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Document 62021CC0718

Conclusões do advogado-geral A. Rantos apresentadas em 2 de março de 2023.
L.G. contra Krajowa Rada Sądownictwa.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Najwyższy.
Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Conceito de “órgão jurisdicional” — Critérios — Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) — Reenvio prejudicial apresentado por uma formação de julgamento que não tem a qualidade de tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei ‑ Inadmissibilidade.
Processo C-718/21.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2023:150

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 2 de março de 2023 ( 1 )

Processo C‑718/21

L.G.

contra

Krajowa Rada Sądownictwa

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Conceito de “órgão jurisdicional” — Competência do Tribunal de Justiça — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Princípios da inamovibilidade e da independência dos juízes — Possibilidade de continuar a exercer as funções de juiz depois de alcançada a idade de passagem à reforma — Efeitos da declaração de vontade de continuar a exercer as funções de juiz após esta idade subordinada à autorização de outra autoridade — Efeitos da inobservância do prazo para a apresentação de tal declaração»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado pelo Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos; a seguir «Secção de Fiscalização Extraordinária») do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) no âmbito de um recurso interposto por L.G. (a seguir «recorrente»), que é juiz no Sąd Okręgowy w K. (Tribunal Regional de K., Polónia) contra a resolução do Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia; a seguir «KRS») que não deu seguimento ao seu processo de autorização para continuar a exercer as funções de juiz depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma, pelo facto de não o prazo para apresentação da declaração de vontade para este efeito ter sido respeitado.

2.

Este pedido de decisão prejudicial suscita, previamente, a delicada questão de saber se a Secção de Fiscalização Extraordinária reveste a natureza de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE. Quanto ao mérito, este pedido de decisão prejudicial diz respeito, no essencial, à interpretação do princípio da inamovibilidade e da independência dos juízes, enquanto corolário do princípio da «tutela jurisdicional efetiva» consagrado no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, à luz de uma regulamentação nacional que, por um lado, subordina à autorização do KRS o efeito da declaração de vontade de um juiz de continuar a exercer as suas funções depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma e, por outro, prevê, para esta declaração, um prazo absoluto de prescrição.

3.

O presente processo inscreve‑se no âmbito das recentes reformas do sistema judicial polaco ( 2 ) e da abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça relacionada com as mesmas, nomeadamente na sequência das ações de anulação intentadas pela Comissão Europeia ( 3 ) ou dos reenvios prejudiciais submetidos pelos órgãos jurisdicionais polacos ( 4 ).

II. Quadro jurídico: direito polaco

A.   Lei sobre o Supremo Tribunal

4.

A ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei sobre o Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 ( 5 ), que, nomeadamente, criou a Secção de Fiscalização Extraordinária, dispõe o seguinte no seu artigo 26.o, n.o 1:

«São da competência da [Secção de Fiscalização Extraordinária] os recursos extraordinários, os litígios em matéria eleitoral e as contestações da validade de um referendo nacional ou de um referendo constitucional, a declaração da validade das eleições e dos referendos, os outros processos de direito público, incluindo o contencioso da proteção da concorrência, da regulação da energia, das telecomunicações e do transporte ferroviário, bem como os recursos que tenham por objeto as decisões do Przewodniczy Krajowej Rady Radiofonii i Telewizji [(Presidente do Conselho Nacional de Radiotelevisão, Polónia)] ou que questionem a duração excessiva dos processos que corram nos órgãos jurisdicionais comuns e militares, bem como no [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].»

B.   Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns

5.

O artigo 69.o, n.os 1 e 1b, da ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001, conforme alterada ( 6 ) prevê:

«1.   Os juízes reformam‑se no dia em que completam 65 anos de idade, salvo se submeterem ao [KRS], o mais tardar seis meses depois e não antes de doze meses em relação à data em que completam a referida idade, uma declaração na qual indicam a sua vontade de continuarem a exercer as suas funções e apresentarem um atestado, emitido de acordo com os requisitos aplicáveis aos candidatos à magistratura judicial, que certifique que a sua saúde lhe permite exercer as suas funções de juiz.

[…]

1b.   O [KRS] pode autorizar um juiz a continuar a exercer as suas em funções se a manutenção nas suas funções corresponder a um interesse legítimo da administração da justiça ou a um interesse social significativo, atendendo aos imperativos de utilização racional dos membros do pessoal dos tribunais de direito comum e às necessidades resultantes do volume de trabalho dos diferentes órgãos jurisdicionais. A resolução do [KRS] é definitiva. Quando um juiz alcançar a idade referida no n.o 1 antes de o procedimento de prorrogação do seu mandato ter terminado, esse juiz manter‑se‑á em funções até ao final do referido procedimento.

[…]»

C.   Lei relativa ao KRS

6.

Nos termos do artigo 42.o da ustawa o Krajowej Radzie Sądownictwa (Lei relativa ao KRS), de 12 de maio de 2011, conforme alterada ( 7 ):

«1.   As resoluções proferidas pelo Conselho em processos individuais devem ser fundamentadas.

2.   A fundamentação da resolução deve ser estabelecida no prazo de um mês a contar da adoção da mesma.

3.   As resoluções adotadas em processos individuais são notificadas aos participantes no procedimento, acompanhadas da respetiva fundamentação e de instruções quanto às modalidades de contestação perante o Supremo Tribunal.»

7.

O artigo 44.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS enuncia:

«Um participante no procedimento pode interpor recurso no [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] e invocar a ilegalidade da resolução [do KRS], salvo se regras específicas dispuserem em contrário […].»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

8.

Por carta de 30 de dezembro de 2020, o recorrente comunicou ao KRS a sua declaração de vontade de continuar a exercer as suas funções de juiz depois de alcançar a idade de passagem à reforma fixada nos 65 anos de idade, que o recorrente completaria em 12 de junho de 2021, em conformidade com o disposto no artigo 69.o da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns ( 8 ). Por carta de 31 de dezembro de 2020, o recorrente pediu igualmente ao KRS que considerasse que não havia prescrição pelo facto de não ter respeitado o prazo de seis meses antes da idade de passagem à reforma para apresentar esta declaração, conforme previsto nesta disposição ( 9 ).

9.

Por Resolução de 18 de fevereiro de 2022, o KRS julgou que a referida declaração era inadmissível por ter sido apresentada fora do prazo de seis meses anterior à data da passagem à reforma previsto na referida disposição e adotou uma resolução de não conhecimento, tendo assim encerrando o processo relativo à concessão de uma autorização para a continuação do exercício das funções de juiz ( 10 ).

10.

Tendo o recorrente interposto recurso desta resolução ( 11 ), o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), reunido como Secção de Fiscalização Extraordinária, que é o órgão jurisdicional de reenvio, interroga‑se sobre se o artigo 69.o da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns viola o princípio da inamovibilidade e da independência dos juízes, consagrado no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, na medida em que, por um lado, esta disposição sujeita o exercício das funções de juiz após a idade de passagem à reforma a uma autorização por parte de outra autoridade, o que pode influenciar o conteúdo das decisões proferidas pelo juiz em causa, e em que, por outro, a referida disposição prevê a prescrição do direito de pedir para exercer as funções de juiz após a idade de passagem à reforma em caso de incumprimento do prazo para a respetiva apresentação, independentemente dos efeitos da passagem à reforma nas circunstâncias concretas, em particular no que diz respeito aos interesses da administração da justiça ou à eventual existência de um interesse social significativo.

11.

Foi nestas condições que a Secção de Fiscalização Extraordinária do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE], opõe‑se a uma disposição do direito nacional, como o artigo 69.o, § 1b, primeiro período, da [Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns], que subordina a eficácia da declaração da intenção do juiz de se manter em funções após ter atingido a idade de aposentação ao consentimento de outra autoridade?

2)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE], opõe‑se à interpretação de uma disposição nacional segundo a qual a declaração tardia da [vontade] do juiz de se manter em funções após ter atingido a idade de aposentação é ineficaz, independentemente das circunstâncias do incumprimento do prazo e do significado desse incumprimento para o processo de manutenção em funções do mesmo juiz?»

12.

Apresentaram observações escritas o KRS, os Governos polaco, dinamarquês e neerlandês, bem como a Comissão. O KRS, os Governos polaco, belga e neerlandês, bem como a Comissão apresentaram alegações na audiência que se realizou em 8 de novembro de 2022. O recorrente, o KRS, os Governos belga e neerlandês, bem como a Comissão também apresentaram alegações escritas sobre o despacho do órgão jurisdicional de reenvio de 3 de novembro de 2002, através do qual este último apresentou ao Tribunal de Justiça observações complementares ao seu pedido de decisão prejudicial, relativas em particular à sua qualidade de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE.

IV. Análise

A.   Quanto à competência do Tribunal de Justiça

1. Quanto às dúvidas suscitadas em relação à qualidade de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, do órgão jurisdicional de reenvio

13.

A Comissão, bem como os Governos belga e neerlandês, suscitam dúvidas a respeito da qualificação do órgão jurisdicional de reenvio como «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE.

14.

Com efeito, os membros da Secção de Fiscalização Extraordinária, criada pela Lei sobre o Supremo Tribunal, foram nomeados para o cargo de juiz do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), mediante proposta do KRS, pela Resolução n.o 331/2018 de 28 de agosto de 2018 (a seguir «Resolução n.o 331/2018»), nas seguintes circunstâncias:

esta resolução foi adotada pelo KRS com uma composição cuja independência foi colocada em causa em vários acórdãos do Tribunal de Justiça ( 12 );

a referida resolução foi objeto de um recurso interposto no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia) e este último adotou, em 27 de setembro de 2018, um despacho de medidas provisórias que suspendeu a respetiva execução;

o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») declarou, em substância, que duas secções de julgamento da Secção de Fiscalização Extraordinária compostas por três juízes nomeados com base na mesma resolução não constituem «tribunais estabelecidos pela lei» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH») ( 13 );

depois de os juízes terem sido nomeados ao abrigo da Resolução n.o 331/2018, esta veio a ser anulada pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) em 21 de setembro de 2021 ( 14 ).

15.

Nestas circunstâncias, parece‑me que, antes de responder às questões prejudiciais, é oportuno verificar se a Secção de Fiscalização Extraordinária, pronunciando‑se em secção composta por três juízes, constitui um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE e, por conseguinte, se o Tribunal de Justiça é competente para responder às suas questões prejudiciais.

2. Quanto aos princípios relativos ao conceito de «independência» do órgão jurisdicional de reenvio na aceção do artigo 267.o TFUE

16.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para apreciar se o organismo de reenvio em causa reveste a natureza de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, questão que se enquadra unicamente no direito da União, o Tribunal de Justiça toma em consideração um conjunto de elementos, como, entre outros, a origem legal desse organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do seu processo, a aplicação, pelo organismo em causa, das regras de direito, bem como a sua independência ( 15 ). No caso em apreço, este último elemento é o único, ou seja, a independência da Secção de Fiscalização Extraordinária, que é colocado em causa, considerando‑se prima facie que é evidente — não tendo, em todo o caso, sido contestado — que este órgão preenche os restantes critérios acima referidos.

17.

Segundo jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça, a exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, cujo respeito, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 16 ), os Estados‑Membros devem assegurar, no que se refere aos órgãos jurisdicionais nacionais que são chamados a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a interpretação e a aplicação do direito da União, comporta dois aspetos, dizendo o primeiro, que é de ordem externa, respeito à autonomia da instância ( 17 ) e dizendo o segundo respeito, que é de ordem interna, à sua imparcialidade ( 18 ). Estas garantias de autonomia e de imparcialidade, que constituem as duas vertentes do conceito de «independência», postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos interessados, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto ( 19 ).

18.

No que diz, mais especificamente, respeito ao requisito de independência inerente ao conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão Getin Noble Bank, fixou, no essencial, uma presunção segundo a qual um órgão jurisdicional como, nomeadamente, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) preenche os requisitos que um órgão deve preencher para ser qualificado de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, independentemente da sua composição concreta ( 20 ), tendo especificado que, no âmbito do processo prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, não lhe compete verificar se a decisão de reenvio foi tomada em conformidade com as regras nacionais de organização e processos judiciais ( 21 ). Ao mesmo tempo, o Tribunal de Justiça especificou que esta presunção pode ser ilidida, por um lado, quando uma decisão judicial definitiva proferida por um órgão jurisdicional nacional ou internacional leve a que se considere que o juiz que constitui o órgão jurisdicional de reenvio não tem a qualidade de tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido pela lei, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido à luz do artigo 47.o da Carta ( 22 ) ou, por outro lado, quando outros elementos, independentes da situação pessoal do juízes que apresentam formalmente um pedido ao abrigo do artigo 267.o TFUE, possam ter repercussões no funcionamento do órgão jurisdicional de reenvio no qual esses juízes têm assento e assim contribuir para prejudicar a independência e a imparcialidade do referido órgão jurisdicional ( 23 ).

19.

Feito este esclarecimento, parece‑me importante sublinhar que, em meu entender, a interpretação do princípio da independência no contexto do artigo 267.o TFUE impõe que se proceda a um exame diferente daquele que é exigido, respetivamente, no contexto do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.o da Carta, atendendo aos diferentes objetivos e funções destas normas. Esta abordagem, que foi desenvolvida, no essencial, por alguns advogados‑gerais ( 24 ), não foi, salvo erro, totalmente confirmada pelo Tribunal de Justiça, que, nos seus acórdãos relativos à exigência de independência inerente ao conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, se continua a referir à necessidade de o órgão jurisdicional em questão revestir as características de um tribunal independente, imparcial e estabelecido pela lei, «na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado à luz do artigo 47.o da Carta» ( 25 ).

20.

No essencial, a referida abordagem distingue da seguinte forma as condições de aplicações das três disposições em questão:

o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE visa assegurar que o sistema de vias de recurso estabelecido por qualquer Estado‑Membro garante a tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União ( 26 ). Exige assim um exame de natureza «sistémica» das características de um sistema jurisdicional;

o artigo 47.o da Carta consagra o direito a uma tutela jurisdicional efetiva de qualquer sujeito de direito que, numa determinada situação, invoque um direito que lhe é conferido pelo direito da União ( 27 ). Este artigo exige assim um exame de natureza «prática» (casuística) para apreciar a existência de um direito à ação no caso concreto ( 28 );

o artigo 267.o TFUE visa um conceito de «órgão jurisdicional» com caráter funcional, que permita identificar os organismos nacionais que se podem tornar interlocutores do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo prejudicial ( 29 ). Segundo este conceito de «independência funcional», que remete principalmente para a inexistência de submissão hierárquica face à administração, é a função (e assim o organismo) que deve ser independente, independentemente do facto de os juízes (enquanto pessoas) poderem estar ligados ao poder executivo, nomeadamente através de laços de reconhecimento (se tiverem sido nomeados de forma «privilegiada») ou de lealdade (se tiverem expectativas de receberem vantagens ao longo da sua carreira, como promoções, prorrogações de contratos, etc.) ( 30 ). Por conseguinte, este conceito necessita que se proceda a um exame de natureza «formal», efetuado ao nível do organismo que submeteu a questão, e não ao nível das pessoas que nele tenham assento ( 31 ).

21.

Além disso, não deixa de ser pertinente precisar que a apreciação do conceito, muito específico, de «independência» no âmbito do artigo 267.o TFUE constitui o último de uma série de elementos que não são cumulativos stricto sensu, mas que fazem parte de um exame global e que, no seu conjunto, levam a concluir pela existência de um «órgão jurisdicional» na aceção desta disposição ( 32 ). O exame do caráter independente do órgão jurisdicional efetua‑se assim à luz dos outros elementos, pelo que, em meu entender, a sua apreciação é tanto mais estrita quanto a presença de alguns outros elementos seja duvidosa e vice‑versa ( 33 ). Por outro lado, parece‑me que o Tribunal de Justiça tem na maioria das vezes tendência para realizar esse «exame de independência» em relação aos órgãos que operam fora do sistema judicial nacional clássico ou que não são considerados um «órgão jurisdicional» nos termos do direito nacional ( 34 ), ao passo que nem sempre teve propensão para questionar o caráter independente de um órgão que esteja formalmente integrado no sistema judicial do Estado‑Membro em questão ( 35 ), conforme é aliás confirmado pela presunção estabelecida no Acórdão Getin Noble Bank ( 36 ).

22.

Em meu entender, esta interpretação «minimalista» do conceito de «independência» no âmbito do artigo 267.o TFUE tem a vantagem de, por um lado, não se imiscuir excessivamente no princípio da cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça no âmbito do processo prejudicial, atenta a importância deste mecanismo para garantir a interpretação uniforme e coerente do direito da União ( 37 ) e, por outro, permite manter o papel crucial dos pedidos de decisões prejudiciais face à proteção dos direitos dos sujeitos de direitos. Com efeito, só a competência do Tribunal de Justiça a título prejudicial ao abrigo do artigo 267.o TFUE permite que estes últimos, em determinadas situações, invoquem a tutela jurisdicional efetiva garantida pelo direito da União ( 38 ). Assim é ainda mais nas circunstâncias do caso concreto, atendendo às inúmeras iniciativas implementadas pelo legislador polaco que visam, nomeadamente, impedir a submissão de reenvios prejudiciais ao Tribunal de Justiça que digam respeito à questão da independência dos órgãos jurisdicionais na Polónia ( 39 ).

23.

Daqui resulta que, atendendo à sua função específica, a interpretação do conceito de independência de um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE não prejudica a interpretação deste conceito no âmbito do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ou do artigo 47.o da Carta. Por outras palavras, não é de excluir que um órgão possa constituir, em princípio, um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, independentemente de os elementos do caso concreto, de natureza sistémica ou pontual, poderem levar a concluir que este órgão jurisdicional não constitui um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido pela lei na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ou do artigo 47.o da Carta ( 40 ).

24.

Estou bem ciente de que, em princípio, o sistema fundamental da administração da justiça não conhece «gradações», ao passo que abordagem acima referida, que assenta na presunção estabelecida pelo Acórdão Getin Noble Bank, ao precisar a aplicação, visa, através de uma interpretação mais flexível do conceito de «independência» no âmbito do artigo 267.o TFUE, permitir que um órgão jurisdicional nacional, mesmo perante dúvidas quanto à sua independência, assuma as suas funções essenciais, garantindo‑lhe a possibilidade, por um lado, de examinar, com a ajuda do Tribunal de Justiça, a sua própria independência e, por outro lado, assegurar aos cidadãos da União o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva quando os direitos garantidos pelo direito da União sejam violados.

25.

Ora, não seria, pelo contrário, mais oportuno adotar uma abordagem diferente que, no caso concreto, impusesse limites às prevaricações dos poderes legislativo e executivo em relação ao poder judicial na Polónia, que foram até agora toleradas, e que apoiasse assim os juízes polacos designados ao abrigo do antigo sistema na sua abordagem destinada, em nome do princípio da independência da magistratura, a excluir do círculo judicial da União os «novos juízes» nomeados na sequência das recentes reformas, em violação deste princípio? A resposta não é fácil. Seja como for, esta abordagem mais estrita não deixa de ter consequências: como resultou da audiência, atualmente cerca de um juiz em cada quatro pertencentes aos órgãos jurisdicionais comuns e administrativos nomeados na Polónia foi já designado ao abrigo do novo sistema. A referida abordagem restringiria de forma considerável o acesso ao mecanismo do reenvio prejudicial à maioria dos órgãos jurisdicionais polacos, deixando‑o aberto apenas àqueles que são compostos exclusivamente por juízes designados ao abrigo do antigo sistema. Isto significaria que a justiça polaca ficaria, de facto, afastada do sistema judicial da União, resultado este que, em meu entender, pode inclusivamente imiscuir‑se com o processo previsto no artigo 7.o TUE ( 41 ).

26.

Em conclusão, embora, em regra, segundo o célebre ditado «o hábito não fa[ça] o monge», em minha opinião, com um certo grau de aproximação, no contexto formal e circunscrito da apreciação do conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, «a toga faz o juiz» ( 42 ).

3. Quanto ao impacto das regras em matéria de nomeação dos juízes na qualidade de «órgão jurisdicional independente»

27.

Depois de ter evocado e especificado o contexto jurisprudencial relativo à interpretação do conceito de «órgão jurisdicional independente» no âmbito do artigo 267.o TFUE, há que recordar que, no caso em apreço, as dúvidas relativas ao caráter independente do órgão jurisdicional de reenvio resultam das regras respeitantes à nomeação dos juízes que o compõem. Há assim que aplicar os princípios enunciados na secção anterior no contexto específico das regras relativas à nomeação dos juízes e, mais precisamente, das regras relativas ao envolvimento de órgãos terceiros na magistratura no contexto desta nomeação, a saber, do KRS.

28.

A este respeito, o Tribunal de Justiça especificou que a circunstância de os Estados‑Membros, no exercício da sua competência relativa à organização da justiça, envolverem um órgão terceiro à magistratura, como seja um órgão administrativo, nas decisões relativas, nomeadamente, à nomeação ou à manutenção em funções de um juiz não é suficiente, por si só, para se concluir pela existência de uma violação do princípio da independência dos juízes assim nomeados ( 43 ). Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, o mero facto de os poderes legislativo ou executivo intervirem no processo de nomeação de um juiz não é suscetível de criar uma dependência deste último face àqueles, nem de gerar dúvidas quanto à sua imparcialidade, se, depois de nomeado, o interessado não estiver sujeito a pressões e não receber instruções no exercício das suas funções ( 44 ).

29.

Daqui resulta, em meu entender, que as eventuais irregularidades relacionadas com a nomeação dos membros de uma formação de julgamento só podem privar um órgão da qualidade de «órgão jurisdicional independente» na aceção do artigo 267.o TFUE se puserem em causa a própria aptidão desse órgão para julgar de maneira independente ( 45 ). Por conseguinte, se os membros de uma formação de julgamento, depois de terem sido nomeados, possuírem as competências exigidas pela função e tiverem (segundo as regras aplicáveis) de tomar as suas decisões com total independência, tal deverá bastar para que esteja preenchida a qualidade de «órgão jurisdicional independente» na aceção do artigo 267.o TFUE.

4. Quanto à qualidade de «órgão jurisdicional independente» do órgão jurisdicional de reenvio na aceção do artigo 267.o TFUE nas circunstâncias do caso em apreço

30.

A Secção de Fiscalização Extraordinária é uma formação de julgamento específica no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que este último preenche, em princípio, os requisitos do artigo 267.o TFUE ( 46 ), a sua formação enquanto Secção de Fiscalização Extraordinária foi criada no âmbito das recentes reformas do sistema judicial polaco e os juízes que a compõem foram nomeados para o cargo de juízes no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) nas condições muito controvertidas recordadas no n.o 14 das presentes conclusões.

31.

Em substância, as dúvidas respeitantes à condição de independência do órgão jurisdicional de reenvio estão relacionadas com o envolvimento indireto do poder executivo na nomeação dos juízes que o compõem, o qual se realiza através da intervenção do KRS, que, na sequência das recentes reformas do sistema judicial polaco, se tornou numa «instituição cativada», controlada pelo poder executivo.

32.

Longe de querer justificar semelhante evolução legislativa, que se insere no contexto de uma lamentável regressão do sistema judicial polaco, recordo que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça referida no n.o 28 das presentes conclusões, o envolvimento de um órgão terceiro à magistratura na nomeação dos juízes não é suficiente, por si só, para que se conclua pela existência de uma violação do princípio da independência dos juízes. Além disso, nenhum elemento dos autos indica que se deve considerar que os juízes nomeados neste órgão jurisdicional de reenvio na sequência da reforma não têm aptidão para exercer as suas funções, nem que o quadro jurídico aplicável ou o seu estatuto os impedem de exercer as suas funções com independência ( 47 ).

33.

Há igualmente que salientar que, de acordo com os critérios de apreciação introduzidos pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Getin Noble Bank, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) goza de uma «presunção de independência», que pode ser ilidida através de uma decisão judicial definitiva que declare que o juiz que constitui o órgão jurisdicional de reenvio não tem a qualidade de tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido pela lei, ou através de outros elementos que prejudiquem a independência e a imparcialidade do referido órgão jurisdicional ( 48 ).

34.

Ora, sem que seja necessário regressar à minha proposta de matizar este princípio ( 49 ), parece‑me que, no presente caso, nos encontramos fora de tais circunstâncias.

35.

É certo que, no seu Acórdão de 8 de novembro de 2021, Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia ( 50 ), por diversas vezes evocado durante a instância, o TEDH declarou que uma formação de julgamento composta por juízes da mesma Secção de Fiscalização Extraordinária ( 51 ) não preenche o requisito de um tribunal previamente estabelecido pela lei na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. No entanto, tenho dúvidas de que possa constituir uma decisão judicial definitiva que ateste que o órgão jurisdicional de reenvio não tem, em substância, a qualidade de tribunal independente na aceção do artigo 267.o TFUE, à luz do Acórdão Getin Noble Bank ( 52 ). Parece‑me que esta decisão se refere antes ao exame do respeito do direto à tutela jurisdicional efetiva resultante da aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH e que, por conseguinte, pode desempenhar um papel na aplicação do artigo 47.o da Carta, mas não necessariamente na do artigo 267.o TFUE ( 53 ).

36.

Por conseguinte, considero que, com base nas informações disponíveis nos autos, o órgão jurisdicional de reenvio pode ser qualificado de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, na medida em que, independentemente das controvérsias relativas à nomeação dos seus membros, este órgão jurisdicional de reenvio é, em princípio, chamado a decidir o processo principal com total autonomia em relação ao poder executivo envolvido (indiretamente) nesta nomeação ( 54 ) e com total imparcialidade relativamente aos interesses das partes.

37.

Atendendo às considerações que precedem, em minha opinião, para efeitos do presente processo, pode considerar‑se que o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), pronunciando‑se em formação de três juízes que compõem a Secção de Fiscalização Extraordinária, constitui um «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE e que, por conseguinte, o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões prejudiciais submetidas por este órgão jurisdicional.

B.   Quanto à primeira questão prejudicial

38.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE se opõe a uma regulamentação nacional, como o artigo 69.o da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, que subordina à autorização de outra entidade, no caso concreto o KRS, a possibilidade de um juiz em exercício de continuar a exercer as suas funções depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma.

39.

A título preliminar, recordo que o Tribunal de Justiça se pronunciou em diversas ocasiões sobre a aplicabilidade e o âmbito do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE no que se refere a regulamentações nacionais (nomeadamente polacas) que regem o sistema judicial, incluindo regras relativas à continuação no exercício de funções dos magistrados depois de terem alcançado a idade de passagem à reforma ( 55 ).

40.

Nos pontos que se seguem, examinarei, no que é pertinente para o caso em apreço, o âmbito do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (1) e os antecedentes jurisprudenciais relativos à manutenção em funções dos juízes depois de terem alcançado a idade de passagem à reforma (2), antes de propor uma resposta à primeira questão prejudicial (3).

1. Quanto ao âmbito do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE

a) Quanto ao princípio da «tutela jurisdicional efetiva» nos domínios abrangidos pelo direito da União

41.

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE dispõe que os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, cabendo, por conseguinte, aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permitam assegurar uma fiscalização jurisdicional efetiva nos referidos domínios ( 56 ). Além disso, na medida em que esta disposição remete para o requisito de uma tutela jurisdicional efetiva, deve ser interpretada à luz do artigo 47.o da Carta, independentemente da questão de saber se esta última disposição é, em si mesma, aplicável ao caso concreto ( 57 ).

42.

Uma vez que esta disposição confere aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça a missão de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional que esse direito confere aos interessados ( 58 ), daqui resulta que esta visa «os domínios abrangidos pelo direito da União» independentemente da situação em que os Estados‑Membros apliquem a este direito na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 59 ).

43.

No presente caso, é inegável que os tribunais comuns polacos podem ser chamados a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União e que se inserem assim no sistema polaco de vias de recurso nos «domínios abrangidos pelo direito da União», na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, pelo que estes órgãos jurisdicionais devem preencher os requisitos de uma tutela jurisdicional efetiva ( 60 ).

b) Quanto ao princípio da independência dos órgãos jurisdicionais nacionais enquanto corolário do princípio da tutela jurisdicional efetiva

44.

Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para garantir uma tutela jurisdicional efetiva, em conformidade com o disposto no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, é primordial preservar a independência da instância, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que menciona o acesso a um tribunal «independente» entre as exigências associadas ao direito fundamental à ação ( 61 ).

45.

Conforme foi recordado nos n.os 17 e 18 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça declarou que o requisito de independência dos órgãos jurisdicionais nacionais comporta um primeiro aspeto de ordem externa, relativo à autonomia da instância, e um segundo aspeto de ordem interna, relativo à sua imparcialidade, e que tais garantias de autonomia e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como aos motivos de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos interessados, quanto à impermeabilidade e à neutralidade da referida instância ( 62 ).

c) Quanto à exigência de a inamovibilidade dos juízes ser inerente ao princípio da independência dos órgãos jurisdicionais

46.

No que diz mais especificamente respeito à independência «externa» (autonomia) dos órgãos jurisdicionais, o Tribunal de Justiça especificou que a liberdade dos juízes em relação a quaisquer intervenções ou pressões exteriores exige determinadas garantias adequadas para proteger a pessoa daqueles que têm por missão julgar, como a inamovibilidade ( 63 ).

47.

O princípio da inamovibilidade exige, designadamente, que os juízes possam permanecer em funções enquanto não tiverem alcançado a idade obrigatória de passagem à reforma ou até ao termo do seu mandato quando este tiver uma duração determinada. Embora não revista caráter totalmente absoluto, este princípio só pode sofrer exceções quando motivos legítimos e imperiosos o justifiquem, no respeito do princípio da proporcionalidade. Assim, é comummente aceite que os juízes possam ser destituídos se não estiverem aptos para continuarem a exercer as suas funções devido a uma incapacidade ou a uma falta grave, desde que sejam respeitados os procedimentos adequados ( 64 ).

48.

Sucede o mesmo, em meu entender, com as regras relativas à possibilidade de os juízes se manterem em funções para lá da idade de passagem à reforma, que estão assim sujeitas aos requisitos impostos pelo princípio da inamovibilidade dos juízes.

2. Quanto aos antecedentes jurisprudenciais relativos à manutenção em funções dos juízes depois de terem alcançado a idade de passagem à reforma

49.

A título preliminar, recordo que algumas disposições legislativas polacas relativas à manutenção em funções dos juízes depois de terem alcançado a idade de passagem à reforma foram recentemente objeto de dois acórdãos do Tribunal de Justiça:

o Acórdão Independência do Supremo Tribunal, relativo a uma disposição ( 65 ) que conferia ao Presidente da República poder para autorizar a manutenção em funções dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) depois de terem alcançado a idade de passagem à reforma ( 66 );

o Acórdão Independência dos tribunais comuns, relativo a uma versão anterior do artigo 69.o, n.o 1, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns ( 67 ), que previa que o Ministro da Justiça podia decidir autorizar manter em funções os juízes dos tribunais de direito comum ( 68 ) depois de alcançarem a idade de passagem à reforma e que parece especialmente pertinente no caso em apreço.

50.

Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça especificou que cabe exclusivamente aos Estados‑Membros decidir se autorizam ou não essa prorrogação do exercício de funções judiciais para além da idade normal de passagem à reforma e que a circunstância de órgãos como o Presidente da República [no caso da prorrogação do mandato dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] e o Ministro da Justiça (no caso da prorrogação do mandato dos juízes dos tribunais comuns) estarem investidos do poder de decidir conceder ou não essa eventual prorrogação não é suficiente, por si só, para concluir pela existência de uma violação do princípio de independência dos juízes ( 69 ). No entanto, o Tribunal de Justiça declarou que quando optam por esses mecanismos, os Estados‑Membros estão obrigados a zelar para que os requisitos formais e as modalidades processuais a que essa prorrogação está sujeita não sejam suscetíveis de afetar o princípio da independência dos juízes ( 70 ).

51.

No que diz mais especificamente respeito a estes requisitos formais e a estas modalidades processuais, o Tribunal de Justiça declarou que o poder de que estão respetivamente investidos o Presidente da República e o Ministro da Justiça para autorizar ou não a continuação do exercício das funções de juiz é suscetível de gerar dúvidas legítimas, nomeadamente no espírito dos sujeitos de direito, quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos exteriores e à sua neutralidade relativamente aos interesses suscetíveis de estarem em confronto perante estes ( 71 ).

52.

O Tribunal de Justiça baseou esta conclusão, em substância, na circunstância de as decisões de autorizar ou não a eventual continuação do exercício das funções de juiz se basearem em critérios demasiado vagos e não verificáveis, que aliás não estavam fundamentadas e também não eram suscetíveis de ser objeto de recurso judicial ( 72 ) e de, relativamente ao poder de decisão do Ministro da Justiça, este não estar sujeito a nenhum prazo para adotar a sua decisão respeitante ao pedido de prorrogação ( 73 ). O Tribunal de Justiça também declarou que o poder de que o Ministro da Justiça estava investido para autorizar ou não a continuação do exercício das funções de juiz dos tribunais comuns viola, em particular, o princípio da inamovibilidade, uma vez que foi conferido num contexto mais geral de uma reforma que conduziu à redução da idade normal de passagem à reforma dos juízes em questão ( 74 ).

53.

Impõe‑se uma apreciação quase idêntica à do Acórdão Independência dos tribunais comuns no caso em apreço, tomando, no entanto, em consideração que, na sequência deste acórdão, a República da Polónia alterou a sua legislação relativa à manutenção em funções dos juízes dos tribunais de direito comum depois de alcançada a idade de passagem à reforma, nomeadamente ao ter restabelecido a idade anteriormente em vigor para os juízes e ao conferir ao KRS, e já não ao Ministro da Justiça, o poder de autorizar, em determinadas condições, a manutenção em funções de um juiz depois de alcançada a idade de passagem à reforma.

3. Quanto à apreciação das circunstâncias do caso concreto

54.

No presente caso, recordo que o artigo 69.o, n.o 1b, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns prevê, no que é pertinente para o presente caso, que o KRS pode autorizar um juiz que assim o deseje a continuar a exercer as suas funções depois de alcançada a idade de passagem à reforma, se a manutenção nas suas funções responder a um interesse legítimo da administração da justiça ou a um interesse social significativo, atendendo aos imperativos de utilização racional dos membros do pessoal dos tribunais de direito comum e às necessidades resultantes do volume de trabalho dos diferentes órgãos jurisdicionais ( 75 ).

55.

Nos números seguintes, atendendo à jurisprudência referida no n.o 50 das presentes conclusões, fornecerei indicações respeitantes à interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE nas circunstâncias do caso concreto, tomando em consideração, por um lado, a natureza do KRS (a) e, por outro, os requisitos materiais e as modalidades processuais que presidem à adoção das decisões deste respeitantes à manutenção em funções dos juízes (b).

a) Quanto à natureza do KRS

56.

No que diz respeito à natureza do KRS, recordo, a título preliminar, que a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça declarou, por diversas vezes, que, na sequência das recentes reformas do sistema judicial polaco, este órgão não é independente dos poderes legislativo e executivo ( 76 ).

57.

Esta conclusão foi também confirmada pela jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 6.o, n.o 1, CEDH. Com efeito, no seu Acórdão de 8 de novembro de 2021, Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia ( 77 ), o TEDH concluiu que a Secção de Fiscalização Extraordinária não constituía um «tribunal estabelecido pela lei» e que a República da Polónia tinha assim atuado em violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, uma vez que os membros desta secção eram nomeados mediante proposta do KRS, o qual não era independente dos poderes legislativo e executivo ( 78 ).

58.

A referida conclusão foi, aliás, partilhada, em diversas ocasiões, pelos mais altos órgãos jurisdicionais polacos. Com efeito, por um lado, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo), através de Acórdãos de 6 e de 13 de maio de 2021, declarou que o KRS não oferecia garantias suficientes de independência e que o seu nível de dependência em relação às autoridades legislativas e executivas era de tal modo elevado, que não deixava de ser pertinente para a apreciação da questão de saber se os juízes por este selecionados preenchiam os requisitos objetivos de independência e de imparcialidade do artigo 47.o da Carta. Por outro lado, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), na sua Resolução de 23 de janeiro de 2020, também salientou que o KRS não era um órgão independente, estando diretamente submetido às autoridades políticas ( 79 ).

59.

Feita esta precisão, parece‑me que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a circunstância, tão lamentável quanto possa ser, de um órgão como o KRS estar investido do poder de decidir conceder ou não uma essa eventual prorrogação do exercício das funções judiciais para além da idade normal de passagem à reforma, não é suficiente, por si só, para concluir pela existência de uma violação do princípio da independência dos juízes ( 80 ). Com efeito, o Tribunal de Justiça, reconhecendo a competência, de princípio, dos Estados‑Membros no que diz respeito à organização da justiça, aceita que estes últimos, no exercício desta competência, atribuam competência um órgão terceiro à magistratura (independente ou proveniente do poder legislativo ou executivo) para adotar decisões relativas, nomeadamente, à nomeação ou à manutenção em funções dos juízes ( 81 ).

60.

Todavia, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, há que garantir que os requisitos materiais e as modalidades processuais que presidem à adoção dessas decisões sejam tais que não possam criar, no espírito dos sujeitos de direito, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses que estejam em causa ( 82 ), o que analisarei em seguida.

b) Quanto aos requisitos materiais e às modalidades processuais que presidem à adoção das decisões de manutenção em funções dos juízes

61.

No que se refere aos requisitos materiais e às modalidades processuais que presidem a adoção das decisões relativas à manutenção em funções dos juízes depois de alcançada a idade de passagem à reforma, recordo que, de acordo com a versão do artigo 69.o, n.o 1b, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns que foi objeto do Acórdão Independência dos tribunais comuns ( 83 ), o Ministro da Justiça podia autorizar um juiz a continuar a exercer as suas funções «atendendo aos imperativos de utilização racional dos membros do pessoal dos tribunais de direito comum e às necessidades resultantes do volume de trabalho dos diferentes órgãos jurisdicionais». O Tribunal de Justiça, por um lado, declarou que estes critérios eram demasiado vagos e não verificáveis, tendo também criticado a inexistência de dever de fundamentação e de recurso judicial contra tal decisão e tendo, por outro lado, criticado que não tivesse sido fixado um prazo para o Ministro da Justiça tomar a sua decisão ( 84 ).

62.

Em primeiro lugar, no que se refere aos requisitos materiais, sublinho que a versão do artigo 69.o, n.o 1b, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, que foi objeto do processo principal, prevê que o KRS pode autorizar um juiz a continuar a exercer as suas funções «se a manutenção nas suas funções corresponder a um interesse legítimo da administração da justiça ou a um interesse social significativo, atendendo aos imperativos de utilização racional dos membros do pessoal dos tribunais de direito comum e às necessidades resultantes do volume de trabalho dos diferentes órgãos jurisdicionais». Em relação à sua versão anterior, a disposição em causa acrescenta assim o requisito segundo o qual a manutenção em funções do juiz dever «corresponder a um interesse legítimo da administração da justiça ou a um interesse social significativo».

63.

Ora, tenho dúvidas de que esta nova precisão acrescente aos critérios nos quais a resolução do KRS se baseia precisões suscetíveis de limitar a margem de apreciação que foi criticada pelo Tribunal de Justiça ( 85 ).

64.

Em segundo lugar, no que se refere às modalidades processuais, parece‑me desde logo que, à semelhança da regulamentação anterior, como a legislação precedente, criticada pelo Tribunal de Justiça, a nova regulamentação não prevê um prazo para o KRS adotar a sua resolução, limitando‑se o Governo polaco a indicar, nas suas observações escritas e na audiência, que, na aceção do artigo 69.o, n.o 1b, último período, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, se um juiz alcançar a idade de passagem à reforma aposentação antes do termo do processo de prorrogação do seu mandato, manter‑se‑á em funções até ao encerramento do referido processo.

65.

Em seguida, parece‑me que, aplicando‑se o artigo 42.o, n.os 1 e 2, da Lei relativa ao KRS a tais resoluções, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, estas são fundamentadas no prazo de um mês a contar da sua adoção, o que, em princípio, deve permitir responder às críticas expressas a este respeito pelo Tribunal de Justiça sob a égide da regulamentação anterior.

66.

Por último, conforme o processo principal demonstra, a resolução do KRS, contrariamente à regulamentação anterior, pode ser objeto de recurso a interpor na Secção de Fiscalização Extraordinária ( 86 ), cuja independência foi, no entanto, objeto de numerosas críticas ( 87 ).

67.

Em conclusão, sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio realizar com base nas indicações que precedem, tenho dúvidas de que o mecanismo de autorização do KRS para efeitos de manutenção em funções dos juízes após a idade de passagem à reforma ofereça garantias suficientes de independência em relação aos poderes legislativo e executivo, atendendo a todos os elementos pertinentes tanto factuais como jurídicos relativos simultaneamente às condições nas quais os membros deste órgão foram designados e à maneira como este desempenha concretamente o seu papel.

68.

Proponho assim que se responda à primeira questão prejudicial que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a eficácia da declaração da vontade de um juiz continuar a exercer funções depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma à autorização de uma autoridade cuja inexistência de independência em relação aos poderes legislativo ou executivo tenha sido provada e que profere as suas decisões com base em critérios vagos e dificilmente verificáveis.

C.   Quanto à segunda questão prejudicial

69.

Através da sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, se opõe a uma regulamentação nacional, como o artigo 69.o da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns, interpretada no sentido de que prevê a prescrição de uma declaração tardia da vontade de continuar a exercer funções de juiz depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma, independentemente das circunstâncias e dos efeitos da inobservância do prazo em questão.

70.

Recordo que a regulamentação nacional em causa, na medida em que tem um impacto na duração do mandato dos juízes dos tribunais comuns, se insere no âmbito de aplicação do princípio da inamovibilidade dos juízes, que é inerente ao princípio da independência dos órgãos jurisdicionais na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 88 ).

71.

Além disso, não havendo regras pormenorizadas ao nível da União, a compatibilidade da referida disposição com o princípio da independência deve ser examinada à luz dos princípios da autonomia processual e da efetividade ( 89 ).

72.

No presente caso, sublinho, a título preliminar, que uma disposição análoga à que está em causa não foi objeto de críticas por parte da Comissão no âmbito dos processos que deram origem aos Acórdãos Independência do Supremo Tribunal ( 90 ) e Independência dos tribunais comuns ( 91 ).

73.

Ora, como a Comissão salienta nas suas observações escritas, os prazos claros e previsíveis para a declaração por parte do juiz em causa da sua vontade de continuar a ocupar o seu posto depois de alcançada a idade de passagem à reforma constituem requisitos processuais objetivos suscetíveis de contribuir para a segurança jurídica e para objetividade de todo o processo de autorização da manutenção do exercício das funções judiciais. No presente caso, sublinho que o prazo em questão, que começa a correr a partir do momento em que o juiz completa 64 anos de idade e que expira seis meses antes de este completar 65 anos de idade, por um lado, é fixado em relação a um evento que é do perfeito conhecimento do juiz interessado, nomeadamente, a data do seu 65.o aniversário e, por outro, é suficientemente longo para dar a este juiz a possibilidade de tomar uma decisão fundamentada quanto à oportunidade de manifestar a sua vontade de prosseguir as suas funções.

74.

Por conseguinte, por um lado, considero que o efeito de prescrição deste prazo é uma exigência processual clara suscetível de contribuir para a objetividade do processo e para a segurança jurídica, em benefício da boa organização do sistema judicial.

75.

Por outro lado, no que respeita à impossibilidade de apresentar um pedido para obviar a prescrição deste prazo, que implica a inadmissibilidade de qualquer declaração efetuada depois de expirado este prazo, saliento que, em princípio, esta não submete os juízes a nenhuma pressão ou influência externa e priva, além disso, o KRS da possibilidade de exercer um poder discricionário.

76.

A única dúvida que, em meu entender, pode eventualmente ser formulada em relação ao artigo 69.o da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns diz respeito ao caráter proporcionado de um prazo de prescrição absoluto que não toma em consideração, nomeadamente, os princípios da necessidade ou de força maior, desde que tal seja confirmado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

77.

No entanto, parece‑me, por um lado, que nas circunstâncias do caso concreto, esta situação é hipotética, uma vez que a decisão de reenvio não refere nenhum caso de força maior nem nenhum elemento extraordinário suscetível de impedir o juiz em causa de apresentar a sua declaração em tempo útil ( 92 ), e, por outro, a eventual ocorrência de uma situação independente da vontade do juiz em causa que o impeça de respeitar o prazo de prescrição deve, seja como for, ser ponderada com os requisitos da organização da justiça ( 93 ).

78.

Por conseguinte, sem prejuízo das verificações acima referidas que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, não me parece que, nas circunstâncias do caso concreto, a disposição nacional em causa viole o princípio da independência dos juízes.

79.

Em conclusão, proponho que se responda à segunda questão prejudicial que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional interpretada no sentido de que a declaração tardia feita por um juiz da sua vontade de se manter em funções depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma não produz efeitos, independentemente das circunstâncias da inobservância do prazo e a importância que essa inobservância reveste para o processo relativo à emissão de uma autorização para continuar a exercer as funções de juiz, desde que esta disposição seja conforme com o princípio da proporcionalidade.

V. Conclusão

80.

Atentas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais colocadas pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) nos seguintes termos:

1)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a eficácia da declaração da vontade de um juiz continuar a exercer funções depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma à autorização de uma autoridade cuja inexistência de independência em relação aos poderes legislativo ou executivo tenha sido provada e que profere as suas decisões com base em critérios vagos e dificilmente verificáveis.

2)

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional interpretada no sentido de que a declaração tardia feita por um juiz da sua vontade de se manter em funções depois de ter alcançado a idade de passagem à reforma não produz efeitos, independentemente das circunstâncias da inobservância do prazo e a importância que essa inobservância reveste para o processo relativo à emissão de uma autorização para continuar a exercer as funções de juiz, desde que esta disposição seja conforme com o princípio da proporcionalidade.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Nomeadamente, as recentes reformas do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), no que diz respeito à Secção de Fiscalização Extraordinária e ao KRS.

( 3 ) V. Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, a seguir Acórdão Independência do Supremo Tribunal, EU:C:2019:531); de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, a seguir Acórdão Independência dos tribunais comuns, EU:C:2019:924), e de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes) (C‑791/19, a seguir Acórdão Regime disciplinar dos juízes, EU:C:2021:596). Encontra‑se atualmente pendente uma quarta ação por incumprimento (Comissão/Polónia, C‑204/21), que foi objeto das Conclusões apresentadas pelo Advogado‑Geral A. Collins em 15 de dezembro de 2022 (EU:C:2022:991).

( 4 ) V. Acórdãos de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, a seguir Acórdão A.K., EU:C:2019:982); de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234); de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos) (C‑824/18, a seguir Acórdão A.B., EU:C:2021:153); de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑487/19, a seguir Acórdão W.Ż., EU:C:2021:798), de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o. (C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931); de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny e o. (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal ‑ Nomeação) (C‑508/19, EU:C:2022:201), bem como de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank (C‑132/20, a seguir Acórdão Getin Noble Bank, EU:C:2022:235). Estas reformas são igualmente objeto de inúmeros processos que estão em curso, entre os quais os processos apensos YP e o. (Levantamento da imunidade e suspensão de um juiz) (C‑615/20 e C‑671/20), bem como G. e o. (Nomeação de juízes de direito comum na Polónia) (C‑181/21 e C‑269/21), que foram objeto das Conclusões do advogado‑geral A. Collins de 15 de dezembro de 2022 (EU:C:2022:986 e EU:C:2022:990).

( 5 ) Dz. U. de 2018, posição 5.

( 6 ) Texto codificado, Dz. U. de 2020, posição 2072.

( 7 ) Texto codificado, Dz. U. de 2021, posição 269.

( 8 ) A declaração em questão, transmitida pelo presidente do Sąd Okręgowy w K. (Tribunal Regional de K.), foi acompanhada de atestados médicos, psicológicos e de aptidão, bem como de atestados de competências psicológica, exigidos pela regulamentação pertinente.

( 9 ) A este respeito, alega que a inobservância deste prazo se justifica pelo nível de acumulação das suas atividades judiciais em curso.

( 10 ) Esta resolução foi adotada na sequência de uma proposta de arquivamento adotada por uma equipa designada de forma ad hoc pelo presidente do KRS, sem que tenha sido emitido um parecer do Ministro da Justiça, que foi informado desta designação.

( 11 ) O recorrente também apresentou um pedido de suspensão dos efeitos da resolução controvertida, que foi julgado procedente por Despacho do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) de 29 de abril de 2021.

( 12 ) V., nomeadamente, Acórdãos A.K. (n.os 136 a 145), A.B. (n.os 130 e 131) e Regime disciplinar dos juízes (n.os 100 a 108). Estava em causa a composição resultante da Lei sobre o KRS, conforme alterada pela ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei de alteração da Lei sobre o Conselho Nacional de Magistratura e de outras leis), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3).

( 13 ) TEDH, 8 de novembro de 2021, Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia (CE:ECHR:2021:1108JUD004986819). A apreciação da Resolução n.o 331/2018 por parte do TEDH também foi objeto do Acórdão W.Ż. (n.os 134 a 154).

( 14 ) Estas circunstâncias são muito controvertidas, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio, nas suas observações complementares formulou, à semelhança do KRS e do Governo polaco, diversas críticas, nomeadamente a respeito da interpretação do despacho de medidas provisórias e do Acórdão do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) feita pela jurisprudência da União e do TEDH.

( 15 ) V., nomeadamente, Acórdão Getin Noble Bank (n.o 66 e jurisprudência referida).

( 16 ) O Tribunal de Justiça precisou, diversas vezes, que esta disposição constitui um princípio geral que concretiza o valor do Estado de Direito, afirmado no artigo 2.o, TUE e interpreta regularmente a referida disposição à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») que, por seu turno, consagra este princípio geral, conforme decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros que foi consagrado pelos artigos 6.o e 13.o, CEDH (v., nomeadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 32 e 35, bem como jurisprudência referida).

( 17 ) Este aspeto exige, em substância, que a instância em causa exerça as suas funções sem estar submetida a um vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja assim protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de prejudicar a independência de julgamento dos seus membros e de influenciar as suas decisões (v. Acórdão Independência dos tribunais comuns, n.o 109 e jurisprudência referida). As regras aplicáveis ao estatuto dos juízes e ao exercício da sua função devem, em especial, permitir excluir não apenas qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também as formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa, e afastar assim uma inexistência de aparência de independência ou de imparcialidade destes que possa prejudicar a confiança que a justiça deve inspirar aos sujeitos de direito numa sociedade democrática e num Estado de direito (v. Acórdão W.Ż., n.o 110 e jurisprudência referida).

( 18 ) Este aspeto visa, em substância, um distanciamento idêntico em relação às partes no litígio e aos respetivos interesses à luz do objeto deste e exige o respeito da objetividade, bem como a inexistência de qualquer interesse na resolução do litígio que não seja a estrita aplicação da regra de direito (v. Acórdão Independência dos tribunais comuns, n.o 110 e jurisprudência referida).

( 19 ) V. Acórdãos Independência dos tribunais comuns (n.o 111 e jurisprudência referida), e W.Ż. (n.o 109 e jurisprudência referida). Segundo o Tribunal de Justiça que, para este efeito, se baseia na jurisprudência do TEDH, estas duas exigências de autonomia e de imparcialidade devem garantir a confiança que qualquer tribunal deve inspirar nos sujeitos de direito numa sociedade democrática, baseando‑se (sobretudo no que diz respeito à imparcialidade) na «teoria da aparência de independência» [v., neste sentido, Acórdão A.K. (n.os 127 a 129), bem como, na doutrina, Krajewski, M., e Ziółkowski, M., «EU judicial independence decentralized: A.K.», Common market law review, 2020, vol. 57, n.o 4, p. 1123; e Pappalardo, F., e Renoud, E., «La théorie des apparences, les juges et l’État de droit en Pologne», Revue des affaires européennes, 2021, n.o 3, p. 667].

( 20 ) Acórdão Getin Noble Bank (n.o 69). Estava também em causa, no caso concreto, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), embora com uma formação de juiz singular. Neste caso, o ato de nomeação deste juiz, de 10 de outubro de 2018, foi adotado em circunstâncias idênticas às que foram objeto do Acórdão W.Ż. Este ato baseara‑se na Resolução n.o 331/2018, cuja execução tinha sido suspensa por Despacho do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) (v. n.o 14 das presentes conclusões e Acórdão W.Ż., n.os 32 a 34)].

( 21 ) V. Acórdão Getin Noble Bank (n.o 70 e jurisprudência referida).

( 22 ) V., neste sentido, Acórdão Getin Noble Bank (n.os 68 a 72 e jurisprudência referida).

( 23 ) V., neste sentido, Acórdão Getin Noble Bank (n.o 75). No caso concreto, o Tribunal de Justiça limitou‑se a constatar que, uma vez que não tinha conhecimento do facto de o juiz que constituía o órgão jurisdicional de reenvio ter sido objeto dessa decisão judicial definitiva, dos eventuais vícios que pudessem ter afetado o procedimento nacional de nomeação do referido juiz não era suscetível de resultar a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial (n.o 73 deste acórdão). No seu Acórdão de 12 de maio de 2022, W. J. (Mudança de residência habitual do credor de alimentos) (C‑644/20, EU:C:2022:371, n.o 52), o Tribunal de Justiça esclareceu, em substância, que os elementos de prova suscetíveis de ilidir a presunção em causa deveriam ser concretos e precisos.

( 24 ) Segundo o advogado‑geral M. Bobek, embora exista apenas um princípio de independência da justiça no direito da União, no entanto, na medida em que estas três disposições são diferentes quanto à sua função e ao seu objetivo, o tipo de exame a efetuar para verificar o respeito deste princípio da independência da justiça pode ser diferente, em particular no que respeita à intensidade da fiscalização do respeito pelo referido princípio pelo Tribunal de Justiça e ao limiar que permite detetar uma infração causa a este (v. Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2021:557, n.o 36). Anteriormente, o advogado‑geral N. Wahl tinha, em substância, defendido uma interpretação menos rígida da qualidade de órgão independente no âmbito do conceito de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE do que a interpretação do artigo 6.o da CEDH e do artigo 47.o da Carta (Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos apensos Torresi, C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:265, n.os 48 a 51).

( 25 ) V., nomeadamente, Acórdão Getin Noble Bank (n.o 72). Contudo, neste caso, o Tribunal de Justiça especificou que a presunção segundo a qual o órgão jurisdicional nacional de que emana um pedido de decisão prejudicial preenche, nomeadamente, o requisito de independência (v. n.o 18 das presentes conclusões) se impõe «unicamente para efeitos da apreciação da admissibilidade de pedidos de decisão prejudicial, no âmbito do artigo 267.o TFUE» e que «[d]aqui não se pode inferir que as condições de nomeação dos juízes que compõem o órgão jurisdicional de reenvio permitem necessariamente satisfazer as garantias de acesso a um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ou do artigo 47.o da Carta» (Acórdão Getin Noble Bank, n.o 74; v., igualmente, Acórdão de 13 de outubro de 2022, Perfumesco.pl, C‑355/21, EU:C:2022:791, n.o 33).

( 26 ) V. Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 52).

( 27 ) V. Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 52). O Tribunal de Justiça também especificou, a este respeito, que ao direito à ação a intentar um processo num tribunal consagrado no artigo 47.o da Carta corresponde a obrigação imposta aos Estados‑Membros no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE de estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar a tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União (v. Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 44). Na doutrina, v., nomeadamente, Wildemeersch, J., «L’avènement de l’article 47 de la Charte des droits fondamentaux et de l’article 19, paragraphe 1, second alinéa, TUE: un droit renouvelé à la protection juridictionnelle effective», Cahiers de droit européen, 2021, n.o 3, p. 867.

( 28 ) No entanto, tal não impede o Tribunal de Justiça de utilizar o artigo 47.o da Carta como um parâmetro para apreciar a independência dos órgãos jurisdicionais na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (v., nomeadamente, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 35 e jurisprudência referida, bem como Independência do Supremo Tribunal, n.o 54).

( 29 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2021:557, n.os 48, 50 a 52 e 65). O mesmo advogado‑geral especificou que a apreciação da independência, ao abrigo do artigo 267.o, TFUE exige que o conceito de «órgão jurisdicional» seja examinado aos níveis estrutural e institucional e que assente numa análise do órgão jurisdicional de reenvio enquanto tal, tomando simultaneamente em conta a função que este órgão é chamado a desempenhar nas circunstâncias específicas de um processo (v., neste sentido, as suas Conclusões nos processos apensos Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:403, n.os 52, 56 e 166, e no processo Ministerstwo Sprawiedliwości, C‑55/20, EU:C:2021:500).

( 30 ) Por outras palavras, a análise do Tribunal de Justiça a este respeito não tem por objetivo verificar se as pessoas que pertençam ao órgão jurisdicional e integram a formação de julgamento que apresentou o reenvio preenchem cada uma delas os critérios em questão, antes se apoiando no organismo que apresentou o reenvio (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2021:557, n.o 52 e jurisprudência referida).

( 31 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Getin Noble Bank (C‑132/20, EU:C:2021:557, n.o 47). Aquilo que o Tribunal de Justiça deve tomar em consideração para verificar se o organismo de reenvio é estruturalmente independente das partes no litígio (independência «interna») e não recebe orientações externas de outros poderes públicos (independência «externa») é assim o quadro jurídico (formal) (n.o 63).

( 32 ) V., nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.o 23 e jurisprudência referida).

( 33 ) Na doutrina, foi constatado que nem sempre é indispensável reunir estes elementos (v. Pertek, J., «Notion de juridiction: le droit au renvoi préjudiciel des organes ordinaux des professions libérales», Revue des affaires européennes, 2022, n.o 1, p. 127).

( 34 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o. (C‑110/98 a C‑147/98, EU:C:2000:145, n.o 40), relativo aos órgãos competentes para apreciarem das reclamações económico‑administrativas, cujos membros eram nomeados de entre os funcionários das administrações e destituídos por Decisão do Ministro da Economia e das Finanças; de 29 de novembro de 2001, De Coster (C‑17/00, EU:C:2001:651, n.o 18), relativo a um órgão investido em matéria de contencioso tributário local na Bélgica, cujos membros eram nomeados pelo Conselho da Região de Bruxelas‑Capital; de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie (C‑385/09, EU:C:2010:627, n.os 34 a 40), relativo a um órgão encarregado de examinar as reclamações apresentadas pelos contribuintes em matéria fiscal, ligado à estrutura organizacional do Ministério das Finanças, para o qual tinha de redigir relatórios anuais e com o qual tinha o dever de cooperar; de 22 de novembro de 2012, Westbahn Management (C‑136/11, EU:C:2012:740, n.o 28), relativo a um órgão competente para resolver litígios relativos aos mercados ferroviários na Áustria, cuja maioria dos membros eram nomeados pelo Governo, bem como de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact (C‑465/11, EU:C:2012:801, n.o 18), relativo a um órgão competente para conhecer em primeira instância dos litígios entre operadores económicos e entidades adjudicantes no âmbito dos contratos públicos. Na doutrina, v. Krajewski, M. e Ziółkowski, M., «EU judicial independence decentralized: A.K.», Common market law review, 2020, vol. 57, n.o 4, p. 1118.

( 35 ) No que diz respeito, por exemplo, ao Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), v. Acórdãos de 20 de maio de 2021, FORMAT Urządzenia i Montaże Przemysłowe (C‑879/19, EU:C:2021:409), de 8 de julho de 2021, Koleje Mazowieckie (C‑120/20, EU:C:2021:553), W.Ż. (relativo à secção civil), de 21 de outubro de 2021, Zakład Ubezpieczeń Społecznych I Oddział w Warszawie (C‑866/19, EU:C:2021:865), e de 22 de março de 2022, Prokurator Generalny e o. (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal — Nomeação) (C‑508/19, EU:C:2022:201) (Secção do Trabalho e da Segurança Social), nos quais o Tribunal de Justiça respondeu ao órgão jurisdicional de reenvio sem se interrogar sobre a sua qualidade de órgão independente.

( 36 ) Por outro lado, embora as garantias de independência e de imparcialidade exigidas para efeitos de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE imponham a existência de regras, designadamente no que respeita à nomeação, que permitam afastar qualquer dúvida legítima quanto à impermeabilidade e à neutralidade desta instância, há muito que o Tribunal de Justiça tem considerado que não lhe compete, no âmbito do exame da qualidade de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE, pressupor que tais regras sejam aplicadas de modo contrário aos princípios consagrados na ordem jurídica interna ou aos princípios de um Estado de direito (v., neste sentido, Acórdão de 4 de fevereiro de 1999, Köllensperger e Atzwanger, C‑103/97, EU:C:1999:52, n.o 24, bem como Conclusões do advogado‑geral M. Bobek no processo Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2021:557, n.o 62).

( 37 ) Por outro lado, tal interpretação permite ao órgão jurisdicional de reenvio cumprir a obrigação que lhe incumbe de verificar se, através da sua composição, constitui um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido pela lei quando surja uma dúvida séria sobre esta questão (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Reexame Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, n.o 57 e jurisprudência referida, bem como Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia,C‑204/21 R, EU:C:2021:593, n.o 164).

( 38 ) Com efeito, conforme o advogado‑geral N. Wahl salientou, uma aplicação excessivamente restrita dos critérios estabelecidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativos à admissibilidade dos reenvios ao abrigo do artigo 267.o TFUE poderia ter um efeito contrário ao do reforço da proteção das pessoas e assegurar um nível elevado de proteção dos direitos fundamentais em conformidade com os artigos 6.o da CEDH e 47.o da Carta, na medida em que seria negado às pessoas a possibilidade de o seu «juiz natural» (o Tribunal de Justiça) conhecer os seus recursos assentes no direito da União e, consequentemente, ficaria enfraquecida a efetividade dos direitos da União na União Europeia (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos apensos Torresi, C‑58/13 e C‑59/13, EU:C:2014:265, n.o 49). Conforme foi observado pela doutrina, no contexto do artigo 267.o TFUE, a preocupação essencial do Tribunal de Justiça não foi aplicar os critérios quanto ao mérito relativos à independência, mas antes o critério funcional que consiste em alargar o acesso ao processo prejudicial, para garantir a aplicação uniforme dos direitos da União e a sua proteção efetiva [v. Tridimas, Τ., «Knocking on Heaven’s Door: Fragmentation, Efficiency and Defiance in the Preliminary Reference Procedure», Common market law review, 2003, vol. 40, n.o 1, p. 28, bem como Bonelli, M., e Monica, C., «Judicial serendipity: How Portuguese judges came to the rescue of the Polish judiciary», European constitutional law review, 2018, vol. 14, n.o 3, p. 622].

( 39 ) Esta constatação foi nomeadamente efetuada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão A.B. (n.o 100).

( 40 ) À luz desta constatação, considero que é conveniente matizar a expressão utilizada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Getin Noble Bank (n.o 72), na formulação da primeira hipótese na qual a presunção de «órgão jurisdicional» pode ser ilidida. Com efeito, embora o Tribunal de Justiça se refira a uma «decisão judicial definitiva […] [que] leve a considerar que o juiz que constitui o órgão jurisdicional de reenvio não tem a qualidade de tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido à luz do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta» (o sublinhado é meu), há que ter em conta que este exame do princípio da independência no âmbito do artigo 267.o TFUE não coincide necessariamente com o mesmo exame que este realiza no âmbito do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ou do artigo 47.o da Carta.

( 41 ) Observo, por outro lado, que mesmo no âmbito de um processo especial visado no artigo 7.o TUE, quando o Conselho decide suspender determinados direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa, toma em consideração as eventuais consequências decorrentes dessa suspensão nos direitos e obrigações das pessoas singulares e coletivas.

( 42 ) Devendo o termo «toga», neste caso específico, ser compreendido no sentido de função.

( 43 ) V., por analogia, Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535, n.os 55 e 56), relativo ao envolvimento do Conselho Nacional de Magistratura, composto preponderantemente por membros nomeados pelo poder legislativo, no processo de designação dos juízes, bem como Acórdãos Independência do Supremo Tribunal (n.o 111) e Independência dos tribunais comuns (n.o 119), relativos, respetivamente, aos poderes do Presidente da República para decidir sobre a manutenção em funções dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e do Ministro da Justiça para decidir sobre a manutenção em funções dos juízes dos tribunais comuns. Examinarei este aspeto de forma mais detalhada a respeito da interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (v., nomeadamente, n.os 56 a 60 das presentes conclusões).

( 44 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535, n.o 54 e jurisprudência referida).

( 45 ) De um modo semelhante àquele que propus nas minhas Conclusões nos processos apensos Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido pela lei do Estado‑Membro de emissão) (C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2021:1019, n.os 46 e 47), parece‑me oportuno distinguir as regras substantivas relativas à capacidade e às competências dos juízes para exercerem a sua função das regras relativas a aspetos puramente formais desta nomeação (v., por analogia, Acórdão de 26 de março de 2020, Reexame Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 79).

( 46 ) V. n.o 18 das presentes conclusões.

( 47 ) V. n.o 29 das presentes conclusões.

( 48 ) V. n.o 18 das presentes conclusões.

( 49 ) V. nota de pé de página 40 das presentes conclusões.

( 50 ) CE:ECHR:2021:1108JUD004986819.

( 51 ) O KRS indicou, na audiência, que um dos três juízes que compõem o órgão jurisdicional de reenvio fazia parte da formação de julgamento que foi objeto deste acórdão.

( 52 ) V. n.o 72 deste acórdão.

( 53 ) V. n.os 19 a 23 das presentes conclusões.

( 54 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2020, Banco de Santander (C‑274/14, EU:C:2020:17, n.os 66 a 69). No processo principal, verifica‑se o envolvimento do poder executivo pelo facto de, na sequência das recentes reformas do sistema judicial polaco, os membros do KRS que adotaram a Resolução n.o 331/2018 serem, na sua maioria, próximos dos poderes executivo e legislativo polaco.

( 55 ) V., em particular, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal, relativo à manutenção em funções dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), e Independência dos tribunais comuns, relativo à manutenção em funções dos juízes dos tribunais comuns.

( 56 ) V., nomeadamente, neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 34 e jurisprudência referida). No essencial, o Tribunal de Justiça parte da premissa de que, para assegurar a coerência e a unidade na interpretação do direito da União, incluindo através do mecanismo fundamental do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, e tendo em conta o direito dos sujeitos de direito de contestarem judicialmente a legalidade de qualquer ato nacional relativo à aplicação, a seu respeito, de um ato da União, o artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.o TUE, confia aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça a missão de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional que esse direito confere aos particulares (v., nomeadamente, neste sentido, Acórdão Independência do Supremo Tribunal, n.os 42 a 47).

( 57 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, RS (Efeito dos acórdãos de um tribunal constitucional) (C‑430/21, EU:C:2022:99, n.os 34 a 37 e jurisprudência referida).

( 58 ) V. Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 49 e jurisprudência referida). Com efeito, por força da disposição em questão, qualquer Estado‑Membro deve, nomeadamente, assegurar que as instâncias que, enquanto «órgãos jurisdicionais» no sentido definido pelo direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União e que são, por conseguinte, suscetíveis de se pronunciar, nesta qualidade, sobre a aplicação ou a interpretação do direito da União preenchem os requisitos de uma tutela jurisdicional efetiva (v. Acórdão W.Ż., n.o 104 e jurisprudência referida).

( 59 ) V., nomeadamente, Acórdão W.Ż. (n.o 103 e jurisprudência referida). Por conseguinte, se, como o Governo polaco alega nas suas observações escritas, a organização da justiça nos Estados‑Membros decorre da competência dos mesmos, não deixa de ser certo que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros devem respeitar as obrigações que o direito da União lhes impõe (v., nomeadamente, Acórdão Independência dos tribunais comuns, n.o 102 e jurisprudência referida). Pode ser o caso, nomeadamente, no que se refere às regras nacionais relativas à adoção das decisões de nomeação de juízes (v. Acórdão W.Ż., n.o 75 e jurisprudência referida).

( 60 ) V., neste sentido, Acórdãos Independência dos tribunais comuns (n.o 104) e W.Ż. (n.o 106 e jurisprudência referida).

( 61 ) V. Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 41) e Independência dos tribunais comuns (n.o 105 e jurisprudência referida). Em suma, a exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que revestem uma importância central enquanto garantes da proteção de todos os direitos que o direito da União confere aos particulares e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente o valor do Estado de direito (v., neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal, n.o 58 e jurisprudência referida, bem como W.Ż., n.o 108 e jurisprudência referida).

( 62 ) Segundo a teoria dita da «aparência de independência» (v. n.o 17 das presentes conclusões).

( 63 ) V. Acórdão Independência dos tribunais comuns (n.o 112 e jurisprudência referida).

( 64 ) V. Acórdão Independência dos tribunais comuns (n.o 113 e jurisprudência referida).

( 65 ) Estava em causa o artigo 37.o da ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei sobre o Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 5).

( 66 ) A saber, por um período de três anos, renovável uma vez, a partir dos 65 anos de idade. A regulamentação nacional objeto deste processo previa igualmente uma disposição que consistia em reduzir a idade da reforma (de 70 para 65 anos), que foi objeto de uma acusação em separado da Comissão bem como das críticas do Tribunal de Justiça do ponto de vista da violação do princípio da inamovibilidade dos juízes (v. Acórdão Independência do Supremo Tribunal, n.o 96).

( 67 ) Segundo o acórdão em questão, tratava‑se da versão desta disposição que entrou em vigor na sequência das alterações introduzidas pela ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns e outras leis), de 12 de julho de 2017 (Dz. U. de 2017, posição 1452).

( 68 ) A saber, da idade de 60 para 70 anos para as mulheres, e da idade de 65 para 70 anos para os homens. A regulamentação nacional objeto deste processo continha igualmente uma disposição que previa a redução da idade da passagem à reforma (de 67 para 60 anos para as mulheres e para os 65 anos para os homens), que, no entanto, não foi objeto de uma acusação separada da Comissão.

( 69 ) V., neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal (n.o 111) e Independência dos tribunais comuns (n.o 119).

( 70 ) V., neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal (n.os 110 e 111) e Independência dos tribunais comuns (n.os 118 e 119).

( 71 ) V., neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal (n.o 118) e Independência dos tribunais comuns (n.os 124).

( 72 ) V., neste sentido, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal (n.o 114) e Independência dos tribunais comuns (n.o 122). Além disso, no primeiro processo, o Tribunal de Justiça declarou que embora a participação do KRS no processo, no qual foi chamado a emitir um parecer dirigido a apresentar ao Presidente da República antes de este adotar a sua decisão, pudesse, em princípio, ser suscetível de contribuir para conferir objetividade a esse processo, não foi o que sucedeu nas circunstâncias do caso concreto, tendo‑se o KRS limitado, em termos gerais, a apresentar pareceres desprovidos de qualquer fundamentação ou acompanhados de uma fundamentação puramente formal (v. Acórdão Independência do Supremo Tribunal, n.os 115 a 117).

( 73 ) V., neste sentido, Acórdão Independência dos tribunais comuns (n.o 123). No que diz respeito, em particular, à inexistência de um prazo no decurso do qual o Ministro da Justiça deve tomar a sua decisão, o Tribunal de Justiça observou que a disposição em questão, conjugada com aquela que prevê que quando um magistrado alcança a idade normal de passagem à reforma antes do termo do procedimento que visa prolongar o exercício das suas funções, o interessado permanecerá em funções até ao termo do referido procedimento, era suscetível de fazer perdurar o período de incerteza na qual o magistrado em causa se encontra e concluiu que a duração do período durante o qual os juízes podem, assim, ficar a aguardar pela decisão do Ministro da Justiça depois de solicitada a prorrogação do exercício das suas funções também depende, em última análise, da discricionariedade deste último.

( 74 ) V., neste sentido, Acórdão Independência dos tribunais comuns (n.os 125 a 130). No processo que deu origem a este acórdão, foi a conjugação da medida de redução da idade normal de passagem à reforma e do poder discricionário de que, no presente caso vertente, o Ministro da Justiça está investido para autorizar ou recusar a continuação do exercício das funções de juiz dos tribunais comuns que, segundo o Tribunal de Justiça, violava o princípio da inamovibilidade.

( 75 ) Nos termos do artigo 69.o, n.o 1, desta lei, a manutenção do juiz nas suas funções também está sujeita à apresentação de um atestado, emitido de acordo com as condições aplicáveis aos candidatos à magistratura judicial, que certifique que o seu estado de saúde lhe permite exercer as suas funções de magistrado, condição esta que, no entanto, não suscita, em princípio, preocupações à luz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, desde que vise apenas garantir que o estado físico e psicológico do juiz lhe permite continuar a exercer as suas funções.

( 76 ) V. Acórdãos A.K. (n.os 141 a 152), A.B. (n.os 130 a 135), Regime disciplinar dos juízes (n.os 104 a 110), e W.Ż. (n.os 149 e 150). O Tribunal de Justiça salientou nomeadamente que quase todos os membros do KRS, na sua nova composição, foram designados pelos poderes executivo e legislativo ou eram membros destes poderes, de onde resultava um risco de influência acrescida dos referidos poderes legislativo e executivo sobre o KRS, bem como de violação contra a independência deste órgão (v. Acórdão Regime disciplinar dos juízes, n.o 104).

( 77 ) CE:ECHR:2021:1108JUD004986819 (§§ 290, 320 e 353 a 355). No mesmo sentido, v. TEDH, de 22 de julho de 2021, Reczkowicz c. Polónia (CE:ECHR:2021:0722JUD004344719, §§ 274 e 276).

( 78 ) Por outro lado, no seu Acórdão de 15 de março de 2022, Grzęda c. Polónia (CE:ECHR:2022:0315JUD004357218, § 348), o TEDH declarou que a República da Polónia também violou o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, por ter prematuramente posto termo ao mandato de um membro juiz do KRS sem que este tivesse acesso à fiscalização jurisdicional da medida. Neste contexto, o TEDH declarou que as reformas polacas do sistema judicial, em particular a reorganização do KRS, visavam enfraquecer a independência do poder judicial e que, por conseguinte, o poder judicial se encontrava exposto à ingerência dos poderes executivo e legislativo e, consequentemente, estava consideravelmente enfraquecido.

( 79 ) Processo BSA I‑4110‑1/20. Através desta resolução, adotada por iniciativa do primeiro presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) na sequência do Acórdão A.K., as secções reunidas do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) concluíram que, no final da reforma realizada durante o ano de 2017, o KRS não era independente e que uma formação de julgamento que incluísse uma pessoa nomeada como juiz por recomendação do KRS era contrária à lei. A referida resolução também foi igualmente tomada em consideração no Acórdão do TEDH, de 22 de julho de 2021, Reczkowicz c. Polónia (CE:ECHR:2021:0722JUD004344719, §§ 89 a 106).

( 80 ) O Tribunal de Justiça já declarou que a circunstância de um órgão, como o Conselho Nacional de Magistratura, envolvido no processo de designação dos juízes, ser, de forma preponderante, composto por membros escolhidos pelo poder legislativo não pode, por si só, conduzir a que se questione a independência dos juízes nomeados nos termos do referido processo (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen, C‑272/19, EU:C:2020:535, n.os 55 e 56). Aliás, esta conclusão é coerente com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que declarou que mesmo os poderes do Presidente da República, por um lado, de decidir da prorrogação do mandato dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e do Ministro da Justiça, por outro, de decidir da prorrogação do mandato dos juízes dos tribunais comuns (sob a vigência da regulamentação anterior), não eram suficientes, por si só, para concluir pela existência de uma violação do princípio da independência dos juízes (v. Acórdãos Independência do Supremo Tribunal, n.os 108 e 110, e Independência dos tribunais comuns, n.o 119).

( 81 ) A jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito é conforme com a jurisprudência do TEDH, segundo a qual, em substância, a nomeação dos juízes pelas autoridades abrangidas pelo poder executivo não suscita dúvidas razoáveis quanto à independência destes últimos, desde que estes, depois de nomeados, estejam ao abrigo de influências ou de pressões quando exercem a sua função decisória (v., nomeadamente, TEDH, 30 de novembro de 2010, Henryk Urban e Ryszard Urban c. Polónia, CE:ECHR:2010:1130JUD002361408, § 49).

( 82 ) V., por analogia, Acórdãos Independência do Supremo Tribunal (n.os 108 e 110) e Independência dos tribunais comuns (n.o 119).

( 83 ) V., igualmente, nota de pé de página n.o 66 das presentes conclusões.

( 84 ) V. Acórdão Independência dos tribunais (n.os 122 e123).

( 85 ) Há, bem entendido, que apreciar o âmbito das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais à luz da interpretação que lhes é dada pelos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 18 de julho de 2007, Comissão/Alemanha,C‑490/04, EU:C:2007:430, n.o 49 e jurisprudência referida), apreciação esta que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, tomando igualmente em consideração a eventual existência de uma linha jurisprudencial da Secção de Fiscalização Extraordinária, evocada pelo Governo polaco, que explicita a aplicação dos critérios referidos.

( 86 ) Conforme foi indicado pelo Governo polaco na audiência e sem prejuízo das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, é o que resulta do artigo 44.o, número 1, da Lei relativa ao KRS, segundo o qual, em substância, um interveniente no processo pode interpor recurso no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) contra a resolução do KRS, e do artigo 26.o da Lei sobre o Supremo Tribunal, que atribui competência à Secção de Fiscalização Extraordinária para apreciar este tipo de recursos. Há, todavia, que tomar em consideração as alterações introduzidas a esta última disposição pela ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych, ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw (Lei que Altera a Lei Orgânica dos Tribunais Comuns, a Lei do Supremo Tribunal e algumas outras leis), de 20 de dezembro de 2019 (Dz. U. de 2020, posição 190), que entrou em vigor em 14 de fevereiro de 2020. A referida disposição, conforme alterada, foi objeto de uma ação por incumprimento intentada pela Comissão (processo C‑204/01), que se encontra atualmente pendente (v. Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021, Comissão/Polónia, C‑204/21 R, EU:C:2021:593, e Conclusões do advogado‑geral A. Collins no processo Comissão/Polónia, C‑204/21, EU:C:2022:991).

( 87 ) Remeto para as críticas relativas à inexistência de independência da Secção de Fiscalização Extraordinária suscitadas por determinados intervenientes no âmbito da discussão sobre a sua qualificação como «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o, TFUE (v., nomeadamente, n.os 30 a 37 das presentes conclusões), recordando que a apreciação do princípio da independência de um órgão jurisdicional no contexto do artigo 267.o TFUE requer que se proceda a um exame diferente daquele que é exigido na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.o, da Carta (v. n.os 19 a 23 das presentes conclusões).

( 88 ) V. n.os 44 a 48 das presentes conclusões.

( 89 ) V. Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia (C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 58 e jurisprudência referida). Aliás, o Tribunal de Justiça indicou que cabe exclusivamente aos Estados‑Membros decidir se autorizam ou não uma prorrogação do exercício de funções judiciais para além da idade normal de passagem à reforma, embora estejam obrigados a zelar por que as condições e as modalidades a que essa prorrogação está sujeita não sejam suscetíveis de afetar o princípio da independência dos juízes (v. n.o 50 das presentes conclusões).

( 90 ) V. n.o 15 deste acórdão.

( 91 ) V. n.o 9 deste acórdão. Há que notar que a legislação à época em vigor previa que a declaração de vontade do juiz em continuar a exercer funções jurisdicionais devia ser enviada o mais tardar seis meses antes de o mesmo alcançar a idade de passagem à reforma.

( 92 ) Conforme foi sublinhado no n.o 8 das presentes conclusões, o recorrente alega que a inobservância do prazo de prescrição se ficou, em substância, a dever à dimensão do seu volume de trabalho.

( 93 ) Recordo, nomeadamente, que o Tribunal de Justiça declarou, por um lado, que só se pode derrogar a aplicação das regulamentações da União respeitantes aos prazos processuais em circunstâncias absolutamente excecionais, uma vez que a aplicação rigorosa destas regras corresponde à exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar qualquer discriminação ou qualquer tratamento arbitrário na administração da justiça (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 1985, Cockerill‑Sambre/Comissão, 42/85, EU:C:1985:471, n.o 10), e, por outro, que os conceitos de força maior ou de caso fortuito incluem um elemento objetivo, relativo às circunstâncias anormais e estranhas à parte recorrente, e um elemento subjetivo relativo à obrigação, deste último, de se precaver contra as consequências de um acontecimento anormal através da adoção de medidas adequadas sem consentir sacrifícios excessivos. Em especial, a parte recorrente deve acompanhar cuidadosamente a tramitação do processo iniciado e, nomeadamente, fazer prova de diligência para respeitar os prazos previstos (v. Acórdão de 15 de dezembro de 1994, Bayer/Comissão, C‑195/91 P, EU:C:1994:412, n.o 32). Por exemplo, parece‑me evidente que, a partir de um certo momento, os organismos responsáveis pela gestão do pessoal dos tribunais comuns deixarão de poder eficazmente fazer face quer à manutenção em funções de um juiz quer à sua substituição e que, por conseguinte, nem sequer o princípio de força maior, que aliás não está em causa no presente caso, pode justificar a prorrogação do prazo de apresentação do pedido de manutenção em funções até uma data demasiado próxima do dia em que o interessado alcança a idade da reforma.

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