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Document 62021CC0392

    Conclusões da advogada-geral Ćapeta apresentadas em 14 de julho de 2022.
    TJ contra Inspectoratul General pentru Imigrări.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Cluj.
    Reenvio prejudicial — Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 90/270/CEE — Artigo 9.o, n.o 3 — Trabalho com equipamentos dotados de visor — Proteção dos olhos e da vista dos trabalhadores — Dispositivos de correção especiais — Óculos — Aquisição pelo trabalhador — Modalidades de assunção das despesas pela entidade patronal.
    Processo C-392/21.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:583

     CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    TAMARA ĆAPETA

    apresentadas em 14 de julho de 2022 ( 1 )

    Processo C‑392/21

    TJ

    contra

    Inspectoratul General pentru Imigrări

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia)]

    «Pedido de decisão prejudicial — Política social — Proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores — Artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 90/270/CEE — Trabalho com “equipamentos dotados de visor” — Proteção dos olhos e da vista dos trabalhadores — Conceito de “dispositivos de correção especiais”»

    I. Introdução

    1.

    Adotada em 1990, quando o trabalho com equipamentos dotados de visor não estava tão difundido, a Diretiva 90/270/CEE ( 2 ) (a seguir «Diretiva 90/270») estabelece determinados requisitos em matéria de saúde e segurança relativos ao trabalho com equipamentos dotados de visor. Esta diretiva contém elementos que, atualmente, podem parecer evidentes ou mesmo nostálgicos, como a exclusão das máquinas de escrever do seu âmbito de aplicação ( 3 ). No entanto, a Diretiva 90/270 também prevê direitos que têm um impacto mais significativo numa época em que o trabalho com equipamentos dotados de visor é omnipresente. É o caso, por exemplo, dos direitos decorrentes do artigo 9.o, n.o 3, desta diretiva, relativos ao direito do trabalhador a «dispositivos especiais de correção» para trabalhar com ecrãs de computador.

    2.

    É este o direito em causa no caso em apreço. Depois de consultar um médico especialista, o recorrente, cuja visão se deteriorou, adquiriu uns óculos de correção novos. A sua entidade patronal recusou‑se a cobrir as respetivas despesas. Esta situação deu origem a um litígio perante o Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), o órgão jurisdicional de reenvio.

    3.

    Este órgão jurisdicional tem, nomeadamente, dúvidas sobre se a expressão «dispositivos de correção especiais», tal como consta do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 90/270, abrange os óculos de correção.

    4.

    Apesar de à primeira vista parecer irrelevante, a interpretação que o Tribunal de Justiça irá dar a este conceito terá implicações mais abrangentes, não só na saúde do recorrente, mas também nos sistemas nacionais de proteção de todos os trabalhadores obrigados a trabalhar com ecrãs de computador.

    II. Quadro jurídico

    5.

    O artigo 9.o da Diretiva 90/270, sob a epígrafe «Proteção dos olhos e da vista dos trabalhadores», prevê:

    «1.   Os trabalhadores beneficiarão de um exame adequado dos olhos e da vista, efetuado por uma pessoa que possua as necessárias qualificações:

    antes de iniciarem o trabalho com visor,

    depois disso, periodicamente, e

    quando surgirem perturbações visuais que tenham podido resultar do trabalho com visor.

    2.   Os trabalhadores beneficiarão de um exame médico oftalmológico se os resultados do exame referido no n.o 1 demonstrarem a sua necessidade.

    3.   Os trabalhadores devem receber dispositivos de correção especiais, concebidos para o seu tipo de trabalho, se os resultados do exame referido no n.o 1 ou do exame referido no n.o 2 demonstrarem a sua necessidade e os dispositivos de correção normais não puderem ser utilizados.

    4.   As medidas tomadas em aplicação do presente artigo não devem em caso algum ocasionar encargos financeiros adicionais para os trabalhadores.

    5.   A proteção dos olhos e da vista dos trabalhadores pode fazer parte de um sistema nacional de saúde.»

    III. Matéria de facto no processo principal e questões prejudiciais

    6.

    O recorrente no processo principal trabalha na Inspectoratul General pentru Imigrări (Inspeção‑Geral da Imigração da Roménia; a seguir «Inspeção‑Geral»). Como parte das suas funções, é obrigado a trabalhar com equipamentos dotados de visor. O recorrente alega que este trabalho, conjugado com outros fatores de risco, provocou uma deterioração acentuada da sua visão, que tornou necessária, por recomendação de um médico especialista, a mudança dos seus óculos.

    7.

    O recorrente declarou que o sistema nacional de saúde romeno não podia reembolsar o montante de 2629 lei romenos (RON) (aproximadamente 543 euros à data da instauração do processo), correspondente ao valor do dispositivo de correção especial da visão e às faturas relativas ao montante dos óculos, das lentes, da armação e da mão‑de‑obra. O recorrente apresentou um pedido de reembolso deste montante à Inspeção‑Geral, a sua entidade patronal, que foi indeferido.

    8.

    Na sequência destes factos, em 19 de junho de 2020, o recorrente intentou uma ação no Tribunalul Cluj (Tribunal Regional de Cluj, Roménia) pedindo a condenação da sua entidade patronal no pagamento do montante requerido. O tribunal julgou o seu pedido improcedente, por considerar que não estavam preenchidos os requisitos para o reembolso. A norma relevante que transpõe a Diretiva 90/270 ( 4 ) não dá origem a um direito ao reembolso das despesas relativas a dispositivos de correção especiais, mas apenas a um direito ao fornecimento desses dispositivos se a sua utilização for necessária.

    9.

    O recorrente interpôs recurso desta sentença para o Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj), o órgão jurisdicional de reenvio no caso em apreço.

    10.

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que é necessário interpretar o conceito de «dispositivos de correção especiais» na aceção do artigo 9.o da Diretiva 90/270, uma vez que não está definido nesta diretiva. Considera também que o conceito deve ser interpretado no sentido de que abrange os óculos, na medida em que estes sejam necessários para os trabalhadores que sofrem de deterioração visual devido às suas condições de trabalho. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se os «dispositivos de correção especiais» mencionados no artigo 9.o da Diretiva 90/270 são dispositivos utilizados exclusivamente no posto de trabalho ou se podem também ser utilizados fora do posto de trabalho.

    11.

    Nestas circunstâncias, o Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1.

    Deve a expressão “dispositivos de correção especiais”, que figura no artigo 9.o da [Diretiva 90/270], ser interpretada no sentido de que não pode abranger os óculos de correção?

    2.

    Deve a expressão “dispositivos de correção especiais”, que figura no artigo 9.o da [Diretiva 90/270], ser entendida apenas como um dispositivo utilizado exclusivamente no posto de trabalho ou no exercício das funções laborais?

    3.

    A obrigação de fornecer um dispositivo de correção especial, prevista no artigo 9.o da [Diretiva 90/270], diz respeito exclusivamente à compra do dispositivo pela entidade patronal ou pode ser interpretada em sentido lato, ou seja, incluindo também a hipótese de a entidade patronal assumir as despesas necessárias efetuadas pelo trabalhador para obter o dispositivo?

    4.

    É compatível com o artigo 9.o da [Diretiva 90/270] a cobertura dessas despesas pela entidade patronal sob a forma de um aumento geral da remuneração, pago de modo permanente a título de “aumento por condições de trabalho difíceis”?»

    12.

    Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pela Inspeção‑Geral, pelos Governos italiano e romeno, bem como pela Comissão Europeia. Não foi requerida nem realizada nenhuma audiência.

    IV. Análise

    13.

    O Tribunal de Justiça solicitou que as minhas conclusões se centrassem apenas na primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o conceito de «dispositivos de correção especiais», que figura no artigo 9.o da Diretiva 90/270, deve ser interpretado no sentido de que não pode abranger os óculos de correção.

    14.

    Para responder a esta questão, irei proceder do seguinte modo. Em primeiro lugar, farei algumas observações preliminares relativas ao contexto em que se enquadra a Diretiva 90/270 e que, por conseguinte, influencia a sua interpretação (A). Em segundo lugar, apresentarei uma interpretação do conceito de «dispositivos de correção especiais», com o objetivo de responder à questão de saber se esta expressão abrange os óculos de correção e de que tipo (B).

    A.   Observações preliminares

    15.

    A Diretiva 90/270 é uma das vinte ( 5 )«diretivas filhas» ( 6 ) adotadas ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva-Quadro em matéria de segurança e saúde no trabalho (a seguir, «Diretiva-Quadro») ( 7 ).

    16.

    Tal como uma mãe molda a visão de vida do seu filho, o objetivo geral da Diretiva-Quadro influenciou a Diretiva 90/270, incluindo na área específica do trabalho com equipamentos dotados de visor ( 8 ). Por conseguinte, é necessário fazer uma breve apresentação da Diretiva-Quadro.

    17.

    A Diretiva-Quadro foi adotada ao abrigo do artigo 118.o‑A do Tratado CEE (atual artigo 153.o TFUE), a base jurídica das medidas de política social ( 9 ). O Tribunal de Justiça considerou que esta disposição confere amplos poderes à União para adotar medidas de proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores ( 10 ).

    18.

    Com a entrada em vigor da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), a saúde e a segurança dos trabalhadores passaram a ser um direito fundamental reconhecido pelo sistema jurídico da União. O seu artigo 31.o, n.o 1, prevê que «[t]odos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas». É interessante notar que as Anotações relativas à Carta estabelecem que o artigo 31.o, n.o 1, foi inspirado na Diretiva-Quadro ( 11 ). Por conseguinte, podemos concluir que esta diretiva constitui, desde a sua adoção, uma expressão de um direito fundamental que apenas foi codificado pela Carta.

    19.

    Em consonância com o que precede, o Tribunal de Justiça confirmou que o âmbito de aplicação e as disposições da Diretiva-Quadro exigem uma interpretação em sentido amplo ( 12 ). Ao mesmo tempo, qualquer exclusão do seu âmbito de aplicação, ou do âmbito de aplicação de outras diretivas destinadas a proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores, deve ser limitada ( 13 ).

    20.

    Considerando que a Diretiva-Quadro tem o objetivo claro de promover a melhoria das condições de saúde e segurança no trabalho ( 14 ), este objetivo é alcançado por meio de dois tipos de medidas no âmbito das «diretivas filhas»: medidas que previnem os riscos de um ambiente de trabalho perigoso para a saúde dos trabalhadores ( 15 ) e medidas que visam a correção das condições de saúde e segurança de grupos específicos de trabalhadores ( 16 ).

    21.

    É à luz deste objetivo comum, de corrigir e prevenir situações relativas à saúde e à segurança dos trabalhadores ( 17 ), que o artigo 9.o da Diretiva 90/270 ( 18 ) deve ser interpretado.

    B.   Interpretação do conceito de «dispositivos de correção especiais»

    22.

    Os objetivos da Diretiva 90/270, interpretados à luz do quadro legislativo de que faz parte, reconhecem a necessidade de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores através da identificação e correção das suas dificuldades visuais.

    23.

    O artigo 9.o desta diretiva traduz esse objetivo geral de proteção em direitos para o trabalhador. Estes incluem o direito a exames de diagnóstico e a dispositivos de correção especiais quando a sua utilização for necessária.

    24.

    Assim, o artigo 9.o, n.o 1, especifica em primeiro lugar que os trabalhadores que utilizam equipamentos dotados de visor têm o direito a realizar um exame dos olhos e da vista antes e depois de iniciarem o trabalho com visor ( 19 ). A seguir, o artigo 9.o, n.o 2, confere aos trabalhadores o direito a um exame médico com um oftalmologista, se necessário. Se os resultados de um desses exames demonstrarem a sua necessidade, e desde que não possam ser utilizados dispositivos de correção normais, o artigo 9.o, n.o 3, prevê que os trabalhadores devem receber dispositivos de correção especiais, sem quaisquer encargos financeiros ( 20 ).

    25.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «dispositivos de correção especiais» também abrange os óculos de correção.

    26.

    Desde logo, é possível retirar alguns esclarecimentos da génese da Diretiva 90/270. Como foi salientado pela Comissão, apesar de a proposta inicial da diretiva ter utilizado o conceito «óculos», este acabou por ser substituído pelo conceito mais abrangente de «dispositivos de correção» ( 21 ). Assim, este conceito abrange não só óculos, mas presumivelmente também outros tipos de dispositivos que podem corrigir perturbações visuais ou prevenir danos à visão (tais como filtros de luz azul para ecrãs, por exemplo).

    27.

    Consequentemente, embora a Diretiva 90/270 distinga entre «dispositivos de correção normais» e «dispositivos de correção especiais», ambos os conceitos abrangem óculos. No entanto, o conceito de dispositivos de correção «especiais», ou mais simplesmente, de óculos «especiais», não está definido e deve, por conseguinte, ser interpretado. É sobre esta interpretação que me irei debruçar em seguida.

    28.

    A distinção entre dispositivos de correção «normais» e «especiais», bem como a sistemática do artigo 9.o — que só permite o fornecimento de dispositivos de correção «especiais» se os exames previstos nos n.os 1 e 2 demonstrarem a sua necessidade e se os dispositivos de correção «normais» não puderem ser utilizados para suprir essa necessidade — remete claramente para critérios que permitem determinar o tipo de óculos que podem ser abrangidos pelo conceito de «dispositivos de correção especiais».

    29.

    Estes critérios são, primeiro, que os dispositivos de correção «normais» não possam ser utilizados e, segundo, que os dispositivos de correção «especiais» sejam «concebidos para o seu tipo de trabalho».

    30.

    No que diz respeito ao primeiro critério, uma interpretação a contrario da redação do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 90/270 parece determinar que os dispositivos de correção «normais» são aqueles que são usados fora do posto de trabalho, na vida quotidiana, e que não têm uma relação específica com o trabalho com equipamentos dotados de visor. Segundo esta interpretação, por exemplo, uma troca anual rotineira de lentes por uma pessoa que já usa óculos e que tem miopia desde criança enquadrar‑se‑ia na categoria de «dispositivos de correção normais».

    31.

    A segunda parte do primeiro critério, [se] os dispositivos de correção normal «não puderem ser utilizados», estabelece que para ser qualificado de «dispositivo de correção especial» um dispositivo tem de ir além do que um dispositivo de correção normal corrigiria na vida quotidiana, estando presumivelmente direcionado para corrigir perturbações que inibem o trabalho em causa. Assim, as lentes que são prescritas por um médico ou por um optometrista e que se destinam a corrigir problemas oculares gerais ou perturbações visuais, mas que também são adequadas para trabalhar com equipamentos dotados de visor, sem terem sido prescritas para efeitos desse trabalho, seriam qualificadas de «dispositivos de correção normais». Pelo contrário, os chamados «óculos para computador», prescritos especialmente devido ao trabalho com visor, seriam qualificados de «dispositivos de correção especiais» ( 22 ).

    32.

    O segundo critério, o conceito de «concebidos para o seu tipo de trabalho», contido no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 90/270, imediatamente a seguir à expressão «dispositivos de correção especiais», parece sugerir que, na sequência dos exames previstos no artigo 9.o, n.os 1 e 2, desta diretiva, a prescrição de um «dispositivo de correção especial» é necessária para corrigir a perturbação visual identificada. A correção é necessária para permitir o início ou a continuação do trabalho com equipamentos dotados de visor ou para prevenir danos adicionais à visão. Por outras palavras, os dispositivos de correção especiais justificam‑se precisamente porque permitem a uma pessoa trabalhar com equipamentos dotados de visor. Se a pessoa não trabalhasse com um equipamento dotado de visor, seriam adequados óculos diferentes.

    33.

    Para efeitos da constituição do direito ao dispositivo de correção especial, não é necessário, como foi sugerido pela recorrida no processo principal, que seja impossível realizar o trabalho com equipamentos dotados de visor sem esses óculos. Esta interpretação estaria em contradição com o objetivo de prevenção e de correção da legislação em matéria de saúde e segurança no trabalho.

    34.

    Seria contrário a estes objetivos e à interpretação em sentido amplo que o Tribunal de Justiça aplicou a respeito da legislação em matéria de segurança e saúde no trabalho ( 23 ) sustentar que o direito a dispositivos de correção especiais só se constitui se os danos à visão tiverem sido causados pelo trabalho com equipamentos dotados de visor.

    35.

    À primeira vista, este nexo causal parece resultar do n.o 28 do Acórdão de 24 de outubro de 2002, Comissão/Itália (C‑455/00, EU:C:2002:612). O Tribunal de Justiça observou que os «dispositivos de correção especiais» previstos no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 90/270 «respeitam à correção de danos já existentes». Contudo, este número do acórdão não pode ser interpretado fora do contexto deste processo. Este acórdão resulta de uma ação por incumprimento intentada pela Comissão contra a República Italiana por aplicação incorreta do artigo 9.o da Diretiva 90/270. O acórdão em causa dizia respeito, nomeadamente, à alegada falta de transposição precisa pela República Italiana dos requisitos previstos no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 90/270, por força do qual as entidades patronais devem fornecer dispositivos de correção especiais.

    36.

    No n.o 28 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça respondeu ao argumento do Governo italiano segundo o qual as disposições do direito italiano que transpõem o artigo 9.o da Diretiva 90/270 deviam ser interpretadas em conjugação com as disposições de direito nacional relativas aos equipamentos de proteção individual (a seguir «EPI»), que especificavam os requisitos nos termos dos quais a entidade patronal tinha de fornecer os EPI. A utilização do termo «danos» parece decorrer da comparação feita pelo Tribunal de Justiça, nesse número, entre dispositivos de correção especiais e EPI e os danos que estes últimos procuram prevenir. Esta análise é reforçada no n.o 29 deste acórdão, no qual o Tribunal de Justiça sublinhou uma vez mais a diferença entre os dispositivos de correção especiais e os EPI, e os riscos que estes últimos procuram prevenir ( 24 ), para refutar a confusão operada pelo Governo italiano entre os dois. Por conseguinte, o n.o 28 deste acórdão deve ser considerado com base nesta perspetiva.

    37.

    Ainda que, no acórdão em causa, o Tribunal de Justiça tenha introduzido o conceito de «danos» (termo que não é utilizado pela Diretiva 90/270), não especificou que os danos devem ser causados pelo trabalho com equipamentos dotados de visor. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça parece afirmar que esses dispositivos de correção devem corrigir danos «existentes». As perturbações visuais (conceito utilizado pela Diretiva 90/270) devem efetivamente verificar‑se enquanto requisito para a constituição do direito a um dispositivo de correção especial, seja para permitir o trabalho com equipamentos dotados de visor ou para prevenir danos adicionais à visão. No entanto, o trabalho com dispositivos dotados de visor não tem necessariamente de ser a causa das perturbações visuais.

    38.

    A própria sistemática do artigo 9.o também parece sugerir que as perturbações visuais não têm necessariamente de resultar do trabalho com equipamentos dotados de visor para efeitos de constituição do direito a dispositivos de correção especiais. Embora o terceiro travessão do artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva mencione especificamente que as perturbações visuais que tenham podido resultar do trabalho com visor justificam o procedimento de exame oftalmológico, podendo eventualmente levar ao fornecimento de um dispositivo de correção especial ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, esse mesmo procedimento pode também ser levado a cabo antes do início do trabalho com visor, ou depois disso, periodicamente, nos termos, respetivamente, do primeiro e segundo travessões do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 90/270 ( 25 ).

    39.

    Nenhum destes travessões sugere um nexo de causalidade entre as potenciais perturbações visuais e o trabalho com visor. No entanto, todos podem conduzir à disponibilização de dispositivos de correção especiais ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, dessa diretiva, desde que se possa estabelecer uma relação com «o seu tipo de trabalho», na aceção do mesmo artigo.

    40.

    Tendo em conta os dois critérios acima mencionados, será que os óculos adquiridos pelo recorrente no caso em apreço estão abrangidos pela obrigação do artigo 9.o, n.o 3, que recai sobre a recorrida?

    41.

    Embora esta questão deva, em última instância, ser apreciada pelo órgão jurisdicional nacional, parece‑me que a resposta deverá ser afirmativa.

    42.

    Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio declarou que o recorrente no processo principal consultou efetivamente um médico especialista devido à deterioração acentuada da sua visão. Tal parece preencher os requisitos alternativos previstos no artigo 9.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 90/270. Em segundo lugar, o recorrente foi aconselhado nessa consulta a mudar de óculos. Em terceiro lugar, essa mudança de óculos implica que os óculos utilizados pelo recorrente no processo principal já não eram adequados para corrigir a sua visão, especialmente tendo em conta a sua hipermetropia e presbiopia, sendo necessária para o trabalho com equipamentos dotados de visor.

    43.

    À luz do que precede, a lógica da obrigação contida no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 90/270 parece ser aplicável: a recorrida deve fornecer ao recorrente óculos que corrijam a sua visão deteriorada e que lhe permitam continuar a trabalhar com equipamentos dotados de visor.

    V. Conclusão

    44.

    Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão submetida pelo Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia) do seguinte modo:

    A expressão «dispositivos de correção especiais», que figura no artigo 9.o da Diretiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor (quinta Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) deve ser interpretada no sentido de que abrange os óculos de correção, desde que esses óculos se destinem a corrigir perturbações visuais específicas, a fim de permitir o trabalho com equipamentos dotados de visor.

    Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se os óculos em causa preenchem estes requisitos.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) Diretiva do Conselho, de 29 de maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor (quinta Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO 1990, L 156, p. 14).

    ( 3 ) Artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 90/270.

    ( 4 ) O órgão jurisdicional nacional refere‑se ao artigo 14.o do Hotărârea Guvernului nr. 1028/2006, privind cerințele minime de securitate și sănătate în muncă referitoare la utilizarea echipamentelor cu ecran de vizualizare (Decreto do Governo n.o 1028/2006, que estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor).

    ( 5 ) A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho fornece uma lista abrangente dessas diretivas. V. https://oshwiki.eu/wiki/General_principles_of_EU_OSH_legislation.

    ( 6 ) Relativamente ao estatuto da Diretiva‑quadro como «quadro», v. Acórdão de 12 de novembro de 1996, Reino Unido/Conselho (C‑84/94, EU:C:1996:431, n.o 65); Conclusões do Advogado‑geral P. Léger no processo Reino Unido/Conselho (C‑84/94, EU:C:1996:93, n.o 65 e respetiva nota de pé de página n.o 28); do Advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Comissão/Alemanha (C‑103/01, EU:C:2002:738, n.o 31) e do Advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Ministrstvo za obrambo (C‑742/19, EU:C:2021:77, n.o 25). V., também, Bercusson, B., European Labour Law, 2.a ed., CUP, Cambridge, 2009, p. 58; e Barnard, C., EU Employment Law, 4.a ed., OUP, Oxford, 2012, p. 511.

    ( 7 ) Diretiva do Conselho 89/391/CEE, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO 1989, L 183, p. 1) (a seguir «Diretiva‑quadro sobre a segurança e saúde no trabalho»).

    ( 8 ) V., em especial, o quarto considerando da Diretiva 90/270 («a observância das prescrições mínimas destinadas a assegurar um maior nível de segurança dos postos de trabalho em que são utilizados visores constitui um imperativo para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores») e o seu artigo 1.o (que estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visores). V., também, Acórdão de 6 de julho de 2000, Dietrich (C‑11/99, EU:C:2000:368, n.o 36) (a observância das prescrições mínimas destinadas a assegurar um maior nível de segurança dos postos de trabalho em que são utilizados visores constitui um imperativo para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores).

    ( 9 ) V., a este respeito, Conclusões do Advogado‑geral G. Pitruzzella no processo Academia de Studii Economice din Bucureşti (C‑585/19, EU:C:2020:899, n.o 27) (a melhoria, através de prescrições mínimas, da proteção da saúde e da segurança no trabalho é um elemento‑chave na construção do direito social europeu).

    ( 10 ) V. Acórdão de 12 de novembro de 1996, Reino Unido/Conselho (C‑84/94, EU:C:1996:431, n.o 15), no qual o Tribunal de Justiça considerou que os conceitos contidos no artigo 118.o‑A CEE, em especial a parte da frase «nomeadamente das condições de trabalho» milita a favor de uma interpretação lata da competência conferida ao Conselho pelo artigo 118.o‑A [CEE] em matéria de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores». V., também, Conclusões do Advogado‑geral P. Léger no processo Reino Unido/Conselho (C‑84/94, EU:C:1996:93, n.os 39 a 62), onde se alega que as origens dos conceitos contidos neste artigo do Tratado, bem como o elevado nível de proteção dos trabalhadores que parece ser procurado através da linguagem utilizada nestes conceitos, justifica a interpretação extensiva do âmbito de aplicação do artigo 118.o‑A CEE.

    ( 11 ) A Anotação ad artigo 31.o, n.o 1, da Carta dispõe o seguinte: «[o] n.o 1 deste artigo baseia‑se na Diretiva 89/391/CEE, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho».

    ( 12 ) V., para o efeito, Acórdãos de 3 de outubro de 2000, Simap (C‑303/98, EU:C:2000:528, n.o 34) e de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 52).

    ( 13 ) Limitando assim as profissões que podem ser consideradas «certas atividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou […] outras atividades específicas dos serviços de proteção civil», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva‑quadro em matéria de segurança e saúde no trabalho. V., para o efeito, Acórdãos de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.o 54) de 20 de novembro de 2018, Sindicatul Familia Constanţa e o. (C‑147/17, EU:C:2018:926, n.o 53); e de 15 de julho de 2021, Ministrstvo za obrambo (C‑742/19, EU:C:2021:597, n.os 55 e 56).

    ( 14 ) V. artigo 1.o da mesma. V., também, Klindt, T. e Schucht, T., «Art. 1 Ziel der Richtlinie», in Franzen, M., Gallner, I. e Oetker, H., Kommentar zum europäischen Arbeitsrecht, 4.a ed., C. H. Beck, Munique, 2022, p. 410, n.o 1, com referências adicionais, no qual os autores consideram a diretiva como a «constituição» do direito da União em matéria de saúde e segurança no trabalho.

    ( 15 ) V., por exemplo, Diretiva 90/269/CEE do Conselho, de 29 de maio de 1990, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes à movimentação manual de cargas que comportam riscos, nomeadamente dorso‑lombares, para os trabalhadores (quarta Diretiva especial na aceção do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 89/391/CEE) (JO 1990, L 156, p. 9); Diretiva 98/24/CE do Conselho, de 7 de abril de 1998, relativa à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores contra os riscos ligados à exposição a agentes químicos no trabalho (décima‑quarta Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO 1998, L 131, p. 11).

    ( 16 ) V., por exemplo, Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima Diretiva especial na aceção do n.o 1 do artigo 16.o da Diretiva 89/391/CEE) (JO 1992, L 348, p. 1).

    ( 17 ) V. Diretiva‑quadro, artigo 1.o, n.o 2, artigos 6.o e 7.o e considerandos décimo (que se refere à necessidade de adotar medidas preventivas) e décimo primeiro (que se refere à necessidade de redução ou eliminação dos riscos para a saúde e segurança dos trabalhadores). V., também, Acórdão de 22 de maio de 2003, Comissão/Países Baixos (C‑441/01, EU:C:2003:308, n.o 38) (que especifica esses objetivos e acrescenta que o legislador da União contemplou alguns meios considerados aptos a permitir que o objetivo fixado seja atingido).

    ( 18 ) V., para o efeito, Acórdão de 6 de julho de 2000, Dietrich (C‑11/99, EU:C:2000:368, n.os 37 e 38), no qual o Tribunal de Justiça explicou que uma interpretação «restritiva» do âmbito de aplicação da Diretiva 90/270, nos termos do seu artigo 2.o, alínea a), «de forma a que fossem excluídos do âmbito de aplicação desta os visores de gravações filmadas, teria por consequência que um número significativo de trabalhadores não poderia beneficiar da proteção prevista nesta diretiva» e «[s]eria assim gravemente prejudicado o efeito útil da diretiva».

    ( 19 ) Nesse sentido, atua como uma expressão da abordagem preventiva e baseada no risco para a saúde e segurança dos trabalhadores, conforme adotada pelo artigo 6.o da Diretiva‑quadro em matéria de segurança e saúde no trabalho.

    ( 20 ) Conclusões do Advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Comissão/Itália (C‑455/00, EU:C:2002:211, n.o 18).

    ( 21 ) V. artigo 9.o da Proposta de diretiva do Conselho relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamento dotado de visores [COM(88) 77 final] (JO 1998, C 113, p. 7).

    ( 22 ) Alguns estudos referem que a variedade de distâncias de trabalho envolvidas na utilização de diferentes dispositivos digitais pode justificar a prescrição de óculos para computador com lentes progressivas para corrigir a presbiopia, em vez de uma correção geral das dioptrias. V., por exemplo, Sheppard, A., Wolffsohn, J., «Digital eye strain: prevalence, measurement and amelioration», BMJ Open Ophthalmology, vol. 3(1), BMJ, 2018, p. 6, e estudos referidos.

    ( 23 ) V. n.os 17, 19 e 20 das presentes conclusões.

    ( 24 )

    ( 25 ) Como é observado pela Comissão na sua resposta à questão escrita no caso em apreço, a utilização de linguagem condicional no terceiro travessão do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva relativa aos equipamentos dotados de visor («que tenham podido resultar») também parece implicar que as perturbações visuais resultantes do trabalho com equipamentos dotados de visor podem ser uma das causas que justificam o fornecimento de dispositivos de correção, mas não têm necessariamente de ser a única causa.

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