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Document 62021CC0628

    Conclusões do advogado-geral A. Rantos apresentadas em 17 de novembro de 2022.
    TB contra Castorama Polska Sp. z o.o. e «Knorr» Sp. z o.o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentada pelo Sąd Okręgowy w Warszawie.
    Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Diretiva 2004/48/CE — Medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual — Direito de informação — Legitimidade — Necessidade de demonstrar previamente a existência de um direito de propriedade intelectual.
    Processo C-628/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:905

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    ATHANASIOS RANTOS

    apresentadas em 17 de novembro de 2022 ( 1 )

    Processo C‑628/21

    TB

    sendo interveniente:

    Castorama Polska Sp. z o.o.,

    «Knor» Sp. z o.o.

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia)]

    «Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Diretiva 2004/48/CE — Respeito pelos direitos de propriedade intelectual — Artigo 4.o — Pessoas que têm legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos — Artigo 8.o, n.o 1 — Ação relativa a uma violação de um direito de propriedade intelectual — Venda de mercadorias contrafeitas — Direitos de autor e direitos conexos — Direito de o demandante obter informações sobre a origem e as redes de distribuição das mercadorias — Eventual necessidade de o demandante demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual»

    I. Introdução

    1.

    Uma empresa comercializa reproduções de representações gráficas sem o consentimento da pessoa que se apresenta como criadora dessas representações. Esta última intentou uma ação judicial por violação dos direitos de propriedade intelectual ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48/CE ( 2 ), que institui um direito instrumental destinado a assegurar a proteção efetiva da propriedade intelectual ( 3 ). Tem essa pessoa de demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual em causa ou tem apenas de demonstrar que é verosímil que seja o titular desse direito? Esta é, no essencial, a questão que foi submetida pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia).

    2.

    O presente processo conduzirá o Tribunal de Justiça a examinar, à luz da sua jurisprudência, o nível de prova exigido no âmbito de um pedido de informações sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços ao abrigo do direito de informação previsto no artigo 8.o da Diretiva 2004/48. Para responder à questão submetida, importa sopesar, por um lado, o direito de informação dos titulares de propriedade intelectual e, por outro, a proteção do demandado contra a utilização abusiva desse direito.

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    3.

    Nos termos dos considerandos 10 e 17 da Diretiva 2004/48:

    «(10)

    O objetivo da presente diretiva é aproximar [as] legislações [dos Estados‑Membros] a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno.

    […]

    (17)

    As medidas, procedimentos e recursos previstos na presente diretiva deverão ser determinados, em cada caso, de modo a ter devidamente em conta as características específicas desse mesmo caso, nomeadamente as características específicas de cada direito de propriedade intelectual e, se for caso disso, o caráter intencional ou não intencional da violação.»

    4.

    O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», enuncia:

    «A presente diretiva estabelece as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. […]»

    5.

    O capítulo II da referida diretiva, sob a epígrafe «Medidas, procedimentos e recursos», inclui os artigos 3.o a 15.o O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Obrigação geral», dispõe:

    «1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos pela presente diretiva. Essas medidas, procedimentos e recursos devem ser justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente complexos ou onerosos, comportar prazos que não sejam razoáveis ou implicar atrasos injustificados.

    2.   As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

    6.

    O artigo 4.o da Diretiva 2004/48, sob a epígrafe «Legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos», prevê:

    «Os Estados‑Membros reconhecem legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos referidos no presente capítulo, às seguintes pessoas:

    a)

    Titulares de direitos de propriedade intelectual, nos termos da legislação aplicável,

    b)

    Todas as outras pessoas autorizadas a utilizar esses direitos, em particular os titulares de licenças, na medida do permitido pela legislação aplicável e nos termos da mesma,

    c)

    Os organismos de gestão dos direitos coletivos de propriedade intelectual regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual, na medida do permitido pela legislação aplicável e nos termos da mesma.

    d)

    Os organismos de defesa da profissão regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual, na medida do permitido pela legislação aplicável nos termos da mesma.»

    7.

    O artigo 8.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de informação», está redigido nos seguintes termos, nos seus n.os 1 e 2:

    «1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, no contexto dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual, e em resposta a um pedido justificado e razoável do queixoso, as autoridades judiciais competentes possam ordenar que as informações sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços que violam um direito de propriedade intelectual sejam fornecidas pelo infrator e/ou por qualquer outra pessoa que:

    a)

    Tenha sido encontrada na posse de bens litigiosos à escala comercial;

    b)

    Tenha sido encontrada a utilizar serviços litigiosos à escala comercial;

    c)

    Tenha sido encontrada a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em atividades litigiosas;

    ou

    d)

    Tenha sido indicada pela pessoa referida nas alíneas a), b) ou c) como tendo participado na produção, fabrico ou distribuição desses bens ou na prestação desses serviços.

    2.   As informações referidas no n.o 1 incluem, se necessário:

    a)

    Os nomes e endereços dos produtores, fabricantes, distribuidores, fornecedores e outros possuidores anteriores dos bens ou serviços, bem como dos grossistas e dos retalhistas destinatários;

    b)

    Informações sobre as quantidades produzidas, fabricadas, entregues, recebidas ou encomendadas, bem como sobre o preço obtido pelos bens ou serviços em questão.»

    B.   Direito polaco

    8.

    O artigo 278.o da ustawa — Kodeks postępowania cywilnego (Lei que aprova o Código de Processo Civil), de 17 de novembro de 1964, na versão aplicável ao litígio no processo principal ( 4 ) (a seguir «Código de Processo Civil»), enuncia no seu n.o 1:

    «Nos casos em que seja necessário possuir conhecimentos especiais, o tribunal, depois de ter ouvido os pedidos das partes a respeito do número e da escolha dos peritos, pode solicitar o parecer de um ou de mais peritos.»

    9.

    O artigo 47989 deste código prevê:

    «1.   As disposições da presente secção aplicam‑se aos processos respeitantes à proteção dos direitos de autor e direitos conexos, à proteção dos direitos de propriedade industrial e à proteção de outros direitos relativos a bens incorpóreos (processos de propriedade intelectual).

    2.   Também se consideram processos de propriedade intelectual na aceção da presente secção os processos relativos à:

    1)

    prevenção e à luta contra a concorrência desleal;

    […]»

    10.

    O artigo 479112 do referido código dispõe:

    «As disposições relativas ao devedor da informação aplicam‑se a qualquer pessoa, incluindo ao demandado, que disponha das informações referidas no artigo 479113 ou que a elas tenha acesso.»

    11.

    O artigo 479113, n.os 1 e 2, do mesmo código tem a seguinte redação:

    «1.   A pedido do titular do direito, se este demonstrar de forma plausível a existência de circunstâncias que caracterizam uma violação de um direito de propriedade intelectual, o tribunal, antes de ser intentado uma ação respeitante a essa violação do direito de propriedade intelectual ou no decurso dessa ação e até ao encerramento da audiência em primeira instância, pode convidar o infrator a fornecer informações sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços, quando isso seja necessário para efeitos da ação do titular.

    2.   Quando o pedido de informações do tribunal seja anterior à ação relativa à violação do direito de propriedade intelectual, essa ação deve ser intentada o mais tardar um mês a partir da data de execução do despacho relativo ao pedido de informação.»

    III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

    12.

    TB é uma pessoa singular que comercializa artigos de decoração, através das suas lojas em linha (online). No âmbito da sua atividade económica, TB vende reproduções, que ela própria realiza através de processos mecânicos, as quais têm um grafismo simples composto por um número limitado de cores e de figuras geométricas, bem como por frases curtas. A este respeito, as imagens A), B) e C) (a seguir «reproduções em causa») incluem, respetivamente, as seguintes frases: «Mój dom moje zasady» («Em minha casa quem manda sou eu»); «Nie ma ludzi idealnych a jednak jestem» («Não existem pessoas perfeitas mas eu sou uma delas») e «W naszym domu rano słychać tupot małych stopek. Zawsze pachnie pysznym ciastem. Mamy dużo obowiązków, mnóstwo zabawy i miłości» («Em nossa casa, de manhã, ouve‑se o som de passos de pés pequeninos. Cheira sempre a bolos deliciosos. Temos muitas obrigações, prazer e amor»). TB apresenta‑se como a criadora das imagens que reproduz, imagens essas que constituem, em seu entender, obras na aceção da legislação relativa aos direitos de autor.

    13.

    Sem que TB tenha dado o seu consentimento para tal, encontram‑se à venda nas lojas físicas e na loja online da Castorama Polska Sp. z o.o. (a seguir «Castorama») cópias exatas das imagens A) e B), as quais são fornecidas pela «Knor» Sp. z o.o. No que se refere a estas imagens, nem as reproduções de TB nem as que são vendidas pela Castorama indicam o respetivo autor ou a respetiva origem. A Castorama também vende reproduções, fornecidas pela Knor, cujo texto é idêntico ao da imagem C), embora apresentem algumas diferenças ao nível do grafismo e do tipo de letra. Em 13 de outubro de 2020, TB instou judicialmente a Castorama a pôr termo às violações dos direitos de autor patrimoniais e morais respeitantes às obras da sua criação que esta sociedade vendia sem o seu consentimento.

    14.

    Em 15 de dezembro de 2020, TB intentou uma ação no Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, ao abrigo do artigo 479113 do Código de Processo Civil. No âmbito desta ação, solicitou à Castorama e à Knor que lhe fornecessem informações, respeitantes às reproduções em causa, sobre as redes de distribuição bem como sobre o volume de mercadorias recebidas e encomendadas, uma lista completa dos fornecedores, a data da comercialização das mercadorias nas lojas físicas e na loja online da Castorama e os respetivos volumes, o preço resultante da venda das mercadorias, repartido entre as vendas físicas e as vendas online. TB invocou os seus direitos de autor patrimoniais e morais sobre as reproduções em causa e indicou que as informações solicitadas eram necessárias para intentar uma ação por violação dos seus direitos de autor e, a título subsidiário, uma ação de indemnização por atos de concorrência desleal.

    15.

    A Castorama requer que o pedido de informações seja indeferido e, a título subsidiário, que o âmbito da decisão judicial seja o mais restrito possível e que se limite rigorosamente às obras qualificadas como tais na aceção da legislação sobre direitos de autor, contestando inclusivamente que as reproduções em causa possam ser qualificadas de obras. A Castorama invocou também o segredo dos negócios comerciais e alegou que TB não demonstrou que detinha direitos de autor patrimoniais sobre essas reproduções. Segundo a Castorama, as obras intelectuais abrangidas pelo pedido de TB não são originais e TB não demonstrou que estava preenchido o requisito relativo à sua novidade. Deferir este pedido equivaleria a conceder proteção dos direitos de autor a ideias e a conceitos porque as reproduções em causa inscrevem‑se na tendência atual da moda das «imagens motivacionais simplificados», com frases banais. Além disso, a Castorama considerou que todos os elementos gráficos das reproduções em causa são banais, repetitivos e que não se distinguem com nenhum elemento de originalidade em termos de composição, de cores, de tipo de letra utilizada, das outras imagens disponíveis no mercado.

    16.

    Em resposta a estes argumentos, TB não apresentou provas destinadas a demonstrar a existência de um direito de propriedade intelectual sobre as reproduções em causa e que esteja relacionado com conhecimentos especiais (com vista a uma peritagem) na área do grafismo e do design. As provas que TB apresentou com o seu pedido de 15 de dezembro de 2020 consistiam em impressões de páginas de artigos que estavam à venda nas suas lojas online e de faturas de venda a partir de 2014, bem como impressões de páginas feitas a partir dos sítios Internet da Castorama e das faturas de compra de imagens na sua loja online.

    17.

    Quando analisou o pedido de TB, o órgão jurisdicional de reenvio questionou‑se sobre a interpretação a dar ao artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, designadamente quanto à questão de saber se é necessário fazer prova da natureza jurídica do bem visado pelo pedido de informação, ou apenas apresentá‑la de forma verosímil, atendendo a que os artigos 6.o e 7.o desta diretiva utilizam formulações diferentes e que o artigo 4.o da referida diretiva se refere aos «titulares de direitos de propriedade intelectual». As dúvidas deste órgão jurisdicional também dizem respeito à possibilidade de aplicar um nível de prova diferente no que respeita ao estatuto das reproduções em causa, ou seja, saber se são ou não obras e, por conseguinte, sobre a legitimidade processual de TB.

    18.

    O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o artigo 479113 do Código de Processo Civil constitui a transposição do artigo 8.o da Diretiva 2004/48 e que o artigo 47989 deste código, que define o âmbito dos processos em matéria de propriedade intelectual, menciona, no seu n.o 2, ponto 1, os processos relativos à «prevenção e à luta contra a concorrência desleal». Este órgão jurisdicional, evocando o considerando 13 desta diretiva ( 5 ), sublinha que, para efeitos do presente processo, embora ainda não tenha dado uma resposta unívoca a esta questão, a jurisprudência polaca segue a interpretação segundo a qual o direito nacional, por necessidades internas, alargou a aplicação da referida diretiva a atos de concorrência desleal que consistem em fazer cópias exatas dos produtos, ainda que não sejam objeto de direitos exclusivos, como os do titular dos direitos de autor. Tendo estes elementos em consideração, no que diz respeito à parte do pedido relativa às imagens A e B, não surgem problemas de interpretação do direito da União pois TB fez prova de que a Castorama vendeu reproduções que constituem cópias exatas dessas imagens.

    19.

    Em contrapartida, para se pronunciar sobre o pedido referente à imagem C), é necessário interpretar o direito da União porque a reprodução vendida pela Castorama não é uma cópia exata desta imagem, isto é, o texto foi copiado, a sua disposição na página foi mantida, mas foram utilizados outros elementos gráficos e outros tipos de letra. Segundo a jurisprudência polaca, que coincide com a do Tribunal de Justiça ( 6 ), cabe ao órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se examinar as características criativas de uma obra. A este respeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, quando a matéria de facto do processo seja complexa e a experiência do juiz não seja suficiente, é necessário recorrer ao parecer de um perito, cabendo em regra o ónus da prova e o pedido de perícia ao requerente.

    20.

    Os juristas polacos expuseram dois pontos de vista contraditórios sobre a interpretação do artigo 479113 do Código de Processo Civil, considerando que o requerente deve fazer prova de que é titular do direito de propriedade intelectual em causa ou que só tem de demonstrar que é verosímil que o direito protegido tenha sido violado, e não que o direito protegido foi violado, porque o pedido de informações também pode ser dirigido a terceiros.

    21.

    O órgão jurisdicional de reenvio indica que, em seu entender, o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que diz respeito a uma medida de proteção dos direitos de propriedade intelectual que só existe se a titularidade do direito de propriedade intelectual estiver demonstrada e que não basta que seja verosímil que essa medida diga respeito a um direito de propriedade intelectual existente, pois é necessário fazer prova dessa circunstância, em especial quando o pedido de informações sobre a origem e as redes de distribuição de bens ou de serviços seja anterior à propositura de uma ação de indemnização por violação de direitos de propriedade intelectual.

    22.

    Foi nestas condições que o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 8.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 4.o […] da Diretiva [2004/48], ser interpretado no sentido de que se refere a uma medida de proteção dos direitos de propriedade intelectual que só pode ser aplicada se o direito de propriedade intelectual do titular ficar estabelecido nesse ou outro procedimento?

    em caso de resposta negativa à [primeira questão prejudicial]:

    2)

    Deve o artigo 8.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 4.o […] da Diretiva [2004/48], ser interpretado no sentido de que é suficiente presumir que essa medida se refere a um direito de propriedade intelectual existente, sem provar essa circunstância, em especial quando o pedido de informação sobre a origem e as redes de distribuição de bens ou serviços precede a ação de indemnização por violação de direitos de propriedade intelectual?»

    23.

    A Castorama, os Governos Polaco e Austríaco, bem como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

    IV. Análise

    A.   Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    24.

    Nas suas observações escritas, o Governo austríaco expressou ter dúvidas a respeito da admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Este Governo alega que a qualificação das reproduções em causa como «obra» deve ser examinada como questão de direito no âmbito do litígio no processo principal. A este respeito, estas reproduções foram disponibilizadas ao órgão jurisdicional de reenvio, sendo a sua apresentação e conceção específicas evidentes e incontestadas. Por conseguinte, a resposta à questão do nível de prova exigido no âmbito do artigo 8.o da Diretiva 2004/48 não é necessária para decidir este litígio.

    25.

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Daqui resulta que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas ( 7 ).

    26.

    No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio referiu que a imagem C) não foi objeto de uma cópia exata. A este respeito, competia‑lhe examinar as características criativas de uma obra. Segundo este órgão jurisdicional, quando a matéria de facto seja complexa e a experiência do juiz não seja suficiente, é necessário recorrer ao parecer de um perito. Além disso, TB não fez oferecimentos de provas destinadas a demonstrar a existência de um direito de propriedade intelectual relacionado com conhecimentos especiais em relação aos quais é necessária a intervenção de um perito. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que se refere a uma medida de proteção dos direitos de propriedade intelectual que só pode ser aplicada se a violação do direito de propriedade do titular tiver sido provada numa situação em que o órgão jurisdicional nacional em causa não esteja em condições, por falta de conhecimentos especializados, para proceder a uma apreciação autónoma sem o auxílio de um perito. Se assim for, o pedido de informações apresentado por TB deve ser indeferido se não for realizado um procedimento probatório, em cujo âmbito o requerente deve desempenhar um papel ativo na produção da prova.

    27.

    Atendendo a este contexto jurídico e factual, no qual o órgão jurisdicional de reenvio afirma que necessita de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão, não é manifesto que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com o litígio no processo principal ou que o problema suscitado reveste natureza hipotética. Nestas condições, considero que o presente pedido de decisão prejudicial é admissível.

    B.   Quanto ao mérito

    28.

    Com as suas duas questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de uma ação que tenha por objeto uma violação de um direito de propriedade intelectual, o demandante tem de demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual em causa ou se é necessário que o demandante demonstre que é verosímil que seja titular desse direito, designadamente quando o pedido de informações anteceder a propositura de uma ação de indemnização por violação de direitos de propriedade intelectual.

    29.

    A Castorama e os Governos Polaco e Austríaco sugerem que se responda a estas questões declarando que o demandante deve demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual em causa. Com opinião contrária, a Comissão sustenta que lhe basta demonstrar, com um grau de probabilidade suficiente, que o seu pedido de informações diz respeito a um direito de propriedade intelectual existente.

    30.

    Nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/48, os Estados‑Membros devem assegurar que os Estados‑Membros devem assegurar que, no contexto dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual, e em resposta a um pedido justificado e razoável do queixoso, as autoridades judiciais competentes possam ordenar que as informações sobre a origem e as redes de distribuição dos bens ou serviços que violam um direito de propriedade intelectual sejam fornecidas pelo infrator e/ou por qualquer outra pessoa que tenha sido encontrada na posse de bens litigiosos à escala comercial.

    31.

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se quando um demandante intenta uma ação relativa a uma violação de um direito de propriedade intelectual ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, tem de demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual em causa.

    32.

    Atenta a sua redação, esta disposição não prevê, em si mesma, que semelhante obrigação impenda sobre o demandante. Todavia, na medida em que o pedido de informações tem de ser «justificado», daqui resulta que este último tem de conter uma fundamentação que contenha elementos de facto e provas suficientes no que respeita ao direito de propriedade intelectual invocado.

    33.

    Como o órgão jurisdicional de reenvio sublinha, o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 deve ser lido em conjugação com o artigo 4.o desta diretiva, segundo o qual a pessoa que requer a aplicação das medidas, dos procedimentos e recursos previstos no capítulo II da referida diretiva deve pertencer a uma das quatro categorias de pessoas ou organismos enumeradas nas alíneas a) a d) deste artigo. Fazem parte desta categoria, primeiro, os titulares de direitos de propriedade intelectual, segundo, todas as outras pessoas autorizadas a utilizar esses direitos, em particular os titulares de licenças, terceiro, os organismos de gestão dos direitos coletivos de propriedade intelectual regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual, e, quarto, os organismos de defesa da profissão regularmente reconhecidos como tendo o direito de representar os titulares de direitos de propriedade intelectual. Porém, ao contrário do que sucede com os titulares de direitos de propriedade intelectual mencionados no artigo 4.o, alínea a), da Diretiva 2004/48, em conformidade com o considerando 18 ( 8 ) desta diretiva, as três categorias de pessoas visadas no artigo 4.o, alíneas b) a d) desta têm, além disso, de ter interesse direto na defesa desses direitos e legitimidade processual na medida do permitido pela legislação aplicável e nos termos da mesma ( 9 ).

    34.

    Uma vez que o artigo 4.o, alínea a), da Diretiva 2004/48 se refere aos «titulares de direitos de propriedade intelectual», esta disposição poderia ser entendida no sentido de que, no âmbito da aplicação do artigo 8.o desta diretiva, o demandante tem efetivamente de demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual.

    35.

    Contudo, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance deve em princípio ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme que tenha em consideração não apenas os seus termos mas também o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa ( 10 ).

    36.

    Ora, no que respeita ao contexto do artigo 8.o da Diretiva 2004/48, há que sublinhar que o artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Prova», enuncia, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros devem garantir que, a pedido da parte que tiver apresentado provas razoavelmente disponíveis e suficientes para fundamentar as suas alegações e especificado as provas suscetíveis de as apoiar que se encontram sob o controlo da parte contrária, as autoridades judiciais competentes podem ordenar que esses elementos de prova sejam apresentados pela parte contrária, desde que a proteção das informações confidenciais seja salvaguardada. O artigo 7.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Medidas de preservação da prova», prevê no seu n.o 1 que, antes de se intentar uma ação relativa ao mérito da causa, os Estados‑Membros devem garantir que as autoridades judiciais competentes possam, a pedido de uma parte que tenha apresentado provas razoavelmente disponíveis para fundamentar as alegações de que o seu direito de propriedade intelectual foi ou está prestes a ser violado, ordenar medidas provisórias prontas e eficazes para preservar provas relevantes da alegada violação, desde que a proteção das informações confidenciais seja salvaguardada. Quanto ao artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Medidas provisórias e cautelares», enuncia no seu n.o 3 que as autoridades judiciais devem ter competência, no âmbito das medidas a que se referem os n.os 1 e 2 deste artigo, para exigir que o requerente forneça todos os elementos de prova razoavelmente disponíveis, a fim de adquirirem, com suficiente certeza, a convicção de que o requerente é o titular do direito em causa e de que este último é objeto de uma violação atual ou iminente.

    37.

    Por conseguinte, embora a Diretiva 2004/48 mencione os «titulares de direitos de propriedade intelectual» entre as pessoas que podem requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos previstos no capítulo II desta diretiva, esta última prevê expressamente que o requerente, ao abrigo dos artigos 6.o, 7.o e 9.o da referida diretiva, pode apresentar elementos de prova razoavelmente acessíveis e suficientes para fundamentar as suas alegações, ou seja, sem ter de demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual em causa. Assim, em minha opinião, o conceito de «titular de direitos de propriedade intelectual», na aceção do artigo 4.o da Diretiva 2004/48, não pode ser entendido no sentido de que impõe ao demandante a obrigação de demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual que invoca no âmbito de uma ação relativa a uma violação de um direito de propriedade intelectual intentada ao abrigo do artigo 8.o desta diretiva.

    38.

    No que se refere ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2004/48, resulta dos seus considerandos 10 e 13, respetivamente, que este objetivo consiste em aproximar as legislações dos Estados‑Membros a fim de assegurar um nível elevado de proteção, equivalente e homogéneo da propriedade intelectual no mercado interno e que o âmbito de aplicação desta diretiva deve ser definido de uma forma tão ampla quanto possível, de modo a nele incluir a totalidade dos direitos de propriedade intelectual abrangidos pelas disposições do direito da União na matéria ou pelo direito nacional do Estado‑Membro em causa ( 11 ). Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que a referida diretiva tem por objetivo que os Estados‑Membros assegurem, nomeadamente na sociedade da informação, a proteção efetiva da propriedade intelectual ( 12 ). Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as disposições desta mesma diretiva visam reger os aspetos relacionados com os direitos de propriedade intelectual que são inerentes, por um lado, ao respeito destes direitos e, por outro, às violações destes últimos, impondo a existência de meios jurídicos eficazes destinados a prevenir, fazer cessar ou sanar a qualquer violação ao direito de propriedade intelectual existente ( 13 ).

    39.

    Ainda de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para garantir uma proteção elevada da propriedade intelectual, há que rejeitar uma interpretação que reconheceria o direito de informação previsto no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 unicamente no âmbito de um processo destinado a obter a declaração de que foi violado um direito de propriedade intelectual porque esse nível de proteção poderia não ser garantido se também não fosse possível exercer esse direito de informação no âmbito de um processo autónomo iniciado depois do termo definitivo de um processo em que foi declarada a violação de um direito de propriedade intelectual ( 14 ). O Tribunal de Justiça esclareceu que há que aplicar o mesmo raciocínio no que respeita a um processo autónomo que antecede a ação de indemnização com vista a poder intentar utilmente uma ação judicial contra os presumíveis infratores ( 15 ).

    40.

    Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o direito de informação previsto no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 concretiza o direito fundamental à ação garantido no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e assegura deste modo o exercício efetivo do direito fundamental de propriedade, de que faz parte o direito de propriedade intelectual protegido no seu artigo 17.o, n.o 2. Deste modo, esse direito de informação permite que o titular de um direito de propriedade intelectual identifique quem viola este último direito e tome as medidas necessárias, como a apresentação de pedidos de medidas provisórias e cautelares previstas no artigo 9.o, n.os 1 e 2, desta diretiva ou de pedidos de indemnização previstos no artigo 13.o da referida diretiva, para proteger este direito de propriedade intelectual. Com efeito, sem ter um conhecimento completo do âmbito da violação do seu direito de propriedade intelectual, o titular desse direito não estará em condições de determinar ou de calcular de forma precisa as indemnizações a que tem direito devido a essa violação ( 16 ).

    41.

    Resulta claramente de toda esta jurisprudência que há que distinguir a função de um pedido de informações apresentado ao abrigo do artigo 8.o da Diretiva 2004/48 da função de uma ação judicial por meio da qual se pretende que seja declarada uma violação do direito de propriedade intelectual. Especialmente no caso referido pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua segunda questão, a saber, quando o pedido de informações seja anterior à propositura de uma ação de indemnização por violação do direito de propriedade intelectual, esse pedido reveste um caráter autónomo e preliminar, por meio do qual se pretende obter um conhecimento completo do âmbito da violação do direito de propriedade intelectual para, sendo caso disso, poder intentar utilmente uma ação para sanar essa violação.

    42.

    Nesta fase do processo, não se pode exigir que o requerente, para ter legitimidade processual, tenha de demonstrar que é titular do direito de propriedade intelectual em causa. Se assim fosse, o pedido de informações previsto no artigo 8.o da Diretiva 2004/48 ficaria sujeito aos mesmos requisitos de prova que a ação judicial por meio da qual se pretende que seja declarado que foi violado um direito de propriedade intelectual, embora desempenhe um papel diferente. Assim, constituindo o processo distinto instituído por este artigo 8.o uma especificidade do direito da União ( 17 ), este perderia, nesse caso, uma grande parte da sua utilidade prática.

    43.

    Nestas condições, em minha opinião, no contexto da aplicação do referido artigo 8.o, o requerente deve apresentar de forma verosímil, através do oferecimento de elementos de prova suficientes, sem ter de o demonstrar, que é titular do direito de propriedade intelectual em causa, designadamente quando o pedido de informações seja anterior à propositura de uma ação de indemnização por violação do direito de propriedade intelectual.

    44.

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, no processo principal, estão em causa os direitos de autor de TB. A este propósito, embora a Diretiva 2004/48 não contenha nenhuma definição dos direitos de propriedade intelectual abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, a declaração da Comissão relativa ao artigo 2.o da Diretiva 2004/48 ( 18 ) concretiza que, segundo esta instituição, os direitos de autor fazem parte destes. Da jurisprudência do Tribunal de Justiça também resulta que os direitos de autor são abrangidos pelo conceito de «propriedade intelectual», na aceção desta diretiva ( 19 ).

    45.

    Nos termos do considerando 17 da referida diretiva, as medidas, procedimentos e recursos que prevê deverão ser determinados, em cada caso, de modo a ter devidamente em conta as características específicas desse mesmo caso. A este respeito, o considerando 19 da mesma diretiva ( 20 ) sublinha que o direito de autor existe a partir do momento em que uma obra é criada e não exige registo formal. No que se refere a este direito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Diretiva 2001/29/CE ( 21 ) que o conceito de «obra» é constituído por dois elementos. Por um lado, implica um objeto original que constitua uma criação intelectual específica do seu autor e, por outro, exige uma expressão dessa criação. No que respeita ao primeiro elemento, para que um objeto possa ser considerado original, é simultaneamente necessário e suficiente que este reflita a personalidade do seu autor, manifestando as escolhas livres e criativas deste último. No que respeita ao segundo elemento, o conceito de «obra» visado pela Diretiva 2001/29 implica necessariamente a existência de um objeto identificável com suficiente precisão e objetividade ( 22 ). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se TB apresentou de forma verosímil, oferecendo elementos de prova suficientes, que é titular dos direitos de autor no que respeita à imagem C) face à reprodução desta que é comercializada pela Castorama.

    46.

    Há que acrescentar que a Diretiva 2004/48 tem por objeto estabelecer um justo equilíbrio entre, por um lado, o interesse dos titulares na proteção do seu direito de propriedade intelectual, consagrado no artigo 17.o, n.o 2, da Carta, e, por outro, a proteção dos interesses e dos direitos fundamentais dos utilizadores de objetos protegidos, bem como do interesse geral. Mais concretamente, no que diz respeito ao artigo 8.o desta diretiva, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que esta disposição pretende conciliar o respeito por diferentes direitos, nomeadamente o direito à informação dos titulares e o direito à proteção dos dados pessoais dos utilizadores ( 23 ).

    47.

    No mesmo sentido, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 dispõe que as medidas, procedimentos e recursos devem ser, designadamente, justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente onerosos. Por outro lado, nos termos do n.o 2 deste artigo, essas medidas, procedimentos e recursos devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a prever salvaguardas contra a sua utilização abusiva. O referido artigo impõe assim aos Estados‑Membros e, em última instância, aos órgãos jurisdicionais nacionais que ofereçam garantias no sentido de que, nomeadamente, o pedido de informações previsto no artigo 8.o desta diretiva não seja utilizado de maneira abusiva ( 24 ).

    48.

    Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a procedência do pedido de informações e verificar se o requerente não fez uma utilização abusiva deste pedido. Para este efeito, cabe‑lhe ter devidamente em consideração todas as circunstâncias objetivas do processo, incluindo o comportamento das partes ( 25 ). Na hipótese de esse órgão jurisdicional concluir que houve um abuso de direito, deverá recusar a possibilidade de beneficiar do direito à informação previsto no artigo 8.o da Diretiva 2004/48 ( 26 ).

    49.

    Atendendo a tudo o que precede, considero que o artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de uma ação relativa a uma violação de um direito de propriedade intelectual, o demandante deve, através do oferecimento de elementos de prova suficientes, apresentar de forma verosímil que é titular do direito de propriedade intelectual em causa, sem que lhe seja exigido que disto faça prova, designadamente quando o pedido de informações seja anterior à propositura de uma ação de indemnização por violação do direito de propriedade intelectual. O órgão jurisdicional nacional deve igualmente apreciar a procedência deste pedido e tomar devidamente em consideração todas as circunstâncias objetivas do processo, incluindo o comportamento das partes, para, designadamente, verificar se o requerente não fez uma utilização abusiva deste pedido.

    V. Conclusão

    50.

    À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) nos seguintes termos:

    O 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual,

    deve ser interpretado no sentido de que:

    no âmbito de uma ação relativa a uma violação de um direito de propriedade intelectual, o demandante deve, através do oferecimento de elementos de prova suficientes, apresentar de forma verosímil que é titular do direito de propriedade intelectual em causa, sem que lhe seja exigido que disto faça prova, designadamente quando o pedido de informações seja anterior à propositura de uma ação de indemnização por violação do direito de propriedade intelectual. O órgão jurisdicional nacional deve igualmente apreciar a procedência deste pedido e tomar devidamente em consideração todas as circunstâncias objetivas do processo, incluindo o comportamento das partes, para, designadamente, verificar se o requerente não fez uma utilização abusiva deste pedido.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45, e retificação JO 2004, L 195, p. 16). Sobre esta diretiva, v. Petillion, F., e Herweigh, A., «Genesis, Adoption and Application of European Directive 2004/48/EC», em Enforcement of Intellectual Property Rights in the EU Member States, Petillion, F. (ed.), Antuérpia, Intersentia, 2019, p. 1 a p. 48.

    ( 3 ) V. Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Coty Germany (C‑580/13, EU:C:2015:243, n.o 24).

    ( 4 ) Dz.U. de 2020, posição 1575.

    ( 5 ) Este considerando enuncia que «[é] necessário definir o âmbito de aplicação da presente diretiva de uma forma tão ampla quanto possível, de modo a nele incluir a totalidade dos direitos de propriedade intelectual abrangidos pelas disposições comunitárias na matéria e/ou pelo direito interno do Estado‑Membro em causa. Contudo, no caso dos Estados‑Membros que assim o desejem, esta exigência não constituirá um obstáculo à possibilidade de alargar, devido a necessidades internas, as disposições da presente diretiva a atos de concorrência desleal, incluindo cópias parasitas, ou a atividades similares».

    ( 6 ) Acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, EU:C:2009:465).

    ( 7 ) V. Acórdão de 6 de outubro de 2022, HV (Suspensão do direito de conduzir) (C‑266/21, EU:C:2022:754, n.o 21 e jurisprudência referida).

    ( 8 ) Nos termos deste considerando, «[a]s pessoas com legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos mencionados devem ser não apenas os titulares de direitos, mas também pessoas com um interesse e uma legitimidade diretos, na medida do permitido e nos termos da legislação aplicável, o que pode incluir as organizações profissionais encarregadas da gestão dos direitos ou da defesa dos interesses coletivos e individuais da sua responsabilidade».

    ( 9 ) V. Acórdão de 17 de junho de 2021, M.I.C.M. (C‑597/19, EU:C:2021:492, n.os 63 e 64 e jurisprudência referida).

    ( 10 ) V. Acórdão de 2 de junho de 2022, T.N. e N.N. (Declaração relativa à renúncia à sucessão) (C‑617/20, EU:C:2022:426, n.o 35 e jurisprudência referida).

    ( 11 ) Acórdão de 18 de dezembro de 2019, IT Development (C‑666/18, EU:C:2019:1099, n.o 38).

    ( 12 ) Acórdão de 18 de dezembro de 2019, IT Development (C‑666/18, EU:C:2019:1099, n.o 39 e jurisprudência referida).

    ( 13 ) Acórdão de 28 de abril de 2022, Phoenix Contact (C‑44/21, EU:C:2022:309, n.o 39 e jurisprudência referida).

    ( 14 ) Acórdão de 18 de janeiro de 2017, NEW WAVE CZ (C‑427/15, EU:C:2017:18, n.o 24).

    ( 15 ) V. Acórdão de 17 de junho de 2021, M.I.C.M. (C‑597/19, EU:C:2021:492, n.o 82). Assim, o artigo 479113, n.o 2, do Código de Processo Civil determina que «[q]uando o pedido de informações do tribunal seja anterior à ação relativa à violação do direito de propriedade intelectual, essa ação deve ser intentada o mais tardar um mês a partir da data de execução do despacho relativo ao pedido de informação».

    ( 16 ) V. Acórdãos de 18 de janeiro de 2017, NEW WAVE CZ (C‑427/15, EU:C:2017:18, n.o 25), e de 17 de junho de 2021, M.I.C.M. (C‑597/19, EU:C:2021:492, n.o 83).

    ( 17 ) Conforme indica a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às medidas e aos procedimentos destinados a assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual, apresentada pela Comissão em 30 de janeiro de 2003 [COM(2003) 46 final, p. 16], este direito de informação só fora introduzido no sistema jurídico de alguns Estados‑Membros, concretamente na Alemanha, nas leis sobre a propriedade intelectual, e na Lei do Benelux sobre as Marcas.

    ( 18 ) JO 2005, L 94, p. 37.

    ( 19 ) V., por exemplo, Acórdão de 18 de dezembro de 2019, IT Development (C‑666/18, EU:C:2019:1099).

    ( 20 ) Nos termos deste considerando, «[c]omo o direito de autor existe a partir do momento em que uma obra é criada e não exige registo formal, há que adotar a regra do artigo 15.o da Convenção de Berna, que estabelece a presunção segundo a qual o autor de uma obra literária ou artística é considerado como tal quando o seu nome vem indicado na obra. […]».

    ( 21 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

    ( 22 ) V. Acórdão de 11 de junho de 2020, Brompton Bicycle (C‑833/18, EU:C:2020:461, n.os 22 a 25).

    ( 23 ) V. Acórdão de 9 de julho de 2020, Constantin Film Verleih,C‑264/19, EU:C:2020:542, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida). V. igualmente Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, de 29 de novembro de 2017, Orientações relativas a certos aspetos da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual [COM(2017) 708 final], p. 11, segundo a qual «a fim de assegurar a utilização equilibrada do sistema de execução civil dos [direitos de propriedade intelectual], as autoridades judiciais competentes deverão, em geral, efetuar uma avaliação casuística quando ponderarem a concessão das medidas, dos procedimentos e dos recursos» previstos pela Diretiva 2004/48.

    ( 24 ) V., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2022, Phoenix Contact (C‑44/21, EU:C:2022:309, n.o 43).

    ( 25 ) V., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2019, Bayer Pharma (C‑688/17, EU:C:2019:722, n.o 70).

    ( 26 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo M.I.C.M. (C‑597/19, EU:C:2020:1063, n.o 121).

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