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Document 62021CC0700

Conclusões do advogado-geral M. Campos Sánchez-Bordona apresentadas em 15 de dezembro de 2022.
O. G.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte costituzionale.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Mandado de detenção europeu — Decisão‑quadro 2002/584/JAI — Motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu — Artigo 4.o, ponto 6 — Objetivo de reinserção social — Nacionais de países terceiros que se encontram ou que residem no território do Estado‑Membro de execução — Igualdade de tratamento — Artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Processo C-700/21.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:995

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 15 de dezembro de 2022 ( 1 )

Processo C‑700/21

O. G.

sendo interveniente:

Presidente del Consiglio dei Ministri

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu — Motivos de recusa da entrega facultativos — Respeito pela vida privada e familiar — Nacionais de Estados terceiros que se encontram ou residem no território de um Estado‑Membro»

1.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) solicita ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584/JAI ( 2 ), cuja transposição para o direito italiano pode violar a Constituição italiana.

2.

O reenvio proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de aprofundar a sua já extensa jurisprudência em matéria de mandado de detenção europeu (a seguir «MDE»). Especialmente, terá de determinar se a margem de manobra reconhecida aos Estados‑Membros pelo artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 lhes permite acolher um motivo de não execução facultativa de um MDE que não será aplicável aos nacionais de Estados terceiros.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Decisão‑quadro 2002/584

3.

O considerando 12 declara:

«A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [TUE] e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [ ( 3 )], nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da presente decisão‑quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um [MDE] quando existam elementos objetivos que confortem a convicção de que o [MDE] é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos.»

4.

O artigo 1.o («Definição de [MDE] e obrigação de o executar») dispõe:

«1.   O [MDE] é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.   Os Estados‑Membros executam todo e qualquer [MDE], com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.   A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE].»

5.

O artigo 4.o («Motivos de não execução facultativa do [MDE]») prevê:

«A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um [MDE]:

[…]

6)

Se o [MDE] tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado‑Membro de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometa a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional;

[…].»

6.

O artigo 5.o («Garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais») dispõe:

«A execução do [MDE] pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita pelo direito do Estado‑Membro de execução a uma das seguintes condições:

[…]

3)

Quando a pessoa sobre a qual recai um [MDE] para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente do Estado‑Membro de execução, a entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão.»

2. Decisão‑quadro 2008/909/JAI ( 4 )

7.

O considerando 9 enuncia:

«A execução da condenação no Estado de execução deverá aumentar a possibilidade de reinserção social da pessoa condenada. Para se certificar de que a execução da condenação pelo Estado de execução contribuirá para facilitar a reinserção social da pessoa condenada, a autoridade competente do Estado de emissão deverá atender a elementos como, por exemplo, a ligação da pessoa ao Estado de execução e o facto de o considerar ou não como o local onde mantém laços familiares, linguísticos, culturais, sociais, económicos ou outros.»

8.

Nos termos do considerando 12:

«A presente decisão‑quadro deverá também aplicar‑se mutatis mutandis à execução de condenações nos casos abrangidos pelo n.o 6 do artigo 4.o e pelo n.o 3 do artigo 5.o da [Decisão‑quadro 2002/584]. O que significa, designadamente, que, sem prejuízo dessa decisão‑quadro, o Estado de execução pode verificar se existem ou não motivos de recusa do reconhecimento e da execução, tal como previsto no artigo 9.o da presente decisão‑quadro, incluindo a verificação da dupla incriminação caso o Estado de execução tenha apresentado uma declaração nos termos do n.o 4 do artigo 7.o, como condição para reconhecer e executar a sentença, a fim de considerar se há que entregar a pessoa condenada ou executar a condenação nos casos previstos no n.o 6 do artigo 4.o da [Decisão‑quadro 2002/584].»

9.

O considerando 16 tem a seguinte redação:

«A presente decisão‑quadro deverá ser aplicada nos termos da legislação comunitária aplicável, designadamente da Diretiva 2003/86/CE ( 5 ) […] e da Diretiva 2003/109/CE ( 6 ) […].»

10.

O artigo 3.o («Objetivo e âmbito de aplicação») prevê:

«1.   A presente decisão‑quadro tem por objetivo estabelecer as regras segundo as quais um Estado‑Membro, tendo em vista facilitar a reinserção social da pessoa condenada, reconhece uma sentença e executa a condenação imposta.

2.   A presente decisão‑quadro é aplicável independentemente de a pessoa condenada se encontrar no Estado de emissão ou no Estado de execução.

3.   A presente decisão‑quadro aplica‑se apenas ao reconhecimento de sentenças e à execução de condenações, na aceção da presente decisão‑quadro […].»

11.

O artigo 25.o («Execução de condenações na sequência de um [MDE]») dispõe:

«Sem prejuízo da Decisão‑quadro [2002/584], o disposto na presente decisão‑quadro deve aplicar‑se, mutatis mutandis, na medida em que seja compatível com as disposições dessa mesma decisão‑quadro, à execução de condenações, se um Estado‑Membro tiver decidido executar a condenação nos casos abrangidos pelo n.o 6 do artigo 4.o daquela decisão‑quadro ou se, nos termos do disposto no n.o 3 do artigo 5.o da mesma decisão‑quadro, tiver estabelecido como condição que a pessoa seja devolvida ao Estado‑Membro em questão para nele cumprir a pena, de forma a evitar a impunidade da pessoa em causa.»

B.   Direito nacional. Legge 22 aprile 2005, n.o 69 ( 7 )

12.

Em conformidade com o artigo 18.o bis, n.o 1, alínea c):

A entrega pode ser recusada «se o MDE tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade, quando a pessoa procurada seja nacional italiano ou nacional de outro Estado‑Membro da União, que resida ou se encontre, legal e efetivamente, no território italiano, na condição de que o tribunal de recurso determine que a pena ou a medida de segurança seja cumprida em Itália nos termos do seu direito interno».

13.

Nos termos do artigo 19.o, n.o 1:

«A execução do MDE pela autoridade judiciária italiana […] está sujeita às seguintes condições:

[…]

b)

Se o MDE tiver sido emitido para efeitos de ação penal relativamente a um nacional [italiano] ou a um residente no Estado italiano, a entrega está sujeita à condição de que a pessoa, depois de ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade contra ela eventualmente proferidas no Estado‑Membro de emissão.» ( 8 )

II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais

14.

O. G., de nacionalidade moldava, foi condenado definitivamente, na Roménia, a uma pena de cinco anos de prisão ( 9 ). O órgão jurisdicional de reenvio regista o facto de, segundo o órgão jurisdicional que lhe submeteu a questão de inconstitucionalidade, O. G. se encontrar «integrado em Itália de modo estável do ponto de vista familiar e laboral» ( 10 ).

15.

Em 13 de fevereiro de 2012, a Judecătoria Brașov (Tribunal de Primeira Instância de Brașov, Roménia) emitiu um MDE em relação a O. G. para efeitos de cumprimento da pena.

16.

Em 7 de julho de 2020, a Corte d’appello di Bologna (Tribunal de Recurso de Bolonha, Itália) ordenou a entrega da pessoa procurada à autoridade judiciária de emissão.

17.

Em 16 de setembro de 2020, em sede de recurso interposto por O. G., a Corte di cassazione (Tribunal de Cassação, Itália) anulou o acórdão do Tribunal de Recurso, para o qual remeteu o processo, convidando‑o a apreciar a oportunidade de suscitar uma questão de constitucionalidade à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional).

18.

O Tribunal de Recurso suscitou a questão na Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) perguntando se o artigo 18.o bis, n.o 1, alínea c), da Lei n.o 69 de 2005 era conforme com artigos 2.o, 3.o, 11.o, 27.o, n.o 3, e 117.o, n.o 1, da Constituição italiana.

19.

Em substância, as dúvidas do Tribunal de Recurso baseavam‑se no facto de que, em conformidade com a disposição que incorpora no direito italiano o motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584:

A possibilidade de não execução do MDE está limitada aos nacionais italianos e de outros Estados‑Membros da União, se residirem ou se encontrarem legal e efetivamente no território italiano. Por conseguinte, estão excluídos os nacionais de países terceiros que não podem cumprir em Itália a pena aplicada no Estado‑Membro de emissão, mesmo que residam ou se encontrem legal e efetivamente no território italiano e nele tenham desenvolvido laços significativos e estáveis.

Essa exclusão poderia não ser conforme com o respeito pela vida pessoal e familiar da pessoa procurada, quando esta tenha fortes laços sociais e familiares em Itália, e com a «função reeducativa da pena».

20.

A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), após ter salientado que este aspeto do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 ainda não foi apreciado pelo Tribunal de Justiça ( 11 ), submete‑lhe as seguintes questões:

«1)

O artigo 4.o, ponto 6, da [Decisão‑quadro 2002/584], interpretado à luz do artigo 1.o, n.o 3, desta decisão‑quadro e do artigo 7.o da Carta […], opõe‑se a uma legislação, como a italiana, que — no âmbito de um processo de [MDE] destinado ao cumprimento de uma pena ou medida de segurança — impede as autoridades judiciárias de execução de forma absoluta e automática de recusarem a entrega de nacionais de países terceiros que se encontrem ou residam no seu território, independentemente dos laços que apresentam com este último?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, com base em que critérios e pressupostos devem esses laços ser considerados suficientemente significativos para obrigar a autoridade judiciária de execução a recusar a entrega?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

21.

O pedido de decisão prejudicial foi registado no Tribunal de Justiça em 22 de novembro de 2021. Foi‑lhe conferido tratamento prioritário.

22.

Apresentaram observações escritas os Governos austríaco, húngaro e italiano, e a Comissão Europeia.

23.

Na audiência pública realizada em 11 de outubro de 2022, compareceram apenas o Governo italiano e a Comissão.

IV. Análise

A.   Primeira questão prejudicial

24.

A primeira questão prejudicial visa determinar, em substância, se o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584, lido à luz do seu artigo 1.o, n.o 3, e do artigo 7.o da Carta, é compatível com a lei italiana por força da qual se exclui que o nacional de um país terceiro, condenado no Estado de emissão do MDE (Roménia) a pena privativa de liberdade, cumpra a sua pena no Estado de execução (Itália), onde, aparentemente ( 12 ), reside de forma legal e estável.

25.

Nos termos do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584, a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um MDE emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade quando estejam reunidas estas duas condições cumulativas:

A pessoa procurada se encontrar no Estado‑Membro de execução ou ser sua nacional ou sua residente; e

O Estado de execução se comprometer a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional.

26.

Ao transpor este motivo de não execução facultativa para a sua ordem jurídica, o legislador italiano introduziu duas modulações:

Por um lado, à qualidade de nacional (italiano) acrescentou a de nacional de outro Estado‑Membro da União ( 13 ). Alargou assim o leque de pessoas suscetíveis de beneficiar da não entrega ao Estado de emissão do MDE em contrapartida da execução da sua pena em Itália, quando residam ou se encontrem de forma legal e estável no território italiano;

Por outro lado, proibiu os nacionais de Estados terceiros de beneficiarem desta possibilidade. Por conseguinte, restringiu a qualidade de residente ou de pessoa que se encontre no Estado‑Membro de execução que consta do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584. Assim, mesmo que sejam residentes ou que se encontrem no território italiano, os nacionais de países terceiros serão em qualquer caso entregues (se as outras condições exigidas estiverem reunidas) ao Estado emissor do MDE.

27.

Para responder à primeira questão do reenvio prejudicial, parece‑me oportuno analisar: a) a margem de apreciação dos Estados na aplicação do artigo 4.o da Decisão‑quadro 2002/584; b) a interpretação desse mesmo artigo do ponto de vista do direito à igualdade; c) a incidência que outros direitos fundamentais protegidos pela Carta podem ter na resposta.

1. Margem de apreciação dos Estados na transposição do artigo 4.o da Decisão‑quadro 2002/584 para o direito interno

28.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros, ao dar execução ao artigo 4.o da Decisão‑quadro 2002/584, designadamente ao seu ponto 6, dispõem de «uma margem de apreciação clara» ( 14 ). Todavia, essa margem de apreciação não inclui a possibilidade de alargar as situações de não execução previstas exaustivamente ( 15 ) na Decisão‑quadro 2002/584 ( 16 ).

29.

Segundo essa mesma jurisprudência, a execução do MDE constitui a regra, enquanto a sua recusa é concebida como uma exceção a interpretar de forma estrita ( 17 ).

30.

Nada impede os Estados‑Membros de limitarem ou não utilizarem a possibilidade que lhes é oferecida pelo artigo 4.o da Decisão‑quadro 2002/584. Tratando‑se de motivos facultativos de não execução, cada Estado‑Membro é livre de decidir quando é que não os aplica: nessas situações, as suas autoridades judiciárias de execução não poderão recusar entregar uma pessoa procurada por força de um MDE ( 18 ).

31.

Na realidade, como afirmou o Tribunal de Justiça, a decisão dos Estados‑Membros, permitida pela Decisão‑quadro 2002/584, de não recorrerem a este motivo de não execução «[…] mais não faz do que reforçar o sistema de entrega instituído pela Decisão‑quadro a favor de um espaço de liberdade, segurança e justiça» ( 19 ).

32.

Com efeito, «ao limitar as situações em que a autoridade judiciária de execução pode recusar dar execução a um [MDE], tal legislação mais não faz do que facilitar a entrega das pessoas procuradas, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo consagrado no artigo 1.o, n.o 2, da Decisão‑quadro 2002/584, o qual constitui a regra essencial instituída por esta última» ( 20 ).

33.

Todavia, a liberdade de escolha do legislador nacional não é ilimitada. Justificam‑no diversas razões.

34.

Em primeiro lugar, a Decisão‑quadro 2002/584 não altera «a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.o [TUE]» ( 21 ). Por conseguinte, e no que aqui importa, o seu artigo 4.o, ponto 6, não permite modalidades de transposição pelos Estados‑Membros que conduzam à violação dos direitos fundamentais ou dos princípios do artigo 6.o TUE.

35.

Em segundo lugar, a margem de apreciação dos Estados‑Membros na transposição do referido artigo 4.o, ponto 6, é condicionada, além dos termos da disposição, pela finalidade que serve no âmbito da Decisão‑quadro 2002/584 e pelo contexto geral em que esta última se insere, ou seja, pelo conjunto do direito da União.

36.

Nesta perspetiva, concordo com a Comissão quanto ao facto de a redação do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584, o objetivo que prossegue e o contexto em que se insere não apoiarem a solução adotada pelo legislador italiano ( 22 ).

37.

Quanto ao seu teor literal, o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 não atribui relevância a outras nacionalidades que não a do Estado‑Membro de execução. Prevê apenas que a pessoa procurada seja nacional desse Estado.

38.

Por conseguinte, as outras nacionalidades que não a do Estado‑Membro de execução são indiferentes e são substituídas pela categoria da «residência» (ou pela relativa à circunstância de a pessoa se encontrar nesse Estado). O âmbito de aplicação do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 é definido, para os nacionais de qualquer Estado que não seja o de execução, a partir do conceito de residência (ou do facto de a pessoa se encontrar no Estado de execução).

39.

No que respeita ao objetivo do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584, o Tribunal de Justiça declarou que consiste, «nomeadamente, [em] permitir que a autoridade judiciária de execução dê especial importância à possibilidade de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa procurada após o cumprimento da pena em que foi condenada» ( 23 ).

40.

Para alcançar o objetivo de reinserção, a nacionalidade da pessoa procurada não é, em si mesma, relevante: o que a disposição visa é que quem se encontra ou resida ( 24 ) no Estado‑Membro de execução possa beneficiar desta possibilidade.

41.

No que respeita ao contexto normativo em que o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584, deve ser interpretado, é pertinente a referência à Decisão‑quadro 2008/909, sobre reconhecimento mútuo de sentenças em matéria penal. A sua vocação inclusiva abrange os estrangeiros de toda e qualquer nacionalidade a quem, se tiverem determinados laços com o Estado de execução ( 25 ), se estende a finalidade de reinserção na execução das penas privativas de liberdade.

42.

Em conformidade com o artigo 25.o da Decisão‑quadro 2008/909, esta deve aplicar‑se, mutatis mutandis, na medida em que seja compatível com as disposições da Decisão‑quadro 2002/584, à execução de condenações nos termos do artigo 4.o, ponto 6, desta última ( 26 ).

43.

Por conseguinte, tudo leva a crer que o legislador da União, sensível à finalidade de reinserção da execução da pena ( 27 ), concebeu o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 como forma de a concretizar, quando as circunstâncias específicas acima enumeradas estão reunidas, sem que o fator nacionalidade (com exceção da do próprio Estado de execução) tenha relevância.

2. Artigo 4.o da Decisão‑quadro 2002/584 e princípio da igualdade

44.

O Tribunal de Justiça considerou que, atendendo ao exposto, os nacionais do Estado‑Membro de execução e os nacionais dos outros Estados‑Membros que residem ou se encontram naquele e estão integrados na sociedade desse Estado não devem, em princípio, ser tratados de forma diferente ( 28 ).

45.

A questão que agora se põe é a de saber se uma regra válida para os nacionais dos Estados‑Membros também deve ser válida para os nacionais de Estados terceiros, no que respeita à não execução de um MDE.

46.

Na minha opinião, não há nenhuma razão para que assim não seja.

47.

É certo que, em geral, o estatuto jurídico dos nacionais de Estados terceiros não deve ser equiparado ao dos nacionais dos Estados‑Membros ( 29 ). Todavia, a diferença de tratamento entre os primeiros e os segundos não pode prevalecer quando, explícita ou implicitamente, o próprio direito derivado da União prevê um regime uniforme para as duas categorias. Nesse caso, prevalece o princípio da igualdade perante a lei consagrado no artigo 20.o da Carta.

48.

Dada a intangibilidade da obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios consagrados no artigo 6.o TUE, o artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑quadro 2002/584 exclui que o seu artigo 4.o, ponto 6, permita modalidades de transposição pelos Estados‑Membros que conduzam à violação da Carta ou dos princípios fundamentais da União.

49.

Entre esses princípios figura o da igualdade, que é garantido pelos artigos 2.o TUE e 20.o da Carta. Neste processo, ambos fornecem um padrão de apreciação suficientemente sólido para se considerar que a transposição do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 para o direito italiano não é compatível com os mesmos.

50.

Especialmente, o princípio da igualdade perante a lei deve prevalecer, no sentido que defendo, uma vez que o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 não atribui importância ao critério da nacionalidade, substituído pelo da residência (ou pelo relativo à circunstância da pessoa se encontrar no Estado de execução), com exceção apenas dos nacionais do Estado‑Membro de execução.

51.

Assim, o âmbito de aplicação ratione personae do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 inclui as pessoas que, não sendo nacionais do Estado‑Membro de execução, aí se encontrem ou sejam residentes ( 30 ). Por conseguinte, a lei perante a qual os nacionais de Estados terceiros têm o direito de ser tratados em pé de igualdade não constitui fundamento para que sejam tratados de forma diferente da dos nacionais dos Estados‑Membros da União.

52.

Por conseguinte, a margem de manobra na transposição dessa norma do direito da União não pode traduzir‑se num regime regulamentar que trate os nacionais de Estados terceiros pior do que os nacionais de um Estado‑Membro. Como sublinhou a Comissão, tendo em conta o objetivo do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584, a situação do nacional de um Estado terceiro que resida efetivamente no Estado de execução é comparável à de um nacional de um Estado‑Membro.

53.

Para este efeito, a residência estável e efetiva de um nacional de um Estado terceiro implica, em princípio, um grau de integração no país em que se encontra equivalente ao dos nacionais deste último. Esse laço com o Estado‑Membro de execução é suscetível de facilitar a reintegração social da pessoa procurada, depois de aí ter cumprido a pena privativa de liberdade a que foi condenada ( 31 ).

3. Incidência de outros direitos fundamentais protegidos pela Carta na aplicação do artigo 4.o da Decisão‑quadro 2002/584

54.

Na minha opinião, o que precede é suficiente para concluir pela incompatibilidade da regulamentação nacional em causa com o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584. Por conseguinte, considero que não é necessário analisar a incidência (adicional) de outros direitos fundamentais da Carta na interpretação desse artigo.

55.

Entre esses direitos figuram os consagrados no artigo 7.o da Carta (respeito pela vida privada e familiar), invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, e no artigo 24.o, n.o 3, da Carta (direito da criança de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores), a que a Comissão recorre ( 32 ).

56.

Naturalmente, esses direitos não são suscetíveis de se sobrepor à execução de uma pena privativa de liberdade. Mas podem sê‑lo para que se opte pelo cumprimento da pena num Estado‑Membro (o de execução do MDE) em vez de noutro (o de emissão do MDE), quando se trate de um residente ou de uma pessoa que se encontre no primeiro e que aí mantenha os seus laços familiares.

57.

Assim, o direito de a pessoa procurada manter um mínimo de relações familiares compatíveis com a sua manutenção num estabelecimento prisional é favorecido. Essas relações serão mais viáveis onde se encontra o centro dos seus interesses vitais, isto é, no Estado da sua residência efetiva.

B.   Segunda questão prejudicial

58.

Caso, como proponho, o Tribunal de Justiça dê uma resposta afirmativa à primeira questão prejudicial, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) pretende saber «com base em que critérios e pressupostos devem esses laços [do nacional de um país terceiro com o Estado de execução] ser considerados suficientemente significativos para obrigar a autoridade judiciária de execução a recusar a entrega».

59.

Na minha opinião, a redação desta segunda questão merece duas considerações preliminares, relativas aos requisitos de não execução do MDE e à suposta «obrigação» de recusar a entrega.

1. Requisitos para a não execução do MDE

60.

A questão incide apenas sobre um dos dois requisitos que o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 prevê para a eventual recusa da entrega da pessoa procurada.

61.

Antes de mais, o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 diz respeito às condições (encontrar‑se no Estado de execução, nacionalidade desse Estado, residência nesse Estado) que comprovam a ligação da pessoa procurada ao Estado‑Membro de execução. Esses laços devem de ser suficientes para favorecer a sua eventual reinserção social, após o cumprimento da pena aplicada ( 33 ).

62.

Todavia, a disposição em análise prevê igualmente um outro requisito incontornável: o compromisso do Estado‑Membro de execução ( 34 ) de que a pena privativa de liberdade determinante do MDE aí seja executada. No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio considera‑o adquirido, limitando‑se estritamente ao da ligação da pessoa procurada ao Estado‑Membro de execução.

2. Obrigação de recusar a entrega?

63.

Embora o órgão jurisdicional de reenvio se refira à «obrigação» de recusar a entrega quando os laços comprovados são suficientemente significativos, o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 não prevê essa obrigação em nenhuma situação. Limita‑se a prever que a autoridade judiciária «pode» recusar a execução do MDE se as condições previstas nessa disposição estiverem preenchidas.

64.

Do mesmo modo que o princípio do reconhecimento mútuo, no qual assenta a economia da Decisão‑quadro 2002/584, não implica uma obrigação absoluta de execução do MDE ( 35 ), do mesmo modo, uma vez acolhido pelo direito interno o motivo de não execução facultativa aqui em causa, a autoridade judiciária de execução deve dispor de uma margem de apreciação para determinar se deve ou não recusar a execução do MDE ( 36 ).

65.

Nas palavras do Tribunal de Justiça:

«[U]ma regulamentação de um Estado‑Membro que aplique o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 prevendo que as suas autoridades judiciárias são, em qualquer caso, obrigadas a recusar a execução de um MDE na hipótese de a pessoa procurada residir nesse Estado‑Membro, sem que essas autoridades disponham de uma margem de apreciação […], não pode ser considerada em conformidade com a referida decisão‑quadro.» ( 37 )

«[…] [Q]uando um Estado‑Membro tenha optado por transpor esta disposição [o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584] para o direito interno, a autoridade judiciária de execução deve, no entanto, dispor de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se deve ou não recusar a execução do MDE. A este respeito, esta autoridade deve poder ter em conta o objetivo prosseguido pelo motivo de não execução facultativa enunciado nesta disposição, que consiste, segundo jurisprudência assente do Tribunal, em permitir à autoridade judiciária de execução dar especial importância à possibilidade de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa procurada após o cumprimento da pena a que foi condenada.» ( 38 )

66.

Por conseguinte, não é suficiente que a autoridade judiciária de execução conclua que os dois requisitos exigidos pelo artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 estão preenchidos. Deve também verificar se existe um interesse legítimo que justifique que a pena aplicada no Estado‑Membro de emissão seja cumprida no de execução ( 39 ).

67.

Por conseguinte, a resposta à segunda questão prejudicial, relativa aos critérios de determinação da integração da pessoa procurada no Estado‑Membro de execução, deveria indicar ao órgão jurisdicional de reenvio que:

Não existe uma obrigação abstrata, ex lege, de recusar a execução do MDE pelo simples facto de este motivo de não execução facultativa ter sido adotado na ordem interna.

A autoridade judiciária do Estado de execução deve apreciar, casuisticamente, a existência de um interesse legítimo na execução da pena nesse Estado, e não no de emissão.

3. Integração da pessoa procurada no Estado de execução

68.

O motivo de não execução facultativa do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 inspira‑se na possibilidade de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa procurada uma vez cumprida a pena aplicada. Por conseguinte, é legítimo que o Estado‑Membro de execução só prossiga tal objetivo relativamente às pessoas que tenham demonstrado um grau de integração real na sociedade do referido Estado‑Membro ( 40 ).

69.

Por conseguinte, os critérios sobre os quais o órgão jurisdicional de reenvio se interroga devem permitir a comprovação de um nível de integração suficiente para que as probabilidades de reinserção da pessoa procurada sejam significativamente mais favoráveis no Estado‑Membro de execução do que no Estado‑Membro de emissão.

70.

Assim compreende‑se melhor o facto de o artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 se referir, por um lado, à nacionalidade do Estado‑Membro de execução e, por outro, utilize indiferentemente as expressões «residente» e «se encontrar» nesse Estado:

A nacionalidade do Estado‑Membro de execução permite presumir que a pessoa procurada está suficientemente integrada nesse Estado ( 41 ).

Na medida em que o que importa efetivamente é o grau de integração na sociedade do Estado‑Membro de execução, o legislador da União, recorrendo a expressões indicativas de uma circunstância factual (residência ou ao facto de se encontrar nesse Estado), tem em vista «situações em que a pessoa sobre a qual recai um [MDE] ou fixou a sua residência real no Estado‑Membro de execução ou criou, na sequência de uma permanência estável de uma certa duração nesse Estado, determinados laços com este último de grau semelhante aos resultantes de uma residência» ( 42 ).

71.

Particularmente, «[p]ara determinar se, numa situação concreta, existem entre a pessoa procurada e o Estado‑Membro de execução determinados laços que permitam considerar que esta última é abrangida pela expressão “se encontrar”, na aceção do artigo 4.o, ponto 6, da decisão‑quadro, há que efetuar uma apreciação global de vários dos elementos objetivos que caracterizam a sua situação, entre os quais, nomeadamente, a duração, a natureza e as condições da sua permanência, bem como os laços familiares e económicos que mantém com o Estado‑Membro de execução» ( 43 ).

72.

Esses mesmos elementos objetivos servirão a fortiori quando a pessoa procurada não apenas se encontre mas resida no Estado‑Membro de execução.

73.

Nesse sentido, concordo com a Comissão no sentido de poder ser ilustrativa a lista dos fatores enumerados no considerando 9 da Decisão‑quadro 2008/909, relativa ao reconhecimento mútuo de sentenças que apliquem penas privativas de liberdade: os «laços familiares, linguísticos, culturais, sociais, económicos ou outros».

74.

Como bem salientou o órgão jurisdicional de reenvio ( 44 ), na jurisprudência do Tribunal de Justiça é possível encontrar decisões em que o grau de integração da pessoa procurada no Estado‑Membro de execução está relacionado com a sua ligação real e efetiva com a sociedade desse Estado‑Membro.

75.

É certo que essa jurisprudência foi elaborada para situações em que a pessoa procurada tinha a nacionalidade de um Estado‑Membro. Ora, em coerência com a resposta que proponho dar à primeira questão prejudicial, os critérios que permitem avaliar a integração dos nacionais dos Estados‑Membros no de execução podem igualmente servir para os nacionais de Estados terceiros.

76.

Consequentemente, compete à autoridade judiciária de execução proceder a uma apreciação global dos fatores que lhe permitam determinar se a pessoa procurada, independentemente da sua nacionalidade, mantém com a sociedade do Estado‑Membro de execução uma ligação suficiente para prever que, após a execução da pena no território desse Estado‑Membro, são aumentadas as suas oportunidades de reinserção social e, por conseguinte, de atingir a finalidade do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584.

77.

Entre esses fatores figuram o tempo de permanência prévia ( 45 ), a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa procurada no Estado‑Membro de execução (ligadas, se for caso disso, à ausência desses mesmos laços no país de origem), o seu grau de integração e os laços linguísticos, culturais, laborais, sociais ou económicos que tenha desenvolvido nesse Estado‑Membro.

78.

Dada a sua natureza, esta enumeração não é exaustiva, uma vez que, num caso concreto, poderão ser detetadas outras circunstâncias particulares que compete ao juiz ponderar ao decidir sobre a entrega da pessoa procurada.

V. Conclusão

79.

Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) nos seguintes termos:

«O artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, conforme alterada pela Decisão‑quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009,

deve ser interpretado no sentido de que:

Se opõe a uma legislação nacional que, tendo optado por acolher o correspondente motivo de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu destinado à execução de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade, impede as autoridades judiciárias de execução de forma absoluta de recusarem a entrega de nacionais de países terceiros que se encontrem ou residam no seu território, independentemente dos laços que apresentam com este último.

Os critérios relevantes para comprovar uma ligação suficiente entre a pessoa procurada e o Estado‑Membro de execução são todos aqueles que, apreciados globalmente, permitem presumir que, uma vez cumprida a pena nesse Estado, as possibilidades de reinserção dessa pessoa, independentemente da sua nacionalidade, são maiores do que no Estado‑Membro de emissão.

A duração prévia da estada, a natureza e as condições da permanência da pessoa procurada, bem como os seus laços familiares, linguísticos, culturais, laborais, sociais e económicos com o Estado‑Membro de execução, são fatores que, entre outros, a autoridade judiciária de execução deve ponderar a este respeito.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) Decisão‑quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24).

( 3 ) A seguir «Carta».

( 4 ) Decisão‑quadro do Conselho de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia (JO 2008, L 327, p. 27).

( 5 ) Diretiva do Conselho de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12). Nos termos do seu artigo 17.o, «[e]m caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem».

( 6 ) Diretiva do Conselho de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), conforme alterada pela Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011 (JO 2011, L 132, p. 1). O seu artigo 12.o, n.o 3, dispõe que, «[a]ntes de tomarem uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, os Estados‑Membros devem ter em consideração os seguintes elementos: a) A duração da residência no território; b) A idade da pessoa em questão; c) As consequências para essa pessoa e para os seus familiares; d) Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem».

( 7 ) Disposizioni per conformare il diritto interno alla decisione quadro 2002/584/GAI del Consiglio, del 13 giugno 2002, relativa al mandato d’arresto europeo e alle procedure di consegna tra Stati membri (Lei n.o 69, de 22 de abril de 2005, Disposições Relativas à Conformidade do Direito Interno com a Decisão‑quadro […]) (GURI n.o 98, de 29 de abril de 2005), na versão aplicável no processo principal. A seguir «Lei n.o 69 de 2005».

( 8 ) Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tanto este artigo como o referido no número anterior foram alterados pelo Decreto legislativo n.o 10, de 2 de fevereiro de 2021, e dizem agora respeito da mesma forma aos nacionais italianos e aos de outros Estados‑Membros, exigindo para estes últimos um período de residência efetiva de pelo menos cinco anos. Todavia, a regulamentação aplicável ratione temporis no presente processo é a que estava em vigor anteriormente (n.o 4, primeiro parágrafo, do despacho de reenvio).

( 9 ) A pena foi‑lhe aplicada por ter sido considerado autor de crimes de evasão fiscal e de apropriação indevida dos montantes devidos para o pagamento dos impostos sobre os seus rendimentos e do IVA, cometidos na qualidade de gerente de uma sociedade por quotas, entre setembro de 2003 e abril de 2004.

( 10 ) A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) afirma que «não lhe compete avaliar se essa integração pode ser considerada estável e efetiva, nem se a permanência do interessado no território nacional pode ser considerada legítima, apreciações que são da competência exclusiva do juiz do processo principal» (n.o 5 do despacho de reenvio).

( 11 ) N.o 7, segundo parágrafo, do despacho de reenvio.

( 12 ) V. observação do órgão jurisdicional de reenvio quanto a este aspeto, reproduzida na nota 10.

( 13 ) A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), no Acórdão n.o 227 de 2010 (IT:COST:2010:227), e «com base, nomeadamente, nos Acórdãos Kozlowski (Acórdão de 17 de julho de 2008, C‑66/08, a seguir “Acórdão Kozłowski, EU:C:2008:437) e Wolzenburg (Acórdão de 6 de outubro de 2009, C‑123/08, a seguir “Acórdão Wolzenburg, EU:C:2009:616)», declarou inconstitucional «a legislação italiana de transposição da decisão‑quadro […], na medida em que não previa a recusa de entrega — além do cidadão italiano — do cidadão de outro Estado‑Membro da União Europeia, que residisse ou morasse legal e efetivamente no território italiano, para efeitos da execução da pena […] em Itália» (n.o 8.2.4 do despacho de reenvio).

( 14 ) Acórdão Wolzenburg, n.o 61. No mesmo sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, X (Mandado de detenção europeu — Non bis in idem) (C‑665/20 PPU, EU:C:2021:339, n.o 41); e de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, a seguir «Acórdão Sut, EU:C:2018:1016, n.o 42).

( 15 ) De forma genérica, v. Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 41).

( 16 ) Sem prejuízo de que se possam limitar os princípios do reconhecimento e da confiança mútuos entre Estados‑Membros, verdadeira «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, «em circunstâncias excecionais» como as que ocorreram nos processos que deram origem, nomeadamente, ao Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198).

( 17 ) De forma genérica, v. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Openbaar Ministerie (Independência da autoridade judiciária de emissão) (C‑354/20 PPU e C‑412/20 PPU, EU:C:2020:1033, n.o 37), e jurisprudência aí referida.

( 18 ) Acórdão Wolzenburg, n.o 58.

( 19 ) Acórdão Wolzenburg, n.o 58.

( 20 ) Acórdão Wolzenburg, n.o 59. O sublinhado é meu. No mesmo sentido, Acórdão Sut, n.os 43 e 44.

( 21 ) Artigo 1.o, n.o 3, da Decisão‑quadro 2002/584.

( 22 ) Solução que, como a Comissão declarou na audiência, não foi adotada por uma «grande maioria» de Estados‑Membros que optaram pela possibilidade prevista no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑quadro 2002/584 sem condições suplementares.

( 23 ) Acórdão Kozłowski, n.o 45.

( 24 ) Residência efetiva, para ser mais preciso, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que está na base do Acórdão Wolzenburg.

( 25 ) Nos termos do considerando 9 da Decisão‑quadro 2008/909, «[p]ara se certificar de que a execução da condenação pelo Estado de execução contribuirá para facilitar a reinserção social da pessoa condenada, a autoridade competente do Estado de emissão deverá atender a elementos como, por exemplo, a ligação da pessoa ao Estado de execução e o facto de o considerar ou não como o local onde mantém laços familiares, linguísticos, culturais, sociais, económicos ou outros». O sublinhado é meu.

( 26 ) Como afirma o órgão jurisdicional de reenvio (n.o 8.4 do seu despacho de reenvio), existem outras disposições do direito da União que se referem à proteção do interesse dos nacionais de Estados terceiros em não serem afastados do Estado‑Membro em que residam efetivamente. O considerando 16 da Decisão‑quadro 2008/909 refere‑se às mesmas: «[a] presente decisão‑quadro deverá ser aplicada nos termos da legislação comunitária aplicável, designadamente da Diretiva 2003/86 [reagrupamento familiar] e da Diretiva 2003/109 [estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração]».

( 27 ) A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) refere, no n.o 8.5 do despacho de reenvio, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) sobre a função de reinserção social da pena.

( 28 ) Acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 40). Na mesma ordem de ideias, recordei, supra, como a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) declarou inconstitucional a lei italiana que reservava exclusivamente aos seus nacionais a recusa da entrega ao abrigo do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584.

( 29 ) O artigo 18.o TFUE, que proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, «não se […] [aplica] no caso de uma eventual diferença de tratamento entre os nacionais dos Estados‑Membros e os dos Estados terceiros». Acórdão de 2 de abril de 2020, Ruska Federacija (C‑897/19 PPU, EU:C:2020:262, n.o 40).

( 30 ) Acórdão Kozłowski, n.o 34, a que se referia também o advogado‑geral P. Mengozzi nas suas Conclusões no processo Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:151). Recordava que o Tribunal de Justiça «[…] não considera o âmbito de aplicação ratione personae do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 como visando a opção, ou dos cidadãos nacionais do Estado‑Membro de execução, ou dos cidadãos de outros Estados‑Membros que residam ou estejam no seu território, ou de ambos. Efetivamente, o Tribunal de Justiça afirmou no n.o 34 do Acórdão Kozłowski […], que, “segundo o artigo 4.o, [ponto] 6, da Decisão‑quadro [2002/584], o âmbito de aplicação desse motivo de não execução facultativa está circunscrito às pessoas que, não sendo nacionais do Estado‑Membro de execução, aí “se encontrare[m]” ou sejam “residente[s]”».

( 31 ) Fica assim assegurada a inexistência de impunidade. Como salientava o advogado‑geral P. Mengozzi nas suas Conclusões no processo Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:151), «[…] a interpretação do artigo 4.o, ponto 6, da Decisão‑quadro 2002/584 que proponho não consagra de modo nenhum a impunidade da pessoa procurada nem põe em causa o princípio do reconhecimento mútuo, porque, efetivamente, os Estados de execução só podem recusar executar um [MDE] na condição expressa de se comprometerem a executar a pena no seu território, sem nunca pôr em causa a decisão pela qual foi proferida. Neste sentido, a lógica do reconhecimento mútuo das decisões judiciais é completamente preservada, mesmo no caso de a pessoa procurada cumprir a sua pena no Estado‑Membro de execução e não no da emissão» (n.o 39).

( 32 ) Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a pessoa procurada é pai de um menor (n.o 5, quinto parágrafo, do despacho de reenvio).

( 33 ) De forma genérica, Acórdão de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, a seguir «Acórdão Popławski, EU:C:2017:503, n.o 21).

( 34 ) Compromisso que tem de ser «verdadeiro», como sublinha o Tribunal de Justiça. V. Acórdão Sut, n.o 35.

( 35 ) Acórdão Sut, n.o 30.

( 36 ) Acórdão Popławski, n.o 21.

( 37 ) Acórdão Popławski, n.o 23.

( 38 ) Acórdão Popławski, n.o 21.

( 39 ) Acórdão Sut, n.o 36.

( 40 ) Acórdão Wolzenburg, n.o 67.

( 41 ) Acórdão Wolzenburg, n.o 68.

( 42 ) Acórdão Kozłowski, n.o 46.

( 43 ) Acórdão Kozłowski, n.o 48.

( 44 ) N.o 8.2 do despacho de reenvio.

( 45 ) Especialmente, se se tratar de um residente de longa duração, abrangido pela Diretiva 2003/109.

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