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Document 62021CC0772

Conclusões da advogada-geral L. Medina apresentadas em 15 de dezembro de 2022.


Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:1005

 CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 15 de dezembro de 2022 ( 1 )

Processo C‑772/21

UAB «Brink’s Lithuania»

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia)]

«Reenvio prejudicial — Proteção do euro contra a falsificação — Regulamento (CE) n.o 1338/2001 — Artigo 6.o, n.o 1 — Prestadores de serviços de pagamento que participam no tratamento e entrega ao público de notas — Interpretação do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 — Deteção de notas de euro impróprias para circulação — Verificação automática da qualidade — Requisitos mínimos publicados no sítio Internet do BCE e alterados periodicamente — Âmbito de aplicação pessoal — Alcance das obrigações das entidades que operam com numerário — Força vinculativa — Princípio da segurança jurídica»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Decisão BCE/2010/14 ( 2 ), que estabelece, ao abrigo do n.o 1 do artigo 6.o do Regulamento (CE) n.o 1338/2001 ( 3 ), as regras e procedimentos comuns relativos à verificação da autenticidade e da qualidade das notas de euro.

2.

O pedido foi apresentado no âmbito de um processo entre a UAB «Brink’s Lithuania» (a seguir «Brink’s Lithuania») ( 4 ), por um lado, e o Lietuvos bankas (Banco da Lituânia), por outro, a respeito de uma decisão ( 5 ) pela qual este último ordenou à Brink’s Lithuania que assegurasse que o nível de tolerância das suas máquinas de tratamento de notas, para a verificação automática da qualidade das notas de euro destinadas à recirculação, não excedia 5 %.

3.

No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 e, particularmente, os requisitos mínimos estabelecidos pelo Banco Central Europeu (BCE) para a verificação automática da qualidade das notas de euro, conforme previstos nesta disposição, se aplicam às entidades que operam com numerário. Caso não se apliquem, o Tribunal de Justiça deve seguidamente examinar se o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 5, da mesma decisão, se opõe a uma disposição de direito interno que exige que as entidades que operam com numerário cumpram esses requisitos mínimos. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os requisitos mínimos do BCE e o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 são válidos e, portanto, juridicamente vinculativos à luz do princípio da segurança jurídica e do artigo 297.o, n.o 2, TFUE.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Regulamento n.o 1338/2001

4.

O Regulamento n.o 1338/2001 estabelece medidas necessárias na perspetiva da circulação das notas e moedas em euros em condições que garantam a sua proteção contra as atividades de falsificação ( 6 ).

5.

O artigo 6.o do Regulamento n.o 1338/2001, com a epígrafe «Obrigações relativas às instituições que participam no tratamento e na entrega ao público de notas e moedas», prevê nos n.os 1 e 2:

«1.   As instituições de crédito e, no limite das suas atividades de pagamento, os outros prestadores de serviços de pagamento, bem como qualquer outro agente económico que participe no tratamento e entrega ao público de notas e moedas, incluindo:

[…]

os transportadores de fundos,

[…]

[t]êm a obrigação de assegurar o controlo da autenticidade das notas e moedas de euros que recebam e pretendam repor em circulação, bem como a deteção das contrafações.

Para as notas de euro, o controlo efetua‑se de acordo com os procedimentos definidos pelo BCE.

As instituições e agentes económicos referidos no primeiro parágrafo têm a obrigação de retirar da circulação todas as notas e moedas de euro que tenham recebido e que saibam que são falsas ou que tenham motivos bastantes para presumir que são falsas. Enviam sem demora essas notas e moedas às autoridades nacionais competentes.

[…]

2.   Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para garantir que as instituições a que se refere o n.o 1 que não cumpram as obrigações previstas no mesmo número sejam sujeitas a sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

2. Decisão BCE/2010/14

6.

O considerando 2 da Decisão BCE/2010/14 dispõe:

«Para proteger a confiança nas notas de euro e permitir a adequada deteção de contrafações, as notas de euro em circulação devem ser mantidas em bom estado de conservação, de modo a assegurar uma verificação fácil e fiável da sua genuinidade. Importa, por conseguinte, controlar a qualidade das notas de euro. Além disso, as possíveis falsificações de notas de euro têm de ser rapidamente detetadas e entregues às autoridades nacionais competentes.»

7.

O artigo 1.o da Decisão BCE/2010/14, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«A presente decisão estabelece, ao abrigo do n.o 1 do artigo 6.o do Regulamento [n.o 1338/2001], as regras e procedimentos comuns relativos à verificação da autenticidade e da qualidade e à recirculação das notas de euro.»

8.

O artigo 2.o da referida decisão, com a epígrafe «Definições», estabelece:

«Para efeitos da presente decisão, entende‑se por:

1.

“BCN da área do euro”, o banco central nacional (BCN) de um Estado‑Membro cuja moeda seja o euro;

2.

“Entidades que operam com numerário”, as instituições e os agentes económicos referidos no n.o 1 do artigo 6.o do Regulamento [n.o 1338/2001];

3.

“Recirculação”, o ato das entidades que operam com numerário de repor em circulação, direta ou indiretamente, as notas de euro que receberam, quer do público, para a realização de um pagamento ou de um depósito numa conta bancária, quer de outra entidade que opere com numerário;

4.

“Máquina de tratamento de notas”, a máquina operada por clientes ou por profissionais, tal como definida no anexo I;

5.

“Tipo de máquina de tratamento de notas”, uma máquina de tratamento de notas suscetível de ser distinguida de outras máquinas de tratamento de notas, nos termos descritos no anexo I;

6.

“Procedimentos de teste comuns”, os procedimentos especificados pelo BCE e aplicados pelos BCN para testar os tipos de máquinas de tratamento de notas;

[…]

11.

“Notas de euro impróprias para circulação”, as notas de euro consideradas como não aptas para circulação na sequência da verificação da qualidade prevista no artigo 6.o;

[…]»

9.

O artigo 3.o da Decisão BCE/2010/14, com a epígrafe «Princípios gerais», dispõe nos n.os 1 e 3 a 5:

«1.   As entidades que operam com numerário devem exercer a sua obrigação de verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro de acordo com os procedimentos estabelecidos na presente decisão.

[…]

3.   A verificação da autenticidade e da qualidade deve ser efetuada quer por um tipo de máquina de tratamento de notas que tenha sido testada com êxito por um BCN, quer manualmente por um profissional qualificado.

4.   As notas de euro só podem regressar à circulação através de máquinas operadas por clientes ou de máquinas de distribuição de notas se a sua autenticidade e qualidade tiverem sido verificadas por um tipo de máquina de tratamento de notas testado com êxito por um BCN, e tiverem sido classificadas como genuínas e próprias para circulação. […]

5.   As máquinas operadas por profissionais, quanto utilizadas com a finalidade de verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro, bem como as máquinas operadas por clientes só podem ser colocadas em funcionamento por entidades que operam com numerário se tiverem sido testadas com êxito por um BCN e constarem da lista publicada no website do BCE nos termos do artigo 9.o, n.o 2. As máquinas são utilizadas unicamente para as denominações e séries de notas de euro constantes da lista publicada no website do BCE para as máquinas correspondentes, com a configuração normal de fábrica, incluindo as respetivas atualizações, que tenha sido testada com êxito, a menos que uma configuração mais restritiva seja convencionada entre o BCE e a entidade que opera com numerário.»

10.

O artigo 6.o da Decisão BCE/2010/14, com a epígrafe «Deteção de notas de euro impróprias para circulação», estabelece nos n.os 1 a 3:

«1.   A verificação manual da qualidade deve ser efetuada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos no anexo III.

2.   A verificação automática da qualidade deve ser efetuada por meio de uma máquina de tratamento de notas testada com êxito e em conformidade com os requisitos mínimos publicados no website do BCE e alterados periodicamente.

3.   Um BCN pode, depois de informar o BCE, estabelecer requisitos mais restritivos para uma ou mais denominações ou séries de notas de euro, se tal se justificar, por exemplo, pela deterioração da qualidade das notas de euro em circulação no respetivo Estado‑Membro. Os referidos requisitos mais restritivos são publicados no website do BCN em causa.»

11.

O artigo 9.o da mesma decisão, com a epígrafe «Procedimentos de teste comuns do Eurosistema para máquinas de tratamento de notas», estabelece nos n.os 1 a 3:

«1.   Os tipos de máquinas de tratamento de notas são testados pelos BCN em conformidade com os procedimentos de teste comuns do Eurosistema.

2.   Todos os tipos de máquinas de tratamento de notas testadas com êxito serão incluídos numa lista publicada no website do BCE durante o período de validade dos resultados dos testes, conforme se refere no n.o 3. Os tipos de máquina de tratamento de notas que, durante este período, deixem de conseguir detetar todas as contrafações de notas de euro conhecidas do Eurosistema ser[ão] removid[os] da lista em conformidade com o procedimento especificado pelo BCE.

3.   Sempre que um tipo de máquina de tratamento de notas seja testado com êxito, os resultados do teste são válidos em toda a área do euro durante um ano a contar do fim do mês em que o teste foi efetuado, desde que o tipo de máquina se mantenha apto a detetar todas as contrafações de notas de euro conhecidas do Eurosistema durante esse período.»

12.

O artigo 10.o da Decisão BCE/2010/14, com a epígrafe «Atividades de monitorização do Eurosistema e medidas corretivas», estabelece nos n.os 1 e 3:

«1.   Sem prejuízo dos requisitos da legislação nacional, os BCN ficam habilitados a (i) efetuar inspeções no local, incluindo sem aviso prévio, às instalações das entidades que operam com numerário, para controlar as respetivas máquinas de tratamento de notas, em particular a capacidade dessas máquinas para verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro, bem como para detetar possíveis contrafações e as que não foram inequivocamente autenticadas […], e para identificar o titular da conta a que respeitam; e a (ii) verificar os procedimentos que regem a utilização e o controlo das máquinas de tratamento de notas, o tratamento dado às notas de euro submetidas a verificação, e ainda todas as atividades de verificação manual da autenticidade e qualidade.

[…]

3.   Sempre que um BCN detetar o incumprimento de disposições desta decisão por uma entidade que opera com numerário, exigirá a essa entidade que tome medidas corretivas num prazo determinado. Até que o incumprimento seja corrigido, o BCN que formulou a exigência pode, em nome do BCE, proibir a entidade que opera com numerário de repor em circulação a denominação ou denominações de notas de euro das séries em causa. Se o incumprimento se dever a um defeito do tipo de máquina de tratamento de notas, tal poderá levar à remoção da máquina da lista referida no n.o 2 do artigo 9.o»

3. Decisão BCE/2012/19

13.

A Decisão BCE/2012/19 alterou a Decisão BCE/2010/14. Particularmente, o considerando 3 da Decisão BCE/2012/19 estipula:

«Os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade das notas de euro, enunciados no anexo III‑A da Decisão BCE/2010/14, constituem critérios aplicáveis às funcionalidades das máquinas de tratamento de notas. Todavia, revestem interesse apenas para os fabricantes de máquinas de tratamento de notas e não têm qualquer impacto nos procedimentos de verificação da autenticidade e da qualidade estabelecidos na Decisão BCE/2010/14, que devem ser observados pelas entidades que operam com numerário. Dado estarem fora do âmbito de aplicação da Decisão BCE/2010/14, os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade devem ser integrados nas regras e nos procedimentos para a realização de testes a máquinas de tratamento de notas, recolha e controlo de dados.»

4. Orientação BCE/2010/NP16 e requisitos mínimos

14.

A Orientação BCE/2010/NP16 estabelece as regras e procedimentos para a realização de testes a máquinas de tratamento de notas, recolha e controlo de dados ( 7 ).

15.

O artigo 2.o da Orientação BCE/2010/NP16, com a epígrafe «Testes a máquinas de tratamento de notas», dispõe no n.o 1:

«A pedido dos fabricantes, os BCN devem efetuar testes de verificação dos tipos de máquinas de tratamento de notas, antes e no momento da sua instalação pelas entidades que operam com numerário […].»

16.

O artigo 2.o‑A da Orientação BCE/2010/NP16, com a epígrafe «Requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade», estabelece:

«Os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade pelas máquinas de tratamento de notas a que se refere o artigo 6.o da Decisão BCE/2010/14 são definidos pelo Eurosistema, enunciados no anexo IV da presente orientação e publicados [no sítio Internet] do BCE.»

17.

O anexo IV da Orientação BCE/2010/NP16 dispõe:

«O presente anexo estabelece requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade das notas de euro por máquinas de tratamento de notas.

As notas de euro que, durante a verificação da qualidade, apresentem qualquer defeito face aos requisitos mínimos a seguir descritos são consideradas impróprias para circulação.

Na verificação da qualidade por máquinas de tratamento de notas, o nível de tolerância aceitável é de 5 %. Tal significa que, do total de notas de euro que não satisfazem os critérios de qualidade, é permitido que, no máximo, 5 % sejam impropriamente classificadas pelas máquinas como aptas para circulação.»

18.

O conteúdo do anexo IV da Orientação BCE/2010/NP16 foi publicado pelo BCE no seu sítio Internet sob o título «Requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade das notas de euro por máquinas de tratamento de notas» ( 8 ).

B.   Direito lituano

19.

O artigo 6.o, n.o 3, do Lietuvos banko įstatymas (Lei relativa ao Banco da Lituânia) ( 9 ) estabelece:

«O Banco da Lituânia supervisiona o modo como as entidades que operam com numerário, ou seja, as instituições especificadas no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1338/2001] (a seguir “entidades que operam com numerário”), cumprem os requisitos previstos no Regulamento [n.o 1210/2010 ( 10 )] e na Decisão BCE/2010/14 relativos às atividades de tratamento de numerário — verificação da autenticidade e qualidade e recirculação das notas e moedas de euro (a seguir “atividades de tratamento de numerário”).»

20.

O artigo 475.o, n.o 1, da referida lei dispõe:

«O Banco da Lituânia supervisiona as atividades de tratamento de numerário das entidades que operam com numerário e emite instruções a essas entidades em conformidade com as disposições da presente lei, do Regulamento [n.o 1338/2001], do Regulamento [n.o 1210/2010], da Decisão BCE/2010/14 e com os atos jurídicos do Banco da Lituânia em matéria de supervisão das atividades das entidades que operam com numerário.»

21.

O artigo 476.o, n.o 1, da referida lei dispõe:

«O Banco da Lituânia organiza e realiza verificações a fim de determinar o cumprimento dos requisitos estabelecidos nos atos jurídicos referidos no artigo 6.o, n.o 3, da presente lei.»

22.

O artigo 477.o, n.o 1, ponto 2, da Lei relativa ao Banco da Lituânia dispõe:

«Se detetar infrações, o Banco da Lituânia emite uma ou mais instruções vinculativas à entidade que opera com numerário:

[…]

2)

para sanar as infrações no prazo fixado pelo Banco da Lituânia.»

23.

O artigo 477.o, n.os 4 e 5, da referida lei prevê:

«4.   O banco aplica ao infrator uma ou várias das seguintes medidas:

1)

uma advertência acerca das infrações;

2)

as coimas previstas no presente artigo.

5.   As medidas podem ser aplicadas com um ou mais dos seguintes fundamentos:

[…]

2)

incumprimento ou cumprimento defeituoso das injunções impostas pelo Banco da Lituânia;

[…]

4)

violação dos requisitos […] da [Decisão BCE/2010/14].»

24.

O ponto 16.3 da Deliberação do Conselho de Administração do Banco da Lituânia, de 10 de setembro de 2015, que descreve o procedimento de supervisão das atividades de tratamento de numerário (a seguir «Deliberação sobre o procedimento de supervisão das atividades de tratamento de numerário»), estabelece que, durante uma inspeção, os funcionários devem testar a capacidade das máquinas de tratamento de notas utilizadas pela entidade que opera com numerário para verificar a autenticidade e a qualidade das notas e moedas de euro.

25.

O ponto 16.6 da referida deliberação estipula que, durante uma inspeção, os funcionários devem avaliar se a entidade que opera com numerário cumpre corretamente os procedimentos estabelecidos no ponto 16.5 da mesma deliberação e os outros requisitos relativos às atividades de tratamento de numerário estabelecidos, nomeadamente, no Regulamento n.o 1338/2001, na Decisão BCE/2010/14 e na Deliberação do Conselho de Administração do Banco da Lituânia, de 16 de setembro de 2014, que descreve o procedimento de verificação da autenticidade e qualidade e de recirculação das notas e moedas de euro (a seguir «Deliberação sobre o procedimento de verificação da autenticidade e qualidade»).

26.

O ponto 12 da Deliberação sobre o procedimento de supervisão das atividades de tratamento de numerário dispõe:

«As entidades que operam com numerário devem verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro através de sistemas automatizados, em conformidade com os requisitos mínimos publicados no sítio Internet do BCE […], utilizando os seguintes meios:

12.1. Máquinas operadas por clientes, em que as notas devem ser classificadas e tratadas segundo o procedimento estabelecido no anexo II‑A da Decisão [BCE/2010/14];

12.2. Máquinas operadas por profissionais, em que as notas devem ser classificadas e tratadas segundo o procedimento estabelecido no anexo II‑B da Decisão [BCE/2010/14].»

III. Matéria de facto no processo principal e questões prejudiciais

27.

Em 18 de dezembro de 2018, funcionários do Banco da Lituânia efetuaram uma inspeção no local às instalações da sucursal da Brink’s Lithuania situada em Panevėžys (Lituânia). Durante essa inspeção, os funcionários verificaram se as máquinas de tratamento de notas utilizadas nessa sucursal cumpriam os requisitos aplicáveis ao tratamento de numerário destinado à recirculação. Especialmente, testaram a capacidade dessas máquinas para verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro.

28.

O teste revelou que uma das máquinas de tratamento tinha classificado como aptas para circulação 18,26 % das notas de euro impróprias para circulação contidas no pacote de teste. Relativamente a uma segunda máquina, essa taxa foi de 13,91 %. Os resultados do teste foram apresentados num relatório de inspeção que, no entanto, reconheceu que as máquinas em questão pertencem a um tipo de máquina de tratamento de notas que já tinha sido testada com sucesso e que constava da lista publicada no sítio Internet do BCE.

29.

Em 28 de fevereiro de 2019, o diretor do Departamento de Tesouraria do Banco da Lituânia adotou a decisão impugnada. Essa decisão declarou que a Brink’s Lithuania tinha violado os requisitos mínimos referidos no artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, que exige que o nível de tolerância para a verificação da qualidade das notas de euro não seja superior a 5 %. Impôs também à Brink’s Lithuania a adoção das medidas necessárias para sanar a infração no prazo de cinco dias.

30.

No essencial, a decisão impugnada declarou que a capacidade das máquinas de tratamento de notas para verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro depende não só dos fabricantes dessas máquinas mas também dos seus utilizadores — a saber, as entidades que operam com numerário — particularmente no que respeita à sua manutenção técnica. Além disso, assinalou que o simples facto de essas máquinas serem utilizadas com a configuração normal de fábrica, como exigido pelo artigo 3.o, n.o 5, da Decisão BCE/2010/14, não podia ser considerado como prova do cumprimento dessas obrigações. Por último, a decisão impugnada declarou que apenas as inspeções efetuadas nas instalações da entidade que opera com numerário podem revelar se a utilização e manutenção adequadas das máquinas de tratamento de notas estão asseguradas, se os requisitos aplicáveis ao tratamento de numerário são devidamente cumpridos e se são aplicados procedimentos adequados para testar essas máquinas.

31.

A Brink’s Lithuania interpôs um recurso de anulação da decisão impugnada, primeiro, no Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vilnius, Lituânia) e, posteriormente, no Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia), o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo. No litígio no processo principal, é matéria assente que a Brink’s Lithuania, na qualidade de prestadora de serviços de transporte de fundos, deve ser considerada uma entidade que opera com numerário na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da Decisão BCE/2010/14. Porém, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à interpretação e validade do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, designadamente quanto à questão de saber se os requisitos mínimos referidos nessa disposição são vinculativos para as entidades que operam com numerário.

32.

Particularmente, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a redação da versão em lituano dessa disposição sugere que a verificação automática da qualidade das notas de euro deve ser executada em conformidade com os requisitos mínimos do BCE. Isso implicaria que as entidades que operam com numerário, responsáveis por realizar essa tarefa, teriam de cumprir esses requisitos. No entanto, o considerando 3 da Decisão BCE/2012/19 declara, simultaneamente, que os requisitos mínimos do BCE revestem interesse apenas para os fabricantes de máquinas de tratamento de notas e não têm nenhum impacto nos procedimentos automáticos de verificação da qualidade que as entidades que operam com numerário devem realizar. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio não tem a certeza se, à luz das várias versões linguísticas do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, esta disposição exige que as entidades que operam com numerário assegurem o respeito dos requisitos mínimos do BCE.

33.

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, caso o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 deva ser interpretado no sentido de que impõe às entidades que operam com numerário a obrigação de testar as suas máquinas de tratamento de notas de acordo com os requisitos mínimos do BCE, essa obrigação não poderia ser totalmente compatível com a obrigação decorrente do artigo 3.o, n.o 5, da mesma decisão, dado que esta disposição exige expressamente que as entidades que operam com numerário utilizem as referidas máquinas com a configuração normal de fábrica. O órgão jurisdicional de reenvio considera ainda que é difícil determinar de que modo as entidades que operam com numerário devem efetuar esse teste, tendo em conta que a Decisão BCE/2010/14 não contém nenhuma indicação sobre esse aspeto. Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, se a obrigação de cumprir os requisitos mínimos previstos no artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 não fosse aplicável às entidades que operam com numerário, a utilização de máquinas de tratamento de notas apenas com a configuração normal de fábrica poderia comprometer o objetivo de assegurar que as notas de euro sejam mantidas em bom estado de conservação.

34.

Por último, caso as entidades que operam com numerário estejam vinculadas pelos requisitos mínimos referidos no artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, o órgão jurisdicional de reenvio expressa as suas dúvidas quanto à questão de saber se esses requisitos respeitam o princípio da segurança jurídica. A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, de acordo com essa mesma disposição, os requisitos mínimos são apenas publicados no sítio Internet do BCE e não no Jornal Oficial da União Europeia. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por conseguinte, se os requisitos mínimos podem ser considerados vinculativos e se podem ser invocados como base jurídica para uma injunção contra uma entidade que opera com numerário. O órgão jurisdicional de reenvio tão‑pouco tem a certeza de que a regra estabelecida no artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 seja compatível com o artigo 297.o, n.o 2, TFUE e, que, portanto, seja válida, na medida em dispõe que os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade das notas de euro têm de ser publicados daquela forma.

35.

Nestas circunstâncias, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 ser interpretado no sentido de que os requisitos mínimos nele previstos devem ser cumpridos por uma entidade que opera com numerário e que realiza a verificação automática da qualidade das notas de euro?

2)

Se, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, os requisitos mínimos nele previstos forem aplicáveis apenas aos fabricantes de máquinas de tratamento de notas (mas não às entidades que operam com numerário), deve o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, em conjugação com o artigo 3.o, n.o 5, da mesma ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito interno segundo a qual a obrigação de cumprimento desses requisitos mínimos é aplicável a uma entidade que opera com numerário?

3)

Os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade das notas de euro por máquinas de tratamento de notas, tendo em conta o facto de serem publicados no sítio web do BCE, são conformes com o princípio da segurança jurídica e com o artigo 297.o, n.o 2, TFUE, e são vinculativos e suscetíveis de ser invocados no que respeita às entidades que operam com numerário?

4)

O artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, na medida em que estabelece que os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade das notas de euro são publicados no sítio web do BCE e alterados periodicamente, é contrário ao princípio da segurança jurídica e ao artigo 297.o, n.o 2, TFUE, e, por conseguinte, inválido?»

36.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2021. Foram apresentadas observações escritas pela República da Lituânia, pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. Em 20 de outubro de 2022 teve lugar uma audiência.

IV. Apreciação jurídica

37.

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pede essencialmente ao Tribunal de Justiça para declarar se o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 exige que as entidades que operam com numerário cumpram os requisitos mínimos referidos nesta disposição ao efetuarem a verificação automática da qualidade das notas de euro. Em caso de resposta negativa a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ainda saber se uma disposição nacional como a que está em apreço no processo principal, que estabelece uma obrigação desse tipo para as entidades que operam com numerário, é compatível com o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, em conjugação com o artigo 3.o, n.o 5, da mesma decisão. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, caso as entidades que operam com numerário estejam obrigados a cumprir os requisitos mínimos referidos nesta disposição, a mera publicação de tais requisitos no sítio Internet do BCE, conforme prescrito no artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, é suficiente para se considerar que estão em conformidade com o princípio da segurança jurídica e com o artigo 297.o, n.o 2, do TFUE e que, portanto, são vinculativos. Do mesmo modo, o órgão jurisdicional de reenvio também põe em causa a validade do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14.

A.   Primeira questão prejudicial

38.

A primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio refere‑se ao âmbito de aplicação das obrigações impostas pela Decisão BCE/2010/14 às entidades que operam com numerário com vista a proteger o euro contra a contrafação. Mais especificamente, esta questão visa determinar se os requisitos mínimos referidos no artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 se aplicam às entidades que operam com numerário quando do cumprimento por estas entidades da sua obrigação de proceder à verificação automática da qualidade das notas de euro.

39.

A título preliminar, devo recordar que o artigo 6.o do Regulamento n.o 1338/2001 estabelece as medidas necessárias para a proteção do euro contra a falsificação. Esta disposição exige que as instituições que participam no tratamento e na entrega ao público de notas a título profissional — incluindo as entidades que operam com numerário — retirem de circulação todas as notas de euro que tenham recebido e que saibam que são falsas ou que tenham motivos bastantes para presumir que são falsas, e as enviem sem demora às autoridades nacionais competentes. A mesma disposição estipula que os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as instituições de crédito e outros profissionais que operam com numerário que não cumpram as obrigações acima referidas sejam sujeitos a sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

40.

A Decisão BCE/2010/14 confere maior expressão ao artigo 6.o do Regulamento n.o 1338/2001 ( 11 ). Sobretudo, o artigo 3.o, n.o 1, da referida decisão impõe às entidades que operam com numerário que verifiquem a autenticidade e a qualidade das notas de euro de acordo com os procedimentos estabelecidos nessa mesma decisão. O objetivo subjacente é garantir o bom estado de conservação das notas de euro, para assegurar uma verificação fácil e fiável da sua genuinidade, e assim permitir a deteção de contrafações ( 12 ). Além disso, o artigo 3.o, n.o 3, da Decisão BCE/2010/14 especifica que a verificação da autenticidade e da qualidade deve ser efetuada quer por um tipo de máquina de tratamento de notas que tenha sido testada com êxito por um banco central nacional do Eurosistema, quer manualmente por um profissional qualificado. Nos casos de máquinas operadas por profissionais ou por clientes ( 13 ), o artigo 3.o, n.o 5, da Decisão BCE/2010/14 estabelece ainda que estas máquinas são utilizadas unicamente para as denominações e séries de notas de euro constantes da lista publicada no sítio Internet do BCE para as máquinas correspondentes, com a configuração normal de fábrica, incluindo as respetivas atualizações.

41.

Relativamente à verificação automática da qualidade, que constitui o cerne do presente processo, o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, sob a epígrafe «Deteção de notas de euro impróprias para circulação», estabelece que esta verificação «deve ser efetuada por meio de uma máquina de tratamento de notas testada com êxito e em conformidade com os requisitos mínimos publicados no website do BCE e alterados periodicamente». Esta disposição não especifica se esses requisitos mínimos se aplicam às entidades que operam com numerário nem define, particularmente, se as entidades que operam com numerário têm a obrigação de confirmar se as máquinas que utilizam para efetuar a verificação automática da qualidade das notas de euro para recirculação cumprem esses requisitos.

42.

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, para interpretar uma disposição do direito da União em resposta a um pedido de decisão prejudicial, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 14 ).

43.

Em primeiro lugar, observo que, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 poderia ser interpretado, numa perspetiva literal, no sentido de que a verificação automática da qualidade das notas de euro deve ser efetuada em conformidade com os requisitos mínimos do BCE. Esta interpretação resulta do emprego nessa disposição das expressões «[a] verificação automática da qualidade deve ser efetuada» e «em conformidade com os requisitos mínimos». Dado que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Decisão BCE/2010/14, as entidades que operam com numerário estão incumbidas de desempenhar tal tarefa, o artigo 6.o, n.o 2, desta decisão permite concluir que esses agentes económicos têm a obrigação de assegurar que a verificação automática da qualidade das notas de euro é efetuada em conformidade com os referidos requisitos mínimos.

44.

No entanto, uma leitura atenta do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 revela que a expressão «em conformidade com os requisitos mínimos publicados» aparece imediatamente após a expressão «máquina de tratamento de notas testada com êxito», e não após a expressão «[a] verificação automática da qualidade deve ser efetuada». Considerando a estrutura da frase e o facto de os testes serem, por definição, realizados de acordo com requisitos previamente definidos, estou, portanto, inclinada a interpretar a expressão «os requisitos mínimos» que figura desta disposição como uma referência aos testes em que as máquinas de tratamento de notas devem ter êxito antes da sua instalação e utilização pelas entidades que operam com numerário, e não como uma referência ao procedimento que as entidades que operam com numerário têm de seguir para realizar a verificação automática da qualidade das notas de euro. Caso contrário, a expressão «[a] verificação automática da qualidade deve ser efetuada» seria logicamente seguida da expressão «em conformidade com os requisitos mínimos publicados», o que também conduziria a uma frase coerente e bem estruturada, mas nesse caso acarretaria um significado diferente.

45.

Esta conclusão, que resulta da análise da versão inglesa da Decisão BCE/2010/14, também me parece ser apoiada pela redação de outras versões linguísticas do artigo 6.o, n.o 2, da referida decisão. Por exemplo, como refere o BCE, a versão francesa do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 dispõe que «[l]e contrôle automatique est effectué avec un équipement de traitement des billets testé positivement conformément aux normes minimales qui sont publiées sur le site internet de la BCE et modifiées périodiquement». Por último, a versão espanhola estipula que «[l]a comprobación automática de aptitud se efectuará mediante una máquina de tratamiento de billetes que haya superado una prueba de acuerdo con las normas mínimas que, junto con sus oportunas modificaciones, se publican en la dirección del BCE en internet» ( 15 ). De acordo com a estrutura da disposição em todas as referidas versões linguísticas, que também correspondem à estrutura da versão lituana, aplicável ao caso em apreço no processo principal, a referência aos requisitos mínimos do BCE deve ser entendida, a meu ver, como estando relacionada com as máquinas de tratamento de notas que têm de ser testadas com êxito em conformidade com esses requisitos, e não com nenhuma obrigação que as entidades que operam com numerário devam cumprir ao verificarem a qualidade das notas de euro antes da recirculação.

46.

Daqui decorre que uma interpretação literal do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, com base numa análise comparativa das diferentes versões linguísticas desta disposição, sugere que os requisitos mínimos não se aplicam à verificação automática da qualidade que as entidades que operam com numerário efetuam no decurso da sua atividade profissional. Tão‑pouco sugere que as entidades que operam com numerário tenham a obrigação de monitorizar ou testar as suas máquinas de tratamento de notas em conformidade com esses requisitos quando efetuam tais verificações. Pelo contrário, a referência aos requisitos mínimos do BCE no artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 implica que as entidades que operam com numerário devem desempenhar as suas funções utilizando máquinas previamente testadas em conformidade com esses requisitos.

47.

Em todo o caso, não obstante a relativa ambiguidade do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, devo salientar que uma interpretação contextual e sistemática desta decisão apoia o entendimento de que as entidades que operam com numerário não estão vinculadas pelos requisitos mínimos do BCE no que respeita à verificação automática da qualidade das notas de euro.

48.

Em primeiro lugar, o considerando 3 da Decisão BCE/2012/19 — ou seja, o principal ato jurídico adotado pelo BCE para alterar a Decisão BCE/2010/14 ( 16 ) — estabelece que os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade das notas de euro constituem critérios aplicáveis às funcionalidades das máquinas de tratamento de notas. O mesmo considerando declara ainda inequivocamente que «[t]odavia, [os requisitos mínimos] revestem interesse apenas para os fabricantes de máquinas de tratamento de notas e não têm qualquer impacto nos procedimentos de verificação da autenticidade e da qualidade estabelecidos na Decisão BCE/2010/14, que devem ser observados pelas entidades que operam com numerário» ( 17 ). Por conseguinte, não deveria subsistir nenhuma dúvida quanto ao objetivo da alteração introduzida pela Decisão BCE/2012/19 no que respeita ao âmbito de aplicação dos requisitos mínimos.

49.

Em segundo lugar, é importante referir que, na sua versão original, o artigo 6.o da Decisão BCE/2010/14 previa que a verificação da qualidade das notas de euro devia ser efetuada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos nos anexos IIIa e IIIb da referida decisão. Particularmente, o seu anexo IIIa estabelecia os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade por máquinas de tratamento de notas, enquanto o anexo IIIb estabelecia os requisitos mínimos para a verificação manual da qualidade por profissionais qualificados.

50.

Ora, após a adoção da Decisão BCE/2012/19, o anexo IIIa da Decisão BCE/2010/14 foi revogado com o objetivo expresso, segundo o considerando 3 da primeira decisão, de estabelecer os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade «fora do âmbito de aplicação» da segunda decisão ( 18 ). Paralelamente, esses requisitos mínimos foram integrados na Orientação BCE/2010/NP16 ( 19 ), que estabelece as regras e procedimentos aplicáveis à realização de testes a tipos de máquinas de tratamento de notas, e, nos termos do artigo 2.o da referida orientação, aplicam‑se às verificações efetuadas nesses tipos de máquinas «a pedido dos fabricantes […] antes e no momento da sua instalação pelas entidades que operam com numerário. Os requisitos mínimos encontram‑se atualmente enumerados no anexo IV da referida orientação, sem prejuízo da publicação que, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, deve ser feita no sítio Internet do BCE. Curiosamente, a Decisão BCE/2012/19 e a alteração introduzida na Orientação BCE/2012/NP16 foram adotadas na mesma data.

51.

A Decisão BCE/2012/19 demonstra, por conseguinte, que o âmbito de aplicação pessoal dos requisitos mínimos foi ajustado para que esses requisitos se aplicassem exclusivamente aos testes efetuados pelos fabricantes aos seus tipos de máquinas de tratamento de notas. Como o BCE corretamente afirmou na audiência, tal alteração baseia‑se numa escolha política deliberada dessa instituição para evitar qualquer interferência nas máquinas que efetuam a verificação automática da qualidade ou manipulação das mesmas. Além disso, como explicarei a seguir, essa escolha política baseia‑se na obrigação complementar imposta às entidades que operam com numerário de utilizarem as suas máquinas exclusivamente com a configuração normal de fábrica.

52.

Em terceiro lugar, se os requisitos mínimos devessem ser considerados aplicáveis não só aos fabricantes de máquinas de tratamento de notas, conforme acima referido, mas também às entidades que operam com numerário, várias disposições da Decisão BCE/2010/14 que visam estabelecer um conjunto completo de regras e procedimentos para a verificação da autenticidade e da qualidade deixariam de ter sentido ou, pelo menos, produziriam um resultado redundante.

53.

Seria o caso, desde logo, da obrigação de as entidades que operam com numerário utilizarem máquinas de tratamento de notas com a configuração normal de fábrica, nos termos do artigo 3.o, n.o 5, da Decisão BCE/2010/14. Conforme referido, o objetivo desta obrigação é evitar situações em que as entidades que operam com numerário interfiram na configuração normal de fábrica estabelecida pelos fabricantes dessas máquinas, a fim de prevenir discrepâncias entre os resultados da verificação da autenticidade e da qualidade das notas de euro em toda a área do euro. É evidente que, se as entidades que operam com numerário verificassem as suas máquinas de acordo com as exigências impostas pelos requisitos mínimos do BCE, não poderiam cumprir a sua obrigação de não alterar a configuração normal de fábrica determinada pelo fabricante antes da sua entrega ou durante a sua instalação. Consequentemente, uma interpretação favorável à imposição de requisitos mínimos às entidades que operam com numerário seria contraditória com a Decisão BCE/2010/14, o que não só prejudicaria a sua coerência normativa interna mas também comprometeria a escolha política feita pelo BCE ao adotar a Decisão BCE/2012/19.

54.

Além disso, um entendimento semelhante deve ser aplicado em relação à obrigação de as entidades que operam com numerário utilizarem, para efeitos da verificação automática da qualidade das notas de euro, apenas tipos de máquinas de tratamento de notas testados com êxito pelos bancos centrais nacionais, conforme estabelecido no artigo 3.o, n.o 3, da Decisão BCE/2010/14. Mais uma vez, se as entidades que operam com numerário tivessem a obrigação de testar as suas máquinas para garantir a conformidade destas com os requisitos mínimos do BCE, isso poria em causa o objetivo das regras e procedimentos para a realização de testes a essas máquinas, nos quais os fabricantes e os bancos centrais nacionais desempenham um papel essencial, em conformidade com o artigo 9.o da Decisão BCE/2010/14 e com outras normas aplicáveis, nomeadamente a Orientação BCE/2010/NP16. Além disso, subsistiriam dúvidas quanto ao método e à regularidade dos testes efetuados pelas entidades que operam com numerário. No meu entender, a falta de qualquer indicação a esse respeito na Decisão BCE/2010/14 milita certamente a favor da conclusão de que o BCE, enquanto autor desta decisão e das suas subsequentes alterações, entendia que as entidades que operam com numerário não têm a obrigação de testar as suas máquinas à luz dos requisitos mínimos do BCE.

55.

Assim, uma interpretação contextual e sistemática do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 não exige um reexame da interpretação literal desta disposição, conforme estabelecida no n.o 46 das presentes conclusões. Pelo contrário, apoia o entendimento de que os requisitos mínimos do BCE não impõem às entidades que operam com numerário nenhuma obrigação de testar as suas máquinas em conformidade com esses requisitos.

56.

Por último, no tocante à interpretação teleológica da Decisão BCE/2010/14 e do artigo 6.o, n.o 2, desta decisão, importa observar que uma das principais tarefas para garantir a confiança do público nas notas de euro em circulação é mantê‑las em boas condições ( 20 ). Dado que as notas se deterioram inevitavelmente durante a circulação, as notas gastas ou defeituosas devem ser retiradas de circulação e substituídas por notas novas ou aptas para circulação. O principal objetivo a este respeito é assegurar não só que as notas de euro sejam aceites como meio de pagamento mas também que possam ser objeto de uma verificação fácil e fidedigna da sua genuinidade e, assim, proteger o euro contra a contrafação.

57.

A este respeito, é verdade que o estabelecimento de dois níveis de testes para as máquinas de tratamento de notas à luz dos requisitos mínimos do BCE — realizados, inicialmente, pelos fabricantes dessas máquinas e, subsequentemente, pelas entidades que operam com numerário — poderia ser concebido como uma forma de reduzir a probabilidade de serem postas em recirculação notas impróprias.

58.

Contudo, além do facto de tal entendimento ser contrário à interpretação literal do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 e comprometer a coerência interna desta decisão, como já defendi, não é certo que esse objetivo possa ser alcançado, por razões análogas às expostas no n.o 53 das presentes conclusões. Afinal, para que as entidades que operam com numerário efetuem os seus próprios testes às máquinas de tratamento de notas, a configuração normal de fábrica dessas máquinas teria de ser ajustada, o que teria por efeito de aumentar o risco de distorção ou falhas da verificação automática da qualidade e, consequentemente, produzir um resultado menos eficaz. Além disso, como observou o BCE na audiência, tendo em conta o número limitado de fabricantes dessas máquinas na zona euro, em comparação com o número mais significativo de entidades que operam com numerário, podem ser realizados testes mais precisos e rentáveis quando a obrigação de assegurar os requisitos mínimos se limita aos fabricantes de máquinas de tratamento de notas em vez de abranger também as entidades que operam com numerário.

59.

Não se me afigura, portanto, que os objetivos prosseguidos pela Decisão BCE/2010/14 — e pelo n.o 2 do artigo 6.o desta decisão — justifiquem um desvio à interpretação de que as entidades que operam com numerário não têm a obrigação de monitorizar e testar as suas máquinas de tratamento de notas à luz dos requisitos mínimos adotados pelo BCE.

60.

Resulta das considerações precedentes que nenhum dos princípios de interpretação estabelecidos pelo Tribunal de Justiça para discernir o sentido das disposições do direito da União permite concluir que os requisitos mínimos a que se refere o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 se aplicam às entidades que operam com numerário quando cumprem a sua obrigação de efetuar verificações automáticas da qualidade das notas de euro.

61.

No entanto, como salienta a Comissão nas suas observações escritas, permanece a questão de saber se uma entidade que opera com numerário, cujas máquinas de tratamento de notas não respeitam o nível de tolerância de 5 % estabelecido pelos requisitos mínimos do BCE, pode recusar‑se a cumprir uma injunção emitida por um banco central nacional, após uma inspeção no local às suas instalações, que ordenou à entidade que opera com numerário que corrigisse essa situação. No caso em apreço, convido o Tribunal de Justiça a debruçar‑se sobre esta questão relevante que, como resulta das informações prestadas no despacho de reenvio, é essencial para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio resolver o litígio que lhe foi submetido ( 21 ), especialmente para decidir se a decisão impugnada é procedente.

62.

A este respeito, saliente‑se que o quadro normativo estabelecido pela Decisão BCE/2010/14 e pela demais legislação aplicável, nomeadamente a Orientação BCE/2010/NP16, para garantir que apenas as notas de euro em bom estado de conservação sejam repostas em recirculação ao público, assenta, no essencial, em três pilares principais. Estes pilares são: i) a produção e configuração de máquinas de tratamento de notas em conformidade com os requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade, que após terem sido testadas com êxito por um banco central nacional a pedido de um fabricante são incluídas numa lista organizada por tipo no sítio Internet do BCE ( 22 ); ii) a imposição de um conjunto de obrigações relativas às entidades que operam com numerário, especialmente no que respeita à verificação automática da qualidade das notas de euro; e iii) o reconhecimento dos poderes de monitorização e supervisão dos bancos centrais nacionais para assegurar que as entidades em causa cumprem as respetivas obrigações ( 23 ).

63.

No que respeita às obrigações impostas às entidades que operam com numerário, já expliquei que decorrem sobretudo do artigo 3.o da Decisão BCE/2010/14 ( 24 ), que não só impõe, no seu n.o 1, uma obrigação geral de verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro de acordo com os procedimentos estabelecidos na mesma decisão, como também estabelece obrigações adicionais, particularmente nos n.os 3, 4 e 5. Estas obrigações exigem às entidades que operam com numerário, em primeiro lugar, que utilizem um tipo de máquina de tratamento de notas que tenha sido testado com êxito por um banco central nacional, em conformidade com os requisitos mínimos publicados pelo BCE; em segundo lugar, que utilizem as máquinas de tratamento de notas unicamente para as denominações e séries de notas de euro constantes da lista publicada no sítio Internet do BCE; e, em terceiro lugar, que as utilizem essas máquinas com a configuração normal de fábrica, incluindo as respetivas atualizações.

64.

Por sua vez, o artigo 10.o, n.o 1, da Decisão BCE/2010/14 estabelece que os bancos centrais nacionais ficam habilitados a efetuar inspeções no local às instalações das entidades que operam com numerário, nomeadamente para controlar a capacidade das suas máquinas de tratamento de notas para verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro, bem como para verificar os procedimentos que regem a utilização e o controlo dessas máquinas de tratamento de notas. O artigo 10.o, n.o 3, da Decisão BCE/2010/14 refere ainda que, sempre que um banco central nacional detetar o incumprimento de disposições desta decisão por uma entidade que opera com numerário, exigirá a essa entidade que tome medidas corretivas num prazo determinado. Isto significa que os bancos centrais nacionais podem emitir injunções às entidades que operam com numerário quando estas não cumprem as suas obrigações, e até impor sanções, desde que sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas ( 25 ).

65.

Na audiência, tanto a Comissão como o BCE referiram que a leitura conjugada das obrigações definidas pela Decisão BCE/2010/14 para as entidades que operam com numerário, por um lado, e do artigo 10.o, n.o 3, da Decisão BCE/2010/14, por outro, constitui uma base jurídica suficiente para justificar uma decisão nacional como a que está em causa no processo principal, que ordena a uma entidade que opera com numerário a correção das situações em que as suas máquinas de tratamento de notas excedem o nível de tolerância de 5 % para a verificação da qualidade das notas de euros. Segundo estas mesmas partes, esta leitura conjugada deverá evita que uma entidade que opera com numerário se recuse a agir em conformidade com a injunção que lhe foi dirigida pelo banco central nacional.

66.

Gostaria de salientar, antes de mais, que o artigo 10.o, n.o 3, da Decisão BCE/2010/14 estipula expressamente que, para que um banco central nacional possa adotar uma injunção ou mesmo impor uma sanção, deve detetar «o incumprimento de disposições [da Decisão BCE/2010/14] por uma entidade que opera com numerário». Ora, caso os requisitos mínimos referidos no artigo 6.o, n.o 2, desta decisão não se apliquem às entidades que operam com numerário, continua a ser necessário determinar qual a disposição efetivamente violada pela entidade que opera com numerário quando as suas máquinas de tratamento de notas não respeitam o nível de tolerância estabelecido por esses requisitos para a verificação automática da qualidade.

67.

A este respeito, penso que é suficientemente evidente que, uma vez que o artigo 3.o, n.o 1, da Decisão BCE/2010/14 impõe às entidades que operam com numerário a obrigação de realizarem verificações automáticas da qualidade, essas entidades devem utilizar máquinas de tratamento de notas de banco capazes de efetuar essas verificações e, particularmente, detetar notas de euro impróprias para circulação ou deterioradas. Caso contrário, não cumpririam o seu dever fundamental por força da Decisão BCE/2010/14, que, além disso, constitui uma expressão da obrigação mais geral que lhes é imposta pelo artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1338/2001, de participar na luta contra a falsificação. Nesse contexto, se um banco central nacional, após uma inspeção às instalações da entidade que opera com numerário, detetar uma falha nas suas máquinas de tratamento de notas, essa entidade fica obrigada a adotar as medidas necessárias para assegurar que tais máquinas sejam reparadas. É certo que, como acima mencionado, a atual redação da Decisão BCE/2010/14 assenta no princípio de que as entidades que operam com numerário não devem interferir nas suas máquinas de tratamento de notas, a fim de evitar a alteração da configuração normal de fábrica estabelecida pelo fabricante dessas máquinas. No entanto, isso de nenhum modo deve dissuadir uma entidade que opera com numerário de agir — e, se necessário, cooperar com o fabricante — para corrigir essa situação.

68.

Daí resulta que uma entidade que opera com numerário não pode recusar cumprir uma injunção emitida por um banco central nacional, após uma inspeção no local às suas instalações, que impõe à entidade que opera com numerário que corrija as situações em que o seu equipamento de tratamento de notas não respeita o nível de tolerância de 5 % estabelecido pelos requisitos mínimos para a verificação automática da qualidade. Dito isto, essa injunção só pode basear‑se, a meu ver, no artigo 3.o, n.o 1, da Decisão BCE/2010/14, lido à luz do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1338/2001.

69.

Tendo em conta as considerações precedentes, concluo que o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 deve ser interpretado no sentido de que os requisitos mínimos do BCE referidos nesta disposição não se aplicam às entidades que operam com numerário quando efetuam a verificação automática da qualidade das notas de euro. No entanto, o artigo 3.o, n.o 1, da mesma decisão, lido à luz do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1338/2001, deve ser interpretado no sentido de que as entidades que operam com numerário devem adotar as medidas necessárias para corrigir as situações em que uma inspeção efetuada por um banco central nacional detete que as suas máquinas de tratamento de notas não são capazes de identificar as notas de euro impróprias para circulação abaixo de um nível de tolerância de 5 %.

B.   Segunda questão prejudicial

70.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 5, da mesma decisão, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional que impõe às entidades que operam com numerário que respeitem os requisitos mínimos adotados pelo BCE e publicados no seu sítio Internet.

71.

Segundo um princípio consagrado do direito da União, os Estados‑Membros têm competência, de acordo com a sua autonomia institucional, para estabelecer as condições em que as suas autoridades e organismos públicos podem aplicar o direito da União. Como o BCE salienta acertadamente, o Tribunal de Justiça declarou que, mesmo em áreas da competência exclusiva da União Europeia, os Estados‑Membros podem introduzir as medidas necessárias para a aplicação e execução efetivas da legislação da União ( 26 ). Ao fazê‑lo, porém, os Estados‑Membros devem respeitar, por força dos princípios da efetividade e da cooperação leal, todos os elementos normativos que decorrem da disposição de direito da União que é aplicada.

72.

No que respeita à proteção do euro contra a falsificação, verifico que a República da Lituânia adotou disposições destinadas a assegurar a aplicação da Decisão BCE/2010/14 e, particularmente, das obrigações estabelecidas nesta decisão que se aplicam às entidades que operam com numerário, por força, nomeadamente, do artigo 3.o, n.o 1 e n.os 3 a 5.

73.

Mais especificamente, resulta da decisão de reenvio que, nos termos do artigo 475.o da Lei relativa ao Banco da Lituânia, na versão aplicável ao processo principal, o Banco da Lituânia supervisiona as atividades de tratamento de numerário em conformidade com as disposições aplicáveis, nomeadamente a Decisão BCE/2010/14. Do mesmo modo, o artigo 477.o da Lei relativa ao Banco da Lituânia confere ao Banco da Lituânia o poder de adotar medidas corretivas, que emana diretamente do artigo 10.o, n.o 3, da Decisão BCE/2010/14.

74.

Além disso, o Banco da Lituânia aprovou a Deliberação sobre o procedimento de supervisão das atividades de tratamento de numerário. Este ato legal confere ao Banco da Lituânia a competência para testar, no âmbito de uma inspeção, a capacidade das máquinas de tratamento de notas utilizadas por uma entidade que opera com numerário para verificar a autenticidade e a qualidade das notas de euro. O Banco da Lituânia adotou igualmente a Deliberação sobre o procedimento de verificação da autenticidade e da qualidade, que, no ponto 12, exige que as entidades que operam com numerário verifiquem a autenticidade e a qualidade das notas de euro em conformidade com os requisitos mínimos publicados no sítio Internet do BCE.

75.

A minha análise da primeira questão prejudicial levou‑me a concluir que o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 deve ser interpretado no sentido de que os requisitos mínimos do BCE referidos nesta disposição não se aplicam às entidades que operam com numerário quando efetuam a verificação automática da qualidade das notas de euro. Nessa análise, expliquei também que o artigo 3.o, n.o 5, da Decisão BCE/2010/14 impõe às entidades que operam com numerário a obrigação de utilizarem as suas máquinas de tratamento de notas com a configuração normal de fábrica quando efetuam a verificação automática da qualidade das notas de euro. Uma vez mais, o objetivo a este respeito é que as entidades que operam com numerário não devem interferir na configuração normal de fábrica definida pelos fabricantes dessas máquinas, para evitar o risco de incoerência ou falhas da verificação automática da qualidade na zona euro ( 27 ).

76.

O BCE admite que as disposições pertinentes da legislação lituana não são necessariamente afastadas por essa interpretação do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14. De acordo com essa instituição, estas disposições podem ser interpretadas de forma coerente com a Decisão BCE/2010/14, desde que a referência ao cumprimento dos requisitos mínimos do BCE pelas entidades que operam com numerário seja entendida como uma obrigação de cumprimento das disposições da Decisão BCE/2010/14 que lhes são diretamente aplicáveis, nomeadamente o artigo 3.o desta decisão.

77.

Contudo, no meu entender, não há espaço para tal margem de interpretação no presente caso. A interpretação do artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 que proponho ao Tribunal de Justiça está em direta contradição com a redação clara do ponto 12 da Deliberação sobre o procedimento de verificação da autenticidade e da qualidade adotada pelo Banco da Lituânia. Nestas circunstâncias, inclino‑me a considerar que não é possível interpretar esta disposição nacional de um modo que seja conforme com a referida decisão e que não a torne inaplicável.

78.

Além disso, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, a disposição lituana, na sua atual redação, está em direta contradição com a obrigação das entidades que operam com numerário de utilizarem máquinas de tratamento de notas apenas com a configuração normal de fábrica. A este respeito, a redação dessa disposição não só cria um contexto de incerteza jurídica — como o presente processo ilustra claramente — mas também pode levar as entidades que operam com numerário a verificarem as suas máquinas e a tomarem medidas em relação a elas, quando necessário para garantir o cumprimento dos requisitos mínimos. Por este motivo, essa disposição é, a meu ver, afastada pelo artigo 3.o, n.o 5, da Decisão BCE/2010/14 ( 28 ).

79.

Tendo em conta as considerações precedentes, concluo que o artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 5, da mesma decisão, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de direito nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe às entidades que operam com numerário que cumpram os requisitos mínimos adotados pelo BCE e publicados no seu sítio Internet.

80.

Tendo em conta as respostas que proponho dar à primeira e à segunda questões prejudiciais, não é necessário analisar a terceira nem a quarta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

V. Conclusão

81.

Com base na análise acima enunciada, proponho que o Tribunal de Justiça responda às duas primeiras questões submetidas pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia) da seguinte forma:

1)

O artigo 6.o, n.o 2, da Decisão do Banco Central Europeu, de 16 de setembro de 2010, relativa à verificação da autenticidade e qualidade e à recirculação das notas de euro (BCE/2010/14) (2010/597/UE), conforme alterada pela Decisão do Banco Central Europeu de 7 de setembro de 2012 (BCE/2012/19) (2012/507/UE),

deve ser interpretado no sentido de que

os requisitos mínimos do BCE referidos nesta disposição não se aplicam às entidades que operam com numerário quando efetuam a verificação automática da qualidade das notas de euro.

No entanto, o n.o 1 do artigo 3.o desta mesma decisão, lido à luz do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1338/2001 do Conselho, de 28 de junho de 2001, que define medidas necessárias à proteção do euro contra a falsificação (JO 2001, L 181, p. 6), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 44/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, deve ser interpretado no sentido de que

as entidades que operam com numerário devem adotar as medidas necessárias para corrigir as situações em que uma inspeção efetuada por um banco central nacional detete que as suas máquinas de tratamento de notas não são capazes de identificar as notas de euro impróprias para circulação abaixo de um nível de tolerância de 5 %.

2)

O artigo 6.o, n.o 2, da Decisão BCE/2010/14 do Banco Central Europeu (2010/597/UE), conforme alterada pela Decisão BCE/2012/19 do Banco Central Europeu (2012/507/UE), lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 5, da mesma decisão,

deve ser interpretado no sentido de que

se opõe a uma disposição de direito nacional que impõe às entidades que operam com numerário que cumpram os requisitos mínimos adotados pelo BCE e publicados no seu sítio Internet.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Decisão do Banco Central Europeu, de 16 de setembro de 2010, relativa à verificação da autenticidade e qualidade e à recirculação das notas de euro (BCE/2010/14) (2010/597/UE) (JO 2010, L 267, p. 1), conforme alterada pela Decisão do Banco Central Europeu, de 7 de setembro de 2012 (BCE/2012/19) (2012/507/UE) (JO 2012, L 253, p. 19) (a seguir «Decisão BCE/2010/14»).

( 3 ) Regulamento (CE) n.o 1338/2001 do Conselho, de 28 de junho de 2001, que define medidas necessárias à proteção do euro contra a falsificação (JO 2001, L 181, p. 6), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 44/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008 (JO 2009, L 17, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1338/2001»).

( 4 ) A Brink’s Lithuania atua no processo principal como sucessora legal da UAB «G4S Lietuva».

( 5 ) Decisão n.o V2019/(30.90)‑394‑l, de 28 de fevereiro de 2019, intitulada «Injunção dirigida à UAB “G4S Lietuva”» (a seguir «decisão impugnada»).

( 6 ) Artigo 1.o do Regulamento n.o 1338/2001.

( 7 ) Orientação do Banco Central Europeu, de 16 de setembro de 2010, relativa às regras e procedimentos para a realização de testes a máquinas de tratamento de notas, recolha e controlo de dados (BCE/2010/NP16), conforme alterada pela Orientação do Banco Central Europeu de 7 de setembro de 2012 (BCE/2012/NP20) (a seguir «Orientação BCE/2010/NP16».

( 8 ) V. https://www.ecb.europa.eu/euro/cashprof/cashhand/recycling/html/fitness.pt.html.

( 9 ) Lei da República da Lituânia relativa ao Banco da Lituânia, com a redação da Lei n.o XII‑1304 de 27 de junho de 2018.

( 10 ) Regulamento (UE) n.o 1210/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010, relativo à autenticação das moedas em euros e ao tratamento das moedas em euros impróprias para circulação (JO 2010, L 339, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1210/2010»).

( 11 ) V. artigo 1.o da Decisão BCE/2010/14.

( 12 ) V., a este respeito, considerando 2 da Decisão BCE/2010/14.

( 13 ) V., para a categorização das máquinas de tratamento de notas, anexo I da Decisão BCE/2010/14.

( 14 ) V., entre outros, Acórdão de 16 de novembro de 2016, Hemming e o. (C‑316/15, EU:C:2016:879, n.o 27 e jurisprudência referida).

( 15 ) A versão espanhola é provavelmente a versão mais reveladora a este respeito, já que a expressão «que haya superado una prueba de acuerdo con las normas mínimas» introduz uma oração relativa que pode referir‑se à «máquina de tratamiento de billetes», ou seja, a «máquina de tratamento de notas». Neste aspeto, a versão portuguesa é semelhante à versão espanhola.

( 16 ) V. também Decisão (UE) 2019/2195 do Banco Central Europeu, de 5 de dezembro de 2019, que altera a [Decisão BCE/2010/14] (JO 2019, L 330, p. 91), a qual introduz várias alterações técnicas e alguns esclarecimentos adicionais, assim como aperfeiçoamentos de determinadas normas, procedimentos e definições.

( 17 ) O sublinhado é meu.

( 18 ) Em contrapartida, os requisitos mínimos de verificação manual da qualidade continuam a ser aplicáveis às entidades que operam com numerário, por força do artigo 6.o, n.o 1, da versão alterada da Decisão BCE/2010/14, tal como enunciados no seu anexo III. Esta diferença de tratamento deve‑se ao facto de as entidades que operam com numerário, ao efetuarem a verificação manual da qualidade através dos seus próprios funcionários, sem dependerem, portanto, de uma máquina previamente configurada por um fabricante, continuarem a estar obrigadas a assegurar que esses requisitos são respeitados.

( 19 ) Esta integração foi feita através da Orientação BCE/2012/NP20, acima referida. V. nota 7, supra.

( 20 ) V. considerando 2 da Decisão BCE/2010/14.

( 21 ) V., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2022, Iveco Orecchia (C‑68/21 e C‑84/21, EU:C:2022:835, n.os 57 e 58 e jurisprudência referida).

( 22 ) V., nomeadamente, artigo 9.o da Decisão BCE/2010/14 e artigo 2.o, n.os 1 e 2, da Orientação BCE/2010/NP16.

( 23 ) V., nomeadamente, artigo 10.o da Decisão BCE/2010/14 e artigos 2.o, n.o 3, e 4.o da Orientação BCE/2010/NP16.

( 24 ) V. n.o 40 das presentes conclusões.

( 25 ) V., a este respeito, o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1338/2001.

( 26 ) V., entre outros, Acórdão de 6 de março de 2008, Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones (C‑82/07, EU:C:2008:143, n.o 24 e jurisprudência referida).

( 27 ) V., para esse efeito, n.o 58 das presentes conclusões.

( 28 ) Devo acrescentar sucintamente que, embora seja verdade que o artigo 3.o, n.o 5, da Decisão BCE/2010/14 estabelece que um banco central nacional e uma entidade que opera com numerário podem convencionar uma configuração mais restritiva do que a configuração de fábrica, essa possibilidade não equivale, porém, a permitir aos Estados‑Membros que imponham às entidades que operam com numerário a obrigação de testar o seu equipamento em conformidade com os requisitos mínimos do BCE.

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