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Document 62021CC0571

    Conclusões do advogado-geral A. Rantos apresentadas em 13 de outubro de 2022.
    RWE Power Aktiengesellschaft contra Hauptzollamt Duisburg.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf.
    Reenvio prejudicial — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Diretiva 2003/96/CE — Artigo 14.o, n.o 1, alínea a) — Artigo 21.o, n.o 3, segundo e terceiro períodos — Eletricidade utilizada na produção de eletricidade e na manutenção da capacidade de produzir eletricidade — Isenção — Alcance — Explorações mineiras a céu aberto — Eletricidade utilizada na exploração dos depósitos de combustível e dos meios de transporte.
    Processo C-571/21.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:780

     CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    ATHANASIOS RANTOS

    apresentadas em 13 de outubro de 2022 ( 1 )

    Processo C‑571/21

    RWE Power Aktiengesellschaft

    contra

    Hauptzollamt Duisburg

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf (Tribunal Tributário de Dusseldórfia, Alemanha)]

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 2003/96/CE — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Artigo 14.o — Isenção em benefício da eletricidade utilizada para produzir eletricidade e para manter a capacidade de produção de eletricidade — Minas a céu aberto»

    I. Introdução

    1.

    Que tipo de consumo de eletricidade está isento do imposto sobre a eletricidade quando esse consumo se destina à produção de eletricidade? É esta, no essencial, a questão que o Tribunal de Justiça é chamado a resolver no presente pedido de decisão prejudicial, que atem por objeto a interpretação do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96/CE ( 2 ).

    2.

    Esse pedido foi apresentado no contexto de um litígio que opõe a RWE Power AG ao Hauptzollamt Duisburg (Serviço Aduaneiro Central de Duisburgo, Alemanha, a seguir «Hauptzollamt») por este se ter recusado a isentar a eletricidade que RWE Power utilizou, ao longo dos anos de 2003 e 2004, nas suas explorações mineiras a céu aberto e nas suas centrais energéticas no contexto da sua atividade de produção de eletricidade.

    3.

    Com as suas questões prejudiciais, o Finanzgericht Düsseldorf (Tribunal Tributário de Dusseldórfia, Alemanha) convida o Tribunal de Justiça a, no essencial, clarificar o âmbito da isenção do imposto sobre a eletricidade a que se refere o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96, que prevê, designadamente, que a «eletricidade utilizad[a] para produzir eletricidade e […] para manter a capacidade de produzir eletricidade» fica isenta do imposto sobre a eletricidade (a seguir «isenção controvertida»). Mais concretamente, trata‑se de determinar se e em que condições, no contexto da produção de eletricidade a partir da linhite proveniente das minas a céu aberto, a utilização da eletricidade em operações que têm lugar a montante e a jusante da produção de eletricidade — entendida, em sentido técnico, como o processo de transformação de um produto energético em energia elétrica — pode beneficiar da isenção controvertida.

    4.

    A este propósito, recordo que o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de interpretar tanto o artigo 14.o, n.o 1 ( 3 ), como o artigo 21.o, n.o 3 ( 4 ), da Diretiva 2003/96, tendo o órgão jurisdicional nacional considerado que esta última disposição também era pertinente. Porém, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 referia‑se a «produtos energéticos» que eram incontestavelmente utilizados para a produção de eletricidade, ou seja, a situações que diferem da que está ora em causa, em que a questão que se coloca é relativa, precisamente, à determinação das diferentes operações que constituem essa «produção». O presente processo obrigará, portanto, o Tribunal de Justiça a definir com mais clareza o âmbito de aplicação dessa disposição.

    II. Quadro jurídico

    A.   Direito da União

    5.

    O artigo 1.o da Diretiva 2003/96 determina que os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto nesta diretiva.

    6.

    O artigo 2.o dessa diretiva prevê, no seu n.o 1, que, para efeitos desse mesmo diploma, se entende por «produtos energéticos», nomeadamente, os produtos abrangidos pelo código NC 2702.

    7.

    Nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva:

    «1.   […] os Estados‑Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:

    a)

    Produtos energéticos e eletricidade utilizados para produzir eletricidade e eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade. No entanto, por razões de política ambiental, os Estados‑Membros podem sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na presente diretiva. […]»

    8.

    Nos termos do artigo 21.o, n.o 3, da mesma diretiva:

    «O consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado como facto gerador de imposto se disser respeito a produtos energéticos produzidos nas instalações do estabelecimento. Os Estados‑Membros podem também considerar como não sendo um facto gerador o consumo de eletricidade e de outros produtos energéticos não produzidos nas instalações desse estabelecimento, bem como o consumo de produtos energéticos e de eletricidade nas instalações de um estabelecimento que produz combustíveis destinados a serem utilizados na produção de eletricidade. Se se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos e, em particular, à tração de veículos, o consumo será considerado como facto gerador de imposto.»

    B.   Direito alemão

    9.

    O imposto sobre a eletricidade rege‑se, designadamente, pela Stromsteuergesetz (Lei do Imposto sobre a Eletricidade) de 24 de março de 1999 ( 5 ) (a seguir «StromStG»). Esta lei já sofreu diversas alterações desde a sua adoção. Dado que o litígio no processo principal se refere aos exercícios fiscais de 2003 e 2004, as versões da StromStG aplicáveis ao processo principal são as resultantes, respetivamente, da Lei de 30 de dezembro de 2002 e da Lei de 29 de dezembro de 2003 ( 6 ).

    10.

    O § 9, n.o 1, ponto 2, da StromStG, determina, nas versões aplicáveis ao processo principal, que a eletricidade consumida para a produção de eletricidade está isenta do imposto sobre a eletricidade.

    11.

    O § 11 da StromStG autoriza o Bundesministerium der Finanzen (Ministério Federal das Finanças, Alemanha) a adotar por meio de regulamento, designadamente, as disposições destinadas a implementar os benefícios fiscais previstos no § 9 dessa lei.

    12.

    O regulamento pertinente do referido ministério — concretamente, o Verordnung zur Durchführung des Stromsteuergesetzes (Regulamento de execução da Lei do Imposto sobre a Eletricidade) de 31 de maio de 2000 ( 7 ) (a seguir «StromStV») — prevê, no seu § 12, n.o 1, ponto 1, que o conceito de «eletricidade consumida para efeitos da produção de eletricidade» na aceção do § 9, n.o 1, ponto 2, da StromStG abrange a eletricidade consumida tecnicamente nas instalações secundárias e de apoio de uma unidade de produção de eletricidade para a produção de eletricidade, designadamente para efeitos de tratamento das águas, alimentação em água para produção de vapor, arejamento, abastecimento de combustível e eliminação dos gases de combustão.

    III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    13.

    A RWE Power explorava, na bacia mineira da Renânia, três minas a céu aberto de linhite em locais distintos, nos quais extraía linhite destinada principalmente à produção de eletricidade nas suas centrais e, em 10 %, à produção de briquetes e de pó de linhite nas suas fábricas ( 8 ).

    14.

    Em 2004, a RWE Power consumiu eletricidade nas minas a céu aberto para, no essencial: i) o funcionamento das bombas hidráulicas destinadas a baixar o nível freático, ii) o funcionamento de maquinaria pesada, como escavadoras de balde, que extraíam linhite e entulho, e máquinas para proceder ao aterro de outra parte da mina a céu aberto, iii) iluminação da mina a céu aberto e, iv) o transporte de linhite para as centrais em comboios de mercadorias movidos a eletricidade em vias próprias e em tapetes rolantes movidos a eletricidade que transportavam tanto linhite como entulho.

    15.

    O funcionamento das centrais da RWE Power baseava‑se numa produção ininterrupta de eletricidade. Para garantir essa produção ininterrupta, a RWE Power mantinha reservatórios de linhite, a partir dos quais esta era gradualmente enviada para as caldeiras das centrais. A linhite começava por ser armazenada em cada uma das minas a céu aberto num reservatório da referida mina, sendo em seguida transportado para os reservatórios das centrais através de um tapete rolante ou do caminho de ferro elétrico da própria empresa, o que assegurava à central uma capacidade de funcionamento de um a dois dias. A partir daí, escavadoras elétricas transportavam a linhite para um tapete rolante do reservatório, através do qual a linhite era levada para trituradores. A linhite triturada era em seguida armazenada nos reservatórios das caldeiras.

    16.

    Em 2004, o Hauptzollamt ordenou que se procedesse a uma auditoria fiscal à RWE Power que teve por objeto, designadamente, o imposto sobre a eletricidade relativo aos anos de 2003 e 2004. No âmbito dessa auditoria, concluiu‑se, num relatório de 20 de maio de 2009, que o processamento da linhite devia ser qualificado de «fabrico de combustível» e, portanto, sujeito ao imposto. Esta mesma conclusão também era válida para toda a eletricidade consumida com a extração e o transporte da linhite, pelo que o imposto também era devido em relação à eletricidade utilizada com as escavadoras de carvão, tapetes rolantes e trituradores de pás.

    17.

    Em 8 de outubro de 2009, o Hauptzollamt emitiu um aviso de liquidação com base no relatório de 20 de maio de 2009, e, seguindo as conclusões dos auditores, exigiu, nomeadamente, o pagamento do imposto sobre a eletricidade que, em seu entender, se tinha vencido.

    18.

    Como a reclamação que a RWE Power apresentou desse aviso foi indeferida, esta recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio.

    19.

    No órgão jurisdicional de reenvio, a RWE Power alegou que, por força do disposto na Diretiva 2003/96, toda a eletricidade necessária à operação de produção de eletricidade devia ser abrangida pela isenção controvertida. Com efeito, segundo a diretiva e por força do disposto no § 12, n.o 1, ponto 1, do StromStV, todas as instalações elétricas secundárias e de apoio, sem as quais uma instalação de produção de eletricidade não pode operar, deviam, em princípio, estar abrangidas pela isenção do imposto sobre a eletricidade. Assim, os consumos de eletricidade destinados à produção de eletricidade através da linhite, ou seja, cerca de 90 % da eletricidade utilizada, deviam estar isentos do imposto sobre a eletricidade, ao abrigo do § 9, n.o 1, ponto 2), do StromStG, dado terem servido para produzir eletricidade ( 9 ). A linhite devia, portanto, ser considerada um combustível, pelo que a eletricidade consumida com a sua extração e o seu encaminhamento na mina a céu aberto também deviam estar isentos do imposto. A RWE Power informa que o funcionamento de uma central a linhite é um processo unitário que vai da extração do carvão até à eliminação dos resíduos produzidos. A mina a céu aberto e a central a linhite constituem, assim, uma unidade económica e técnica de produção de eletricidade que não pode ser artificialmente dividida em diferentes atividades autónomas, sendo os consumos de eletricidade controvertidos necessários para garantir uma produção ininterrupta de eletricidade.

    20.

    O Hauptzollamt, por seu lado, considera, no essencial, que, de acordo com o disposto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, a eletricidade consumida para produzir eletricidade está isenta do imposto sobre a eletricidade se for consumida nas instalações secundárias ou de apoio de uma unidade de produção de eletricidade para a produção, em sentido técnico, de eletricidade. Ora, segundo o Hauptzollamt, só a eletricidade diretamente relacionada e necessária à produção de eletricidade — como a utilizada para alimentar em combustível o queimador da caldeira através do triturador de pás —, está isenta. Em contrapartida, a eletricidade que só indiretamente é utilizada em determinadas instalações de processamento da linhite em bruto, mediante trituração, moagem e desidratação, não aufere dessa vantagem.

    21.

    Manifestando dúvidas acerca da extensão da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Pode o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da [Diretiva 2003/96], na medida em que estabelece que a eletricidade utilizada para produzir eletricidade está isenta de imposto, sem prejuízo do disposto no artigo 21.o, n.o 3, segundo período, [desta diretiva], ser interpretado no sentido de que esta isenção também se aplica às operações de extração de produtos energéticos numa mina a céu aberto e de transformação dos referidos produtos em centrais elétricas, a fim de os tornar mais aptos à utilização nessas centrais, mediante, por exemplo, a separação, a remoção de impurezas e a redução ao tamanho necessário para o funcionamento da caldeira?

    2)

    Pode o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96, na medida em que estabelece que a eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade está isenta de imposto, sem prejuízo do artigo 21.o, n.o 3, terceiro período, [desta diretiva], ser interpretado no sentido de que também está isenta de imposto a utilização de eletricidade para o funcionamento dos reservatórios e meios de transporte necessários para o funcionamento contínuo das centrais?»

    22.

    A RWE Power, o Hauptzollamt e a Comissão Europeia apresentaram observações por escrito ao Tribunal de Justiça.

    IV. Análise

    23.

    Com as suas duas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a clarificar o âmbito da isenção controvertida e, nomeadamente, se e em que condições, no contexto da produção de eletricidade a partir de linhite proveniente das minas a céu aberto, a utilização de eletricidade nas operações a montante e a jusante da produção de eletricidade pode beneficiar dessa isenção.

    24.

    Mais exatamente, a primeira questão prejudicial é relativa à eletricidade utilizada em operações que têm lugar antes de a linhite ser colocada no reservatório da caldeira e transformada em eletricidade, ou seja: i) a extração de linhite nas minas a céu aberto e ii) o seu processamento nas centrais (trituração, eliminação de corpos estranhos e redução para o calibre definido para a caldeira). Quanto à segunda questão prejudicial, esta diz respeito à eletricidade consumida em operações destinadas a garantir uma produção ininterrupta de eletricidade e, designadamente: i) o encaminhamento da linhite para as centrais (por comboio ou tapetes rolantes elétricos) e ii) a armazenagem.

    A.   Observações preliminares

    25.

    A título preliminar, recordo que a Diretiva 2003/96 tem por objeto a fixação de um regime de tributação harmonizado dos produtos energéticos e da eletricidade, no âmbito do qual a tributação mínima é a regra, a fim de promover o bom funcionamento do mercado interno no setor da energia, evitando, nomeadamente, as distorções de concorrência ( 10 ).

    26.

    Para esse efeito, no que em especial respeita à produção de eletricidade, o legislador da União optou ( 11 ) por obrigar os Estados‑Membros a tributar a eletricidade distribuída ( 12 ), devendo, correlativamente, os produtos energéticos utilizados para a sua produção estar isentos da tributação, e isto com o objetivo de evitar a dupla tributação da eletricidade ( 13 ). Segundo o disposto no artigo 4.o, n.o 1, e no artigo 10.o da Diretiva 2003/96, a partir de 1 de janeiro de 2004, salvo exceção prevista ( 14 ), os níveis mínimos de tributação aplicáveis à eletricidade são de 0,5 euros por MW/h (para consumo profissional) e de 1 euro por MW/h (para consumo não profissional) ( 15 ).

    27.

    A este propósito, o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96 prevê uma exceção obrigatória ao regime de tributação para, por um lado, os «produtos energéticos» utilizados para produzir eletricidade e, por outro, a «eletricidade» utilizada para a produção de eletricidade ou para manter a capacidade dessa produção. Contudo, por força do segundo período dessa mesma disposição, os Estados‑Membros, por razões decorrentes da proteção do ambiente, têm a possibilidade de tributar esses produtos, sem respeitar os níveis mínimos de tributação. No presente caso, essa disposição não é aplicável, pois a República Federal da Alemanha não utilizou essa faculdade ( 16 ).

    28.

    O Tribunal de Justiça já por duas vezes teve a oportunidade de interpretar o âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/96. No Acórdão Cristal Union, o Tribunal de Justiça declarou que a isenção obrigatória prevista nessa disposição é aplicável aos produtos energéticos, como o gás natural, que são utilizados para produzir eletricidade quando utilizados para a produção combinada desta e de calor ( 17 ). Além disso, no Acórdão Turbogás, o Tribunal de Justiça interpretou essa disposição no sentido de o gás natural e o gasóleo utilizados para a produção de eletricidade térmica de ciclo combinado estarem isentos do imposto ( 18 ).

    29.

    Porém, os litígios que estiveram na origem dos dois acórdãos acima mencionados diferem do litígio no processo principal pois eram relativos à aplicação da isenção controvertida a «produtos energéticos» cuja utilização para a produção de eletricidade não estava em causa. Ora, no presente caso, por um lado, o produto passível de ser isento do imposto não é o «produto energético», mas a «eletricidade» e, por outro, o que está em causa é precisamente a questão de saber se essa eletricidade faz parte do processo de produção de eletricidade, na aceção da isenção controvertida.

    B.   Quanto à primeira questão prejudicial

    30.

    Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto da «eletricidade utilizada para produzir eletricidade» abrange igualmente a eletricidade consumida no contexto da extração de linhite numa mina a céu aberto e da transformação e do processamento ulteriores da linhite nas centrais elétricas (concretamente, trituração, eliminação de corpos estranhos e redução para o calibre definido para a caldeira).

    31.

    Segundo o Hauptzollamt, a primeira questão prejudicial clama por uma resposta negativa. Alega, no essencial, que uma interpretação estrita da disposição acima mencionada, conforme imposta pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, levaria a que apenas se isentasse o consumo de eletricidade estreitamente relacionado com a produção de eletricidade, o que excluía de facto a eletricidade utilizada no contexto da extração e do processamento dos produtos energéticos.

    32.

    Inversamente, a RWE Power considera que se deve responder pela afirmativa à primeira questão prejudicial. Segundo afirma, a eletricidade utilizada tanto para fins da extração de linhite, como para efeitos do seu processamento ulterior, inclui‑se na isenção controvertida, pois todas essas operações são indispensáveis e fazem parte do processo de produção de eletricidade.

    33.

    A Comissão, por seu lado, associa‑se, no essencial, à análise do Hauptzollamt no que respeita à eletricidade utilizada para extração de linhite, mas considera que, no entanto, a isenção controvertida se poderia aplicar ao processamento da linhite quando essas operações sejam necessárias para efeitos da utilização das caldeiras das centrais.

    34.

    Pelas razões que passo a expor, subscrevo esta última posição.

    35.

    Recordo que, segundo jurisprudência constante, as disposições relacionadas com as isenções previstas pela Diretiva 2003/96 devem ser objeto de uma interpretação autónoma, com base no seu teor, bem como na sistemática e nos objetivos prosseguidos pela diretiva ( 19 ). É à luz dessa interpretação autónoma preliminar que se examinará a questão de saber se a extração de linhite nas minas a céu aberto e o seu posterior processamento nas centrais devem poder beneficiar da isenção controvertida.

    36.

    Em primeiro lugar, quanto ao teor do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96, resulta dos seus próprios termos que os Estados‑Membros têm a obrigação de isentar da tributação da eletricidade prevista nessa diretiva, designadamente, os «produtos energéticos e a eletricidade utilizados para produzir eletricidade» (primeira hipótese) e a «eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade» (segunda hipótese).

    37.

    A este propósito, observe‑se, por um lado, no que respeita à primeira hipótese, que se refere ao processo de «produção de eletricidade», que a Diretiva 2003/96 determina claramente os «produtos energéticos» abrangidos pela isenção, ao fixar exaustivamente, no artigo 2.o, n.o 1, desta Diretiva, a lista desses produtos através da referência aos códigos da nomenclatura combinada ( 20 ). Todavia, a referida diretiva nada especifica quanto ao conceito de «utilização para produção de eletricidade», não estando este conceito definido na mesma diretiva ou por referência ao ordenamento jurídico nacional dos Estados‑Membros ( 21 ). Por outro lado, no que toca à segunda hipótese, isto é, à eletricidade utilizada para manter a capacidade de produção de eletricidade ( 22 ), também não é objeto de qualquer outro esclarecimento na Diretiva 2003/96.

    38.

    Não existindo nessa diretiva ( 23 ) uma definição de «utilização para produção de eletricidade», a determinação do significado e alcance dessa expressão devem ter lugar de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, atento o contexto em que é utilizada e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 24 ).

    39.

    A este propósito, verifico, antes de mais, que resulta claramente da expressão acima indicada que a eletricidade isenta é a consumida com o objetivo de produzir eletricidade. Assim, há que, desde logo, excluir da isenção controvertida a eletricidade consumida por ocasião da operação de produção de eletricidade e que não se destina, diretamente, a permitir ou contribuir para essa produção ( 25 ). Esse consumo de eletricidade pode abranger, por exemplo, o consumo nos edifícios administrativos das centrais de produção de eletricidade.

    40.

    Seguidamente, importa observar que a distinção estabelecida entre as duas hipóteses da isenção controvertida — isto é, a eletricidade utilizada «para produzir eletricidade», por um lado, e «para manter a capacidade de produzir eletricidade», por outro — sugere que as atividades que fazem parte da produção não correspondem a atividades ligadas à manutenção da capacidade dessa produção ( 26 ).

    41.

    Por último, como a letra do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96 não especifica os diferentes tipos de consumo de eletricidade que podem beneficiar da isenção controvertida, penso que o conceito de «utilização para produção de eletricidade» deve ser apreciado tendo em conta as suas especificidades. Essa abordagem também me parece razoável, pois o caráter genérico do conceito de «produção de eletricidade» permite distinguir a aplicação da isenção em função do método da sua produção ( 27 ). Foi nesta ótica que o Tribunal de Justiça admitiu que a redação desta disposição em nada exclui do âmbito de aplicação da isenção controvertida os produtos energéticos utilizados por uma instalação de cogeração para efeitos da produção combinada de eletricidade e calor ( 28 )

    42.

    Dito isto, o teor da isenção controvertida não permite determinar com segurança se a eletricidade destinada a ser utilizada nas operações a montante da produção de eletricidade, designadamente da extração de linhite e do seu ulterior processamento nas centrais, deve ser isenta por fazer parte do processo de «produção de eletricidade», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96.

    43.

    Em segundo lugar, no que se refere à sistemática da Diretiva 2003/96, importa recordar que, em princípio, sendo a tributação dos produtos energéticos e da eletricidade a regra, esse diploma não tem por objetivo prever isenções de caráter geral. Assim, uma vez que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2003/96 prevê limitadamente as isenções obrigatórias que os Estados‑Membros devem aplicar no âmbito da tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, essa disposição não pode ser interpretada de forma extensiva, sob pena de privar a tributação harmonizada instituída de qualquer efeito útil ( 29 ).

    44.

    O Tribunal de Justiça também declarou que resulta da sistemática da Diretiva 2003/96 que, com exceção de dois casos específicos — ou seja, os previstos no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), segundo período, e no artigo 21.o, n.o 5, terceiro parágrafo, dessa diretiva — a isenção obrigatória dos produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeira frase, desta diretiva é imposta aos Estados‑Membros de maneira incondicional ( 30 ). Isso faz com que a aplicação dessa isenção não possa ser afetada pelas disposições dessa mesma diretiva que têm caráter facultativo, como é o caso do segundo período do seu artigo 21.o, n.o 3.

    45.

    Por conseguinte, se a isenção controvertida tiver de ser interpretada de forma estrita, uma vez que a eletricidade é consumida para produzir eletricidade ou para manter a capacidade dessa produção, essa isenção é incondicional e deve ser aplicada.

    46.

    Em terceiro lugar, quanto aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2003/96, importa recordar, desde logo, que, ao instituir um regime de tributação harmonizado dos produtos energéticos e da eletricidade, essa diretiva prossegue um duplo objetivo, a saber, por um lado, promover o bom funcionamento do mercado interno no setor da energia, evitando, nomeadamente, as distorções de concorrência ( 31 ), e, por outro, encorajar os objetivos de política ambiental ( 32 ).

    47.

    Por um lado, no que respeita ao primeiro objetivo, designadamente o de evitar distorções de concorrência, sublinho que se a energia utilizada para a produção de eletricidade por uma central não estivesse isenta de imposto nos termos da isenção controvertida, daí resultaria um risco de dupla tributação, uma vez que a eletricidade assim produzida seria, em conformidade com o artigo 1.o dessa diretiva, igualmente tributada ( 33 ). Por conseguinte, este objetivo implica a possibilidade de a aplicação da isenção controvertida poder dar origem a uma desigualdade de tratamento entre entidades de produção de eletricidade ( 34 ). Com efeito, uma eventual ampliação do âmbito de aplicação da isenção do imposto sobre a eletricidade de forma a abranger um tipo específico de produção de eletricidade poderia prejudicar, na verdade, os produtores de eletricidade a partir de outras formas de produtos energéticos que estavam sujeitos a uma eventual dupla tributação. De igual modo, por efeito da dupla tributação, existe um risco de discriminação entre os produtores de energia produzida a partir do mesmo produto energético quando os fatores necessários para a produção, que obrigam a um processamento que implica consumo de eletricidade, são importados apenas por uma parte desses produtores.

    48.

    Por outro lado, no que respeita ao objetivo relacionado com a proteção do ambiente, é certo que a produção de eletricidade a partir da linhite envolve o cumprimento de inúmeras obrigações impostas pelas normas ambientais, que visam a utilização mais limpa possível dos produtos energéticos. Não se pode, portanto, excluir que a isenção controvertida possa afetar o cumprimento dessas obrigações, quando estas implicam o processamento do produto energético com utilização de eletricidade, a fim de tornar possível a produção de uma energia mais verde.

    49.

    É à luz destas considerações de ordem geral que há que apreciar os consumos controvertidos.

    50.

    Por um lado, no que respeita à eletricidade consumida para efeitos da extração de linhite numa mina a céu aberto, considero, antes de mais, que, embora essa operação seja decerto efetuada com o intuito (último) de produzir eletricidade, não pode todavia, à luz do sentido corrente da expressão «produção de eletricidade», ser considerada de modo a integrar a produção de eletricidade, na aceção da isenção controvertida. Com efeito, a eletricidade utilizada quando da extração destina‑se à produção de linhite em bruto, que, de acordo com o disposto no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/96, é um «produto energético» ( 35 ). Ora, a isenção controvertida apenas se aplica à produção de eletricidade, e não à «produção de produtos energéticos» ( 36 ). Além disso, se o legislador da União pretendesse isentar esse tipo de consumo ao abrigo da isenção controvertida, tê‑lo‑ia indicado de forma mais explícita, referindo‑se, por exemplo, à «eletricidade utilizada na produção de produtos energéticos», como o fez, no essencial, no contexto da isenção facultativa prevista no artigo 21.o, n.o 3, segundo período, dessa diretiva. Esta interpretação também estava em consonância com a interpretação restritiva que importa fazer do âmbito de aplicação da isenção controvertida. Além disso, atento o objetivo de evitar distorções de concorrência, era preferível distinguir a operação de extração de um produto energético da produção de eletricidade. Se assim não for, poderá ocorrer uma desigualdade de tratamento entre as empresas que exploram centrais elétricas e extraem linhite para produzir eletricidade, e as empresas que adquirem linhite em bruto a terceiros para produzir eletricidade, por terem de suportar cargas fiscais diferentes ( 37 ).

    51.

    Com base neste raciocínio, a produção de linhite em bruto devia terminar com a fase da sua armazenagem no depósito da mina a céu aberto. Por conseguinte, todo o consumo de eletricidade antes dessa fase, ligado ao funcionamento das bombas hidráulicas destinadas a baixar o nível freático, de maquinaria pesada, como escavadoras de balde, que extraíam linhite e entulho, e máquinas para proceder ao aterro de outra parte da mina a céu aberto, bem como à iluminação da mina a céu aberto, não devia beneficiar da isenção controvertida.

    52.

    Esta conclusão não é, em meu entender, posta em causa à luz das considerações factuais apresentadas pela RWE Power para demonstrar a unidade indissociável entre as centrais de produção a partir de linhite e as minas a céu aberto. Embora seja plausível que uma central elétrica alimentada a lenhite só possa funcionar onde a lenhite estiver pronta para ser utilizada como fonte de energia, uma vez que o fornecimento de lenhite não é possível a longas distâncias e a lenhite necessária para a combustão não pode ser adquirida no mercado ( 38 ), esta conclusão não basta para tratar a extração de linhite como indissociável da operação de transformação de linhite em eletricidade. Embora essas afirmações possam militar em favor de um alargamento da isenção controvertida, especificamente ao mercado de produção de energia a partir de linhite, esse alargamento não encontra apoio no texto da Diretiva 2003/96, que é mais genérico e não tem em conta as especificidades do mercado da energia a partir de linhite.

    53.

    Por outro lado, no que respeita à eletricidade utilizada no processamento ulterior da linhite nas centrais elétricas, considero que a partir do momento em que a linhite em bruto é qualificada de «produto energético», a eletricidade consumida no contexto de toda a operação que ocorre no mesmo estabelecimento ou, pelo menos, em instalações secundárias e de apoio, destinada à transformação e ao processamento ulteriores da linhite em centrais elétricas, devia dar lugar a uma isenção do imposto sobre a eletricidade, na medida em que esses processamentos já não contribuem para a produção do «produto energético», mas diretamente para a produção de eletricidade ( 39 ).

    54.

    Todavia, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essas operações são efetivamente necessárias e indispensáveis em função do tipo da central a linhite ( 40 ). A este respeito, a RWE Power explorava três tipos de centrais, que queimavam linhite de diferentes tipos, concretamente, «caldeiras com fornalha de grelha», «caldeiras de leito fluidizado» e «fornos de carvão pulverizado que funcionam com linhite». Parece ser certo que, com exceção do primeiro tipo (fornalha de grelha), que é obsoleto, esse processamento ulterior da linhite é indispensável para efeitos do cumprimento das obrigações decorrentes das regulamentações industriais e ambientais tanto no que respeita às caldeiras de leito fluidizado como às de carvão pulverizado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os referidos processamentos correspondem, de facto, às exigências regulamentares e às caldeiras em causa. A este respeito, as eventuais dificuldades de ordem prática que a necessidade de identificar a parte da eletricidade que é utilizada para os tratamentos de linhite implica relativamente à que é utilizada para outros fins, não dispensam, em caso algum, os Estados‑Membros da sua obrigação de isentar incondicionalmente a energia utilizada para a produção de eletricidade, em conformidade com a isenção controvertida ( 41 ).

    55.

    Resulta do que precede que a isenção controvertida podia aplicar‑se a operações como a trituração, eliminação de corpos estranhos e redução para o calibre definido quando essas operações fossem indispensáveis para, e visassem exclusivamente a, utilização da linhite nas caldeiras específicas de uma central elétrica para produzir eletricidade.

    56.

    Por último, a título exaustivo, considero que essa interpretação não é posta em causa pelas disposições do artigo 21.o, n.o 3, segundo período, da Diretiva 2003/96, à luz das quais o órgão jurisdicional de reenvio solicita ao Tribunal de Justiça que interprete a isenção controvertida.

    57.

    Recorde‑se que, segundo o artigo 21.o, n.o 3, primeiro período, da Diretiva 2003/96, o consumo de produtos energéticos nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos não é considerado um facto gerador de imposto sobre produtos energéticos se disser respeito a produtos energéticos fabricados nas instalações do estabelecimento. O segundo período desse mesmo número, a que especificamente se refere o órgão jurisdicional de reenvio, estabelece, designadamente, que os Estados‑Membros também podem considerar que o consumo de eletricidade não produzida nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos, bem como o consumo de eletricidade nas instalações de um estabelecimento que produz combustíveis destinados a serem utilizados na produção de eletricidade não são um facto gerador do imposto.

    58.

    Por um lado, importa de imediato recordar que a disposição acima mencionada confere uma possibilidade aos Estados‑Membros. Trata‑se, portanto, de uma exceção de natureza facultativa quanto à exigibilidade do imposto, de que o legislador alemão não fez uso. Assim, um regime facultativo não é um elemento determinante para efeitos da definição do âmbito das isenções obrigatórias, como a isenção controvertida. Com efeito, como esta impõe aos Estados‑Membros a obrigação incondicional de isentar os produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade, um regime facultativo, como o previsto no artigo 21.o, n.o 3, segundo período, da Diretiva 2003/96 apenas pode ter caráter residual ( 42 ).

    59.

    Por outro lado, admitindo que as diferentes atividades da RWE Power decorrem «nas instalações de um estabelecimento», na aceção do artigo 21.o da Diretiva 2003/96, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, considero que o consumo de eletricidade na mina a céu aberto para efeitos da extração de linhite pode integrar claramente o âmbito de aplicação do artigo 21.o, n.o 3, primeira parte do segundo período, desta diretiva. Por conseguinte, os Estados‑Membros podem considerar «o consumo de eletricidade não produzida nas instalações de um estabelecimento que produz produtos energéticos» como não sendo um facto gerador. Esta interpretação está em consonância com a abordagem defendida em relação à extração de linhite, na medida em que a isenção facultativa prevista no artigo 21.o, n.o 3, segundo período, da Diretiva 2003/96 não teria sentido ou razão de ser se essa mesma isenção já fosse obrigatória ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, dessa diretiva.

    60.

    Proponho, portanto, que à primeira questão prejudicial se responda que a isenção controvertida, que se refere à «eletricidade utilizada para produzir eletricidade», deve ser interpretada no sentido de que essa isenção só se aplica à eletricidade utilizada em operações indispensáveis e que contribuem diretamente para o processo de produção elétrica, ficando assim de fora a operação de extração de produtos energéticos, mas incluindo as operações que tiveram lugar no mesmo estabelecimento ou, pelo menos, nas instalações anexas e de apoio, que visam exclusivamente a transformação e o tratamento ulteriores dos produtos energéticos para efeitos da alimentação das centrais elétricas.

    C.   Quanto à segunda questão prejudicial

    61.

    Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96, atento o artigo 21.o, n.o 3, terceiro período, desta diretiva, pode ser interpretado no sentido de que a isenção do imposto sobre a «eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade» também abrange a eletricidade destinada ao funcionamento dos reservatórios e meios de transporte necessários para o funcionamento contínuo dessas centrais.

    62.

    Segundo o Hauptzollamt, esta segunda questão prejudicial merece, igualmente, uma resposta negativa, porquanto a utilização de eletricidade destinada ao funcionamento de reservatórios e de meios de transporte não pode ser isenta do imposto, pois a isenção «para manter a capacidade de produzir eletricidade» mais não é do que um prolongamento da isenção da «eletricidade utilizada para produzir eletricidade» e só pode, a esse título, dizer respeito a operações relativamente às quais a utilização de eletricidade também estava isenta ao abrigo da sua utilização para produzir eletricidade.

    63.

    Em contrapartida, a RWE Power considera ser necessário responder a essa questão pela afirmativa, designadamente porque a referência à «manutenção da capacidade de produzir eletricidade» indica que a eletricidade isenta vai além do processo de transformação de energia e abrange a eletricidade utilizada a montante ou a jusante do mesmo.

    64.

    A Comissão, por seu lado, considera que os serviços de armazenagem e transporte de linhite não fazem parte do processo de produção de eletricidade, no sentido estrito do termo, e devem, portanto, ser excluídos da isenção controvertida.

    65.

    Pelas razões que passo a expor, defendo uma abordagem matizada segundo a qual é possível aceitar que a eletricidade destinada ao encaminhamento da linhite para as centrais e à sua armazenagem nessas centrais pode beneficiar da isenção controvertida, se ficar demonstrado que essas operações estão diretamente relacionadas e são indispensáveis à manutenção da capacidade de produção da central em causa.

    66.

    Antes de mais, sublinho que a distinção estabelecida entre as duas hipóteses da isenção controvertida — ou seja, a eletricidade utilizada «para produzir eletricidade», por um lado, e a utilizada «para manter a capacidade de produzir eletricidade», por outro — sugere que as atividades que integram a manutenção da capacidade não coincidem com as atividades que integram a produção. Isto implica que, contrariamente ao que, no essencial, alega o Hauptzollamt, a eletricidade isenta ao abrigo da segunda hipótese não tem de (necessariamente) entrar no processo de transformação de energia, pelo que a eletricidade utilizada a montante ou a jusante da transformação de energia também pode ser isenta do imposto se servir para manter a capacidade de produzir eletricidade.

    67.

    Em seguida, esta interpretação é corroborada pela génese da Diretiva 2003/96. Com efeito, na sua proposta inicial, a Comissão apenas tinha previsto uma isenção do imposto para os «produtos energéticos utilizados para produzir eletricidade e o calor gerado durante a sua produção» ( 43 ), o que corresponde, no essencial, à primeira hipótese da isenção controvertida. No entanto, a segunda hipótese dessa isenção só foi incluída nessa diretiva pelo Conselho numa fase ulterior do processo para a sua adoção. Para esse aditamento ter sentido e não ser considerado um pleonasmo, deve deduzir‑se que os autores da mencionada diretiva pretenderam necessariamente criar uma nova causa de isenção que fosse além da proposta da Comissão.

    68.

    Por outro lado, importa reiterar que, como para a primeira hipótese, a isenção prevista para a segunda hipótese também deve ser interpretada restritivamente. Neste sentido, só quando estiver efetivamente demonstrado que existe um nexo direto entre a continuação da produção e a eletricidade consumida é que se deve aceitar a aplicação dessa isenção.

    69.

    No presente caso, resulta da decisão de reenvio que o funcionamento das centrais da RWE Power se baseava numa produção ininterrupta de eletricidade. Com efeito, é certo que, para garantir uma produção ininterrupta de eletricidade, a RWE Power tinha previsto stocks de três tamanhos e para funções diferentes, a partir dos quais a linhite era encaminhada à medida das necessidades para as caldeiras das centrais. Mais exatamente, a linhite era antes de mais armazenada em cada uma das minas a céu aberto num reservatório com uma capacidade correspondente a seis dias de funcionamento da central, e, em seguida, encaminhada para os reservatórios das centrais que possuíam uma capacidade correspondente a um ou dois dias de funcionamento da central. Com base nesta descrição factual, que é da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio, parece que tanto as operações de armazenagem como de transporte se destinavam a garantir uma produção ininterrupta de eletricidade e a manutenção dessa capacidade. Ora, sob pena de esvaziar de sentido a expressão «eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade», considero que essas operações devem efetivamente estar incluídas na isenção controvertida.

    70.

    Esta conclusão não é, em minha opinião, posta em causa pelas disposições do artigo 21.o, n.o 3, terceiro período, da Diretiva 2003/96, que preveem que quando o consumo de produtos energéticos se destinar a fins não relacionados com a produção de produtos energéticos e, em particular, à tração de veículos, o consumo será considerado como facto gerador de imposto. Com efeito, antes de mais, essa disposição refere‑se ao «consumo de produtos energéticos» para fins não relacionados com a produção de produtos energéticos, como, por exemplo, o transporte do pessoal para o local de trabalho nas instalações da empresa RWE Power. Ora, no presente caso, o conjunto dos consumos em apreço dizem respeito ao consumo de eletricidade e, com exceção do consumo ligado à extração de linhite, não se destinam a produzir produtos energéticos, mas energia elétrica. De todo o modo, resulta da sua localização na estrutura da Diretiva 2003/96 que o terceiro período da referida disposição se destina apenas a restringir as isenções mencionadas nos seus primeiro e segundo períodos ( 44 ).

    71.

    Atentas as considerações que precedem, proponho que se responda à segunda questão prejudicial que a isenção controvertida, que se refere à «eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade», deve ser interpretada no sentido de que só se aplica à eletricidade utilizada em operações indispensáveis e que contribuem diretamente para o processo de manutenção da capacidade de produzir eletricidade, o que pode incluir operações através das quais produtos energéticos são armazenados ou encaminhados para as centrais elétricas.

    V. Conclusão

    72.

    Atento o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos às questões prejudiciais colocadas pelo Finanzgericht Düsseldorf (Tribunal Tributário de Dusseldórfia, Alemanha):

    1)

    O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, que se refere à «eletricidade utilizada para produzir eletricidade», deve ser interpretado no sentido de que essa isenção só se aplica à eletricidade utilizada em operações indispensáveis e que contribuem diretamente para o processo de produção elétrica, ficando assim de fora a operação de extração de produtos energéticos, mas incluindo as operações que tiveram lugar no mesmo estabelecimento ou, pelo menos, nas instalações anexas e de apoio, que visam exclusivamente a transformação e o tratamento ulteriores dos produtos energéticos para efeitos da alimentação das centrais elétricas.

    2)

    O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), primeiro período, da Diretiva 2003/96, que se refere à «eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade», deve ser interpretado no sentido de que essa isenção só se aplica à eletricidade utilizada em operações indispensáveis e que contribuem diretamente para o processo de manutenção da capacidade de produzir eletricidade, o que pode incluir operações através das quais produtos energéticos são armazenados ou encaminhados para as centrais elétricas.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) Diretiva do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51).

    ( 3 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 5 de julho de 2007, Fendt Italiana (C‑145/06 e C‑146/06, EU:C:2007:411, n.o 36), de 17 de julho de 2008, Flughafen Köln/Bonn (C‑226/07, a seguir «Acórdão Flughafen Köln/Bonn», EU:C:2008:429), de 4 de junho de 2015, Kernkrafwerke Lippe‑Sem (C‑5/14, EU:C:2015:354, n.os 40 a 54), de 13 de julho de 2017, Vakarų Baltijos laivų statykla (C‑151/16, a seguir «Acórdão Vakarų Baltijos laivų statykla», EU:C:2017:537), de 7 de março de 2018, Cristal Union (C‑31/17, a seguir «Acórdão Cristal Union», EU:C:2018:168), de 27 de junho de 2018, Turbogás (C‑90/17, a seguir «Acórdão Turbogás», EU:C:2018:498), de 16 de outubro de 2019, UPM France (C‑270/18, EU:C:2019:862, a seguir «Acórdão UPM France»), e de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, a seguir «Acórdão Petrotel‑Lukoil», EU:C:2019:933, n.os 33, 46 e 47).

    ( 4 ) V. Acórdãos de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark (C‑49/17, EU:C:2018:395), Petrotel‑Lukoil, e de 3 de dezembro de 2020, Repsol Petróleo (C‑44/19, a seguir «Acórdão Repsol Petróleo», EU:C:2020:982).

    ( 5 ) BGBl. 1999 I, p. 378, e BGBl. 2000 I, p. 147.

    ( 6 ) BGBl. 2002 I, p. 4602 e BGBl. 2003 I, p. 3076.

    ( 7 ) BGBl. 2000 I, p. 794.

    ( 8 ) No ano de 2004, a RWE Power produziu, nas centrais afetas às referidas minas a céu aberto, cerca de 10 % da eletricidade consumida na Alemanha.

    ( 9 ) A RWE Power não solicita qualquer isenção do imposto em relação às atividades que imputa ao fabrico de briquetes e pó de linhite para clientes industriais que os destinam às suas fábricas. Preencheu, portanto, sob reserva a sua declaração do imposto sobre a eletricidade no valor de 31526540,15 euros.

    ( 10 ) V. artigo 1.o e considerandos 2 a 5 e 24 da Diretiva 2003/96, bem como Acórdãos Cristal Union (n.o 29 e jurisprudência referida), e Repsol Petróleo (n.o 21).

    ( 11 ) V., a este respeito, p. 5 da proposta de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos (JO 1997, C 139, p. 14, a seguir «proposta da Comissão»).

    ( 12 ) Acórdão de 16 de outubro de 2019, UPM France (C‑270/18, EU:C:2019:862, n.o 39). A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça declarou que, quando uma entidade produz eletricidade para consumo próprio, essa eletricidade não é distribuída e, por conseguinte, fica subtraída ao regime de tributação harmonizada estabelecido pela Diretiva 2003/96 [ver Acórdãos Turbogás (n.os 32 e 38) e UPM France (n.o 33)].

    ( 13 ) Acórdãos Cristal Union (n.o 30) e Turbogás (n.o 35).

    ( 14 ) De acordo com o artigo 2.o, n.o 4, alínea b), da Diretiva 2003/96, esta não se aplica se a eletricidade for utilizada principalmente para fins de redução química e em processos eletrolíticos e metalúrgicos (3.o travessão), ou quando corresponder a mais de 50 % do custo de um produto (4.o travessão).

    ( 15 ) V. níveis mínimos de tributação aplicáveis à eletricidade no Anexo I, Quadro C, da Diretiva 2003/96. Por força do seu artigo 4.o, n.o 2, o nível da tributação representa o montante total dos impostos indiretos cobrados [excluindo o imposto sobre o valor acrescentado (IVA)], calculados direta ou indiretamente com base na eletricidade à data de introdução no consumo.

    ( 16 ) V., neste sentido, Acórdão Flughafen Köln/Bonn (n.os 22 a 25).

    ( 17 ) Acórdão Cristal Union (n.os 38 e 46).

    ( 18 ) Acórdão Turbogás (n.os 12 e 42).

    ( 19 ) Acórdão Cristal Union (n.o 21 e jurisprudência referida). Qualquer interpretação divergente a nível nacional das obrigações de isenção previstas na Diretiva 2003/96 seria contrária ao objetivo de harmonização da regulamentação da União e à segurança jurídica, e seria suscetível de criar desigualdades de tratamento entre os operadores económicos em causa [v. Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Haltergemeinshaft (C‑250/10, não publicado, EU:C:2011:862, n.os 18 e 19)].

    ( 20 ) V., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems (C‑5/14, EU:C:2015:354, n.os 46 e 47). Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou, a este respeito, que a obrigação de isenção é suficientemente precisa e incondicional para conferir aos particulares o direito de a invocar perante os tribunais nacionais para se oporem a uma legislação nacional com ela incompatível [Acórdão Flughafen Köln/Bonn (n.o 33)].

    ( 21 ) Essa referência existe, porém, no que respeita ao conceito de «produção em centrais de cogeração de calor e eletricidade “respeitadoras do ambiente”», a que se refere o artigo 15.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2003/96.

    ( 22 ) O itálico é meu.

    ( 23 ) Saliento também que a Diretiva 2003/96 não regula a questão de saber de que forma deve ser produzida a prova da utilização dos produtos energéticos ou de eletricidade para fins que dão direito à isenção. Pelo contrário, como resulta do seu artigo 14.o, n.o 1, esta diretiva confia aos Estados‑Membros o cuidado de fixarem os requisitos de isenção previstos nesta disposição, tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples destas isenções e impedir a fraude, a evasão fiscal ou os abusos [v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Polihim‑SS (C‑355/14, EU:C:2016:403, n.o 57)].

    ( 24 ) V. Acórdão de 12 de junho de 2018, Louboutin e Christian Louboutin (C‑163/16, EU:C:2018:423, n.o 20 e jurisprudência referida).

    ( 25 ) V., por analogia, Acórdão Vakarų Baltijos laivų statykla (n.os 29 e 30), sobre a aplicação da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2003/96, às operações de navegação que não servem diretamente para a prestação de um serviço a título oneroso.

    ( 26 ) V. análise no n.o 66 das presentes conclusões.

    ( 27 ) A título de exemplo, parece‑me difícil contestar que os diferentes processos de produção de eletricidade numa central eólica são diferentes dos de uma central nuclear ou, como no presente caso, de uma central a linhite.

    ( 28 ) Acórdão Cristal Union (n.o 23).

    ( 29 ) Acórdão Cristal Union (n.os 24 e 25 e jurisprudência referida).

    ( 30 ) Acórdão Cristal Union (n.os 27 e 28) e UPM France (n.o 53).

    ( 31 ) Acórdãos Cristal Union (n.o 29 e jurisprudência referida) e Turbogás (n.o 34).

    ( 32 ) V. Acórdão de 6 de junho de 2018, Koppers Denmark (C‑49/17, EU:C:2018:395, n.o 28 e jurisprudência referida). V., igualmente, considerando 6 da Diretiva 2003/96.

    ( 33 ) V., neste sentido, Acórdão Cristal Union (n.os 31 e 33 e jurisprudência referida).

    ( 34 ) V., neste sentido, Acórdão Turbogás (n.os 35 e 42).

    ( 35 ) V., artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2003/96, que se refere ao código NACE, 2702, que corresponde, designadamente, às «Linhites, mesmo aglomeradas, exceto azeviche», e a Nota explicativa da nomenclatura combinada da União Europeia (JO 2015, C 76, p. 1), relativa à posição 2702.

    ( 36 ) Eventualmente, o termo «produção» pode igualmente incluir a «extração» (v., neste sentido, artigo 21.o, n.o 2, da Diretiva 2003/96). V., no mesmo sentido, considerando 25 da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243).

    ( 37 ) V., neste sentido, Acórdão Turbogás (n.o 42).

    ( 38 ) Este nexo indissociável entre a extração e a produção de eletricidade resulta do facto de não existir um mercado alemão ou internacional de fornecimento de linhite.

    ( 39 ) V., neste sentido, Acórdão Petrotel‑Lukoil (n.o 34).

    ( 40 ) V., por analogia, Acórdão Vakarų Baltijos laivų statykla (n.os 35 e 36).

    ( 41 ) V., por analogia, Acórdão Cristal Union (n.o 45).

    ( 42 ) V., por analogia, Acórdão Cristal Union (n.os 41 a 43).

    ( 43 ) V. artigo 13.o, n.o 1, alínea b), da proposta da Comissão (JO 1997, C 139, p. 14).

    ( 44 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Petrotel‑Lukoil (C‑68/18, EU:C:2019:422, n.o 27).

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