõe a este propósito que os atos notariais podem ser lavrados por qualquer notário, exceto em matéria sucessória. Ora, esta circunstância não pode caracterizar o exercício da autoridade pública (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2015, Comissão/Letónia, C‑151/14, EU:C:2015:577, n.o 74).

    67

    De onde decorre que os notários estabelecidos no território de um Estado‑Membro devem ser considerados «empresas», na aceção do artigo 101.o TFUE, quando exercem atividades como as referidas nas orientações.

    68

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que os notários estabelecidos num Estado‑Membro devem ser considerados «empresas», na aceção desta disposição, quando exercem, em certas situações, atividades que consistem na aprovação de transações hipotecárias, na aposição de cláusulas de execução, na realização de atos notariais, na preparação de projetos de transações, na consultoria, na prestação de serviços técnicos e na validação de contratos de permuta, na medida em que essas atividades não estejam associadas ao exercício de prerrogativas de poder público.

    Quanto à segunda questão

    69

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que regras que uniformizam a maneira de os notários de um Estado‑Membro calcularem o montante dos honorários faturados a título do exercício de algumas das suas atividades, adotadas por uma organização profissional como a Ordem dos Notários, devem ser consideradas decisões de uma associação de empresas, na aceção desta disposição.

    70

    A este respeito, há que verificar, em primeiro lugar, se, ao adotar regras como as que estão em causa no processo principal, uma ordem profissional deve ser considerada uma associação de empresas ou, pelo contrário, uma autoridade pública pelo facto de a sua atividade estar associada ao exercício de prerrogativas de poder público (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.os 56 e 57, e de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 42).

    71

    O Tribunal de Justiça considerou que uma organização profissional que, dispondo de poderes regulamentares, não exerce prerrogativas típicas de poder público, mas age como o órgão de regulação de uma profissão cujo exercício constitui, por outro lado, uma atividade económica não pode escapar à aplicação das regras da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.os 58 e 59), e de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 44).

    72

    Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que outros indícios, relativos nomeadamente à composição dos órgãos dirigentes da organização profissional em causa, ao seu modo de funcionamento, às suas relações com os poderes públicos e ao enquadramento do seu poder regulamentar ou decisório, são tidos em consideração a fim de determinar se essa organização deve ser encarada como uma associação de empresas, na aceção do artigo 101.o TFUE, ou como uma autoridade pública.

    73

    Assim, o Tribunal de Justiça qualificou de «associações de empresas» organizações profissionais à luz, nomeadamente, da circunstância de os órgãos dirigentes dessas organizações serem exclusivamente compostos por membros da profissão eleitos pelos seus pares, sem que as autoridades nacionais possam intervir nessa designação (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 61, e de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 43).

    74

    O Tribunal de Justiça teve também em conta o facto de o Estado não intervir de forma decisiva na tomada de decisões desses órgãos (v., neste sentido, Acórdão de 4 de setembro de 2014, API e o., C‑184/13 a C‑187/13, C‑194/13, C‑195/13 e C‑208/13, EU:C:2014:2147, n.os 33 e 41).

    75

    Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça teve em consideração a circunstância de o poder regulamentar ou decisório de que estava investida a organização ou entidade em causa não estar acompanhado de condições ou critérios de interesse público geral que esta tinha de observar quando da adoção dos seus atos, e de esta organização ou entidade não agir sob a fiscalização efetiva e o poder de decisão em última instância do Estado (v., neste sentido, Acórdãos de19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.os 62 e 68; de 28 de fevereiro de 2013, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.os 49, 54 e 55, e de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International, C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.o 49).

    76

    No processo principal, resulta das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, em conformidade com o artigo 8.o da Lei do Notariado, todos os notários na Lituânia se reúnem na Ordem dos Notários e dela são membros. As principais competências da referida Ordem, previstas no artigo 9.o dessa lei, incluem, nomeadamente, a coordenação da atividade dos notários, a melhoria das suas qualificações, a proteção e a representação dos seus interesses perante as autoridades públicas e administrativas, a uniformização da prática notarial e o controlo do modo como os notários exercem as suas funções e cumprem as exigências da ética profissional.

    77

    Além disso, em conformidade com os artigos 18.o e 19.o do Estatuto da Ordem dos Notários, o Conselho, que é o órgão colegial de direção desta Ordem, é composto por oito membros designados pela assembleia da referida Ordem entre os candidatos eleitos pelas assembleias dos notários, e as decisões desse órgão são tomadas, de acordo com o artigo 23.o desse estatuto, por maioria simples e voto público.

    78

    Por fim, se o ministro da Justiça da República da Lituânia considerar que as decisões da Ordem dos Notários não estão em conformidade com a legislação da República da Lituânia, pode, com base no artigo 11.o da Lei do Notariado, pedir a sua anulação ao Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius).

    79

    Resulta assim das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a Ordem dos Notários tem características de uma organização de regulação da profissão de notário na Lituânia e que o seu órgão dirigente, a saber, o Conselho, é composto exclusivamente por membros dessa profissão que só são escolhidos pelos seus pares, não se afigurando que o Estado lituano intervenha na designação dos referidos membros nem na adoção das decisões do Conselho.

    80

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio não refere nenhuma disposição que defina de modo suficientemente preciso condições ou critérios que garantam que a Ordem dos Notários e o seu Conselho operam efetivamente no respeito pelo interesse público geral quando exercem o seu poder decisório.

    81

    Além disso, o simples facto de os órgãos jurisdicionais lituanos poderem fiscalizar a legalidade das decisões da Ordem dos Notários não implica que esta aja sob a fiscalização efetiva do Estado (v., por analogia, Acórdão de 23 de novembro de 2017, CHEZ Elektro Bulgaria e FrontEx International, C‑427/16 e C‑428/16, EU:C:2017:890, n.os 48 e 49).

    82

    Nestas condições, uma organização profissional como a Ordem dos Notários deve considerar‑se uma associação de empresas, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, e não uma autoridade pública.

    83

    Quanto, em segundo lugar, à questão de saber se as orientações constituem uma decisão de uma associação de empresas na aceção do artigo 101.o TFUE, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal que aquelas, que pretendem uniformizar a forma como os notários calculam o montante dos honorários faturados a título do exercício de algumas das suas atividades, são, como foi recordado no n.o 52 do presente acórdão, obrigatórias para os notários, por força do artigo 13.o da Lei do Notariado e do artigo 10.o, ponto 4, do Estatuto da Ordem dos Notários.

    84

    Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que constituem decisões de empresas, na aceção do artigo 101.o TFUE, as decisões que traduzem a vontade de representantes dos membros de uma profissão destinadas a que estes últimos adotem um comportamento determinado no quadro da sua atividade económica (v., neste sentido, Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, EU:C:2002:98, n.o 64).

    85

    De resto, uma vez que foi declarado que uma recomendação de preço, independentemente da sua natureza jurídica exata, constitui uma decisão à luz do artigo 101.o TFUE (Acórdão de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 46 e jurisprudência referida), deve considerar‑se que a fixação do preço através de um ato vinculativo constitui a fortiori uma decisão (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2013, Consiglio Nazionale dei Geologi, C‑136/12, EU:C:2013:489, n.o 47).

    86

    De onde decorre que regras como as orientações devem ser consideradas decisões de uma associação de empresas, na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    87

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que regras que uniformizam a maneira de os notários de um Estado‑Membro calcularem o montante dos honorários faturados a título do exercício de algumas das suas atividades, adotadas por uma organização profissional como a Ordem dos Notários desse Estado‑Membro, constituem decisões de uma associação de empresas, na aceção desta disposição.

    Quanto às questões terceira a sexta

    88

    Com as suas questões terceira a sexta, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que decisões de uma associação de empresas que uniformizam a maneira de os notários calcularem o montante dos honorários faturados a título do exercício de algumas das suas atividades constituem restrições da concorrência proibidas por este artigo.

    89

    A título liminar, deve salientar‑se que, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, que se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, o papel deste último limita‑se à interpretação das disposições do direito da União sobre as quais é questionado, no caso em apreço sobre o artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Assim, não cabe ao Tribunal de Justiça mas ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, de forma definitiva, se, tendo em conta todos os elementos pertinentes que caracterizam a situação no processo principal e o contexto económico e jurídico em que esta se insere, o acordo em causa tem por objeto e/ou por efeito restringir a concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 51 e jurisprudência referida).

    90

    Todavia, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, com base nos elementos dos autos de que dispõe, fornecer esclarecimentos destinados a orientar o órgão jurisdicional de reenvio na sua interpretação, a fim de que este último possa decidir o litígio (Acórdão de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 52).

    91

    Há que começar por recordar que, para ser abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, uma decisão de uma associação de empresas deve ter «por objeto ou por efeito» impedir, restringir ou falsear de modo sensível a concorrência no mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 54 e jurisprudência referida).

    92

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, desde o Acórdão de 30 de junho de 1966, LTM (56/65, EU:C:1966:38), o caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz, em primeiro lugar, à necessidade de considerar o próprio objeto da decisão de uma associação de empresas (v., neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 55 e jurisprudência referida).

    93

    Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinados tipos de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para serem qualificados de «restrição por objeto», pelo que não é necessário examinar os seus efeitos. Esta jurisprudência tem em conta o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao normal funcionamento da concorrência (Acórdão de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise, C‑306/20, EU:C:2021:935, n.o 57 e jurisprudência referida).

    94

    Assim, é facto assente que se pode considerar que certos comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços, são tão suscetíveis de ter efeitos negativos, em especial, no preço, na quantidade ou na qualidade dos produtos e dos serviços, que se pode considerar que é inútil, para efeitos da aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em prejuízo, especialmente, dos consumidores (Acórdão de 2 de abril de 2020, Budapest Bank e o., C‑228/18, EU:C:2020:265, n.o 36 e jurisprudência referida).

    95

    Ora, no caso em apreço, resulta das informações de que dispõe o Tribunal de Justiça que as orientações estabelecem um mecanismo de cálculo do montante dos honorários dos notários que lhes impõe, relativamente às atividades visadas por essas orientações, adotar o preço mais elevado da grelha de preços prevista pela tabela provisória estabelecida pelo ministro da Justiça da República da Lituânia. Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa, assim, considerar que estas orientações conduzem precisamente à fixação horizontal dos preços dos serviços em causa.

    96

    Nestas condições, deve considerar‑se que decisões como as orientações constituem uma restrição da concorrência «por objeto», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    97

    É certo que resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que qualquer acordo entre empresas ou qualquer decisão de uma associação de empresas que limite a liberdade de ação das empresas partes nesse acordo ou sujeitas ao respeito por essa decisão não fica necessariamente sob a alçada da proibição constante do artigo 101.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, o exame do contexto económico e jurídico no qual se inscrevem alguns desses acordos e algumas dessas decisões pode conduzir a declarar, primeiro, que estes se justificam pela prossecução de um ou mais objetivos legítimos de interesse geral desprovidos, em si, de caráter anticoncorrencial, segundo, que os fundamentos concretos a que se recorreu para prosseguir esses objetivos são verdadeiramente necessários para esse fim e, terceiro, que, mesmo se se verificar que esses fundamentos têm por efeito inerente restringir ou falsear, pelo menos potencialmente, a concorrência, este efeito inerente não vai além do necessário, em particular ao eliminar toda a concorrência. Esta jurisprudência pode ser aplicável, em especial, a acordos ou decisões que tenham a forma de regras adotadas por uma associação como uma associação profissional ou desportiva, a fim de prosseguir certos objetivos de ordem ética ou deontológica e, mais amplamente, enquadrar o exercício de uma atividade profissional, se a associação em causa demonstrar que as condições que acabam de ser recordadas estão preenchidas (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 113 e jurisprudência referida).

    98

    A referida jurisprudência não pode, todavia, aplicar‑se a comportamentos que, longe de se limitarem a ter por «efeito» inerente restringir, pelo menos potencialmente, a concorrência ao limitar a liberdade de ação de certas empresas, apresentam, relativamente a essa concorrência, um grau de nocividade que justifica considerar que têm mesmo por «objeto» impedi‑la, restringi‑la ou falseá‑la. Assim, apenas se se verificar, no termo do exame do comportamento que está em causa num determinado caso, que esse comportamento não tem por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, é que há que determinar, em seguida, se pode ser abrangido por esta jurisprudência (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 115 e jurisprudência referida).

    99

    Quanto a comportamentos que têm por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência, é, portanto, unicamente em aplicação do artigo 101.o, n.o 3, TFUE e desde que todas as condições previstas por esta disposição sejam respeitadas que podem obter o benefício de uma isenção da proibição enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 21 de dezembro de 2023, Royal Antwerp Football Club, C‑680/21, EU:C:2023:1010, n.o 116 e jurisprudência referida).

    100

    A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE está sujeita à reunião de quatro requisitos cumulativos, enunciados nessa disposição. Esses requisitos consistem, primeiro, em que o acordo em causa contribua para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou dos serviços em causa, ou para promover o progresso técnico ou económico, segundo, em que se reserve aos utilizadores uma parte equitativa do lucro daí resultante, terceiro, em que não imponha às empresas participantes qualquer restrição não indispensável, e, por fim, quarto, em que não lhes dê a possibilidade de eliminar a concorrência para uma parte substancial dos produtos ou serviços em causa (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 97).

    101

    No caso em apreço, os recorrentes no processo principal e o Governo Lituano afirmam, em substância, que as orientações prosseguem objetivos legítimos na aceção da jurisprudência referida no n.o 97 do presente acórdão. Com efeito, visam salvaguardar os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, e proteger os notários de uma responsabilidade civil injustificada, uniformizando a prática notarial e colmatando uma lacuna regulamentar. Além disso, as orientações visam proteger os interesses dos utentes dos serviços notariais, uma vez que a faturação dos honorários pelo montante mais elevado de entre os autorizados pela tabela provisória para o estabelecimento de um penhor sobre bens de valor desconhecido contribui para dissuadir as pessoas de penhorar um bem cujo valor não está determinado.

    102

    Todavia, devendo considerar‑se que decisões com as orientações, como resulta do n.o 96 do presente acórdão, constituem uma restrição da concorrência «por objeto», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não podem, de qualquer modo, ser justificadas pelos objetivos visados no número anterior do presente acórdão.

    103

    Além disso, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que os recorrentes no processo principal tenham invocado o benefício da isenção prevista no artigo 101.o, n.o 3, TFUE.

    104

    Nestas condições, deve considerar‑se que decisões como as orientações constituem uma restrição da concorrência «por objeto» proibida pelo artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    105

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões terceira a sexta que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que decisões de uma associação de empresas que uniformizam a maneira de os notários calcularem o montante dos honorários faturados a título do exercício de algumas das suas atividades constituem restrições da concorrência «por objeto», proibidas por este artigo.

    Quanto à sétima questão

    106

    Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma autoridade nacional da concorrência aplique uma coima por uma infração a esta disposição à associação de empresas à qual é imputável a decisão infratora, e coimas individuais, pela mesma infração, às empresas membros do órgão dirigente desta associação que adotou a referida decisão.

    107

    A título liminar, importa salientar que o artigo 5.o do Regulamento n.o 1/2003 prevê que a autoridade nacional responsável em matéria de concorrência competente para aplicar os artigos 101.o e 102.o TFUE pode aplicar coimas, sanções pecuniárias compulsórias ou qualquer outra sanção prevista pelo seu direito nacional.

    108

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no caso de ficar provada a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE, as autoridades nacionais de concorrência devem, em princípio, aplicar uma coima ao seu autor. Com efeito, para assegurar a aplicação efetiva desta disposição no interesse geral, importa que estas autoridades só excecionalmente deixem de aplicar uma coima quando uma empresa tenha violado deliberadamente ou por negligência a referida disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 46 e jurisprudência referida, e de 22 de março de 2022, Nordzucker e o., C‑151/20, EU:C:2022:203, n.o 64).

    109

    A este respeito, importa lembrar, em primeiro lugar, que a efetividade das regras da concorrência da União, em particular do artigo 101.o, n.o 1, TFUE implica, nomeadamente, a necessidade de assegurar o efeito dissuasor das coimas aplicadas em matéria de infrações a estas regras (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de dezembro de 2008, Coop de France bétail et viande e o./ComissãoC‑101/07 P e C‑101/07 P, EU:C:2008:741, n.o 98, e de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, EU:C:2009:166, n.o 149).

    110

    Com efeito, as coimas aplicadas em razão de violações do artigo 101.o TFUE têm por objeto reprimir os atos ilegais das empresas envolvidas assim como dissuadir as empresas em causa e outros operadores económicos de violarem, no futuro, as regras do direito da concorrência da União (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 102; de 26 de setembro de 2013, Alliance One International/Comissão, C‑668/11 P, EU:C:2013:614, n.o 62; e de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.o 84). Assim, a procura do efeito dissuasor não diz apenas respeito às empresas precisamente referidas na decisão que aplica coimas, na medida em que se deve igualmente incentivar as empresas com a mesma dimensão e que dispõem de recursos análogos a não participar em infrações semelhantes às regras da concorrência (Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Caffaro/Comissão, C‑447/11 P, EU:C:2013:797, n.o 37).

    111

    Há que recordar, em segundo lugar, que as autoridades nacionais da concorrência devem também garantir que as coimas que aplicam devido à violação das regras da concorrência da União são proporcionais à natureza da infração (v., neste sentido, Acórdão de 3 de abril de 2019, Powszechny Zakład Ubezpieczeń na Życie, C‑617/17, EU:C:2019:283, n.o 38).

    112

    Resulta das considerações expostas que, no caso de a existência da infração ao artigo 101.o TFUE estar demonstrada, as autoridades nacionais da concorrência devem, em princípio, aplicar ao seu autor uma coima suficientemente dissuasora e proporcionada.

    113

    No que respeita à determinação da entidade que deve ser considerada a autora de uma infração à proibição enunciada no artigo 101.o TFUE, resulta da redação do n.o 1 deste artigo que os autores dos Tratados escolheram utilizar o conceito de «empresa» e de «associação de empresas» para designar o autor de uma infração à proibição enunciada nessa disposição (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o., C‑724/17, EU:C:2019:204, n.o 29, e jurisprudência referida).

    114

    Quando uma entidade infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, segundo o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, EU:C:2007:775, n.o 39 e jurisprudência referida, e de 12 de maio de 2022, Servizio Elettrico Nazionale e o., C‑377/20, EU:C:2022:379, n.o 106).

    115

    Uma vez que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE proíbe, nomeadamente, as «decisões de associações de empresas» suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, há que considerar que uma associação de empresas, como a Ordem dos Notários, pode constituir, enquanto tal, o autor de uma infração a esta disposição.

    116

    No processo principal, resulta da decisão de reenvio que a infração ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE declarada pelo Conselho da Concorrência consiste na adoção das orientações, que constituem decisões do Conselho da Ordem dos Notários. Ora, resulta das informações de que dispõe o Tribunal de Justiça, em particular das especificações fornecidas pelos recorrentes no processo principal e pelo Governo Lituano em resposta a questões submetidas pelo Tribunal de Justiça na audiência, que as decisões do Conselho, que constitui, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, do Estatuto da Ordem dos Notários, o órgão de direção desta, vinculam a referida Ordem, de modo que essas decisões devem ser consideradas decisões da própria Ordem dos Notários.

    117

    Além disso, os recorrentes no processo principal e o Governo Lituano especificaram também na audiência que nem o Conselho nem os seus membros a título individual podem ser tidos por responsáveis pelas referidas decisões, que são imputáveis apenas à Ordem dos Notários.

    118

    De onde resulta que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a Ordem dos Notários deve ser considerada a autora da infração declarada pelo Conselho da Concorrência no processo principal.

    119

    No que respeita aos notários que compõem o Conselho da Ordem dos Notários, ao adotarem as orientações afigura‑se terem agido unicamente na sua qualidade de membros desta. Em particular, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que esses notários participaram de outro modo na infração constatada.

    120

    De resto, na audiência, o Conselho da Concorrência afirmou, em substância, que tinha aplicado coimas individuais aos notários membros do Conselho da Ordem dos Notários não porque tivessem a qualidade de empresas coautoras da infração, mas devido precisamente à sua qualidade de membros desse Conselho nas datas de adoção das orientações. O Conselho da Concorrência explicou a este propósito que essas coimas tinham sido aplicadas com a finalidade de garantir o efeito dissuasor das sanções aplicadas pela referida infração, uma vez que o direito lituano aplicável à época dos factos do processo principal não permitia a aplicação apenas à Ordem dos Notários de uma coima de um montante suficientemente elevado para produzir esse efeito dissuasor, já que não previa a possibilidade de ter em conta o volume de negócios dos membros dessa Ordem para efeitos de cálculo da coima.

    121

    Todavia, o princípio da responsabilidade pessoal, que exige que só se aplique uma sanção por uma infração às regras da concorrência à entidade que dela é autora, opõe‑se a essa abordagem, uma vez que os notários que eram membros do Conselho da Ordem dos Notários no momento da adoção das orientações não podem ser considerados coautores da infração constatada pelo Conselho da Concorrência no processo principal.

    122

    Ora, daí não resulta no entanto que o Conselho da Concorrência estava privado da possibilidade de aplicar à Ordem dos Notários uma sanção dissuasora a título dessa infração, nem que os referidos notários deviam ser necessariamente exonerados de toda a responsabilidade relativamente à mesma infração.

    123

    Com efeito, segundo jurisprudência constante, quando as regras internas de uma associação de empresas lhe permitam vincular os seus membros, a coima a aplicar a esta associação deve, para determinar uma sanção que seja dissuasora, ser calculada em relação ao volume de negócios realizado pelo conjunto das empresas membros da referida associação, mesmo que estas últimas não tenham participado efetivamente na infração [v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C‑298/98 P, EU:C:2000:634, n.o 66; Despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 23 de março de 2001, FEG/Comissão, C‑7/01 P(R), EU:C:2001:183, n.o 11, e Acórdão de 18 de dezembro de 2008, Coop de France bétail et viande e o./Comissão, C‑101/07 P e C‑110/07 P, EU:C:2008:741, n.o 93].

    124

    Além disso, tomar em consideração o volume de negócios realizado pelas empresas membros da associação é também possível, nomeadamente, em casos em que a infração cometida por essa associação respeite às atividades dos seus membros e em que as práticas anticoncorrenciais em causa sejam executadas pela associação diretamente em benefício destes últimos e em cooperação com eles, não tendo a associação interesse objetivo de caráter autónomo relativamente aos interesses objetivos dos seus membros (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2008, Coop de France bétail et viande e o./Comissão, C‑101/07 P e C‑110/07 P, EU:C:2008:741, n.o 97).

    125

    Esta jurisprudência encontra‑se codificada, em substância, no artigo 23.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1/2003, que dispõe que quando a infração cometida por uma associação se referir às atividades dos seus membros, a coima não deve exceder 10 % da soma do volume de negócios total de cada membro ativo no mercado cujas atividades forem afetadas pela infração da associação.

    126

    Acresce que o artigo 23.o, n.o 4, desse regulamento prevê que, quando for aplicada uma coima a uma associação de empresas tendo em conta o volume de negócios dos seus membros e essa associação se encontrar em situação de insolvência, esta é obrigada a apelar às contribuições dos seus membros para cobrir o montante da coima, e a Comissão pode, em certas circunstâncias, exigir o pagamento da coima diretamente a qualquer uma das empresas cujos representantes eram membros dos órgãos diretivos envolvidos da associação, e depois a qualquer um dos membros da associação que estavam ativos no mercado em que foi cometida a infração.

    127

    É certo que o artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 só visa expressamente os poderes da Comissão. Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este artigo é pertinente para a determinação dos poderes das autoridades nacionais da concorrência em matéria de aplicação de coimas (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.os 48 a 50).

    128

    Assim, o facto de o direito lituano aplicável à época dos factos no processo principal não prever a possibilidade de tomar em conta o volume de negócios dos membros da Ordem dos Notários para calcular a coima que o Conselho da Concorrência devia aplicar‑lhe pela infração ao artigo 101.o TFUE que declarou não impedia esta autoridade nacional da concorrência de tomar em conta esse volume de negócios, desde que as condições enunciadas nos n.os 123 a 125 do presente processo estivessem preenchidas.

    129

    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à sétima questão que o artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma autoridade nacional da concorrência aplique, por uma infração a esta disposição cometida por uma associação de empresas, coimas individuais às empresas membros do órgão dirigente desta associação quando essas empresas não sejam as coautoras da infração.

    Quanto às despesas

    130

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que os notários estabelecidos num Estado‑Membro devem ser considerados «empresas», na aceção desta disposição, quando exercem, em certas situações, atividades que consistem na aprovação de transações hipotecárias, na aposição de cláusulas de execução, na realização de atos notariais, na preparação de projetos de transações, na consultoria, na prestação de serviços técnicos e na validação de contratos de permuta, na medida em que essas atividades não estejam associadas ao exercício de prerrogativas de poder público.

     

    2)

    O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que regras que uniformizam a maneira de os notários de um Estado‑Membro calcularem o montante dos honorários faturados a título do exercício de algumas das suas atividades, adotadas por uma organização profissional como a Ordem dos Notários desse Estado‑Membro, constituem decisões de uma associação de empresas, na aceção desta disposição.

     

    3)

    O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que decisões de uma associação de empresas que uniformizam a maneira de os notários calcularem o montante dos honorários faturados a título do exercício de algumas das suas atividades constituem restrições da concorrência «por objeto», proibidas por este artigo.

     

    4)

    O artigo 101.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma autoridade nacional da concorrência aplique, por uma infração a esta disposição cometida por uma associação de empresas, coimas individuais às empresas membros do órgão dirigente desta associação quando essas empresas não sejam as coautoras da infração.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: lituano.

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